ESPACIALIZAÇÃO, TERRITÓRIO E VIVÊNCIA DOS MORADORES NAS PRAÇAS
DE TRÊS LAGOAS­MS
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Edima Aranha Silva ­ Tutora PET/ Geografia/UFMS/CPTL
Bruno Matos Santos ­ Bolsista PET/Geografia/UFMS/CPTL
Ana Gabriela Bueno Melo de Carvalho ­ Bolsista PET/Geografia/UFMS/CPTL
Marcel Infante Rodrigues ­ Bolsista PET/Geografia/UFMS/CPTL
Flávia dos Santos Ribeiro ­ Bolsista PET/Geografia/UFMS/CPTL
RESUMO: O trabalho estudou a espacialização e a relação entre os moradores e os
espaços públicos urbanos, as praças, na cidade de Três Lagoas­MS, localizada na Macro­
região Leste do estado de Mato Grosso do Sul. As praças são significativas e relevantes na
vida dos moradores três­lagoenses e visitantes, pois são concebidas e vividas com
atividades de lazer e recreação. Foram analisadas as principais praças constituintes da
paisagem urbana, entre elas, Praça Alvorada, Praça da Bandeira, Praça dos Ferroviários,
Praça Santa Luzia, Praça Santo Antônio, Praça da Justiça, Praça dos Expedicionários,
Praça Getúlio Vargas.
INTRODUÇÃO
Este trabalho objetivou mapear a espacialização das praças públicas de Três
Lagoas­MS, bem como analisar o significado e importância das praças no cotidiano dos
moradores. Os procedimentos metodológicos pautaram­se em: revisão da literatura que
aborda o estudo da percepção da paisagem, do espaço urbano, dos equipamentos de
recreação e lazer e os direitos individuais e coletivos constitucionais; análise documental;
entrevistas com moradores e usuários das praças; e, visitação às praças. Considerou­se
que esses espaços urbanos são relevantes para atividades de recreação e lazer, sendo
este, um direito constitucional, conforme preconiza a Constituição Federal em seu art. 6º:
“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
Trabalho realizado pelos integrantes do PET/Geografia/UFMS e participantes do Grupo de Pesquisa: Espaço
Urbano e Produção do Território – Líder: Edima Aranha Silva/UFMS
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previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
(BRASIL, 2004).
DESENVOLVIMENTO
A concepção que se tem da cidade enquanto lócus de moradia e trabalho do homem
urbano deve ser considerado também, como um espaço que possibilita a vivência e prática
de atividades recreativas e de lazer no seu cotidiano. Nesse sentido, destaca­se a
importância e relevância das praças públicas no cotidiano dos moradores, as quais estão
inseridas nos espaços livres urbanos, No entanto, nem sempre esses espaços dispõem de
condições e equipamentos para o lazer e a recreação. Para Le Corbusier (1993, p.32):
[...] O sol, a vegetação, o espaço são as três matérias­prima do urbanismo
[...] O espaço, enfim, deveria ser distribuído com liberdade. Não se esqueça
que a sensação de espaço é de ordem psico­fisiológica e que a estreiteza
das ruas e o estrangulamento dos pátios criam uma atmosfera tão insalubre
para o corpo quanto deprimente para o espírito.
Cumpre salientar que a lei de zoneamento e uso do solo urbano deve orientar o
planejamento da cidade, ou seja, o Plano Diretor é uma exigência do Estatuto da Cidade
(BRASIL, 2002), que tem por finalidade definir o espaço das diversas atividades humanas,
tais como: habitação, centros industriais ou comerciais e as de lazer.
No que tange aos espaços de lazer, estes, devem ser previstos nos planos de
edificação da cidade, pois não basta sanear a moradia, é preciso criar e administrar seus
prolongamentos exteriores, locais de esporte e lazer, inserindo antecipadamente, as áreas
que lhes serão reservadas (LE CORBUSIER, 1993).
Outrora, os espaços livres nas cidades, sob a forma de parques e jardins,
circundavam as residências elegantes e os prédios públicos. Ultimamente, o adensamento
urbano com prédios comerciais e residenciais, os condomínios fechados e os conjuntos
habitacionais reduziram acentuadamente os espaços livres, embora no passado fosse
privilégio de poucos e se limitavam ao prazer e embelezamento das moradias. Hoje, a sua
concepção está atrelada às condições psico­sociais e dá um novo sentido a sua destinação,
quais sejam: prática de atividades coletivas infanto­juvenis, passeios e distrações de
adultos.
