VIVER
AQUI
Edição #1 - 2011 - AIPA - Associação dos Imigrantes nos Açores
Ponta Delgada - Açores - Distribuição Gratuita
Percursos de
Imigrantes empreendedores
As nossas Áreas de actuação
A AIPA tem, fundamentalmente, 4 áreas de actuação:
A nossa Missão
A AIPA é uma plataforma representativa dos imi
grantes residentes na Região Autónoma dos Açores
e assumimos como missão contribuir para a inte
gração das comunidades de imigrantes na socieda
de açoriana.
O nosso Percurso
A AIPA foi formalmente criada em Março de 2003
na convicção de que os imigrantes podem e devem
ser um agente activo na procura e implementação
de políticas promotoras de integração. Actualmen
te, a AIPA é uma associação reconhecida pelo Alto
Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultu
ral (ACIDI), membro do Conselho Consultivo Regio
nal para os Assuntos da Imigração e do Conselho
Municipal da Cidadania de Ponta Delgada.
Os nossos
Objectivos
• Contribuir para a integração social dos cidadãos
imigrantes na sociedade açoriana;
nidades, direitos e deveres junto da população
imigrante;
• Contribuir para a formação de uma opinião pública positiva, face ao fenómeno da imigração;
• Combater a xenofobia e todas as discriminações
baseadas na nacionalidade, origem étnica, cor
ou religião;
• Contribuir para o reforço de laços de amizade e
solidariedade entre os diversos povos.
1- Disponibilização de Serviços de Apoio e Informação
aos Imigrantes;
- Centro Local de Apoio à Integração dos Imigran
tes - CLAII – em Ponta Delgada e na Terceira;
- Clube de Emprego, Bolsa de Habitação e Clube
de Serviços;
- Espaço TIC;
- Apoio Jurídico;
- Formação
2- Promoção da interculturalidade, combate ao Racismo
e sensibilização da população açoriana para o fenómeno
da imigração
- Realização de actividades culturais – Festival “
O Mundo Aqui”;
- Programa de Rádio “ O Mundo Aqui”;
- Suplemento no Jornal “ Açoriano Oriental” –
Rumos Cruzados;
- Realização de Seminários, Conferências e
Workshops;
3- Pressão, Denúncia e Diálogo com as Autoridades
A terceira dimensão de actuação alicerça-se na
vigilância permanente dos problemas e transmitilos às autoridades e, por consequência, incenti var à alteração do quadro legal. Esse objectivo
tem sido concretizado a partir de um diálogo per manente com os diferentes actores a nível regio nal e nacional.
4- Contribuir para o fortalecimento de cooperação entre
os Açores com os países de origem das comunidades de
imigrantes.
Contactos:
Ponta Delgada
Sede: Rua do Mercado, nº 53, H, 1º
9500 Ponta Delgada - Açores - Portugal
Tel.: 296 286 365 / 296 288 001/
Fax: 296 281 623 - E-mail: [email protected]
Ilha Terceira:
Delegações
Rua da Garoupinha, nº 59
9700-092 – Angra de Heroísmo
Telf. (+351) 295 213 139
Fax. (+315) 295 215 079
E-mail: [email protected]
ÍNDICE
NOTA DE ABERTURA
André Bradford
Rosário Farmhouse
Graça Castanho
Paulo Simões
Paulo Mendes
Leoter Viegas
José Marcelino Kongo
Rosivalda Veiros
Cristina Borges
Sameer Reege
Nadya Kazachoka
Jaime Goth
Ricardo Marquez
José Luís
Darwin Mendez
Sudip Chattopadhyaya
Óscar Reis
Waheed Zaman Raja
José Dias Fernandes
Lan Macedo
Wiliams Nascimento “Maninho”
Rosa Vaz
Oumar Ndiaye
Marilene Barbosa
Ficha Técnica:
Edição:
AIPA – Associação dos Imigrantes nos Açores
Coordenação:
Paulo Mendes
Textos:
Olímpia Granada e Josefina Cruz
Design Gráfico/Paginação:
Luís Filipe Craveiro (Craveirodesign.com)
Fotografia:
José Franco, Marcelo Borges e Acácio Amaral
Fotografia Capa:
Paulo Medeiros
Execução Gráfica:
Coingra, Lda.
Tiragem / Distribuição:
4000 exemplares - Distribuição gratuita
Promotores
Financiadores
Parceiro
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André Jorge Bradford
Secretário Regional da Presidência
Açores e imigração
Nos dias de hoje, falar de migrações
significa compreender o fenómeno da mobilidade de cerca de 3,1% da população
mundial, segundo dados de 2008, da Organização Internacional das Migrações.
Este fenómeno planetário, longe de
uma análise unívoca, tem permitido, por
um lado, o desenvolvimento de regiões e
países, e, por outro, o défice populacional
de determinadas áreas geográficas. Existe,
porém, concordância de que a entrada de
novos actores permite o desenvolvimento
social, contribuindo para um espaço de diálogo intercultural entre povos.
A integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento é uma situação
complexa e multifacetada, uma vez que
corresponde a um processo dinâmico,
em constante mudança, resultante de influências bastante diversas ao nível da
macro-estrutura económica, social, política
e institucional dos países de destino e das
especificidades de cada sociedade onde
os imigrantes se fixam.
Os Açores, tradicionalmente região de
emigração, conheceram, há poucos anos, a
inversão dessa tendência. Passaram a ser
uma região de imigração.
Neste sentido, tem sido preocupação
do Governo dos Açores permitir que aqueles que escolheram os Açores para trabalhar,
residir ou constituir família, tenham, dentro do
quadro legal existente, uma integração plena e vejam realizadas as suas aspirações
profissionais e pessoais. Tal situação só é
possível se, no processo de integração, interagirem os diferentes actores relevantes,
nomeadamente imigrantes, entidades governamentais, instituições e comunidades
locais, pelo que é também missão do Governo sensibilizar e dinamizar a sociedade
civil para a concretização desta importante
missão social. A este propósito, é de extrema relevância o trabalho desenvolvido pelo
movimento associativo, sinónimo do empenho e da capacidade de mobilização das
próprias comunidades e instrumento inestimável de fomento da partilha de experiências, de conhecimento e de necessidades.
