10
1. INTRODUÇÃO
A religiosidade faz parte do cotidiano familiar dos moradores da comunidade
de Angelina SC, onde o catolicismo é predominante. Para reverenciar essa crença
predominante, muitos fiéis participam dos cultos religiosos, respeitam os
sacramentos ditados pela Igreja Católica, bem como outros rituais que fazem parte
do contexto histórico-social da humanidade.
Nas noites de quinta-feira santa, Angelina é tomada por caminhantes que vêm
de todos os quadrantes, sobretudo da região da Grande Florianópolis, em demanda
da Gruta de Nossa Senhora de Lourdes e de sua água, considerada milagrosa. Essa
peregrinação mexe com o cotidiano dos moradores de Angelina e fez com que até
os padres, que antes ignoravam o movimento de peregrinos, começassem a tentar
se inserir, tornando a peregrinação mais “católica”.
Pode-se dizer que a peregrinação, sob a visão histórica e religiosa, constituiuse como uma jornada que pode ser realizada de forma individual ou em grupos,
também chamada de romaria, existente desde os tempos mais remotos da
humanidade. Ela faz parte dos rituais humanos marcados pela busca do divino, em
direção a um lugar consagrado. Tal local pode ser um templo, uma cidade, um
espaço natural, etc., assim determinado pelos preceitos da instituição religiosa.
A consagração acontece em função de alguma ocorrência especial que ganha
caráter de fato divino. O lugar se transveste de uma atmosfera mística pelos mais
diversos motivos, a saber: poderia ser a passagem de algum herói, personagem
histórico, poderia o local estar ligado à crença na presença de um deus, ou mesmo
que algo sobrenatural tenha ali se manifestado. Assim, os homens passam a venerar
tal lugar como sendo um espaço santo. Esse é um fenômeno que está praticamente
presente em todas as religiões e culturas desde os tempos primordiais.
A realização de peregrinações a santuários, como o de Nossa Senhora de
Fátima - em Fátima, Portugal, Nossa Senhora de Lourdes – em Angelina/SC, etc.,
são comuns atualmente eventos explorados especialmente pelo turismo religioso.
Histórias de veneração a santos e aos objetos preciosos que lhes
pertenceram tiveram início com a reverência aos mártires cristãos.No começo do
século IV, o Cristianismo iniciou suas peregrinações, cujo objetivo primordial era o
de percorrer os caminhos de Jerusalém, cidade considerada uma Terra Santa. Com
11
as pregações de São Jerônimo, algum tempo depois, esses movimentos de
peregrinações se intensificaram.
De posse dessas informações, cabe dizer que o presente estudo pretende
analisar as peregrinações à Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, em Angelina, SC,
distante 49 quilômetros da capital catarinense. Na noite de quinta-feira santa
milhares de peregrinos são vistos a caminho de Angelina.
Enquanto alguns poucos costumam fazer o percurso de carro, a maioria vai a
pé, ou ainda das mais variadas formas, tais quais de bicicleta de moto ou a cavalo.
Eles costumam ir rezando, cantando ou mesmo conversando. Muitos dizem
empreitarem a romaria em nome da fé, outros apenas por diversão ou pelas duas
coisas. No percurso, pode-se observar peregrinos em grupo, o que é o caso da
maior parte das pessoas as quais para o santuário se dirigem, mas também se vê
alguns solitários peregrinando em silêncio.
Para melhor captação do fenômeno, foram realizadas, neste trabalho,
algumas pesquisas com os peregrinos de diversos grupos e idades variadas durante
a caminhada. Também, para mais abalizadamente descrever a outra perspectiva do
fenômeno, fizeram-se entrevistas com alguns moradores de Angelina, com idade
acima de setenta anos, para se saber se eles percebem benefícios ou prejuízos
decorrentes das peregrinações para o município.
Nesta pesquisa obtiveram-se
relatos surpreendentes, inclusive se conseguiu falar com a filha de uns dos
fundadores da gruta.
As pesquisas que foram realizadas com os romeiros durante a caminhada
foram de cunho quantitativo, tendo em vista que, no pequeno período de tempo, não
se teria tranquilidade e um ambiente propício para se conversar com os
entrevistados, conseguiram-se as respostas entre uma parada e outra. Já com os
moradores buscou-se mais tempo, por conseguinte a conversa pode ser alongada e
explorada as minúcias, e pode ser uma conversa tranquila.
Uma entrevista mais detalhada e de cunho qualitativo também foi realizada
com alguns peregrinos em suas casas, desse modo, pôde-se investigar com maior
clareza os motivos da peregrinação e a concepção inerente ao ato sob a perspectiva
do próprio agente.
12
2. A PEREGRINAÇÃO SOB O OLHAR TEÓRICO
O referencial teórico que deu-se na procura por livros, artigos e revistas que
mencionassem sobre peregrinações. O cabedal o qual se conseguiu não foi muito
numeroso, porquanto sejam poucos os escritos acadêmicos acerca desse tema.
Diversas vezes é apenas apontado, por teólogos, como um ato de fé de uma
determinada religião.
Encontraram-se artigos e um livro escrito por Pedro Pereira que falam
exatamente de peregrinações sob um olhar antropológico, área de sua formação.
Frequentemente a peregrinação serviu para unir povos de diferentes
nações, sendo possível realçar o exemplo grego “os grandes jogos da
Grécia foram o centro de reuniões mais importantes do mundo helênico; um
trevo sagrado suspendia as hostilidades enquanto duravam os jogos para
que os peregrinos pudessem afluir de todos os lados”. (PEREIRA, 2003, p.
48)
Para Pereira, as peregrinações serviam eficazmente para unir os povos, pois
na época dos jogos os peregrinos, mesmo os de terras inimigas eram respeitados.
Usaram-se ainda escritos de Durkheim, seu livro é bastante conhecido, “As
Formas Elementares Da Vida Religiosa”: (O Sistema Totêmico na Austrália), nele as
crenças são citadas como elemento essencial da religião.
O autor com vasto estudo sobre a religião e sociedade, mostra que a religião
é um fenômeno o qual cria força através do coletivo, pois as práticas religiosas são
atos da sociedade em busca do sagrado.
[...] As representações religiosas são representações coletivas que
exprimem realidades coletivas; os ritos são maneiras de agir que surgem
unicamente no seio dos grupos reunidos e que destinam a suscitar, a
manter, ou a refazer certos estados mentais desses grupos.
(DURKHEIM, 1989, p. 38).
Durkheim leva a pensar sobre as práticas coletivas. Será que as
peregrinações sobrevivem à modernidade por serem feitas coletivamente?
É uma argumentação contundente para este trabalho, pois foi difícil ao
pesquisador observar pessoas fazendo, solitariamente, o percurso o qual aqui foi
estudado como fenômeno.
Com os meios de comunicação, cada vez mais o coletivo ganha força. É
comum verem-se jovens que socializam suas caminhadas na Internet ou por
mensagens de celulares. No evento observado, encontrou-se, entre os peregrinos,
13
um grupo de jovens que marcaram a ida a Angelina por mensagens eletrônicas.
Em uma visita sugerida pelo professor de Pesquisa Cientifica II, José Carlos
Silva à UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), teve-se a felicidade de
encontrar revistas intituladas Religião e Sociedade as quais contêm artigos
acadêmicos sobre peregrinações e movimentos religiosos, o que ajudou bastante
neste trabalho.
Um desses artigos foi escrito por Carlos Alberto Steil e Sandra de Sá
Carneiro, retrata peregrinações pelo Brasil, além de descrever o movimento de
turismo religioso.
Para uma melhor compreensão da relação dessa peregrinação com a sextafeira santa, recorreu-se à obra de José Carlos Pereira, O Encantamento da Sextafeira Santa. Em tal obra foi possível fazer investigações sobre as crenças populares
que continuam ainda hoje.
14
2.1 RELIGIOSIDADE POPULAR COMO PRATICA COLETIVA
A religiosidade popular1 faz com que o homem possa se sentir perto do seu
sagrado, fazendo promessa, aos seus santos ou entidades para que intercedam a
seus deuses (ou Deus) por eles.
Pedro Pereira2 (2007, p.184), em seu artigo ressalta que “Alguns autores
colocam a religiosidade popular à arte da religião instituída”, nem sempre quem
pratica religiosidade popular está ligado a uma religião específica.
A religiosidade manifesta-se através de festas, ritos e crenças que o ser
humano precisa para reforçar sua fé, para estar mais perto do ser sagrado. Quanto a
isso, Mircea Eliade (2008, p.18) relata que o ser humano “tem a tendência para viver
o mais possível no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados”.
Esse é o ponto forte da religiosidade popular, identificar-se com os santos,
sem a necessidade de um sacerdote uma igreja específica, o crente sente uma
proximidade com o ser venerado e essa intimidade permite que ele se sinta bem em
sua fé, não precisando de mediação.
Como diz Dreher3·,
Essa religiosidade protecionista desenvolveu-se num catolicismo autônomo.
Era autônomo em relação ao culto oficial, especialmente às missas
dominicais. Mas era suficiente para os crentes. O santo dava graças e
bênção. Símbolos testemunhavam seu poder. Menciono apenas um
símbolo: os ex-votos, as imagens votivas.
A imagem do santo era importante. Tinha uma importância afetiva.
Aproximava o santo. Deus também era importante, mas não estava tão
próximo quanto o santo. Deus só estava próximo em situações fatais: “Ele o
quis; ele tomou meu filho; se Deus quiser...”. O santo, em contrapartida, era
o companheiro de caminhada, o protetor da casa, o confidente dos crentes.
Era a ele que se podiam dirigir em tempo de necessidade. O santo entrava
na vida dos seus, assim como eles entravam em sua vida. (DREHER, 1999,
pp. 29-30).
A religiosidade popular está ligada diretamente à vida social do ser humano,
pois suas crenças se misturam, quase sempre, com a religião oficial.