Nessa perspectiva Le Corbusier (1993, p.35) enfatiza ainda que: “A manutenção ou
a criação de espaços livres são, portanto, uma necessidade e constitui uma questão de
saúde pública.” Vê­se que muitos moradores, em decorrência da falta de espaços
adequados, criam na periferia das cidades, locais improvisados para a recreação e lazer,
mas suas existências, que não são oficialmente reconhecidas, são em geral precárias. Nesse sentido, destaca­se o que Seabra (2004, p.182), expõe acerca do cotidiano
urbano capitalista:
Na urbanização contemporânea, o cotidiano emerge para análise na
metamorfose das formas de uso do tempo vivido; que o cotidiano urbano
prolonga e explicita o sentido da urbanização capitalista pela generalização
de um modo de vida no qual foram sendo aprofundadas as separações no
âmbito da vida social. O processo da construção das cidades é permeado por fatos históricos, sociais e
psíquicos da modernidade, cujos impasses e contradições criam um modo de vida, que se
revela pelas formas de uso do tempo nos lugares demarcados e definidos na forma da
propriedade. É evidente que as contradições das relações sociais desse processo de
construção sócio­territorial, denotam a valorização do espaço e a necessidade de
territorializar para ocorrer a apropriação. (SEABRA, 2004).
Destarte, a análise que ora se apresenta, enfoca as praças como espaço de lazer e
entretenimento urbano, uma vez que se concebe que a vivência no urbano é permeada de
estratégias e necessidades, ou seja: “[...] para permanecer habitante há que ser morador,
há que ser aquele que usa e que delimita territórios de uso”. (Ibid, p.183). Jacobi (2000) ao
falar sobre meio ambiente urbano e práticas sociais, enfatiza que se concebe meio
ambiente como um habitat socialmente criado e o meio físico modificado pelo homem. E
mais: “[...] a percepção da questão ambiental, como qualquer outra, em geral, é uma
resultante não só do impacto objetivo das condições reais sobre os indivíduos, mas também
da maneira como sua interveniência social e valores culturais agem na vivência dos
mesmos impactos.” (Ibid, p.14).
A organização do espaço urbano é concebida para atender às diversas
necessidades dos seus moradores, dessa forma vê­se que o espaço é o reflexo do modo de
vida dos indivíduos de uma cidade, tanto por sua arquitetura como pela ordenação dos seus
elementos.
Tempo livre e lazer
Para falar acerca de lazer remete­se à Damiani (2002), que ao abordar a temática,
elucida que o lazer nos espaços urbanos não se restringe às estratégias econômicas e
políticas, ele também é uma conquista, não importa a classe social que o indivíduo ocupa e
nem em qual espaço físico ele se situa. Ás vezes, a conquista dos espaços de lazer se dá
de forma dramática e coletivamente. Ainda para a autora “[...] o lazer é residual às lógicas
sociais, que reproduzem a sociedade existente [...], e, nessa medida constitui o espaço e o
tempo primordiais da vida urbana mais plena [...]” (Ibid, p.47).
Apesar de se considerar que o lazer entremeia­se à economia e à política, o mesmo
tem o caráter de humanizar as cidades, pois o lazer contém o lúdico como possibilidade: “há
o emprego do tempo variável, que depende da disposição do tempo livre do usuário dos
espaços de lazer. Experimentam­se emoções particulares”. (ARANHA SILVA, 2004).
Portuguez (2001, p.7) por sua vez, enfatiza que as categorias tempo e espaço são vitais no
processo do consumo, pois está associado a signos: “realiza sonhos e desejos em lugares
específicos, lidando com satisfação momentânea dos indivíduos”.
Observa­se que cada vez mais o uso do tempo livre tem conotação consumista, seja
de espaços de comércio, de serviços ou de lazer, que se dá de forma intensa. Como
salienta Rodrigues (1997, p.109): “O tempo livre torna­se um tempo social e o lazer torna­se
um produto da sociedade de consumo [...] A evolução da sociedade mostra que o tempo
livre, torna­se um tempo social, ou seja, criador de novas relações sociais carregados de
novos valores”.