É por isso que o Governo dos Açores
tem não só desenvolvido projectos na área
da integração dos imigrantes e da preservação da identidade cultural como também
tem apoiado diversas entidades, organiza-
ções e associações no desenvolvimento
dos seus próprios projectos.
Destaque-se o apoio e atendimento
personalizados a estes cidadãos, prestados
pelos serviços da Direcção Regional das
Comunidades, quer seja no contacto com
as instituições do seu país de origem quer
com as instituições da Região. Para além
disso, a DRC tem, ao longo dos últimos
anos, procurado responder às necessidades dos imigrantes residentes na Região,
designadamente através de sessões de
esclarecimento sobre diversas áreas de interesse, como, por exemplo, a educação, a
saúde ou a segurança social, entre outras.
De igual modo, promoveram-se diversos cursos livres de português, de inglês,
de informática e de empreendorismo, em
várias ilhas do arquipélago, com o objectivo
de fomentar a aquisição de competências
nestas áreas, contribuindo, desta forma,
para a integração e desenvolvimento pessoal e profissional de cada um destes indivíduos.
Em consonância, não podemos descurar a importância do envolvimento dos imigrantes na definição dos seus destinos nem
o poder da sua voz no desenvolvimento
de políticas e acções a eles direccionadas.
A criação de um Conselho Consultivo Regional para os Assuntos da Imigração nos
Açores é a prova da participação activa
das comunidades imigrantes nas políticas
de imigração regionais e nacionais.
No que concerne ao Governo dos Açores, tem-se procurado sempre promover o
diálogo entre todos os intervenientes nos
processos de integração e nas próprias
acções que potencializam a preservação
e dinamização da identidade cultural dos
nossos imigrantes.
É nesta convergência de vontades, aproveitando as competências e apelando à
responsabilidade dos diversos agentes, que
podemos criar uma sociedade açoriana
mais justa, mais coesa e mais rica culturalmente.
O empreendedorismo é, neste contexto,
um importante instrumento de afirmação
pessoal e comunitária, intensificando pela
via da iniciativa própria os processos de
integração e contribuindo para tornar mais
visíveis as vantagens colectivas de uma dinâmica multicultural intensa.
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“...Os meus alunos foram sempre pessoas que marcaram
a minha vida, uns de uma forma óptima, outras excelente e
outras menos boa”...
para todos não é exactamente verdade
e não deve ser! Costumo dizer que a
reforma do Ensino de Veiga Simão até
agora foi a melhor de todas”.
Por exemplo, diz a também co-fundadora do Sindicato de Professores na
Região, que a sua própria “formação
de base, foi um curso industrial, um
curso de formação feminina que acabei
em Setembro e em Outubro já estava a
trabalhar! Portanto, foi uma ferramenta
para a minha vida!” Que usou com arte
e engenho, além da óbvia determinação. Mas com esta posição Cristina
Borges que até foi enriquecendo a sua
formação que culminou com uma licenciatura em Ciências da Educação na
Universidade dos Açores, defende uma
preparação para a vida. “Procurei sempre não só transmitir aos meus alunos
os ensinamentos que me eram impostos como, também, prepará-los para a
vida”. Também não se arrepende desta
postura que diz lhe ter permitido fazer
“bons amigos” durante os anos em que
“teve o privilégio de ser professora”.
Trabalhar com as mesmas mãos
com que também ‘fala’, é – conta –
uma apetência desde criança.”Fazer
coisas, criar...”
Apesar de aposentada, não deixou
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de ensinar; é formadora na área do
artesanato e trabalha também na área
da recuperação psico-social, além
de participar em palestras e eventos.
Fundou ainda uma associação de
artesãos, a Criaçores por, relata, ter percebido que “os artesãos precisavam de
alguém que falasse por eles, porque
muitos tinham imensas competências
técnicas mas precisavam de competências sociais para se defenderem, para
falar, para reivindicar”.
Depois, acrescenta com o maior dos
sorrisos que, claro, “constitui família, sou
mãe, tenho um açorianinho muito giro
e o meu marido também é açoriano.
Portanto, é como eu digo, sou uma
açoriana que nasceu em Angola”.
E desde que se rendeu a São
Miguel, os Açores mudaram? “Muito,
muito! Quando eu cá cheguei, encontrei
pessoas muito fechadas, muito selectivas, pouco abertas à imigração porque
se esqueciam que a maior parte da
família estava emigrada e... a fazer
sucesso lá fora.” Questionada sobre
esses primeiros tempos, Cristina Borges
recorda que havia receio de que quem
viesse de fora, viesse “roubar” o posto
de trabalho. “Aconteceu-me isso a mim,
disseram-mo directamente, tanto que
eu acabei por ter que dizer: ‘’se não me
aceitam como refugiada de guerra que
é de facto o que eu sou, aceitem-me
como imigrante, e estou a fazer aqui
o que a vossa família faz nos Estados
Unidos, no Canadá, na Bermuda...”,
recorda. Como recorda que no primeiro
dia de escola, com 5 anos, a “primeira
cantiga que aprendi foi o Hino Nacional
português”. Por isso, apesar do BI nacional, chegou a sentir-se sem pátria...
Hoje integra os órgãos directivos da
AIPA, para que situações dessas não
se repitam, acreditando, contudo, ter
hoje percebido porque ao tempos eram
as pessoas tão fechadas. “Porque
foram vítimas, também! Pela pirataria...,
e na II Grande Guerra houve histórias
de mulheres que ficaram com filhos nos
braços, enganadas...” mas, acrescenta,
quando “se abrem, abrem mesmo”.
A quem chega ou para quem está
cá, vindo de outras terras, deixa um
conselho: “que sejam empreendedoras,
que acreditem em si, que acreditem
nos seus sonhos, que não cruzem os
braços, procurem saídas e... sejam mais
felizes! É bom dizer ‘Bom dia! Como é
que estás? Óptima! Estar óptima hoje,
amanhã e sempre. Enquanto Deus
quiser.”