1
Religiosidade popular é aquela na qual o fiel não precisa de mediador institucionalizado que venha se interpor
nas suas práticas, entre ele e o seu santo ou os seus santos. A ele se dirige, quando quer e como
deseja. (Francisco Cartaxo Rolim)
2
Antropólogo, Português, professor adjunto da Escola Superior de enfermagem de Viana do CasteloColaborador do Instituto Piaget desde 1997. Tem-se dedicado a investigação das crenças e práticas religiosas,
destacando-se em 1997 o estudo de Os Mitos das Virgens Mães. (PEREIRA-2003).
3
Possui graduação em Teologia pela Escola Superior de Teologia (1970) e doutorado em Teologia Com
Concentração Em História da Igreja pela Ludwig-Maximilians-Universität München (1975).Tem experiência na
área
de
História,
com
ênfase
em
História
da
América.
(http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4794747E4
acesso
11/04/2012)
15
Tratava-se, sobretudo, de um catolicismo piedoso, santoral e festivo,
expresso nos exercícios de piedade individual e de comunicação com Deus,
quase sempre intermediada por divindades, além da valorização dos
aspectos visíveis da fé, através das cerimônias públicas dos sacramentos,
das novenas, das trezenas, das rezas fortes, das romarias, dos te-déuns,
das procissões cheias de alegorias, de que participavam centenas de
pessoas, dos santos padroeiros, das devoções especiais às almas do
purgatório e muitas outras, conforme a região. (JURKEVICS, 2004, p.38).
Para muitos essa religiosidade popular se dava por conta de não
compreender bem os dogmas da religião oficial, apenas participavam das missas
sem compreender o sentido da liturgia, ao contrário de suas crenças e devoções aos
santos que estavam presentes nos seus dias, uma vez que até mesmo em suas
casas, eram construídos altares para venerá-los.
Em seu artigo Valle, 2006, reforça esta ideia, citando Rosendhal que afirma:
as festas, procissões e romarias são as práticas mais sensacionais da
religião popular”, são “um tempo forte de imensa vivência religiosa”, no qual
“ocorre visivelmente o encontro simbólico do santo com o povo, num
controle direto, sem intermediários”. (Z. ROSENDHAL, 1999 apud
VALLE,2006, p. 32).
Outro autor que ajuda a pensar esse conceito de Religiosidade Popular é
Hélder Fonseca Mendes, doutor em Teologia Pastoral pelo Instituto Superior de
Pastoral de Madri, Espanha. Sua obra, “Do Espírito Santo à Trindade”: Um programa
social de Cristianismo inculturado, trata do culto popular ao Espírito Santo nos
Açores, Portugal e, guardada as devidas proporções suas reflexões sobre cultura e
religiosidade popular servem para lançar luzes sobre o assunto que se está
estudando aqui.
A cultura vivida implica, portanto, o conjunto de sistemas simbólicos de um
povo: crenças, mitos, arquétipos, tradições, lendas, emblemas e conjunto de
regras sociais: sistemas de parentesco, casamento, autoridade, propriedade
etc. Assim, cultura é religião expressada duma forma determinada, e religião
é cultura. Na cultura popular, a ética é um conjunto de valores, de saberes.
A estética é um conjunto de linguagens que expressam esses valores
(MENDES, 2006, p. 94).
Ao se falar de peregrinações e tradições da semana santa, fala-se de algo
que transcende a religião, é cultural. Dessa forma, a religião torna-se cultura e a
cultura torna-se religião como bem aponta Hélder Fonseca Mendes.
Em uma peregrinação como a que se vem pesquisando, deparou-se com
peregrinos das mais variadas condições sociais, econômicas, culturais e religiosas.
16
O recurso à noção de classe parece insuficiente para captar o catolicismo
popular em todas as suas manifestações, pois nele participam pessoas de
“várias classes”. Os sujeitos da religiosidade popular variam desde ateus,
agnósticos, sem actividade religiosa, baptizados recasados civilmente
impedidos de participar noutros actos ditos oficiais, até os cristãos
conscientes e comprometidos, passando por um largo grupo intermediário,
dos que não participam nas actvidades regulares da Igreja, mas afirmam-se
cristãos por herança e tradição familiar. (MENDES, 2006, p. 96)
Essa citação se adequa perfeitamente ao presente objeto de estudo,
religiosidade popular tem os mais variados personagens, oriundos das mais distintas
classes sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas.
É importante dizer que o povo não coloca distinção entre religiosidade das
elites e religiosidade popular. “O povo nem coloca o problema, a sua religiosidade é
natural, envolvente, completa” (MENDES, 2006, p. 97). A religiosidade popular não
se coloca como diferente da religião em si. “Não se trata duma religião diferente,
mas duma forma diferente de viver a mesma religião” (MENDES, 2006, p. 98).
Hélder Mendes apresenta um conceito de religiosidade bastante interessante:
“por religiosidade entende-se aquela atitude fundamental do sujeito que procura
relacionar-se com o divino” (MENDES, 2006, p. 98). Já a religiosidade popular seria
“a atitude que origina formas de cultura popular mais simples, mais directas, mais
rentáveis” (MENDES, 2006, p. 98).
Aqui se pode refletir que o clero aconselha aos católicos, na semana santa:
jejum, abstinência de carne, penitência. Os frequentadores assíduos da igreja matriz
de Angelina, e de tantas outras igrejas, na quinta-feira santa, vão à missa do lavapés e depois participam de adorações ao Santíssimo Sacramento até à meia-noite.
Os peregrinos de Angelina preferem fazer sua penitência em forma de caminhada e
orações em frente da imagem de Nossa Senhora de Lourdes.
Mesmo atualmente, com toda a modernidade e otimização do conhecimento,
muitos católicos ainda continuam participando dos cultos religiosos e respeitam os
sacramentos ditados pela Igreja Católica, bem como outros rituais que constituem o
contexto histórico social da humanidade, como por exemplo, a peregrinação.
Para a comunidade de Angelina onde o catolicismo é predominante a
religiosidade está ligada à participação da liturgia e às práticas da igreja.
A maioria dos moradores da sede do município de Angelina não faz a
peregrinação.
Até
porque,
consoante
afirma
Steil,
a
palavra
„peregrino‟,
etimologicamente, designa “o estrangeiro, aquele que não pertence à sociedade
17
local estabelecida” (STEIL, 2005, p.30 apud VALLE, 2007, p.39). Assim para os
munícipes a peregrinação deveria dar-se em direção a outro santuário. A gruta de
Angelina, destarte, recebe os peregrinos de outras regiões.
18
2.2 PEREGRINAÇÕES
Pode-se dizer que a peregrinação4, sob a visão histórica e religiosa, constituise numa jornada que pode ser realizada de forma individual ou em grupos, também
chamadas de romarias5. Ela existe desde os tempos mais remotos da humanidade
e faz parte do ser humano em busca do divino, em direção a um lugar consagrado.
Este pode ser um templo, uma cidade, ou um espaço natural, assim determinado
pelos preceitos da instituição religiosa.
Tal consagração acontece em função de alguma ocorrência especial que
ganha caráter de fato divino. O lugar se transveste de uma atmosfera mística pelos
mais diversos motivos, a saber: poderia ser a passagem de algum herói,
personagem histórico, poderia o local estar ligado à crença na presença um deus, ou
mesmo que algo sobrenatural tenha ali se manifestado, e que os homens passam a
venerar como sendo um espaço santo. Esse é um fenômeno que praticamente está
presente em todas as religiões e culturas desde os tempos primevos.
As realizações de peregrinações a santuários sagrados, como o de Nossa
Senhora de Fátima - em Fátima, Portugal, Nossa Senhora de Lourdes em Lourdes
na França e Nossa Senhora de Lourdes – em Angelina/SC, etc. são comuns
atualmente.
A história de veneração a santos e aos objetos preciosos que lhes
pertenceram tiveram início com a veneração dos mártires cristãos. No começo do
século IV, o Cristianismo iniciou suas peregrinações, cujo objetivo primordial era o
de percorrer os caminhos de Jerusalém, como reconhecimento de seu status de
Terra Santa. Com as pregações de São Jerônimo6, algum tempo depois esses
movimentos de peregrinações se intensificaram.
Nos dias atuais, a peregrinação tem-se expandido com muita facilidade, pois
a visitação à santuários santificados, esses espaços considerados sagrados pelos
fiéis que para lá se dirigem, tem sido motivada pelo turismo religioso, que muito
facilita e da oportunidade para todos realizarem suas viagens em busca de
sacramentar seus sonhos de ir ao encontro do seu santo num local sagrado.
4
Ação de peregrinar; viagem em romaria a lugares santos e de devoção. (AMORA, 1997).
Peregrinação religiosa; reunião de pessoas devotas que concorrem a uma festa religiosa; reunião de pessoas
que se dirigem ao mesmo lugar. (AMORA, 1997).
6
Presbítero e doutor da Igreja. Ele nasceu na Dalmácia em 340 e ficou conhecido como escritor, filósofo,
teólogo, retórico, gramático, dialético, historiador, exegeta e doutor da Igreja. Numa peregrinação à Terra Santa,
uma prolongada doença obrigou-o a permanecer em Antioquia.
(http://www.cancaonova.com/portal/canais/liturgia/santo/index.php?dia=30&mes=9 aceso 11/04/2012)
5
19
Sabe-se que a peregrinação é uma prática muito antiga, feita por povos do
mundo inteiro, o cristianismo iniciou suas peregrinações no começo do século IV,
com visitas a terra santa, como relata Pereira em seu artigo;
No caso do cristianismo, ainda que Cristo não tenha proposto qualquer tipo
de peregrinação – ao contrário de outros fundadores de religiões, como
Buda e Maomé –, elas se proliferaram com mais ou menos intensidade,
depois da instituição do cristianismo como religião de Estado (século IV) até
a atualidade. (PEREIRA, 2007, p. 179)
Para muitos, peregrinar não é apenas caminhar para algum lugar, mas é
caminhar movido por algo que seja importante para si.
“Etimologicamente, a palavra peregrinar provém do latim, da junção da
preposição per, que significa através ou por e do nome ager, que significa, então,
viajar pelos campos, viajar do ou para o estrangeiro, viajar para longe”. (Ferreira,
1995:66, 845, 850. apud Pedro Pereira, 2003, p. 34).