Em Três Lagoas­MS, embora a cidade seja de pequeno porte (de 85.868 mil hab.),
os espaços destinados ao lazer e à recreação são exíguos ou inexistentes. Em decorrência
desse fato, as praças, num total de oito (Ver fig. 1), possibilitam aos moradores, a
realização de atividades recreativas, culturais e políticas, as quais dependem do momento e
dos indivíduos que as vivenciam. Neste trabalho, enfatizam­se três dessas praças: a praça
Santo Antônio, a praça da Bandeira e a praça Santa Luzia, dada a importância para o
convívio cotidiano dos moradores. A Praça Santo Antônio é um exemplo clássico de praça, pois fora construída por
migrantes portugueses, no ano de 1914, no adro da Igreja Santo Antônio. O estilo de
formação é do período colonial, pois na concepção de Murillo Marx (APUD ROBBA &
MACEDO, 2003), a fundação das cidades coloniais era feita a partir da doação de uma
sesmaria a um determinado Santo, se construía uma Igreja e em seu entorno erguiam os
casarios e as edificações. Conforme as estruturas e formação das vilas surgiam os
primeiros espaços públicos livres, os adros das Igrejas, a partir daí surgiam as praças,
justificando assim, a importância de uma área voltada ao lazer e convívio social.
Conforme Miranda (2005), atualmente a Praça Santo Antônio tornou­se um corredor
de passagem de pedestres, há um fluxo de pessoas nos dias de funcionamento da Igreja e
um cartão de visita para turistas.
No que concerne à Praça da Bandeira, ressalta­se como sendo a principal em Três
Lagoas, pois ocupa lugar de destaque no núcleo central da cidade, todavia, desde sua
edificação vem sofrendo modificações, a fim de atender, ora às necessidades dos
moradores, ora ao ideal e concepção política dos governos municipais. Até abril de 2006, a
referida praça mantinha a última estrutura criada em 1966 (40 anos), que dispunha de
parque infantil, coreto, bancos, passarelas sinuosas, paisagismo verde e espaço para o
convívio social, e por isto, era utilizada para manifestações, bem como para comemorar
datas festivas e campanhas públicas. Assim como em outras praças das cidades brasileiras, em Três Lagoas a percepção
que os moradores citadinos têm em relação aos espaços de lazer e entretenimento, se
revela por meio das manifestações sócio­culturais, que sofre mudanças na medida em que
muda a forma como os indivíduos se relacionam entre si e com o espaço no qual estão
inseridos.
Sob esse prisma, Firmino Neto (2005, p. 197), ao estudar a Rua 14 e a cidade de
Campo Grande elucida:
[...] a Praça Ari Coelho, que já foi denominada de Passeio Público devido a
sua forte função de sociabilidade, hoje se restringe à freqüentação de
usuários do transporte coletivo, de alguns aposentados e desocupados.
Nela, alguns shows de pagode [...], manifestações de protesto ou afirmação
política, como parada gay ou pela paz, acontecem simbolizando as
manifestações atuais, típicas dos centros das grandes cidades. Mediante a radical e profunda mudança estrutural da Praça da Bandeira, recém (re)
inaugurada em 15 de junho de 2006, pela atual administração municipal, ocorreram
inúmeros e diferenciados protestos por parte de moradores e usuários três­lagoenses.
Aranha Silva (2006, p.9) foi contundente: [...] Vive­se uma época de intensa, profunda e desrespeitosa renovação
das cidades por parte dos administradores públicos [...] Para estes, os
elementos que dão significado à cidade são simplesmente coisas
envelhecidas, ultrapassadas, corroídas, remendadas e que precisam ser
demolidos para dar lugar a outros símbolos exóticos e exógenos que não
permearam a lembrança, a história e o cotidiano dos citadinos.
Equivocadamente chamam de revitalização [...]
Entretanto, a concepção que se tem de revitalização urbana é outra. Há que se
considerar algumas características básicas nos processos de intervenções de revitalização
de centros urbanos, tais como: a) Humanização dos espaços coletivos produzidos; b)
Valorização dos marcos simbólicos e históricos existentes; c) Incrementos dos usos de
lazer; d) Preocupação com aspectos ecológicos; e) Participação da comunidade na
concepção e implantação. (BNDS APUD ARANHA SILVA, 2006)
No processo de revitalização urbana, as intervenções devem ter a participação de
todos os segmentos interessados. O papel do governo municipal é coordenar e articular.
Significa romper com uma prática de governar que intervém no espaço urbano rechaçando
os interesses e o direito à participação dos cidadãos envolvidos.