Veio de: Índia
Vive em: Ponta Delgada
O que o distingue: É professor
e investigador no Departamento
de Economia e Gestão da
Universidade dos Açores
Sameer Rege
Perceber o futuro das reformas
através de modelos inéditos
Indiano, Sameer Rege sente-se bem com o clima açoriano. Na sala do complexo
universitário onde se situa o Departamento de Economia e Gestão, no campus de
Ponta Delgada da Universidade dos Açores, sente-se à vontade com o sol que trespassa as vidraças e a humidade alta que caracteriza a ilha.
Da vivência em São Miguel diz:“It’s
nice, very peaceful, calm”. Assim como
aparenta ser Sameer Rege que só
lamenta ter a família longe, na Índia.
O docente também dá nota baixa à
burocracia e ao custo “pouco razoável
das casas”.
Lamenta igualmente, com um sorriso, o facto de não estar a conseguir
aprender Português. Ou melhor, falar.
Por isso, toda a conversa decorre em
Inglês.”Tentei bastante, mas o problema
é a pronúncia que é muito ‘forte’...”.
Fora isso, considera que “foi muito
bom” ter vindo para a Universidade dos
Açores (Uaç), em 2006, para a investigação de pós-doutoramento. E explica
que, ao contrário de imigrantes vindos
de outras origens, não se “importa com
a percentagem de humidade elevada,
porque a humidade na minha terra é
de aproximadamente 80 por cento e
com temperaturas de 33 e 34 graus...
portanto, estou muito confortável, é
como estar com o ar condicionado
ligado o tempo todo!”
A propósito, questionamos ao que
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dedica o seu tempo. “Ao trabalho”,
responde, onde também não teve
dificuldades de adaptação. Aliás, refere
que ao contrário da cultura indiana em
que a “relação entre quem chefia e os
subordinados é afastada, aqui quem
chefia é mais acessível”. Tal como é na
Europa, nota.
Conta que ainda deu aulas no seu
primeiro ano colocado no Departamento de Economia e Gestão mas que a
“barreira linguística” o fez optar apenas
pela investigação que estava na data
da recolha desta entrevista, a realizar
com o professor Mário Fortuna, director
do departamento.
“Trata-se de um projecto co-financiado pela Uniâo Europeia que será
publicado em livro, destinado a estudantes e investigadores” e que, com
base em modelos criados pretende
analisar a sustentabilidade das pensões
de reforma em Portugal.
“Por exemplo, temos idades e
origens diferentes – explica, dirigindose-nos -, mas trabalhamos no mesmo
tempo e ambos temos a expectativa
de vir a ter uma pensão. Trabalhamos,
vivemos e morremos. Entretanto, durante algum tempo deveremos receber
uma pensão do Governo...” Eis que o
nosso entrevistado é interrompido... por
um incontido, “I hope so!”
Sameer Rege confirma com um
aceno de cabeça, prosseguindo a sua
explicação precisamente com a exclamação que o interrompeu: “Quando
diz ‘I hope so’, a questão é que na sua
mente há algo que lhe diz que talvez
possa não receber, ou que essa pensão poderá não ser o suficiente, assim
começa a pensar em poupar dinheiro
ou em procurar soluções... e toda a
gente está à procura de soluções!” Por
isso, este investigador na área económica revela que o projecto em que está
envolvido pretende “estudar o impacto
[das pensões] no capital dos países,
o que muda, e estamos a tentar criar
um modelo que permita trabalhar por
forma a perceber”.
E, conclui, “o mais importante é saber não se as pensões se vão manter
mas o seu montante.
Veio de: Ucrânia
O que a distingue: É cientista
e integrou-se numa investigação
da Universidade dos Açores
sobre a doença Machado
Joseph
Nadya Kazachkova
“Os Açores são uma fonte
imensa para a investigação”
Nadya Kazachkova é ucraniana e faz investigação genética. Veio para os Açores,
depois de se ter especializado na Suécia. Diz que as ilhas são uma “fonte imensa
para a investigação devido ao isolamento das populações”, e cita o caso da doença
Machado Joseph
A jovem cientista estudou cerca de
cinco anos anos, onde trabalhou
também em clínicas. Mas, conta
com recurso à língua inglesa enquanto não dominava o Por tuguês
que – contava à data da entrevista
- estava a estudar afincadamente
todas as noites, “o que queria fazer
era mesmo investigação”. E, acentua
Nadya, “quando se quer uma coisa
com tanta intensidade, é difícil parar”.
Assim, depois de dois anos a trabalhar em clínicas na Suécia, decidiu
regressar à ciência e... daí, aos Açores. Onde garantiu, se sentia “muito
bem”. Até, acrescenta, “pelo meio
envolvente, com todas as flores..., o
que tem um impacto muito positivo!”.
Por outro lado, admite que é difícil a distância da família e reconhece
que sente a sua falta. “Mas não me
sinto mal, nem sozinha”, assegura
Nadya.
Quanto ao futuro, a investigadora
dizia ter como “garantido” o querer
“acabar o projecto em que está envolvida, no Depar tamento de Biolo/12
Viver Aqui
gia da Universidade dos Açores, no
pólo de Ponta Delgada, São Miguel.
“Não faço planos para muito tempo”,
confessa.
Um projecto em que a UAç
contou com os hospitais do Divino
Espírito Santo, em Ponta Delgada,
e do Santo Espírito, em Angra do
Heroísmo, como parceiros para a investigação genética sobre a doença
Machado Joseph levada a cabo pela
equipa em que Nadya se integrou
e que envolveu, ainda, consultores
científicos internacionais.
Esta doença identificada no
arquipélago, como explica Nadya,
Machado-Joseph (DMJ) é de natureza neurodegenerativa e os sintomas
- Primeiro afecta a marcha, depois a
fala, seguindo-se a descoordenação
dos membros superiores que leva à
dificuldade progressiva dos movimentos das mãos. A acumulação da
proteína ataxina-3, com mutação, no
núcleo das células é um marcador
impor tante desta doença - revelamse tardiamente (em média, aos 40
anos) e constitui nos Açores, dada a
sua elevada prevalência, um problema de Saúde Pública.