Geralmente essas peregrinações são feitas a lugares considerados sagrados,
como grutas, montanhas ou lugares que aconteceram as visões de Nossa Senhora.
A tradição cristã de veneração aos santos e aos preciosos objetos sagrados
teve início com os mártires cristãos, quando foram perseguidos e tiveram de
demostrar seu testemunho de fé.
Não faltam exemplos de lugares de peregrinação ligados a túmulos ou
relíquias de mártires. Na Ásia Menor, o túmulo do apóstolo João em Éfaso;
na Síria-Mesopotâmia, Antioquia possui grande número de mártires; em
Edessa, veneram-se as relíquias do apóstolo Tomé; no Egipto, São Marcos,
em Alexandria; na Grécia, São Demétrio, em Tessalônica; em
Constantinopla, inúmeras relíquias vindas de diversos lugares. (ROSSO,
1995: 1039. apud PEREIRA, 2003, p. 39).
Deste modo, começa a construção de templos, igrejas, santuários, etc. que
venham simbolizar a santidade dos mártires. As visitas a tais locais cresceram com o
tempo, transformaram-se em verdadeiras peregrinações, pois visitar pessoalmente
esses lugares santos conduz os homens à crença de possíveis milagres.
Nas grandes civilizações orientais – da mesopotâmia e do Egito á China e á
Índia – o templo recebe uma nova e importante valorização: não é somente
uma imago mundi, mas também a reprodução terrestre de um modelo
transcendente.
20
[...] se o templo constitui uma imago mundi, é porque o Mundo, como obra
dos deuses, é sagrado. Mas a estrutura cosmológica do templo permite uma
nova valorização religiosa: lugar santo por excelência, casa dos deuses, o
templo ressantifica continuamente o Mundo, [...] (ELIADE, 2008 p. 55).
Todas as religiões possuem seus templos e lugares sagrados por excelência.
Para cada pessoa religiosa o templo sagrado significa um lugar onde as crueldades
presentes no mundo não podem entrar, eles são intocáveis por coisas profanas.
Nele se pode purificar do mal do mundo.
Para Durkheim, (1989), o elemento histórico está ao lado do social, sendo
assim fundamental para explicar o humano e seus movimentos coletivos.
Portanto, sempre que empreende a explicação de uma coisa humana,
tomada em momento determinado do tempo – quer se trate de crença
religiosa, quer de regra moral, de preceito jurídico, de técnica estética, de
regime econômico – é preciso começar por remontar até a sua forma mais
primitiva e mais simples, procurar perceber os caracteres pelos quais ela se
define nesse período da sua existência, depois fazer ver como, pouco a
pouco, ela se desenvolveu e se tornou complexa, como veio a ser o que é
no momento considerado. (DURKHEIM, 1989, p.31).
Seja a peregrinação movida pelo convívio social ou pela busca solitária de
uma imagem ideal do mundo, representada pelo sagrado, o fato é que muitas
pessoas o fazem sem se dar conta dessas possibilidades para a realizarem.
21
2.3 APARIÇÕES DA VIRGEM MARIA
Na história da Igreja Católica, incontáveis são os relatos de aparições da
Virgem Maria, os quais passaram a ser conhecidas como Aparições Marianas. No
catolicismo, essas aparições são fenômenos de origem sobrenatural nos quais se
acredita que a Virgem Maria aparece a uma ou a várias pessoas, e por sua vez, em
sua maioria, fazem parte do corpo da fé católica7, fiéis que vivenciam a teologia, a
doutrina
e
a
liturgia,
além
dos princípios
éticos
e
suas características
comportamentais.
As aparições marianas têm contribuído bastante para esse movimento,
relatos de aparições começaram já no decorrer do século I, especificamente, no ano
de 39, na localidade de Zaragoza – Espanha, para o Apóstolo Santiago, tendo como
invocação, Nossa Senhora do Pilar.
No decorre do tempo, essas aparições ficaram mais frequentes como é o
caso em especial de Lourdes – ocorrido na França, que ficou conhecida como Nossa
Senhora de Lourdes. Segundo relatos8, no dia 11 de fevereiro de 1858, Bernadete
Soubirous, primeira filha de um casal que teve mais nove filhos, vivendo em família
extremamente pobre, saiu com os irmãos Toinette e Jeanne para recolher lenha,
com o objetivo de vender e angariar renda familiar.
Voltando sua atenção para a gruta, a jovem viu uma luz que brilhava em seu
interior, constatou ainda a presença de uma mulher que estava vestida de branco. A
mulher trazia presa à sua cintura uma faixa azul, em suas mãos um rosário em
oração, expostas aos seus pés, rosas amarelas, brilhantes como ouro.
Em 25 de fevereiro de 1858, a gruta começou a receber uma multidão de fiéis
em busca de milagres, a gruta passou a ser conhecida como Gruta Nossa Senhora
de Lourdes.
Existem também outras aparições em determinados lugares que hoje são
considerados também santos pelos crentes e, consequentemente, lugar de
peregrinação, como é o caso de Fátima;
7
Termo geralmente utilizado para os que vivem as experiências específica do cristianismo,
compartilhado por cristãos que vivem em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana.
8
Disponível em www.mariedenazareth.com/3004.0.html?&L=12 -0 - Acesso em 05 julho 2011.
22
2.3.1 Nossa Senhora de Fátima
As aparições de nossa senhora em Fátima foram atraindo peregrinos de
diversos lugares, as três crianças que tiveram a visão descreveram tudo que
aconteceu.
De uma forma simplificada, falar de aparições de Fátima é falar de seis
aparições de Nossa Senhora a três crianças pastoras. A 13 de Maio de
1917 e nos cinco meses seguintes os pastorinhos dizem ter visto Nossa
Senhora. Normalmente depois de um relâmpago a Senhora aparecia em
cima de uma carrasqueira. Só Lúcia, um dos videntes, é que falava com
Nossa Senhora. À pergunta recorrente de Lúcia sobre aquilo que Nossa
Senhora queria, juntava-se outra o fim da guerra e pedidos de curas de
doentes. Habitualmente a Nossa Senhora pedia-lhe para voltar no mês
seguinte e que só no último mês lhe diria concretamente quem era e aquilo
que queria. (PEREIRA, 2003, p. 63)
O santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, localizada a 135
quilômetros da capital, Lisboa, recebe “anualmente quatro milhões de peregrinos por
ano” PEREIRA, 2003 p. 80.
2.3.2 Nossa Senhora de Guadalupe
Nossa Senhora de Guadalupe foi vista por um índio numa serra da atual
cidade do México, em meados do século XVI, no manto que o índio usava ficou
gravado o retrato de Nossa Senhora como prova de sua visão, até hoje essa
imagem ainda está nítida em seu manto.
Era sábado de madrugada, pouco antes do amanhecer, ele estava em seu
caminho, a seguir seu culto divino e empenhado em sua tarefa. Ao chegar
no (sic!) topo da montanha conhecida como Tepeyacac, o dia amanhecia e
ele ouviu cantos acima da montanha, assemelhando-se a cantos de vários
lindos pássaros. De vez em quando, as vozes cessavam e parecia que o
monte lhes respondia. O som, muito suave e deleitoso, sobrepassava do
"coyoltototl" e do "tzinizcan" e de outros pássaros lindos que cantam. Juan
Diego parou, olhou e disse para si mesmo: “Porventura, sou digno do que
ouço? Será um sonho? Estou dormindo em pé? Onde estou? Será que
estou agora em um paraíso terrestre de que os mais velhos nos falam a
respeito? Ou quem sabe estou no céu?". Ele estava olhando para o oriente,
acima da montanha, de onde vinha o precioso canto celestial e então de
repente houve um silêncio. Então, ouviu uma voz por cima da montanha
dizendo-o: "Juanito, Juan Dieguito.". Ele com coragem foi onde (sic!) o
estavam chamando, não teve o mínimo de medo, pelo contrário, encorajouse e subiu a montanha para ver. Quando alcançou o topo, viu uma Senhora,
que estava parada e disse-lhe para se aproximar. Em Sua presença, ele
23
maravilhou-se
pela
Sua
grandeza
(http://www.sancta.org/nican_p.html acessado 26/04/12)
sobrehumana.
2.3.3 Nossa Senhora De La Salette
No dia 19 de Setembro de 1846, a Virgem Maria apareceu a duas crianças:
Maximin Giraud (11 anos) e a Melânia Calvat (15 anos), na aldeia de La Salette, que
fica na cordilheira dos Alpes franceses.
Melânia, porém, despertou, e não vendo as vacas acordou também Maximin
para procurá-las. Subiram rapidamente pela encosta e descobriram
contentes que as vacas estavam pastando tranquilamente. Quando
voltavam, descendo pela encosta, subitamente Melânia estacou assustada
e chamou o menino.
Eis aqui a descrição dos acontecimentos, feita mais tarde pela própria
Melânia:
“Vi de repente uma bela luz, mais brilhante que o sol e pude apenas dizer:
– Maximin, vês aquilo? Ah! Meu Deus!
Deixei cair o cajado que tinha na mão. Não sei o que de delicioso se
passava em mim neste momento, mas eu me sentia atraída, sentia um
grande respeito cheio de amor, e meu coração queria correr mais rápido do
que eu. Olhei bem fortemente aquela luz que estava imóvel, e, então, como
se ela fosse aberta, percebi uma outra luz (sic!) bem mais brilhante e que se
movia. E nesta luz uma bela senhora estava sentada sobre nosso „paraíso‟,
tendo o rosto entre suas mãos. (BÖING, 2007,p.19)
2.3.4 Nossa Senhora De Medjugorje
Esse fenômeno é a mais recente aparição de Nossa Senhora, ocorreu em
Medjugorje na Bósnia-Herzegovina, em 1981 por sete adolescentes, Vicka, Ivan
Ivankovic, Ivanka, Mirjana, Jakov, Marija e Ivan Dragicevic , que afirmam ter tido a
visão, de nossa senhora,
1ª- A dupla aparição de 24-6-1981(quarta-feira, festa de S. João Batista).