Acredita­se na importância e significado da revitalização de elementos da
cidade para o fortalecimento da identidade cultural local, na medida em que
privilegiem ações de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico e
que respeitem os interesses, a memória e o afetivo dos cidadãos. (Ibid, p.
9)
O recente trabalho em que Rodrigues (2006) analisou o contexto das praças e
logradouros públicos de Três Lagoas à luz do Direito, questiona dentre outros aspectos
inerentes às praças três­lagoenses, o fato das mesmas não disporem em sua maioria, de
rampas de acesso aos portadores de necessidades especiais e argumenta:
[...] configurando desse modo, irregularidade constitucional, vez que tais
cidadãos estão, indiretamente, excluídos de desfrutarem desse espaço de
uso comum a todos. Não só pela ausência de rampas, mas também pela
utilização dos espaços destinados à circulação de pedestres, os quais, do
modo como estão não oferecem segurança e qualidade de vida. (Ibid., p.
116)
Ademais, destaca também que cabe ao administrador público a responsabilidade de
“criar áreas verdes e praças abertas ao público, assim como preservá­las, de modo a
contribuir para o equilíbrio do meio em que mais intensamente vive e trabalha o homem: a
cidade”. (Ibid., p.117)
Figura 1: Mapa de localização das praças de Três Lagoas/MS.
Apesar do pequeno porte e de não estar em uma posição geográfica centralizada na
cidade, como as demais praças citadas anteriormente, a Praça Santa Luzia ocupa um papel
fundamental na história de Três Lagoas. Vale salientar que o Bairro Santa Luzia é um dos
mais tradicionais da cidade, o qual se iniciou simultâneo à formação da urbe, devido à
proximidade com a “Lagoa Maior” e da estação ferroviária. Por este motivo, fez­se
necessário a construção de uma área de lazer para que aqueles moradores pudessem se
encontrar e conviver cotidianamente nos momentos agradáveis com suas respectivas
famílias.
A Praça Santa Luzia, passou por reforma e revitalização e foi entregue aos
moradores daquele bairro em 8 de dezembro de 2005 (TRÊS LAGOAS, 2005). Possui um
coreto, área de convívio social, dispõe ainda, de mesa para jogar truco e dama, um parque
infantil com brinquedos e quadra de areia. A referida praça é muito freqüentada pelos
moradores do bairro e dos bairros adjacentes.
Quanto à concepção de praça, ressalta­se que Robba & Macedo (2003, p.16)
afirmam: “a abrangência do termo gera algumas distorções quanto à terminologia dos
espaços urbanos [...] para se designar praça o espaço livre deve ser destinado ao lazer da
população e ser público”. Haja vista, não só a sua importância recreativa, mas também
histórica e cultural que está inserida no processo de construção das primeiras cidades e
naturalmente as praças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se referir ao objeto deste estudo, as praças de Três Lagoas, vê­se que as
mesmas estão espacializadas de forma que não atendem aos moradores dos bairros da
porção norte e sul da cidade, pois as mesmas se concentram mais na sua parte central.
Se a noção de território consiste em demarcar espaço e dele se apropriar, a
territorialidade no contexto das praças se revela tênue e sutil, dada a usurpação do direito
ao lazer e à recreação da maioria dos moradores. Não obstante, esses espaços, apesar de
exíguos, têm grande relevância histórica e sócio­cultural para os três­lagoenses, seja no
passado por meio das manifestações políticas e culturais, seja no presente pela
possibilidade do convívio social e das rememorações dos feitos de outrora. É essencial destacar que no Brasil, o termo praça está erroneamente associado a
qualquer espaço verde público, ajardinado e a canteiros centrais de avenidas, em muitas
circunstâncias se esquecem da sua característica principal: os equipamentos necessários
para se designar praça. Vale ressaltar, que a não valorização advém da população quando
não observa e não valoriza a sua importância histórico­cultural, e também dos órgãos
públicos responsáveis pela sua manutenção, que em muitos casos descaracterizam seus
traçados arquitetônicos. Como há de se notar, as praças mais antigas contêm em sua
essência, fatos históricos remanescentes à sua edificação e que traduzem aos usuários e
moradores contemporâneos a sua importância cultural e se constituem em espaços
coletivos, cuja vivência do lazer e recreação no cotidiano dos moradores garante o exercício
pleno da cidadania.
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