Relações interculturais construídas entre os atores envolvidos na educação de surdos1 Carla Couto de Paula Silvério (UFJF) Davi Vieira Medeiros (UFJF) RESUMO A presença de alunos surdos em escolas comuns vem transformando a dinâmica existente não só na sala de aula, mas em todos os ambientes desse contexto. Portanto, propomos uma reflexão acerca dos papéis exercidos pelos diversos atores envolvidos na educação de surdos e da influência da diversidade cultural na dinâmica de ensino. Neste trabalho, discutimos sobre a educação intercultural a partir de AKKARI (2010), os quais a aborda sob a perspectiva da diversidade cultural no ambiente escolar e sob o respeito às várias identidades culturais existentes. No caso específico da educação de surdos, as diferenças culturais se entrelaçam e conferem caráter intercultural ao ambiente educacional: os professores lidam com duas línguas de diferentes modalidades, o português (oralauditivo e escrito) e a língua de sinais brasileira (viso-espacial); junto à língua, os alunos, surdos e ouvintes, trazem consigo uma bagagem cultural, dialogando com/ no ambiente coletivo e (re)significando as relações existentes nesse espaço; o intérprete educacional deve ser conhecedor das línguas em questão e das culturas inerentes a elas, atuando na transposição dos saberes envolvidos nesse processo (QUADROS, 2004, LEITE, 2005, LACERDA, 2005 e 2009). A relevância desse trabalho se dá pela necessidade de se refletir mais a fundo sobre os papéis exercidos pelos diversos atores na educação de surdos em escolas comuns e como sua diversidade cultural vem caracterizando esse processo de ensino. Palavras-chave: Interculturalidade; Diversidade Cultural; Educação; Intérprete Educacional. Introdução Os intercâmbios culturais, os quais trilham por diferentes espaços, acarretam uma série de indagações acerca das diferenças e dos “outros”, conduzindo à emergência de teorias que buscam discutir e refletir sobre a cultura a partir de suas transformações, por processos de interação e de diálogo, e/ ou a partir da inclusão multicultural. Desenvolvem-se, desta forma, no plano das Ciências Humanas e das Ciências Sociais, conceitos como os de multiculturalismo e os de interculturalismo2. Para tal reflexão e discussão faz-se necessário traçar alguns esclarecimentos iniciais sobre a utilização do termo cultura bem como sobre a forma com a qual ele se tornou um conceito estratégico no mundo contemporâneo. Desde o final do século XVIII, por meio do 1 Texto publicado nos ANAIS do I SIDE, disponpível em: http://www.ufjf.br/eventoneped/1o-sideanais/ 2 Os termos multiculturalismo (e, por conseguinte, multicultural e multiculturalidade) e interculturalismo (e, logo, intercultural e interculturalidade) são neste trabalho considerados distintos: enquanto o primeiro aponta para a realidade da presença de diversas culturas no seio de uma mesma sociedade e visa manter a assimetria do poder entre elas sem, no entanto, trazer à tona o marco estabelecido pela ordem cultural hegemônica, o segundo chama a atenção para a comunicação e a interação entre elas existentes, procurando não somente a mera coexistência entre as distintas culturas em um mesmo espaço, mas sim, certa qualidade interativa das relações delas entre si (FORNETBETANCOURT apud DANÁSIO, 2008). Em outras palavras, enquanto o multiculturalismo denota a multiplicidade de culturas sem fazer referência à possível relação entre elas, o interculturalismo diz respeito à relação entre elas existente. termo kultur, de origem germânica, e do termo civilization, fazia-se menção aos aspectos espirituais de uma comunidade e às realizações materiais de um povo, respectivamente. É a partir do aparecimento do termo inglês culture, todavia, que a noção mais complexa de cultura é estabelecida, passando a abranger, então, “todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.” (LARAIA apud DAMÁZIO, 2008, p. 65) ou, ainda, nas palavras de Doutreloux apud Akkari (2010, p. 15-16): é um sistema de representações específicas à espécie humana, que confere coerência, sentido e significado às experiências individuais e coletivas. As culturas não se diferem por seus conteúdos, ou não totalmente, mas pela forma de