Era dia santo na paróquia de Medjugorje. À tardinha, Ivanka Ivankovic e
Mirjana Dragicevic, da povoação de Bijakovici, que passavam as férias em
casa de seus pais, vão passear pelo sopé do monte Crnica ou Podbrdo (que
significa Pé-da-colina) e aproveitam para colher flores. De regresso, Ivanka,
repentinamente, voltando-se para o monte, percebe sobre ele algo
resplandecente, como que uma silhueta luminosa, ainda de forma indecisa.
Mas, ao fitar mais atentamente, vê uma inesperada aparição: é uma jovem,
vestida de cinzento, semblante docemente irradiante. Paira uns 40 cm
acima do solo:
24
– Olha, a Virgem!, murmura a jovem, como se falasse para si mesma.
Mirjana, que a ouve, dá de ombros, agarra-a pelo braço e diz:
– Mas não, não pode ser a virgem. Como nos pode aparecer?
Mas as duas amigas, amedrontadas, correm para casa e contam a outros o
que viram. Vão, depois, à casa de Milka, irmã mais nova de Mirjana, que
lhes pede para irem, com ela, em busca do seu rebanho de carneiros.
Seguem pelo mesmo caminho que haviam trilhado antes. Passando pela
casa de Vicka Ivankovic, que descansava depois da escola, deixando dito
que, quando despertasse, fosse à casa de Jakov que já sabia do que estava
ocorrendo. Também encontram-se com Ivan Dragicevic, de 16 anos de
idade, e Ivan Ivankovic, de 20, o mais velho do grupo, que estão colhendo
maçãs. Estes as acompanham, Milka Pavlovic, de 13 anos, junta-se a eles.
Eram, mais ou menos, 18h30min. Chuviscava e já começava a escurecer.
Como anteriormente. Ivanka é a primeira tornar a ver a aparição. Aponta
com o dedo na direção do monte, chamando a atenção dos seus
companheiros:
– Olhem lá! (ALBERTON, 1987, pp.27, 28)
A Cada dia de sua aparição vai aumentando o número de pessoas que
presenciam tal fenômeno. Na primeira aparição foram duas pessoas. Na segunda
aparição seis pessoas, na terceira aparição eram de duas a três mil pessoas, na
quinta vez esse número já subiu para quinze mil pessoas.
Desde então o número vem aumentando. Em 1982 chegou a setenta mil
peregrinos e cento e cinquenta mil em 1983. Em 2006, foram a Medjugorje para
celebrar os 25 anos de aparecimento de Nossa Senhora duzentas mil pessoas
vindas de 47 países.
25
2.4 SANTUÁRIOS CATARINENSES
No Brasil, existem alguns locais de devoção, como o de Nossa Senhora
Aparecida, em São Paulo, o de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, O Divino Pai
Eterno, em Goiás, entre outros que recebem visitas diariamente de peregrinos
vindos de todas as partes do país. Por uma questão de recorte teórico, aqui
descrever-se-á apenas alguns santuários catarinenses.
2.4.1 Santa Paulina e Nossa Senhora do Bom Socorro
Os dois estão localizados em Nova Trento, a 75 km de Florianópolis, o
processo de canonização de Santa Paulina concretizou-se, no dia 19 de maio de
2002, trazendo muita alegria para seus devotos,
A canonização de Santa Paulina que tornou Nova Trento mundialmente
famosa – por ser a primeira Santa do Brasil e a primeira de sua cidade de
origem, Vígolo Vattaro, na Itália. Ela veio na primeira leva de imigrantes e
viveu praticamente toda a sua vida na cidade, na localidade batizada de
Vígolo, a 6 quilômetros do centro. Todos os meses, mais de 30.000
visitantes vão a Nova Trento, e especialmente a Vígolo, para rezar à Santa
Paulina e agradecer por graças alcançadas.
Santuário de Nossa Senhora do Bom Socorro, construído entre 1899 e
1912.
O Santuário está localizado no Morro da Cruz, a 525 metros de altura. Lá,
uma exuberante estátua em bronze de Nossa Senhora do Bom Socorro,
doada pela Família Imperial da França e carregada pelos colonizadores até
o alto do morro, recepciona os visitantes. Em cima da igreja um mirante
(sic!) possibilita uma visão panorâmica de todo o Vale do Rio Tijucas até
seu encontro com o mar. Vale a pena também visitar a Igreja Matriz no
centro da cidade, o Calvário no bairro de Trinta Réis e a Capela Santa
Ágata, primeira igreja construída no município. Espalhada pelos bairros,
Nova Trento conta ainda com mais de 40 oratórios de capelinhas.
(www.santur.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=227&I
temid=178. Acesso 26/04/2012)
26
2.4.2 Nossa Senhora de Azambuja
A 3 km do centro de Brusque, a gruta possui uma fonte de água e uma
imagem de Nossa Senhora de Lourdes. Famílias vindas da Itália em 1875
combinaram que construiriam uma capela em homenagem à Nossa Senhora de
Caravaggio. Ali colocaram um quadro com a imagem, este permanece até os dias
atuais,
As famílias vindas do distrito de Treviglio (Itália), no dia 22 de outubro de
1875, para emigrarem para o Brasil, depois de embarcarem em Le Havre
(França), combinaram entre si que ficariam sempre unidas. Para isso
levantariam uma igrejinha ou capela em honra da "Madonna de
Caravaggio". A promessa de permanecerem sempre juntos não se
concretizou, fixando-se no vale de Azambuja (valata Azambuja), situado a
três quilômetros de Brusque, apenas 9 colonos. Inicialmente chamado de
"Caminho do Ribeirão" ou "Caminho do Meio", tomou o nome de Azambuja,
possivelmente em homenagem ao Diretor do Departamento de Terras,
Conselheiro Dr. Bernardo Augusto Nascentes d‟Azambuja.
Já em 1876, apenas tinham chegado os primeiros colonos ao Vale de
Azambuja, começaram a pensar em construir uma Capela em honra de
Nossa Senhora de Caravaggio. Após algumas discussões de como fazê-la,
no primeiro domingo de novembro de 1884, chegaram a uma conclusão:
decidiram construí-la de tijolos, para que ficasse mais segura e mais barata,
pois tudo se faria ali mesmo. No final deste mês, era iniciada a fabricação
dos tijolos e das telhas para o futuro templo. Foi erguida uma pequena
igreja, medindo 6 metros de comprimento por 3 de largura. Com a sacristia
totalizava 36 metros quadrados. O terreno foi doado por Pietro Colzani,
possuidor do lote nº 16. Sobre o altar, um quadro de Nossa Senhora de
Caravaggio, vindo diretamente da Itália. Este quadro ainda hoje pode ser
admirado na gruta anexa ao Santuário. Aqui não se invoca Nossa Senhora
de Caravaggio, mas Nossa Senhora de "Azambuja".
No dia 24 de abril de 1887, a Capela foi benta pelo Padre Marcello Ronchi
SJ, estando presente também o Pe. João Fritzen SJ, Vigário de Brusque.
Azambuja logo torna-se (sic!) um centro de peregrinações
(http://arquifln.org.br/box_001.php?cod_052=89&cod_link=28.acesso
26/04/2012)
O interessante é que o santuário é dedicado a Nossa Senhora de Caravaggio,
chamado popularmente de Nossa Senhora de Azambuja, mas a gruta onde as
pessoas pegam água é dedicada a Nossa Senhora de Lourdes.
27
2.4.3 Gruta Nossa Senhora de Lourdes em Angelina
A gruta de Nossa Senhora de Lourdes, situada em Angelina teve sua origem
a partir de uma promessa feita por Frei Zeno Wallboehl OFM (1866-1925), um
missionário franciscano, que se achava seriamente doente e desenganado pelos
médicos. Em suas peregrinações, ele havia visitado o santuário de Lourdes, na
França, e trouxera consigo um pouco de água da gruta.
Rezou com fervor a Nossa Senhora de Lourdes, pedindo sua complacência e
decidido a permanecer vivo tomou a água que trouxe de Lourdes, prometendo que
se ficasse curado iria construir uma gruta em louvor a Nossa Senhora de Lourdes.
Na manhã seguinte, acordou-se sentindo curado.
Como fiel servidor da fé, o religioso não esqueceu a sua promessa e ficou,
durante algum tempo, procurando o lugar para a gruta e, com a ajuda de um amigo,
achou esse lugar tão procurado.
Imediatamente Frei Zeno escreveu para a Alemanha, encomendando a
imagem de Nossa Senhora igual a de Lourdes. Tempos depois chega a imagem
que foi desembarcada de um navio no porto de Florianópolis, em 1902 e foi levada
de carro de boi até Angelina. Desde o dia em que chegou a imagem começou a ser
venerada por fiéis do local. Durante quase cinco anos, a imagem permaneceu no
altar da Igreja.
Muitas pessoas trabalharam, gratuitamente para construir o caminho que leva
até a gruta. Passado esse tempo, foi feita a transferência para o local onde se
encontra até os dias atuais.
A gruta é visitada por romeiros durante todo o ano, mas é na semana santa9
que ela recebe peregrinos vindos de vários lugares.
Ao se pensar em peregrinações, tem-se certeza que muitos o fazem em
grupos, seria esse o motivo por existirem tantos adeptos às caminhadas, pois como
relata Pierre Shanchis “... „as ideações coletivas‟, a „consciência coletiva‟, as
„representações‟, quando são coletivas, precedem o indivíduo e impõe-se a ele”.
(TEIXEIRA, 2003, p.42).
Será que todos os peregrinos que fazem esse percurso, o fazem como um
tipo de penitência, um ritual sagrado para que, ao chegar à gruta, esteja purificado?
9
Para a Igreja Católica, inicia-se depois do Domingo de Ramos. Cada dia desta semana possui um
significado especial porque representa as etapas finais de Jesus Cristo até a sua ressurreição.
28
Tais questões levam a pensar na religiosidade popular ou misticismo, portanto as
peregrinações se tornaram encontros de famílias, sem contar que o comércio
religioso também é bem explorado.
Como já foi mencionado anteriormente, o fato de, ainda hoje, com tanta
facilidade de meios de locomoção, como carros de passeios, motos, ônibus, entre
outros, as pessoas locomoverem-se a pé e passarem por diversos tipos de
dificuldades durante o trajeto, é o que intriga. O que lhes dá motivação e vontade
para essa empreitada é o que se pretende discutir neste trabalho.