Segundo os dados recolhidos e
divulgados até ao momento, as famílias afectadas são originárias das
ilhas das Flores, São Miguel, Terceira
e Graciosa. A maior concentração
de doentes regista-se nas ilhas das
Flores (1 em cada 106 habitantes é
doente) e em São Miguel (1 em cada
3148 é doente).
E é também através genética,
a especialidade da jovem cientista
ucraniana, que os investigadores
procuram perceber melhor esta
doença incurável e encontrar um
tratamento. Ainda que este ano,
cientistas do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra tenham publicado na
revista “Brain” um estudo que pode
contribuir para o desenvolvimento de
uma estratégia terapêutica, equipas
de investigadores nacionais e estrangeiros prosseguem esforços nesse
sentido.
Veio de: Cabo Verde
Vive: Ponta Delgada (São Miguel)
O que mais gosta nos Açores:
Nos Açores gosto de tudo porque vivo aqui
desde os 11 anos de idade e como tal faz
parte da minha vida e formação como
homem enquanto cidadão.
O que menos gosta:
A falta de auto-valorização e respeito pela
cultura e trabalho dos artistas locais ou
radicados na Região.
O que a distingue:
músico e um defensor da cultura açoriana e
cabo-verdiana
“Jaime Goth”
“Eu sou ilhéu, acima de tudo!!”
Chegou vindo de um outro arquipélago. Nascido na ilha de São Nicolau, partiu da
do Sal e cresceu na de São Miguel, nos Açores, onde chegou aos 10 anos de idade
trazido pela mão da irmã que se casara com um micalense que trabalhava em Cabo
Verde. E onde, lembra o músico “Jaime Goth”, também se canta a “saudade”
Nos idos anos 70, deu-se a independência de Cabo Verde por via da
revolução em Portugal e muitos dos
cidadãos com nacionalidade portuguesa optaram por regressar. Foi o que
aconteceu, recorda “Jaime Goth”, com
o cunhado que trabalhava na aeronáutica civil, e que com ele trouxe a
esposa e o seu pequeno irmão. “ Foi
ele que me criou”, recorda o músico e
cantor que hoje também já constituiu
família. E com uma açoriana, como
dizia querer em criança, de tanto ouvir
o cunhado falar nos Açores...
Sobre a sua vida, nesta outra ilha
a muitas milhas náuticas de distância daquela onde nasceu, diz que
tem “sido engraçada” e “aventurada,
com bons e maus momentos como
toda a gente passa!”. Expansivo e de
gargalhada fácil, diz que nunca teve
“razões de queixa ou de amargura”
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Viver Aqui
e que se sente “em casa”. Nunca se
sentiu discriminado e se algumas das
outras crianças se ‘metia’ com ele não
via nisso nada demais. “A outros chamavam gordo ou outra coisa”, lembra
com um encolher de ombros.
“Eu sou ilhéu, acima de tudo!! O
irmos de uma ilha para outra, embora seja mais desenvolvida e maior,
dá-nos sempre essa afinidade, em
qualquer parte do mundo, independentemente das culturas e das raças”,
afirma.
Questionado se sente saudades,
repete a pergunta, também ele a interrogar-se para, depois, comentar que é
“uma palavra, uma expressão que nos
é muito comum”. Como comuns, faz
notar, são alguns dos nomes dados
a lugares, de lá e de cá. Por exemplo,
nasceu num lugar chamado Fajã de
Baixo. E há outros, como Fajã de Baixo
ou Covoada.
“Sou da ilha onde se fez a música ‘Saudade’ e uma das coisas que
sempre me chamou a atenção foi a
música...”, continua como que a pensar
em voz alta, concluindo que “facilmente” consegue “conciliar a saudade de
Cabo Verde com a saudade aqui dos
Açores” porque a afinidade de culturas
fez com que “sentisse que tinha mudado de uma casa para outra!”
Mas, sublinha Jaime Goth, canta a
saudade, canta mornas e aquilo que é
hoje: “Um criolisco!, a fusão de criolo
com corisco”. Uma expressão, conta,
criada por si porque é aquilo que os
seus filhos são, pois “a mãe é açoriana e eu sou cabo-verdiano”.
À conversa num café que há 19
anos Jaime Goth abriu perto do centro
de Ponta Delgada e que entretanto alugou, recorda que aquele foi o
“Eu sou ilhéu, acima de tudo!! O irmos de uma ilha para
outra, embora seja mais desenvolvida e maior, dá-nos sempre essa afinidade, em qualquer parte do mundo, independentemente das culturas e das raças”, afirma.
primeiro espaço a ter música ao vivo
“com todas as bandas”, fomentando a
“fusão de culturas”. De alguma forma,
diz, aquele espaço serviu de ‘ponte’.
A música, uma forma de linguagem
que associada à maneira de estar
de Jaime facilita a comunicação, e as
cachupas bem servidas, também uma
novidade ao tempo, contribuíram para
construir essa ponte entre culturas, de
uma maneira natural.
Hoje, toca noutros bares da cidade
de Ponta Delgada, e confessa o
“orgulho em sentir que vi toda a mudança que se passou por cá. Foi uma
mudança muito boa”. Qual mudança,
perguntámos? “Acima de tudo, em
termos de evolução. Estive em Ames/14
Viver Aqui
terdão, Londres, Paris e até na Índia e
tentava sempre fazer a comparação
em termos de equilíbrio... e não vejo
nada de diferente. Londres é enorme,
claro, mas... podemos estar a passar
por uma crise muito grande e toda a
gente se queixa que não tem dinheiro
mas somos um povo muito rico e o
nosso país é um dos mais bonitos do
mundo, tem de tudo, tem mar, tem
terra, tem lagoas, tem ilhas... e somos
um povo que tem muito para dar!”
Por fim, uma última e incontornável pergunta, como é que começou a
paixão pela música?
De violão, ficamos a saber. O “
primeiro musical” que deu foi em
1980, quando subiu ao palco no Teatro
Micaelense. “Lembro-me que a minha
banda foi a primeira a tocar Bob Marley, era uma novidade, e lembro-me
que depois fui convidado para todos
os bailes porque tinha um álbum do
Bob Marley que partilhava, e só tinha
aquele”, conta a rir, acrescentando
que, desse aspecto, tem saudades.