organizá-los, de associá-los e de hierarquiza-los. Conforme aponta Damázio (2008), a partir da década de 80 as questões das Ciências Sociais bem como as das humanidades concorreram ao domínio transdisciplinar dos estudos culturais a fim de conceber-se a cultura como sendo um fenômeno aliado à diferenciação e à hierarquização, no contexto de sociedades nacionais, de cenários locais ou de espaços transnacionais. Assim, a cultura torna-se um conceito estratégico3 central para a definição de identidades e de alteridades no mundo contemporâneo, mas, também, um campo de lutas e de contradições (SPIVAK apud SANTOS, NUNES, 2004). A proposta do interculturalismo emerge, então, a partir das lacunas provenientes do multiculturalismo e visa à transformação das culturas a partir de processos de interação e à superação das diferenças culturais. Na Europa, o interculturalismo está associado aos imigrantes do terceiro mundo, se dando, tal proposta, na forma de “comunicação intercultural”, como uma nova aprendizagem democrática entre os diferentes grupos culturais; na América Latina, tal perspectiva está relacionada aos dessemelhantes, mas peças peculiares de cada nação, povos e comunidades, como, por exemplo, os povos indígenas (DAMÁZIO, 2008). Giardinetto (2000), alerta para a questão de, com a globalização, a, até então, entorpecida diversidade étnica existente nos países, transformar-se em um elemento de conflitos entre países e também no interior deles, pelo fato de a mundialização da economia permitir a redefinição dos territórios. Devido aos movimentos migratórios oriundos de países em que a economia encontrava-se enfraquecida para países em que ela se encontrava mais Se tornando um conceito estratégico, vários “ismos” derivam do conceito de cultura bem como são amplamente empregados e debatidos na contemporaneidade, como, conforme já mencionados, multiculturalismo e interculturalismo. 3 desenvolvida, vê-se uma reação dos países receptores aos grandes contingentes migratórios, inflamando os movimentos racistas, xenófobos4 e de intolerância contra as minorias étnicas5 que se instalaram nesses países. Nesse interim, os conflitos, de grande relevância, passam a ser item de preocupação de potências industrializadas, e a temática interculturalidade passa a ser um elemento de reflexão consideravelmente relevante, se estendendo às diversas esferas da estrutura social, como, por exemplo, a escola. Interculturalidade na educação A sociedade contemporânea abarca uma grande diversidade cultural que também se faz presente nas escolas, as quais, inúmeras vezes, têm ignorado esse fato. Segundo Akkari (2010), desde a sua constituição, percebe-se nas escolas a constante prevalência de determinados grupos sociais em detrimento de outros, caracterizando certo etnocentrismo6 em relação a alguns desses grupos, buscando-se, assim, a homogeneização cultural e respeitando minimamente as culturas minoritárias. Além disso, embora um dos papéis da escola seja de emancipadora, este, muitas vezes, só é exercido em favor de alguns dos estudantes, sendo estes, na maioria das vezes, pertencentes a grupos restritos. Pensando nisso, podemos dizer que a escolarização deve se remeter ao compartilhamento de culturas diversas, revelando, assim, seus valores a todos os alunos. Algumas explicações são dadas para o fato de existir a diversidade cultural nas escolas brasileiras. Uma delas seria a democratização que aconteceu na década de 1980 em toda a América Latina, o que culminou, inclusive, na Constituição Federal Brasileira, de 1988. De acordo com as reflexões de Ferreira (2010), a maior parte da população, até a década de 1970, não tinha acesso à escola. A educação pública era planejada e realizada para as classes mais favorecidas da sociedade. No entanto, a Constituição em questão obrigou o Estado a oferecer 4 Xenofobia é um conceito que se refere à predisposição de um sujeito ou de um grupo à aversão ou à rejeição de indivíduos que possuem padrões culturais e práticas sociais distintos dos seus, que, por isso, são vistos como estranhos e indesejáveis (ROCHA-TRINDADE apud GIARDINETTO, 2000). 