Há que se considerar que atualmente o avanço científico tem desmistificado
mitos basilares para a formulação das religiões, mas mesmo assim, o fenômeno
religioso continua vivo e crescente, prova disso são as grandes romarias e
peregrinações que acontecem mundo afora, exploradas pelo turismo religioso.
Então, pode-se observar que os seres humanos continuam a professar sua
religiosidade de forma direta ou indireta, fazendo parte de algum grupo religioso a
qual se denomina de pertença religiosa.
29
3.
ENTREVISTAS REALIZADAS DURANTE AS PEREGRINAÇÕES À
GRUTA DE ANGELINA
No decorrer dos anos, as visitas à gruta Nossa Senhora de Lourdes,
localizada no município de Angelina/SC, distante da capital catarinense 49 km,
tornaram-se frequentes, pois milhares de peregrinos são vistos a caminho pela
época da semana santa.
Enquanto muitos costumam fazer o percurso de carro, outros vivenciam
formas menos mecânicas de locomoção e maneiras mais ativas – no sentido de
exigirem mais de si próprios– de percorrerem um caminho literal (estrada para
Angelina), mas também figurativo (percurso espiritual).
Assim optam por locomoverem-se a pé, de bicicleta ou a cavalo, o que fazem
rezando, cantando, conversando, em solitária reflexão ou em debates animados em
grupos. E o fazem em nome da fé, por diversão, por tradição, por experiência.
Estando nesse percurso por essa época, é comum ver grupos de peregrinos
em direção ao santuário. Por que tantas crianças, jovens e adultos resolvem ir a pé,
se muitos vêm de longe e passavam horas caminhando?
Com base nesse interesse resolveu-se pesquisar a peregrinação feita a pé
até à gruta de Angelina, que tem a imagem de Nossa Senhora de Lourdes como
objeto de devoção dos fiéis que lá frequentam.
Os dados para este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foram obtidos a
partir de um trabalho de campo, realizado entre 2011 e 2012, pela observação
participante, por conversas e a através de entrevistas com os peregrinos e
moradores locais.
No mês de Abril de 2011, precisamente nos dias 21 e 22, foi realizada uma
pesquisa quantitativa com os peregrinos de vários grupos durante a caminhada, mas
foi em um grupo com cinco integrantes que se deu a observação participante, até
chegar à praça de São Pedro de Alcântara, lugar onde os grupos param para um
descanso e para lanchar.
Por observação participante, entende-se que “observar é aplicar os sentidos a
fim de obter uma determinada informação sobre algum aspecto da realidade.”
(RAMPAZZO, 2005,p. 106)
Para Alexandre (2009 p. 99). “... A observação direta prioriza a autenticidade
e espontaneidade na captura dos dados no momento em que eles acontecem.”
30
Depois se seguiram entrevistando outras pessoas nas diversas paradas, até
chegar à praça de Angelina onde finalizamos as pesquisas daquela noite.
As pesquisas que foram realizadas apresentam cunho quantitativo, tendo em
vista que, durante a caminhada, não se teria tempo de conversar de uma forma
tranquila com os entrevistados, conseguiram-se as respostas entre uma parada e
outra.
Acerca da pesquisa quantitativa entende-se que “pode ser empregada com o
fim de precisar, em detalhes, aspectos quantificáveis de fundamental importância
para a compreensão da realidade,”. (ALEXANDRE, 2009 p.96).
Antes desta pesquisa resolveu-se também entrevistar alguns moradores de
Angelina com idade acima de setenta anos para saber que benefícios ou
contratempos, as peregrinações traziam para eles.
Nesta pesquisa, obtiveram-se
relatos surpreendentes, inclusive se pôde falar com a filha de uns dos fundadores da
gruta. Quanto ao contato com os moradores, dispôs-se mais tempo e foi uma
entrevista tranquila por isso se pode aplicar uma entrevista qualitativa.
Determinado que nesta vertente da pesquisa usar-se-ia a pesquisa qualitativa,
porquanto uma se aplique a [...] “pesquisa qualitativa em estudos de reconstituição
de um processo de ação, de experiências ou de acontecimentos do passado”
(ALEXANDRE, 2009 p. 100); já que o interesse nesse momento é saber quais as
mudanças ocorridas durante os anos que se passaram após a construção da gruta.
Nos dias cinco e seis de abril de dois mil e doze, retornou-se para
acompanhar outros peregrinos que estavam em um grupo, dessa vez interagiu-se
com o grupo apenas nas paradas. Nesse momento, foi reforçada a análise feita
anteriormente, a grande quantidade de peregrinos vindos de vários lugares, homens,
mulheres de todas as idades, sobretudo jovens.
As pesquisas realizadas foram a qualitativa e a quantitativa, já que “..., não
temos como fazer pesquisa sem um mínimo de quantidade e um mínimo de
qualidade específicas referentes àquilo que queremos estudar.”(ALEXANDRE, 2009
p. 92), uma vez que para melhor entendimento do objeto pesquisado, faz-se
necessário estar de posse do maior número possível de informações.
Em qualquer pesquisa, [...] “pode-se fazer pesquisa útil com várias
combinações de procedimentos qualitativos e quantitativos. Isto é válido para todas
as fases da pesquisa,...” (STRAUSS & CORBIN, 2008, p.42).
Para entender melhor os peregrinos e as mudanças que ocorreram ao passar
do tempo, precisou-se coletar o máximo de dados possível.
31
3.1 RELATOS DE ALGUNS MORADORES DE ANGELINA
Procuraram-se obter relatos que se manteve o mais próximo da realidade
dessa comunidade, resolveram-se entrevistar pessoas com idades entre 70 a 78
anos por conviverem há mais tempo com o desenvolvimento do município. No dia 17
de abril de 2011, foram entrevistados moradores de Angelina com uma pesquisa
qualitativa, na qual foram obtidas informações sobre as peregrinações durante seis
décadas.
Segundo os relatos, antigamente a estrada era de barro, o que dificultava um
pouco a viagem. Ainda hoje existe um caminho o qual é de chão batido, todavia
tem-se um acesso pela Rodovia BR 282 e, depois, segue por uma estrada também
asfaltada.
No início das peregrinações, a comunidade de Angelina contava apenas com
duas casas, que serviam de pousada para os visitantes vindos de vários lugares
como: Anitápolis, Lages, Teresópolis, entre outros.
Com a participação de peregrinos cada vez aumentando mais, a capela teve
que ser ampliada para receber os fiéis. Esse fato é o que foi relatado, mas o que
pode ser observado é que a maior parte dos peregrinos, principalmente aqueles que
se deslocam na quinta-feira santa, não costumam frequentar a igreja, seguem
diretamente para a gruta no morro atrás da Igreja.
Por cerca de cinco anos, a imagem de Nossa Senhora de Lourdes ocupou
um lugar na capela, depois foi transferida para seu nicho10. Uma delas relatou que
foi seu pai quem construiu o nicho da gruta, lugar onde fica a Santa.
Com o passar do tempo foram construídas lojas e churrascaria que dão
emprego para as pessoas do lugar.
Segundo outro morador, “hoje com o asfalto vem muito mais gente do que
antes, vem gente de (sic!) pé, de cavalo, de bicicleta, de carro e de moto. Vem mais
gente do que no carnaval”. Data a qual também é uma temporada que a cidade
recebe muitos visitantes por causa de seus bailes carnavalescos.
A gruta foi de extrema importância para o desenvolvimento da cidade, pois,
com o passar do tempo, foram sendo construídos lugares paras as pessoas ficarem
e lojas, gerando assim empregos para os moradores da cidade, que antes
sobreviviam apenas com renda vinda da lavoura e dos produtos como queijo, mel e
10
Vão, cavidade, abertura em muro ou parede, e onde se coloca uma estatua, um vaso, etc.(AMORA, 1997).
32
outros.
As mudanças foram acontecendo gradativamente conforme a cidade ia
ficando mais conhecida através das graças alcançadas por quem ali frequentava.
Com a construção da gruta no município de Angelina, os munícipes passaram
a receber vários benefícios, com a concretização de melhorias sociais, tais como a
construção de um hospital e de um colégio pelas irmãs Franciscanas. Isso
representou um grande avanço para a localidade, haja vista antes e de tais
acontecimentos, os doentes tinham que se deslocar para outros municípios, até
mesmo para Florianópolis. A educação era bastante precária.
Hoje o município conta diversas festas durante o ano. Em dezembro, ocorre a
festa em louvor a Nossa Senhora de Angelina, em abril a festa do queijo e do mel.
Segundo um dos moradores, em época de festas, vem muita gente com ônibus de
excursão, e são vendidas muitas lembrancinhas da cidade, assim como também
produtos coloniais. Os visitantes fazem amigo secreto na viagem e compram as
lembranças para presentear, tanto seu „amigo secreto‟ e já levam também para
familiares e amigos em geral.
33
3.2 PEREGRINAÇÕES E TURISMO RELIGIOSO EM ANGELINA
Com o passar do tempo, às peregrinações abriram caminho para o turismo
religioso e também contribuíram para o desenvolvimento econômico das cidades,
pois, segundo Edênio Valle, as romarias, hoje em dia, são vistas não somente como
uma forma de pagar promessas ou um agradecimento,
Paradoxalmente, a penitência se mistura à alegria da festa e dos rojões, às
comidas abundantes, ao encontro com os parentes e amigos. Hoje em dia é
difícil pensar em lugares de romaria sem pensar no lazer e nas compras. O
“turismo da fé” é hoje uma realidade que a pastoral não pode ignorar.
(VALLE, 2007,p.39)
Em Angelina não é diferente, com as visitas constantes de peregrinos vindos
de várias partes de Santa Catarina e de outros Estados. Hoje se pode dizer que as
principais fontes econômicas são a agricultura e o turismo religioso.
Durante todo o ano, são recebidos vários visitantes, vindos de todo o Brasil,
mas é na semana santa que essa peregrinação toma força, milhares de pessoas
visitam a gruta, não apenas caminhantes, mas com vários tipos de locomoção, uma
vez que até mesmo são feitas cavalgadas e o movimento de ciclistas também é bem
forte.