“Imagine-se como era a partilha das
coisas naquela altura..., hoje é tudo
muito fácil e não aproveitamos!”,
explica.
Nos últimos dez anos, Jaime Goth
tem-se dedicado a fundir música
cabo-verdiana com música açoriana,
recorrendo, por exemplo, ao cavaquinho, viola da terra de 12 cordas e
ferrinhos.
Veio de: Cuba
Vive: Praia da Vitória
O que mais gosta nos Açores:
Tranquilidade
O que menos gosta:
O preço das viagens
O que o distingue: é médico e
desenvolve actividade de
voluntariado numa ONG
Ricardo Marquez
“Sinto-me um português com
outra naturalidade!”
Concluído o curso de Medicina em Cuba, chegou a Portugal em 1996 e, nesse ano,
começou a formar-se na área da emergência médica após o que entrou para o
Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) que integra desde então. A partir de
1999 também começou a formar-se para situações de ajuda humanitária e catástrofe e, apesar de ter escolhido vir para o Centro de Saúde da Praia da Vitória, na ilha
Terceira, continua a participar em missões, um pouco por todo o mundo.
À incontornável pergunta de como
e porque é que em 2007 veio para
os Açores, Ricardo Marquez responde
que motivado por uma colega que
participara com ele numa missão. “Ela
estava aqui a trabalhar e disse-me
que parecia o Sri Lanka, mais tranquilo,
as pessoas eram simpáticas e havia
precisão de médicos na Região. Abriu
concurso, concorri e fiquei”.
Veio e ficou por, pelo menos, quatro
anos e, consigo, trouxe – além da
paixão pela prática da Medicina - uma
ideia na bagagem, a de tentar, conta,
“ajudar a formar, fazer alguns cursos e
dar um bocado de mim”. Por altura da
recolha deste depoimento reconhecia,
no entanto, estar a ser “um bocado di/15
Viver Aqui
fícil”. Isto, explicou, porque “as pessoas
não aderem aos cursos, estão habituadas a algum tipo de financiamento e
de modo que pagarem do seu próprio
bolso...”. Ainda assim, e apesar desse
constrangimento das pessoas “habituarem-se que para irem a uma formação têm que pôr um ‘bocado do seu
bolso’”, foram feitas na Região algumas
formações em parceria com a Direcção
Regional de Saúde e com o Serviço
Regional de Bombeiros.
“Temos tentado cativar a população
a fazer formação em suporte básico de vida, temos feito alguns curso
para leigos, pessoal não profissional
e vamos continuar. Mas a ideia era
desenvolver na Região alguns projectos
interessantes, vamos ver... esperamos
que a mentalidade de autoformação
mude um bocado nos profissionais,
sabemos que há crise mas temos que
estar preparados e não podemos estar
à espera que nos paguem um curso
para termos formação”, comenta.
Na mesma linha de pensamento,
lamenta que se vejam “muitos profissionais à frente de serviços de urgência
que não têm formação suficiente ou
pouco adequada”, o que confessa
preocupá-lo. “Mas
estou disponível para continuar”,
afirma.
Para este especialista em emergência, também se justifica a existência
nos Açores de um sistema equivalente
ao do INEM. “Numa Região mais do
que noutros sítios e para mais que
estamos longe, só por isso se justifica,
estamos a duas horas de voo do continente e qualquer situação emergente
ou urgente, no mínimo e se as condições climatéricas forem boas, demora
duas horas o auxílio”. Portanto, acrescenta, “temos que ter em cada ilha médicos, enfermeiros e pessoal preparado
para alguma situação de catástrofe e a
população também, porque a primeira
resposta tem que vir da população!”
Ricardo Marquez considera mesmo
que “não temos um sistema sólido em
emergência médica é um completo suicídio para a Região. Isto algum dia tem
que mudar e algum dia tem que ser a
política de mitigação destes problemas,
daquilo que se faz em situações de
catástrofe de problemas naturais”.
“O vizinho é o primeiro que pode
responder, depois os bombeiros...
temos que fazer simulacros, formação
e estamos muito, muito atrasados nisto!
Preocupa-me porque estive recentemente a falar com um especialista que
dizia-me que Portugal em breve e os
Açores vão ter a sua dose de calamidaPUB
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Viver Aqui
des, é cíclico. Se vai acontecer, porque
não devemos estar preparados? E não
vamos ter tempo porque a formação de
um profissional na área demora muito
tempo”, alerta.
Sobre o seu percurso fora da terra
de origem, perguntamos se se sente
um imigrante.
“Já me senti, inicialmente”. E hoje?
“Sinto-me uma pessoa que foi acolhida no seio de outra sociedade,
que respeitou essa sociedade e que
se integrou noutra sociedade, mas
imigrante propriamente dito eu sintome, às vezes, quando chego a Cuba!
Curioso...quando chego a Cuba sou
mais marginalizado por ter saído do que
em Portugal, por ter chegado”
Num tom de voz de quem está a
pensar em voz alta, partilha que “infelizmente, é assim” e que quando falam
de dupla nacionalidade nem ele percebe, às vezes, qual é a sua verdadeira
nacionalidade. “Tenho feito muita coisa
por Portugal e tenho passado muita
da minha vida em Portugal, às vezes
é difícil gerir a emoção da emigração
mas sinto, quando olho para trás, que
emigrei mas não me sinto imigrante,
sinto-me um português com outra
naturalidade”, diz.
Sobre se foi bem recebido em
Portugal, antecede a resposta com
uma consideração, a de que “Portugal
tem um conflito com o seu passado”.
Sobretudo em relação a África, Ricardo
Marquez constata que “há pessoas
com alguma idade que sofreram com
a guerra no Ultramar” e que, por isso,
acrescenta deixando a frase no ar, “um
imigrante que vem de África …” Mas,
acrescenta, no geral foi “bem aceite” e
que “felizmente também a minha profissão tem uma certa compaixão por
quem não é a favor dos imigrantes; é
diferente, e um imigrante com uma profissão diferente é visto de outra forma,
de ‘mais necessidade’. Tenho notado
palavras de racismo e xenofobia mas
não me afecta em nada.”