5 Giardinetto (2000), citando Rocha-Trindade, aponta que esse conceito denota, para além do sentido numérico, que a etnia considerada é claramente notada, quer seja pelas suas características físicas, quer seja pelas suas caraterísticas sociais e/ ou comportamentais. E chama a atenção, também, dizendo essa etnia apresentar-se em uma posição de desigualdade no que tange a termos políticos e econômicos frente à sociedade majoritária. 6 O etnocentrismo, atitude compartilhada por todas as culturas, consiste em fazer de sua cultura de origem o modelo de humanidade, isto é, considerar as maneiras de viver e/ ou de pensar, os costumes bem como as crenças da cultura na qual pertencemos como sendo as melhores. (AKKARI, 2010). educação pública e de qualidade para toda a população em idade de escolarização. A partir de então, a escola passar a incluir, principalmente no Ensino Fundamental, de maneira precária, os grupos que, até então, eram excluídos da escolarização, deixando de ter um alunado homogêneo e passando a ter, assim, uma heterogeneidade de alunos oriundos das famílias mais pobres, com precedentes de desescolarização. Como grande reprodutora que é da sociedade, legitima a exclusão interna ao seu espaço educacional7. Além desse, outros dois fatores também são destacados na justificação da diversidade cultural no âmbito educacional, que são a descolonização e a internalização das migrações. Portanto, a partir das práticas culturais bem como a partir de sistemas de representações, como a língua, por exemplo, os grupos sociais vão surgindo e se caracterizando. Considerando a noção de cultura já proposta, no ambiente escolar, de forma mais geral, para que um professor possa lidar com um aluno de cultura diferente da sua, primeiramente ele precisa considerar que existe essa nova cultura para, então, poder compreender em que consiste essa cultura, apreender a forma como o próprio aluno a concebe, localizar suas diferentes características dentro de um contexto dinâmico educacional e combater, dessa forma, a inclinação que os atores envolvidos nas ações da escola têm em produzir comportamentos etnocêntricos. Educação de surdos8 Refletindo a respeito de uma situação mais específica, colocamos em evidência a educação destinada às pessoas surdas na escola comum9. Segundo Leite (2005), foi a partir da Declaração de Salamanca, documento produzido na Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, em 1994, que a educação de surdos começou a ser repensada: até então, os surdos estudavam em escolas especiais – aquelas que recebiam apenas pessoas com deficiência –, porém, com a elaboração dessa declaração a orientação 7 Segundo Burgos (2012, p. 1016), o sociólogo Pierre Bourdieu aplicou o conceito de sociologia da reprodução, principalmente, para explicar a forma pela qual instituições sociais, como escolas, reproduzem as ideias culturais que legitimam a posição privilegiada das classes dominantes dentro da sociedade. 8 Partindo de uma perspectiva sócio-antropológica da surdez, na qual ela não é concebida como mera deficiência, mas, sim, como diferença, o termo surdo é utilizado para fazer referência àqueles que se identificam como surdos, independente do grau da perda auditiva, que se apropriam da Língua de Sinais Brasileira (Libras) e da Língua Portuguesa (LP), de modo a propiciar seu pleno desenvolvimento e garantir o trânsito em diferentes contextos sociais e culturais, e que valorizam a experiência visual (QUADROS, 2004; RODRIGUES, 2011). 9 Como aponta Sanchez (2005), a entrada de alunos com algum tipo de deficiência em escola comum está atrelada ao viés da inclusão. passou a ser a inserção dos surdos em escolas comuns, independente de serem públicas ou privadas. Junto a essa inserção, a declaração orientou também à obrigatoriedade de se ter intérpretes de língua de sinais – sendo essa a língua natural do surdo – para atender às especificidades linguístico-comunicativas desses alunos com os demais atores presentes no ambiente educacional. Com essa nova configuração, o espaço educacional passou a possuir características peculiares devido às especificidades linguístico-culturais dos alunos surdos. A partir do momento em que o surdo deixou de frequentar escolas especiais e passou a frequentar escolas comuns, uma nova possibilidade de