Muitas coisas mudaram em razão da peregrinação de fiéis que vêm visitar a
gruta em busca de conforto às suas dores e aflições.
A cidade de Angelina conta com dois hotéis e três restaurantes para receber
os visitantes e peregrinos.
Hoje a principal fonte de renda para muitos familiares advém dos produtos
coloniais por eles produzidos, além dos artigos religiosos vendidos para os
peregrinos e visitantes.
Em alguns países a peregrinação católica pode oferecer o aspecto turístico
associado ao religioso, como as peregrinações a Lourdes, na França, e
Roma, na Itália. Entretanto, deve-se reconhecer que, no Brasil, a
peregrinação guarda, na quase unanimidade dos casos, uma característica
evidentemente religiosa, assumindo o sentido de um sacrifício.
(ROSENDAHL 1995, p. 53)
Como ressalta o autor, no Brasil, as peregrinações são movidas ainda por
uma forte religiosidade, as pessoas que procuram algum santuário são por motivos
34
de fé ou por acreditar em uma força superior, fazendo assim com que os municípios
se desenvolvam para poderem receber melhor seus visitantes.
35
3.3 MANEIRAS DE REALIZAR A PEREGRINAÇÃO EM ANGELINA
Pode-se notar que as peregrinações crescem ao passar dos anos e também
se vão modernizando, não apenas com os meios de transportes mais do mesmo
modo com a organização dos grupos em si. Alguns utilizam de camisetas com
faixas luminosas, bonés e até mesmo lanternas, já que o caminho o qual foi
escolhido para acompanhar os peregrinos não possui iluminação pública e com isso
os caminhantes precisam que sejam vistos pelos carros e motos que fazem o
mesmo percurso.
Percebe-se inclusive que muitos grupos mandam confeccionar camisetas
alusivas ao evento. A cada ano que passa, nota-se que a peregrinação está ficando
mais organizada.
3.3.1 Peregrinos a pé
Nesse dia, é comum ver-se uma multidão de pessoas que caminham em
direção ao santuário de Angelina. São pessoas que têm um mesmo objetivo de
chegar até à gruta de nossa senhora de Lourdes, embora por motivos diferentes,
durante essa caminhada os grupos vão encontrando-se e unindo-se, principalmente
nas paradas que já tem seus locais determinados.
Uma delas e talvez a principal seja a praça de São Pedro de Alcântara, onde
pode se contar com mesas e cadeiras para o descanso e também bares para fazer
um lanche. Muitos levam seus lanches na mochila e água, porquanto não sabem
quando vão precisar repor as energias.
3.3.2 Peregrinos de bicicletas
Essa é uma modalidade que, paulatinamente, são organizados grupos e
podem
ser
feitas
inscrições
até
pela
internet,
existe
um
blog
(http://www.pedalafloripa.com/2012/03/peregrinacao-para-angelina-2012.html.
Acesso em 22.04.2012), que disponibiliza inscrições, é uma maneira de não ir
sozinho, podendo ser escolhido entre três grupos: Grupo Duas Rodas, Grupo Pedal
Continente e Cicles Hoffman /Floripa Bikers.
Eles disponibilizam suporte nas
subidas e ônibus para o retorno, mediante o pagamento de uma pequena taxa.
36
Esses são grupos muito organizados, pois existe sempre alguém dando
auxilio com um carro caso alguém precise de apoio, bem como usam roupas
especiais para serem vistos no escuro.
3.3.3 Peregrinos de automóveis
Muitas pessoas preferem ir de carro, porque não suportariam a viagem a pé e
já aproveitam para buscar aquelas pessoas que foram caminhando. Esse tipo de
transporte é confortável para quem o usa, mas para as pessoas que estão a
caminho torna-se uma ameaça, porque como já se havia mencionado o caminho não
tem pavimentação nem iluminação e possui várias curvas e as estradas são
estreitas.
Por isso a preocupação de quem caminha de estar com uma roupa bem
sinalizada. Outros romeiros optam por outros caminhos como, por exemplo, a
rodovia BR 282.
3.3.4 Peregrinos cavaleiros
Grupos de cavaleiros reúnem-se para fazer tal jornada. Nas observações,
conheceu-se um grupo com mais de quarenta participantes, eles costumam reunirse para saída, em Santo Amaro, no Centro de Tradições Gaúchas Boca da Serra,
(CTG), esse local fica sendo o ponto de encontro, ao longo do caminho, outros vão
juntando-se ao grupo.
Ao contrário dos peregrinos, que seguem a pé, sendo que maioria chega
antes do amanhecer, esse grupo de cavaleiros costuma atingir sua meta depois do
nascer do sol.
Para o retorno, é contratado um caminhão boiadeiro para o transporte dos
animais, ou até mesmo socorre algum cavalo que não consiga terminar o percurso.
37
3.4 AJUDA DURANTE O TRAJETO
Como foi, em outro momento, citado, a estrada é bem deserta sem muitos
moradores. Existem trechos extensos sem um local para se pedir ajuda ou até
mesmo água caso se precise, o corpo de bombeiro e a polícia militar fazem um
ótimo serviço em apoio aos peregrinos e também para manter a segurança do local.
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Quase impossível avistar os peregrinos de dentro do carro. Estrada geral Barro Branco.
3.4.1 Bombeiros
Em um galpão que fica em local estratégico, estão acampados bombeiros
voluntários. Eles distribuem copinhos de água a quem precisa ou até mesmo para
levar.
Prestam ajuda se alguém não estiver sentindo-se bem, assim verificam
pressão arterial e batimentos cardíacos.
3.4.2 Polícia militar
Durante todo o percurso, a polícia militar faz rondas, o policiamento pelo
trajeto é constante, principalmente após as nove horas da noite de quinta-feira santa,
eles servem de apoio, também, para quem precisa de ajuda, e dão segurança para
os peregrinos que fazem a caminhada.
Ao se chegar à praça de Angelina, é comum avistar-se um policiamento
38
efetivo, cuidando do trânsito em volta da praça e cuidando para que não aconteça o
que era de costume, há mais ou menos oito anos: os jovens usarem a praça para
fazer disputa de som automotivo ou acampavam com barracas na praça.
Percebeu-se um processo de introdução de disciplina cada vez maior por
parte do poder público aos “abusos” que os jovens cometiam em torno da praça.
39
3.5 CARACTERÍSTICAS DOS PEREGRINOS DE ANGELINA
Foram entrevistadas pessoas de idade entre dezesseis e cinquenta e cinco
anos, durante a quinta e sexta-feira da semana santa.
Muitas dessas pessoas
dizem-se católicas, mas alguns não hesitaram em falar que não pertencem, a
nenhuma instituição religiosa, e ainda assim, professam acreditar em Nossa
Senhora.
É mais comum ver pessoas com crenças em uma religiosidade popular, do
que ver peregrinos que costumem estar de acordo com as práticas que a Igreja
Católica defende. Haja vista que muitos, apesar de expressar sua religião, não têm o
hábito de participar da missa em todos finais de semana. Para Edison d‟Ávila, esse
fato é comum em Santa Catarina:
Esta crença religiosa, em Santa Catarina, assim como no restante do
Brasil, constitui-se num catolicismo rústico, construído sem interferência da
hierarquia da Igreja, (muitas vezes distante face às grandes distâncias),
característico das camadas populares e eivado de intensa religiosidade no
grupo familiar e comunitário. (ARQUIPÉLAGO. HISTÓRIA, 2ª SÉRIE, IX
2005).
Basta lembrar que se fez a pesquisa na semana santa, quando a Igreja
Católica celebra a morte e ressurreição de Jesus Cristo, esse fato é pouco lembrado
pelos entrevistados, nossa senhora de Lourdes é mais lembrada nesse dia como
sendo intercessora e um caminho para deus, pois se acredita que pedindo a ela,
deus pode conceder graças.
Muitos deles costumam chegar à gruta antes do amanhecer, porque creem
que a água que corre aos pés de nossa senhora torna-se santa.
Tal crença, entre outras, vem do catolicismo popular, no qual na sexta feira
santa são praticados alguns rituais antes do amanhecer, como chegar até uma gruta
para se purificar nas águas, colher ervas para fazer chás etc.
Nesse dia, também não são realizadas tarefas, pois
As lidas no campo estavam suspensas, sendo retomadas só no Sábado de
Aleluia, após o meio dia,(sic!) ou depois do Domingo de Páscoa. [...]
[...] Cada um procurava fazer o menor esforço possível. Desde a mais
simples atividade doméstica, como varrer a casa, até ir ao trabalho na roça
ou outra atividade lucrativa ou que caracterize trabalho. É um dia em que
não se pode trabalhar. (PEREIRA, 2005, pp. 37, 38)
40
Acreditava-se que, caso se realizasse algum tipo de tarefa, as pessoas
seriam castigadas.
Mas existem também aqueles que não incorporaram tais
crendices, prova disso foi dada durante a caminhada, quando se pode observar a
concentração de jovens em lugares que vendem refeições, já que são vendidos
produtos à base de carne, cerveja, entre outros, muitos deles vão só para se divertir,
com seus carros costumam colocar o som no volume máximo, fazendo desse dia
uma verdadeira festa mundana.
“A peregrinação deve orientar para o sentido de corresponder ao
oferecimento que Deus nos faz da sua misericórdia e do seu amor” (ROSSO, apud
PEREIRA, 2007, p.182). Alguns romeiros agradecem com sua caminhada, com seu
esforço físico, por terem saúde e paz.
Geralmente os peregrinos fazem o percurso em grupos, pois caminham
durante a noite e existem partes do trajeto que não oferece iluminação e nem casas
próximas. Segundo o que se pôde observar, às vezes que alguém se distanciava do
grupo, havia uma preocupação em esperar para que todos continuassem juntos a
caminhada. Mesmo com essa e outras inúmeras dificuldades, não se detectou
desistência da jornada por parte de qualquer caminhante.
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Estrada sem pavimentação e sem iluminação.