E nos Açores? “Tenho muitos
doentes na minha lista, apesar de ter
saído em missão por várias vezes! É
bom quando os utentes gostam do seu
médico, independentemente da sua
nacionalidade. Tenho a lista completamente ‘cheia’. A falta de médicos é um
drama mundial...”
Veio de: Cabo Verde
Vive: Terceira (Angra do Heroísmo)
O que mais gosta nos Açores:
Das ilhas e das pessoas
O que menos gosta: Nos Açores
não há nada que desgoste
O que a distingue: é proprietária do restaurante “A Africana” na
cidade de Angra de Heroísmo
José Luís*
“Foi aqui que me criei”
* na foto Néné, casada com José Luís
José Luís, casado com Néné, alma do restaurante “A Africana”, em Angra do Heroísmo, e mãe de Eliseu Santos que fez história ao tornar-se o primeiro terceirense
a ser convocado para a selecção nacional de futebol, em 2009, partilha uma história
de vida que se confunde com a da própria ilha.
As ‘réplicas’ do forte sismo que abalou
as ilhas do Grupo Central do arquipélago dos Açores, em especial na Terceira,
no dia 1 de Janeiro de 1980, fizeram
mudar muitas vidas para além das que
residiam na ilha. Às 15h42 nos Açores,
o abalo com uma magnitude 7,2 na
escala de Richter e intensidades IX na
escala de Mercalli na Terceira danificou
muito do edificado da ilha de Jesus e
mais de metade das construções da
cidade património. Em consequência disso, muita foi a mão-de-obra
necessária à reconstrução, conseguida
com o contributo de imigrantes.E, nessa
vaga, chegaram José Luís e Néné, então ainda desconhecidos um do outro.
A nosso pedido, este cabo-verdiano
/17
Viver Aqui
com um ar tranquilo recorda que já
passaram ‘uns 30 anos’ desde que
desembarcou vindo de Lisboa para
trabalhar no esforço de reconstrução
de Angra. À pergunta se estranhou,
comenta com um sorriso que nasceu
numa ilha e, como tal, não lhe custou:
“Vim para uma ilha!”. Uma ilha, prossegue, na “na altura, muito diferente
do que era em Lisboa”. Isto porque,
explica, o ambiente era muito “mais
acolhedor” do que o da capital onde
“ninguém se conhece”.
José Luís também era desconhecido ao tempo na Terceira mas, lembra,
“criou-se amizade logo de início”. E,
utilizando as suas próprias palavras,
‘foi ficando’ apesar do contrato inicial
de seis meses para a construção civil.
Contribuiu para tanto a hospitalidade,
estar a viver numa ilha e, claro, o ter
conhecido Néné. “Criou-se famílias... é
ficar”, diz com um ar de tão natural que
lhe parece.
Por altura desta conversa que
serviu de sobremesa a uma saborosa
cachupa n’ “Africana”, Néné estava
de visita a esse outro arquipélago dos
mares da Macaronésia, onde nasceu,
Cabo Verde.
Perguntamos a José Luís se costuma ir à terra de onde partiu há tantos
anos. Se sente a falta dessa terra que
nos ‘serve’ em sabores. “Quando vou
sinto mais falta de cá... porque... ‘lá
está’, vou 15 dias e embora tenha o
“Néné, a alma do restaurante “A Africana”
em Angra do Heroísmo...”
meu pai, irmão lá... a vida toda está
cá!”.
Sobre essa vida que começou a ser
construída há três décadas, diz terem
sido “muito bem recebidos”. Tanto, confessa para quem vivia na capital, que
até achou estranho. Recorda, a jeito de
explicação, que chegou na altura do
Espírito Santo que “nem sabia o que
era” e que ele e os seus companheiros
foram, ainda que desconhecidos e de
vindos de outra terra, convidados para
a casa de quem organizava as festas.
Hoje, retribui essa hospitalidade tão
natural aos terceirenses servindo bem e
recebendo melhor no restaurante que, a
nosso pedido, conta como abriu portas.
“Foi anos depois [da chegada]. A
Néné teve sempre a fazer comidas
para o pessoal e, em casa, fazia para
o pessoal que trabalhava na construção. Mais tarde, fez uma tasca ambulante por altura das touradas (1994),
começou uma tasca nas Sanjoaninas,
/18
Viver Aqui
correu bem, as pessoas a gostar e...
incentivaram para continuar!”. Assim, continua, “às ‘tascas’ e touradas
seguiu-se, em 1998, a abertura de um
espaço pequeno em Angra, uma tasca
africana e começou por aí; foi crescendo e hoje temos um ‘maiorizinho’, está
a correr bem, não é o que era mas... é
para toda a gente!”.
Ora porque esta é uma história de
gente que a vida fez cruzar-se, quisemos saber se actualmente os imigrantes nos Açores, mais numerosos, ainda
se conhecem entre si. Responde que
“há uma mudança. Nos anos 80, por
exemplo,diz que o pessoal “que estava
aqui era mais ‘aconchegado’ uns aos
outros, conviviam mais do que actualmente”. E porquê? “Tem a ver com o
trabalho, com os horários... Na altura
‘era tudo’ na construção, hoje não. É
mais difícil aquela união e o juntaremse... a semana mudou um bocado
grande...” Com um ar pensativo confes-
sa que por causa disso se tem falado
na comunidade em criar um espaço
para conviver, reconhecendo contudo
que “é difícil” pois, “cá está, tinha que
haver uma contribuição e nem todos
aderem...”
Questionado sobre o seu percurso
como imigrante numa ilha açoriana,
garante não estar arrependido. “Foi aqui
que me criei, cheguei com 20 anos e
a minha vida está toda cá e não tenho
razões de queixa. Nos negócios, tenho
é que agradecer aos açorianos, pois
99 por cento é que são nossos clientes
e eles..., penso que também não têm
razão de queixa. É como uma família
desde que abrimos e, se for preciso, já
vão tirar o café!”