dinâmica de ensino passou a ser concebida: um novo ator começou a compor o espaço da sala de aula e das demais dependências da escola, com o objetivo de promover o acesso à informação, sendo esse o Intérprete Educacional10 (QUADROS, 2004; LEITE, 2005; LACERDA, 2005 e 2009). Uma séria e problemática questão que se levanta sobre a presença do intérprete educacional está em considerar, apenas, a sua inserção na escola comum como sendo a garantia do atendimento diferenciado e eficiente ao aluno surdo. É preciso considerar que a transposição de informações entre a língua de sinais e a língua oral não é a única questão que se coloca na educação de surdos em escolas comuns. Questões, antes, de outras ordens, como culturais, pedagógicas, identitárias, entre outras, também se fazem presentes, pois se trata de uma minoria. Sobre cultura surda11, por exemplo, Quadros (2004, p. 10), afirma: entende-se cultura surda como a identidade cultural de um grupo de surdos que se define enquanto grupo diferente de outros grupos. Essa cultura é multifacetada, mas apresenta características que são específicas, ela é visual, 10 Quadros (2004) define intérprete de língua de sinais, como sendo aquele profissional que domina a língua de sinais e a língua falada do país, e que é qualificado para desempenhar a referida função que está na interpretação da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa. Mais especificamente, o intérprete educacional é aquele que atua como profissional intérprete de língua de sinais na educação. 11 Campos (2008), por exemplo, explica a cultura surda do ponto de vista histórico, comportamental, normativo, funcional, mental, estrutural e simbólico. No que diz respeito ao primeiro, mesmo que a língua de sinais mude com o tempo (continuando, no entanto, sendo uma língua espaço-visual), os surdos continuam usando-a. No que tange ao segundo, estes sujeitos compartilham as suas experiências, se encontrando em espaços culturais, como associações de surdos, escolas de surdos, e outros, para compartilhar ideias, sentimentos, conquistas, etc. Em relação ao terceiro, configura-se a língua de sinais como valor cultural, como importante meio de comunicação que possibilita ao surdo expressar-se de forma mais completa e acessível. Em relação ao quarto, prioriza-se a língua de sinais e a cultura surda, a relação deste sujeito com o seu entorno. No que diz respeito ao quinto, os surdos têm tentado mostrar à sociedade a não inferioridade da língua de sinais e o seu caráter linguístico. Em relação ao sexto, os surdos participam da experiência visual e os ouvintes participam da experiência auditiva e oral. E em relação ao sétimo, há uma união política, por parte dos surdos, objetivando manter a língua de sinais e preservar seus espaços culturais. ela traduz-se de forma visual. As formas de organizar o pensamento e a linguagem transcendem as formas ouvintes. Sirota (1994), citando Durkein, afirma que a sala de aula é um espaço que deve ser concebido como uma pequena sociedade, um lugar passível de ser analisado, um lugar de representações sociais. Sendo o processo educativo um processo de conhecimento que possui uma base sócio-histórico-cultural, no contexto instituído na sala de aula estão presentes, além da bagagem cognitiva dos alunos, as características das interações desenvolvidas entre os sujeitos dela participantes bem como do contexto social e cultural de que partilham. Os aspectos socioculturais desse processo podem ser percebidos, então, a partir da análise de diversos níveis de organização deste espaço, indo desde aspectos macros a aspectos micros, como, por exemplo, a organização do espaço da sala de aula e as diferentes interações pelos sujeitos nela mantidas, respectivamente. Na sala de aula inclusiva com a presença de alunos surdos e do intérprete educacional, especificamente, um fator importante a ser considerado é a existência de duas línguas e, principalmente, duas línguas de modalidades diferentes. Sendo uma, uma língua oral-auditiva, e, a outra, uma língua espaço-visual, a utilização de ambas pode ocorrer simultaneamente no mesmo espaço físico, como, por exemplo, nos momentos em que as falas do professor e/ ou dos alunos ouvintes são