A maioria vem de longe e, durante a caminhada, o entrosamento com outros
grupos, as conversas são aspectos que lhes dão ânimo para a peregrinação, pois
trocam histórias dos mais variados tipos. Pessoas que só têm a oportunidade de se
reencontrarem nesse dia, pois muitos já participam da peregrinação a anos.
41
Existem outros caminhos que já estão asfaltados e com iluminação pública,
que não foram observados nessa pesquisa, em que se optou por uma estrada de
terra, sem pavimentação e sem iluminação pública praticamente em todo percurso.
Isso, porquanto se acreditasse ser um trajeto mais árduo para os peregrinos.
A maioria só termina sua caminhada quando chega até à gruta e ora11 em
louvor a nossa senhora. São poucos o que consideram o fim da peregrinação à
chegada à praça. Esta fica antes da entrada da gruta, mas como já se havia falado
antes da não observação das práticas católicas. Muitos caminhantes limitam-se
apenas a cumprir a promessa ou sua caminhada à gruta e não costumam participar
das missas que são realizadas na Igreja que fica ao lado da entrada da gruta. O que,
em alguma medida, corrobora que a peregrinação é um ato de fé independente da
crença católica.
Na quinta-feira santa depois da missa do Lava Pés é iniciada a vigília de
adoração ao Santíssimo Sacramento12, quase somente moradores de Angelina – e
em pouco número participam.
A maioria quase absoluta dos peregrinos sequer
entra na Igreja. Pois para eles o principal objetivo é o sacrifício de caminhar até a
gruta, para agradecer graças alcançadas.
11
Geralmente é rezado o “Pai Nosso” e “Salve Rainha”
A Igreja católica professou e professa esse culto de adoração que é devido ao sacramento da Eucaristia,
conservando com o máximo cuidado as hóstias consagradas, expondo-as aos fiéis para que as venerem com
solenidade. (Catecismo da Igreja católica, 1998).
12
42
3.6 SALA DE GRAÇAS
Próximo à gruta, existe uma pequena construção qual foi destinada para que
as pessoas depositem seus ex-votos13, placas, objetos como muletas, roupas, fotos
entre outros. Esse lugar já está cheio e os fiéis estão colocando seus objetos em
torno dos paredões próximo à gruta, velas são acessas em um local próprio para
elas, o qual também fica bem lotado durante esses dias da semana santa.
Nesse local estão depositados os ex-votos daqueles que dizem ter recebido
graças de nossa senhora de Lourdes e que em troca deixam um agradecimento em
louvor a ela. Mesmo para quem não faz promessas ou peregrinações, aqueles que
vão à gruta apenas para conhecer essa sala de ex-votos costuma ser um medidor ,
pois se tem noção de quantas pessoas passaram por ali e deixaram seus
agradecimentos por algo recebido.
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Placas deixadas nas paredes da gruta.
foto da autora, 2012
Local para velas.
13
Quadro ou imagem, reprodução em cera de um órgão ou um membro do corpo etc., que se oferecem ao
cumprir um voto. (Amora, Antônio Soares, 1998)
43
3.7 QUINTA E SEXTA-FEIRA SANTA EM ANGELINA
Quando chega a semana santa em Angelina, a cidade transforma-se, ela fica
com outro visual, são barracas espalhadas por diversos pontos em torno da praça
próxima à igreja é como se fosse um dia de festa. Há barracas as quais vendem
desde produtos religiosos, até barraca de alimentação, com cachorro-quente, pastel,
pipoca, pinhão e outras guloseimas, comuns às festas populares.
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Barraca com produtos religiosos – pavilhão da Igreja.
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Rua em frente à Igreja com diversas barracas de lanches.
Para alguns visitantes de Angelina, certas penitências, cujos preceitos regem
a Igreja católica, como o de não comer carne na semana santa, não são bem
aceitas, porquanto sejam vendidos produtos à base de carne bem próximo à igreja.
É conveniente lembrar que a Igreja católica prega a seus fiéis abstinência de
carne na semana santa e aconselha também o jejum na sexta-feira santa.
44
3.8 ENTREVISTA RESIDENCIAL COM OS PEREGRINOS
Nos dias 15,16 e 19 de abril de 2012, foi realizada a pesquisa qualitativa com
os peregrinos que concordaram em serem entrevistados nas suas casas após a
passagem da páscoa.
Entrevistaram-se pessoas de diferentes grupos, este tipo de pesquisa não se
concentrou em apenas um grupo, mas em dois grupos de peregrinos os quais não
têm contatos entre si, sendo um deles um grupo de jovens adolescentes, com idade
entre 15 e 18 anos, e outro com pessoas com mais de 24 anos.
3.9 ALGUMAS PARTICULARIDADES DOS GRUPOS
Quanto à formação, o grupo de jovens entrevistados são estudantes que
estão cursando o Ensino Médio, alguns até prestaram vestibular neste ano, o outro
grupo com idades que variam entre 24 a 39, em que alguns fizeram o Ensino Médio,
outros cursaram até a oitava série no antigo Ensino Fundamental com regime de oito
anos.
Acerca da atuação profissional, as ocupações são bem variadas, desde
aquele que apenas planta, aquele que planta e vende na CEASA, estudante,
autônomo, agente de endemias, açougueiro.
A respeito do gênero, maioria é formada por homens, apenas seis mulheres
foram entrevistadas. Todos os entrevistados são solteiros. Eles residem com os pais,
nas localidades de Rio Fortuna de Baixo e Santa Filomena ambos bairros de São
Pedro de Alcântara, Pagará, Calemba e São Francisco, bairros de Santo Amaro da
Imperatriz.
Muitos deles conheceram a gruta através de seus pais e já visitavam desde
pequenos com a família, em dias de festas e na época da semana santa. Foram
unânimes ao afirmarem conhecer outros lugares de peregrinação como Santa
Paulina, mas apenas um deles já tinha feito a peregrinação àquele santuário.
Este prometeu ir a pé até o Santuário de Madre Paulina se sua mãe
recuperasse a saúde, pois estava desenganada dos médicos e não conseguia mais
se levantar da cama. Segundo ele, não fez comentário algum com ninguém sobre a
promessa. Um dia, quando acordara, havia visto sua mãe na cozinha preparando o
45
café, ficara emocionado, então, saíra sem dizer nada e fora andando até o santuário,
para agradecer.
Mas sua peregrinação anual para Angelina dá-se por conta de
uma promessa feita para ele mesmo.
Ao se perguntar para os jovens adolescentes se professam alguma religião,
todos responderam serem católicos, mas não praticantes apenas se consideram
pois receberam os sacramentos14 da Igreja Católica e, às vezes frequentam a igreja,
não se importam muito com a participação na comunidade religiosa, porque dizem
que na correria do cotidiano quando chega o fim de semana estão muito cansados.
Já o outro grupo, caracterizado pela idade entre 24 a 39 anos, dizem-se
militantes católicos, que sempre participam das missas e cultos nas suas
comunidades, pois a fé, para eles, é à base de tudo, outros, neste mesmo grupo
usaram bastante a frase „sem Deus não somos nada‟
15
, foi usada em muitos
momentos, já que se encontrar com esse Deus é frequentar as missas e respeitar os
mandamentos da Igreja.
O desenvolvimento espiritual foi considerado muito importante para todos,
mesmo para aqueles que não frequentam a igreja semanalmente. Demonstram
precisar da crença em que um ser superior opera melhorias a cada momento em
seu interior. Assim, a fé em algo é o combustível a partir do qual se conseguem
coisas que nem se imaginam.
Ao se perguntar quantas vezes já tinham feito tal peregrinação, as respostas
variaram muito: houve alguns os quais responderam duas vezes, outros três, alguns
quatro, outros nove e um deles afirmou ter repetido a peregrinação vinte e quatro
vezes. Este era o mais velho do grupo e, ainda, relatou que no início ia até sozinho
para não deixar de fazer a caminhada, porquanto soubesse que, ao longo do
caminho, iria encontrar alguém para lhe fazer companhia.
Perguntou-se se é feito algum tipo de preparação para a caminhada e se eles
costumavam convidar alguém o qual nunca fizera a peregrinação para ir junto. O
grupo de jovens adolescentes, disse que não se preparavam, apenas aguardam o
dia e combinam com quem vai, a hora e o local da saída. Convidam amigos para a
caminhada ser mais agradável, haja vista que, para eles a caminhada é, antes de
tudo, uma diversão, um momento de descontração de encontro com amigos. O que
menos lhes agradam é o retorno, pois muitas vezes não têm com quem voltar e têm
14
Há na Igreja sete sacramentos: o Batismo, a Confirmação ou Crisma, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos
Enfermos, a Ordem, o Matrimônio. (Catecismo da Igreja Católica, 2000,p. 314)
15
Frase dita pelos entrevistados.
46
de ficar pedindo carona ou vir em um carro com um número exagerado de
passageiros.
Quanto ao grupo dos adultos, este diz-se preparar mentalmente em oração e
fé, pois se não tiverem essa força não conseguem chegar, convidam amigos, porque
alegam que, ao fazer a peregrinação, a pessoa sente-se bem espiritualmente e
consegue refletir sobre sua vida durante o trajeto.
(...), as crenças só são ativadas quando compartilhadas. É perfeitamente
possível mantê-las durante certo tempo por esforço pessoal; mas não é
assim que nascem ou são adquiridas; é até duvidoso que possam conservar
nessas condições. De fato, o homem que tem verdadeira fé sente
invencivelmente a necessidade de difundi-la; para isso ele sai do seu
isolamento, aproxima-se dos outros procura convencê-los, e o ardor das
convicções por ele suscitadas vem reforçar a sua. Ela se extinguiria
rapidamente se permanecesse isolada. (DURKHEIM, 1989, p. 503)
O homem que tem fé consegue propagar suas crenças fazendo assim que
sua fé fique cada vez mais forte.