É só? , perguntamos por fim. “E não
é pouco”, responde com um sorriso.
Saboreada que está a conversa e
a cachupa rica, ‘a comid’ tá sabe’ (a
comida tá boa), nu sata bai (vamos
andando)!
Veio de: Cuba
O que o distingue: Monitor de
ginásio e professor de dança
Darwin Mendez
“Se digo adeus é porque estive lá”
Começamos a nossa conversa com uma pergunta mais ou menos óbvia: se já tinha
ouvido falar dos Açores em Cuba. Darwin interrompeu a nossa questão com uma
gargalhada para partilhar, logo de seguida, um dado que, se em Cuba é conhecido
por todos, por cá, é totalmente desconhecido: “ Em Cuba todas as pessoas conhecem este arquipélago por causa do anticiclone dos Açores. O boletim meteorológico
referia sempre os Açores quando uma tempestade estava na eminência de chegar a
Cuba”. Natural de Mantanza, uma cidade localizada no litoral norte da ilha de Cuba
a 90 km da Havana e 32 km de Varadero, Dariwn reside em Ponta Delgada há dez
anos, com a mulher e o filho. Não chegamos a concluir a razão pela qual a sua cidade natal tem o nome da Matanza, já que existem, na opinião do Dariwn, três versões
diferentes. Ficamos, por isso, com esta dúvida e quem tiver curiosidade poderá investigar a acreditar na versão que mais lhe convém.
Contam-se pelos dedos das mãos,
os imigrantes provenientes de Cuba
que residem na Região, sendo que o
percurso de Dariwn assemelha-se a
de tantos outros e, ao mesmo tempo, que assume particularidades. De
tantos outros imigrantes porque veio
à procura de melhores condições de
vida, mediante um convite que foi feito
por um empresário açoriano que se
deslocou a Cuba para recrutar alguns
profissionais para um projecto que
/19
Viver Aqui
pretendia desenvolver na cidade de
Ponta Delgada. Por isso, logo de início
trabalhou num ginásio como monitor
mas o seu espírito empreendedor não
lhe deixou ficar por aí. Começou a dar
aulas de salsa e merengue em vários
espaços da Ilha de S. Miguel e, ao
mesmo, que dedicava à massagem.
Em 2001, introduziu o conceito de
noites latinas, retomando, um pouco a
actividade que desenvolvia em Cuba.
Ainda durante a sua actividade profis-
sional, trabalhou no Clube Desportivo
de Santa Clara. É nesta diversidade de
funções e de pró-actividade que este
imigrantes cubano se destaca.
O sonho de piloto de força aérea
ficou na infância, apesar de ter ficado
com pena de não ter tido condições
para seguir esta carreira. Licenciou-se
em Cultura Física pela Universidade
de Cuba, muito por causa da gratuitidade de educação no seu país
de origem. Como ele próprio afirma:
OPINIÃO
Rosário Farmhouse
Alta Comissária para a Imigração e
Diálogo Intercultural
Empreendedor, “aquele que empreende, arrojado, activo”
Um dicionário da língua portuguesa
define empreendedor “aquele que empreende; arrojado; activo”. Segundo esta definição semântica, todos os imigrantes, sem
excepção, são empreendedores.
Ousar partir para um país estrangeiro, à
procura de emprego e de melhores condições de vida não deixa de ser um sinal de
arrojo, que evidencia a não resignação de
um ser humano às circunstâncias adversas
da sociedade em que nasceu.
É de coragem o que este gesto de partir
– tão intrinsecamente humano – trata.
Acresce que, há muito que sabemos
não estar a audácia dos imigrantes esgotada nessa redutora visão do fenómeno
migratório cingida aos trabalhadores por
conta de outrem, sendo as atitudes empreendedoras dos imigrantes cada vez mais reconhecidas. Na verdade, a Integração profissional dos imigrantes passa também pela
aplicação de experiências e conhecimentos
nos negócios por conta própria.
São muitos os imigrantes que têm uma
história de sucesso conseguida através da
criação do próprio emprego e a contribuir
com a criação de valor para a economia
portuguesa.
Nesse sentido, o ACIDI também lançou,
em 2009, o Projecto Promoção do Empreendedorismo Imigrante (PEI), com o objectivo de sensibilizar as comunidades imigrantes
para o empreendedorismo, potenciar a criação de negócios e desenvolver as capacidades produtivas de Portugal.
Nesta altura em que a crise financeira
paira no mundo, é importante desenvolver
a nossa capacidade de empreender, não
só ao nível profissional mas também ao
nível pessoal, promovendo uma atitude
pró-activa, em que cada um faça parte da
mudança que quer ver surgir.
Foi neste contexto que acolhemos com
entusiasmo a candidatura do Projecto MigrAçores, da AIPA – Associação dos Imigrantes nos Açores, ao Programa do ACIDI
- Promoção da Interculturalidade a nível
Municipal - co-financiado pelo Fundo Europeu para a Integração dos Nacionais de
Países Terceiros - onde se integra a presente
iniciativa de Divulgação e Identificação de
Boas Práticas na Área do Empreendorismo
Imigrante, na região dos Açores.
É, pois, fundamental que a sociedade
açoriana conheça alguns dos casos bem
sucedidos de imigrantes por conta própria,
mergulhando o seu olhar nesse outro, estrangeiro que, a seu lado, contribui para o
desenvolvimento dos Açores.
Uma palavra final de agradecimento
e Parabéns à AIPA – Associação dos Imigrantes nos Açores, por mais esta excelente
iniciativa.
1º Prémio - Olhares Sem Fronteiras 2009
- origem - Marcelo Borges P
Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009
- O Amor - Filipe Lopes P
Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009
Preparando as redes II - Paulo Medeiros P
Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009
Oumar - Aqui, convosco, recrio meu Senegal - Marcelo Borges P
/2
Viver Aqui
Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009
sorriso de luz - Marcelo Borges P
Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009
INTEGRIDADE - ... sou um cidadão do Mundo Marcelo Borges
“como a educação é gratuita no meu
país, aproveitei para estudar línguas
estrangeiras, por isso, trabalhei durante
nove anos na área de turismo em
Cuba e dentro do ramo de Cultura
Física, desenvolvi-me em reabilitação
e terapêutica”.