interpretadas aos alunos surdos e vice-versa, e, em alguns momentos, essa simultaneidade trará sérias implicações. Williams e Bolster apud Lacerda e Mantelatto (2000), em seus estudos sobre a formação de intérpretes, relatam, por exemplo, a possibilidade da ocorrência de uma participação diferenciada do aluno surdo quando o professor pergunta algo aos alunos: o intérprete educacional, ao começar a ouvir a questão feita pelo professor permanecerá um tempo parado sem produzir nenhum sinal; com esse “tempo de atraso”12, antes de o intérprete terminar de interpretar a pergunta, algum aluno ouvinte, possivelmente já tendo-a ouvido, a responde. Vale ressaltar, também, que, ao ocorrerem atividades que exijam, ao mesmo tempo, ver e ouvir, o aluno surdo provavelmente perderá parte da tarefa. Outra implicação decorrente da modalidade espaço-visual da língua de sinais diz respeito à disposição da sala de aula: por ser uma língua, espacial e visual, como já mencionado acima, cadeiras enfileiradas dificultam ou, até mesmo, impossibilitam o acesso e Adotamos, nesse trabalho, “tempo de atraso” como uma das possíveis traduções para “lag time”, que consiste no período, logo após o início do áudio do texto fonte, em que o intérprete de língua de sinais permanecerá parado sem produzir nenhum sinal. 12 a interação comunicativa dos alunos surdos13. Contudo, além dos aspectos discursivos que devem ser considerados na sala de aula em questão, outro fator também importante, a ser considerado, é como se estabelecem as regras culturais de convivência que, segundo Goffman (2002), definem como os sujeitos precisam se comportar, ao passo que estão presentes em um grupo, no qual são essas as regras de convivência co-construídas pelos presentes. No contexto em questão, então, tais regras são co-construídas e co-relacionadas nas interações sociais desenvolvidas entre (i) alunos surdos, (ii) alunos ouvintes, (iii) professor e (iv) o intérprete educacional. Corroborando essa ideia, segundo as pesquisas de Lacerda (2009) sobre a interação envolvendo alunos surdos, alunos ouvintes, intérprete educacional e professor, na sala de aula, é importante ressaltar que a presença de tal intérprete não consiste na garantia do pleno estabelecimento de relações sociointeracionais entre aluno surdo e aluno ouvinte, entre aluno surdo e professor, e entre alunos surdos. Segundo a autora, algumas vezes, o aluno surdo restringe suas relações interacionais na sala de aula com o intérprete educacional, pelo fato de ele ser o único ator que conhece sua língua, se isolando, assim, dos demais atores presentes nesse mesmo ambiente. Então, torna-se extremamente necessário que as práticas pedagógicas sejam (re)pensadas e que o professor busque capacitação profissional a fim de possibilitar um espaço socioeducacional propício para o estabelecimento das interações entre os sujeitos, as línguas e as culturas em questão. Tendo o professor a responsabilidade de ensinar tanto aos alunos ouvintes quanto aos alunos ouvintes, ele precisa conhecer a língua de sinais bem como a cultura surda, se tornando também co-responsável pelo processo de interação. As políticas educacionais promotoras da inclusão bem como do aprendizado do aluno surdo têm visto o intérprete de língua de sinais como sendo a principal “estratégia” encontrada para solucionar os impasses que dizem respeito à utilização de diferentes línguas (língua sinalizada e língua oralizada) e de diferentes culturas (surda e ouvinte) na sala inclusiva. Todavia, embora Lacerda (2009) aponte para a existência de proveitos no percurso dos surdos, já que eles, de alguma forma têm acesso no/ ao ambiente escolar, Miranda (2010) chama atenção para o fato de os dados revelarem que, embora existente no espaço físico, tal inclusão está distante de ser atingida se se considerar o acesso à informação e ao conhecimento pelo aluno surdo, em relação ao mesmo acesso pelos alunos ouvintes. 