Também foi questionado entre os sujeitos da pesquisa o porquê da
peregrinação na quinta para sexta-feira santa, o primeiro grupo (mais jovens) relatou
que como todos vão nesse dia, eles também costumam ir. Para eles, aquele é o dia
certo, encontram mais gente conhecida. Para o outro grupo (adultos), essa noite é
considerada sagrada, é um dia de penitência e oração, “Jesus sofreu por nós, nós
também podemos sofrer por ele. É um dia que as pessoas utilizam para ter mais fé e
oração” 16. Como cita Pereira em seu livro o Encantamento da sexta-feira Santa,
Além da magia e superstições que envolvem os rituais da Semana Santa,
há que se destacar o aspecto da penitência, da prática de sacrifícios como
elemento de aproximação do fiel com a divindade. Dentre estas práticas
está a caminhada, a peregrinação ou procissão. Rituais que remetem à
caminhada de Jesus até o horto das Oliveiras, carregando a cruz de seu
suplício e morte. Os símbolos da caminhada ganharam, na semana Santa,
importantes significados no imaginário popular. (PEREIRA, 2005, pp. 180181).
16
Resposta de uma entrevistada.
47
Para alguns, a peregrinação é feita por motivo de promessa e a cada ano
querem renovar o voto de agradecimento com o sacrifício da caminhada.
Conforme Durkheim, a promessa é como uma troca;
O único comércio que podemos manter com seres dessa espécie é
determinado pela natureza que lhes é atribuída. São seres conscientes; não
podemos agir sobre eles senão de maneira como se age sobre as
consciências em geral, ou seja, por procedimentos psicológicos, procurando
convencê-los ou emocioná-los, quer através de palavras (invocações,
orações), quer através de oferendas e de sacrifícios. (DURKHEIM, 1989, p.
60).
Ao se tratar de dar algo em troca daquilo que foi recebido, prefere-se as
orações e sacrifícios, mas as experiências vividas por eles faz com que essa dor
seja minimizada.
Todos ressaltam que tiveram experiências marcantes17 durantes suas
peregrinações. A animação, a força que um passa para o outro é uma das coisas
mais comentadas por eles. Funciona como um estímulo, a observação do empenho
alheio, principalmente, em se tratando de alguém mais velho, também com o mesmo
objetivo que é chegar a até à gruta isso da ânimo para todos.
Para muitos, a peregrinação ajuda a enfrentar momentos18 difíceis ou
problemas pelos quais passam em suas vidas, há vista que aquela romaria significa
que algo deu certo e faz com que, cada ano, o peregrino retorne, portador desse
mesmo sentimento de gratidão.
Ao chegarem à gruta, descrevem a primeira sensação como sendo de alegria
de conseguir cumprir o objetivo e de agradecimentos por terem chegado. Muitos se
sentem emocionados ao verem a Santa.
O encantamento da Sexta-Feira Santa passa pelo seu aspecto considerado
mágico. [...] nesse dia, apesar da dor, do sofrimento que envolve o orbe
católico, há a esperança de um Deus solidário com o sofrimento humano. (
PEREIRA, 2005, p. 32)
17
Um peregrino relatou que, no primeiro ano em que começou a peregrinar, na subida de um morro, torceu o
pé. Então pensou que não poderia mais continuar, mas com a ajuda de seus companheiros, ele conseguiu
chegar até à gruta, com muito esforço e dor. Depois teve de ir para o hospital. Ele crê que só Nossa Senhora
possa ter-lhe dado força. Para ele, não há outra explicação.
18
Um deles, que já faz a peregrinação há 24 anos, disse que alcançou a graça de parar de tomar bebidas
alcoólicas.
48
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Nossa Senhora de Lourdes à noite.
Peregrinar para esse grupo o qual se classifica como militante católico, é uma
prática de fé, um momento de oração, significa preparar-se para a Páscoa, “ir ao
encontro de Deus, buscar a paz interior. É rezar, agradecer, dedicar-se a Deus” 19.
Ao chegarem à gruta, parecem considerar a peregrinação realizada, mas
antes de irem embora, costumam lavar-se na água que correr por baixo da gruta.
Isso por acreditarem que essa água é santificada e pode curar seus males.
Símbolo cosmogônico, receptáculo de todos os gérmenes, a água torna-se
a substância mágica e medicinal por excelência; ela cura, rejuvenesce,
assegura a vida eterna. O protótipo da água é a “água viva”, que a
especulação posterior projetou por vezes nas regiões celestes – como
existe uma soma celeste, uma haoma branca no céu, etc. (ELIADE, 2010
p.157).
Mircea Eliade, em seu livro Tratado de História das Religiões, com seus
estudos sobre as águas e o simbolismo aquático, deixa claro que esses valores
sagrados os quais a água agrega até os dias atuais, vêm “desde o Neolítico até os
nossos dias” (ELIADE, 2010 p. 163). Ainda para o autor,
A esta multivalência religiosa da água correspondem, na história,
numerosos cultos e ritos concentrados à volta de fontes, rios e riachos.
Cultos que se devem, em primeiro lugar, ao valor sagrado que a água
incorpora em si, como elemento cosmogônico, mas também à epifania local,
manifestações da presença sagrada em certo curso de água ou em certa
fonte. Estas epifanias locais são independente da estrutura religiosa
sobreposta. A água corre, é “viva”, agita-se; inspira, cura, profetiza. Em si
19
Relato de um peregrino.
49
mesmos, a fonte ou o rio manifestam o poder, a vida, a perenidade; eles são
e são vivos. (ELIADE, 2010 p. 162)
Muitos levam um pouco da água para casa, em garrafas pet para serem
usadas de diversas formas, jogar na casa, no carro, lavar um local do corpo que
esteja com algum tipo de doença ou até mesmo para tomar.
Essa prática é comum também em outros rituais da Igreja Católica, os quais
são usados à água para purificação dos pecados. O batismo é um entre outros
desses.
Este simbolismo imemorial e ecumênico da imersão na água como
instrumento de purificação e de regeneração foi aceito pelo cristianismo e
enriquecido por novos valores religiosos. O batismo de São João procurava,
não a cura das enfermidades corpóreas, mas a redenção da alma, o perdão
dos pecados.( ELIADE, 2010, p. 159)
Isso corrobora o quanto a água é simbólica como elemento purificador para
as religiões de modo geral e os ritos populares de modo mais específico. Para os
peregrinos a água neste dia se torna purificada.
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Fonte de água, peregrino tomando-a.
Após a longa peregrinação, o fiel ainda tem que enfrentar uma fila para
chegar até à água e próximo à imagem de nossa senhora. Muitos são aqueles que
apenas olham a imagem de longe e descem sem levar água nem se quer tocam-na.
Não costumam esperar, pois, às vezes, algumas pessoas costumam demorar muito
ao chegarem à água. Principalmente aquelas pessoas que não vem a pé, já que
estão lá justamente para rezar, e pegar a água.
50
foto Tânia R. P. Martins, 2012
Fila na gruta para chegar até à santa.
Assim, “Os fenômenos religiosos ordenam-se naturalmente em duas
categorias fundamentais: as crenças e os ritos”. ( DURKHEIM, 1989, p. 67) Os
peregrinos que querem terminar sua caminhada aos pés da Santa, esperam
exaustos na fila para agradecer por mais um ano de peregrinação, essa só se
completa quando participam do ritual, tomar a água e rezar um pai- nosso.
51
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para alguns, peregrinar em Angelina não é apenas um simples passeio, uma
diversão. É, sim, uma caminhada de fé em gratidão por algo que foi recebido ou
como „paga‟ por aquilo o qual se pretende receber. Não há como deixar de notar
aqueles que vão à busca de divertimento ou apenas por terem sido convidados por
amigos e quererem enfrentar a jornada, à semelhança de um desafio físico.
Inegavelmente, com essas peregrinações, o município de Angelina tem proveito.
Esse movimento, nos dias da semana santa, e também, por conta da gruta
ser visitada durante o ano todo, traz muitos turistas vindos de vários lugares. A mola
propulsora do desenvolvimento da cidade foi o turismo religioso. O comércio
cresceu, dando oportunidade de emprego para seus habitantes que antes tinham
que sobreviver apenas dos produtos da lavoura.
Tal tipo de movimento foi aproveitado e administrado tanto pela Igreja como
pelas autoridades da cidade, pois houve um tempo quando os jovens estavam
tomando conta da praça com muita algazarra. A Igreja até chegou a intervir nas
comunidades vizinhas apelando para que não fossem neste dia a Angelina; mas, por
fim, conseguiram organizar o movimento o qual antes não intervinha tanto nas
atividades da Igreja.
Hoje já se notam padres durante a noite nas ruas e na gruta. Pôde-se
observar, neste ano, a presença de um padre, na gruta, à disposição dos fiéis
durante uma boa parte da noite.
O que pode tornar claro, embora ainda incipiente, a tentativa de envolvimento
da Igreja nessa manifestação antes periférica ao culto católico.
Quem sabe, com o passar do tempo, a Igreja angarie maior participação
desses fiéis nas missas e eventos da semana santa católica, incorporando assim a
peregrinação ao seus rituais. Coisa que se pode dizer com clareza, a partir desta
pesquisa, é que pelo menos um grupo de peregrinos usuais – aqui marcados pela
pouca idade – não justifica sua caminhada como elo com a prática religiosa
tradicional.
Foi notável, em medida segura, nesta pesquisa que entre os peregrinos de
Angelina, a grande maioria não é militante da religião católica, mas possui uma
religiosidade popular grandiosa, uma veneração por seus santos e santas.
Prova disso é a grande admiração que têm para com nossa Senhora de
52
Angelina. É como se ela estivesse sempre protegendo os peregrinos dos males das
quais as mais apontadas foram às doenças.
Quando o peregrino faz essa caminhada, em forma de agradecimento ou
promessa, é como se ele estivesse em dívida com nossa senhora. E o mais
interessante é que, mesmo depois de, ter pagado a promessa, esse peregrino torna
a fazer a peregrinação no ano seguinte, como se ainda estivesse em dívida. O
recebimento de uma graça ou a esperança de recebê-la parece estabelecer uma
ligação com o divino que é renovado a cada visitação. Os votos são renovados,
porquanto há crença na ligação entre fiel e entidade divina. Assim, para tal elo, o
ritual funciona como mantenedor.
53
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A religiosidade faz parte do cotidiano familiar dos moradores