13 A crítica, por parte de alguns especialistas, da disposição da sala de aula em fileiras, tem como argumento, segundo Rodrigues apud Miranda (2010), o fato de essa organização impedir a interação direta e imediata entre os alunos, já que, carteira atrás de carteira, inviabiliza as trocas conversacionais dos participantes nessa sala de aula. Considerações Finais Podemos perceber, então, um entrelaçamento das diferenças culturais presentes na educação de surdos, conferindo certo caráter intercultural ao ambiente educacional. O professor tem que lidar com duas línguas de diferentes modalidades, uma oral e auditiva e a outra visual e espacial, com as bagagens culturais trazidas pelos alunos, tanto surdos quanto ouvintes, que dialogam com/ nos ambientes coletivos e (re)significam as relações existentes nesses espaços, e, também, com o intérprete educacional que, ao traduzir de uma língua para a outra, está, na verdade, traduzindo de uma cultura para a outra. Muitas vezes, no ambiente educacional, o principal responsável pelas relações sociointeracionais dos alunos surdos com os demais atores envolvidos neste ambiente se torna o intérprete educacional, pensando, o professor, não ter responsabilidade ou necessidade de participação em tais relações. Porém, esse ator tem papel fundamental na construção dos saberes de seus alunos, sendo estes ouvintes ou surdos, e na articulação das relações linguísticas e culturais em questão na sala de aula. Geralmente, o professor da sala de aula com alunos surdos constrói suas práticas educacionais através de suas experiências como ouvinte para alunos ouvintes, por isso a importância de estar envolvido com o intérprete educacional para trabalharem em parceria, buscando o aprimoramento das relações interculturais, mal estabelecidas no ambiente socioeducacional. Referências AKKARI. A. Introdução as Perspectivas Interculturais em Educação. Editora: EDUFBA. 2010. BURGOS, M. Escola Pública e Segmentos Populares em um Contexto de Constituição Institucional da Democracia. Revista Dados – Revista de Ciências Sociais, vol. 55, nº 4, p. 1015 a 1054. Rio de Janeiro, 2012. CAMPOS, M. de L. I. L. Cultura Surda: possível sobrevivência no campo da inclusão na escola regular? Florianópolis, 2008. 221p. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Porto Alegre, 2008. DAMÁZIO, Eloise da Silveira Petter. Multiculturalismo versus Interculturalismo: por uma proposta intercultural do direito. Desenvolvimento em questão: ano 6, n. 12, jul./ dez. 2008 GIARDINETTO, J. R. B. Interculturalismo e Educação Matemática: reflexões a partir da experiência portuguesa. In: REUNIÃO DA ASSOCIAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO – ANPEd, 23., Caxambu, 2000. Anais... Caxambu, MG, p. 128, 2000. GOFFMAN, E. Footing. Trad. Beatriz Fontana. In: RIBEIRO, B. T.; GARCEZ, P. (Org.). Sociolingüística Interacional. São Paulo: Editora Loyola, 2002, p. 107-148. LACERDA, C. B. F. O intérprete de Língua de Sinais em sala de aula: experiência de atuação no ensino fundamental. Contrapontos, v.5, n. 3, p.353-367 - Itajaí, set/dez 2005. LACERDA, C. B. F. Intérprete de Libras: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. São Paulo: Editora Mediação, 2009. LACERDA, C. B. F.; MANTELATTO, S. A. C. As diferentes concepções de linguagem na prática fonoaudiológica junto a sujeitos surdos. In: LACERDA, C. B. F.; NAKAMURA, H.; LIMA, M. C. (Org.). Fonoaudiologia: surdez e abordagem bilíngüe. São Paulo: Plexus, 2000. p. 21-41. LEITE, E. M. C. Os papéis dos intérpretes de LIBRAS na sala de aula inclusiva. Petrópolis: Arara Azul, 2005. MIRANDA, D. G. As mediações lingüísticas do intérprete de língua de sinais na sala de aula inclusiva. Belo Horizonte, 2010, 194p. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Belo Horizonte, 2010. FERREIRA, M. P. Trajetórias desiguais: um estudo sobre os processos de escolarização pública de jovens pobres. Rio de Janeiro : Garamond, 2010. QUADROS, R. M. O tradutor e intérprete de Libras e língua portuguesa. Brasília: MEC, 2004. RODRIGUES, C. H. Da margem ao centro: preparando um novo campo de debate e reflexão. Revista da Feneis, p. 30-34, dez./ fev. 2011. SIROTA, R. A sala de aula: um objeto de estudo sociológico? Revue Française de pédagogie, n. 80, jul./ set. 1987. SANTOS, B. S., NUNES, J. A. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, B. de S. (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. SKLIAR, C. (Org). Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997.