Nos primeiros meses de permanência na ilha, a distância, a saudade
do calor cubano e a língua foram as
principais barreiras com que teve de
confrontar e, hoje, a esta distância,
considera-se plenamente integrado na
sociedade açoriana. Mas como quem
imigra tem de se adaptar a um novo
contexto a nível de relações sociais, a
opinião do Dariwn sobre os açorianos,
assenta na questão do tempo, ou
seja, e reproduzindo as suas palavras
“acho que no início os açorianos ficam
muito fechados para com as pessoas
que vêm de fora, depois com o tempo
facilmente o de fora consegue fazer
amigos cá”. Interrompe, de novo, a
nossa conversa para nos confidenciar
que numa das viagens para Cuba
chegou a encontrar um amigo açoriano dentro do avião, facto que revela
a proximidade que vai tendo com a
população açoriana. Por isso, não
é exagero afirmar que é muito fácil
conhecer alguém na cidade de Ponta
Delgada que conhece o Dariwn, já
que ele se assume como uma pessoa
divertida e de fácil trato: “eu consigo
fazer amizades facilmente porque sou
uma pessoa muito divertida, mas também devido à minha área de trabalho
pois trato diariamente com pessoas”.
Dariwn antecipou-nos e introduziu
à conversa a importância da presença
dos imigrantes nos Açores e o enriquecimento cultural que esta dinâmica tem
trazido às ilhas açorianas: “Nós também enriquecemos a cultura açoriana
e como exemplo disso nós temos cá
uma banda musical brasileira, o meu
clube de salsa, ou seja, temos um
grupo de pessoas com nacionalidades
diferentes que a vários níveis transmitem a sua cultura”
A dinâmica das migrações assume
uma ligação quase sempre forte com
o país de origem e Dariwn não é
excepção. Costuma ir a Cuba no verão
e na época de Natal, já que defende
que é muito importante o regresso as
raízes e à pátria que lhe desenvolveu
o seu carácter e personalidade. A
propósito deste regresso às origens,
reparte connosco sentimentos contraditórios que lhe invade: “Eu cada
vez que volto a Cuba tento rever cada
canto e cria-se uma ligação muito
forte de tudo aquilo que aconteceu na
minha vida. Então fico dividido: entre
lembranças, memórias daquilo que
eu era e entre o sítio onde criei uma
segunda vida. Eu vou a cuba todos os
anos e fico com aquele sabor amargo
cada vez que tenho de apanhar um
avião para voltar para cá. Mas depois
penso: se digo adeus é porque estive
lá.”
Para o futuro quer sobretudo
dedicar-se à educação do filho e
imprimir-lhe uma educação baseada
em valores e princípios, da mesma
forma que foi criado em Cuba e se um
dia deixar os Açores, leva a saudade
mas também a felicidades de puder
dizer adeus já que teve o privilégio
de conhecer e viver em pleno oceano
atlântico.
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O que é?
É um projecto desenvolvido pela AIPA que tem como propósito contribuir para apoiar os imigrantes de forma pró-activa a contornarem alguma
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Veio de: Índia
Vive em: Ponta Delgada
O que o distingue:
É Director do Centre for Monitoring & Research of Furnas e um
apaixonado pelo cinema
Sudip Chattopadhyaya
“Os Açores escolheram-me a mim”
Sudip Chattopadhyaya, mais conhecido por Deep, é natural da Índia e a sua paixão
é o cinema. Vive na Região há sete anos e é um dos muitos novos açorianos. Quer
contribuir para o desenvolvimento do cinema no arquipélago.
“Eu não escolhi os Açores, os Açores
escolheram-me a mim”, afirma “Deep”
sobre a sua vinda para a Região.
Conheceu a esposa em Braga, uma
açoriana, quando foi dar um workshop
e mostrar um filme seu premiado
internacionalmente, na Universidade
do Minho, e conta que em casa falam
português, inglês e bengali, “a minha
língua materna que representa um dos
maiores grupos de línguas mais faladas
em todo o mundo”.
Em Calcutá, na Índia, fez uma
licenciatura em Economia, uma PósGraduação em Contabilidade, depois
estudou na Escola Nacional de Cinema
da Índia e trabalhou como “Finance
Manager” em várias empresas “Aqui,
em São Miguel, comecei a trabalhar na
área de restauração onde, há cerca de
cinco anos, faço contabilidade e desem/21
Viver Aqui
penho o papel de “Finance Manager”
num famoso e reputado restaurante
internacional e clube de jazz, em Ponta
Delgada, o ponto de encontro no meio
do Atlântico de músicos famosos de
todo o mundo”, conta.
E quanto ao cinema? “Tenho vindo
a deslocar-me a Paris e a Berlim, para
editar trabalhos cinematográficos. Em
Ponta Delgada, realizei, um workshop
sobre Edição Cinematográfica, e terei
todo o prazer em ajudar jovens na
aprendizagem e compreensão da estética da arte de fazer filmes”, garante.
Conta ainda que desde o primeiro
dia que chegou a Ponta Delgada que
tem ideias para fazer vários filmes:
“Tenho uma certa cautela e mantenho
a minha humildade ao lidar com a
tradição, cultura e língua portuguesa,
neste caso, com as particularidades da
açorianidade. Neste momento, estou
na recta final de um guião de uma
curta-metragem que, dependendo da
disponibilidade de recursos, desejo levar
a cabo este ano”.
Questionado sobre a sua visão dos
Açores, comenta que embora “tenha
vindo de uma antiga civilização, eu
vivo num mundo moderno e, como
artista, considero-me um cidadão do
mundo. Os Açores despertaram-me a
curiosidade de perceber a sensação
que sentiu o Antero de Quental que
numa sociedade contemporânea e,
em seguida, a terrível sensação de
isolamento e crise espiritual”. Quanto
à questão colocada, diz que a seu ver,
“os Açores estão a tornar-se uma parte
do mundo globalizado e os artistas
açorianos devem reflectir o equilíbrio
entre a modernidade e a tradição.”
Veio de: Cabo-Verde
Vive em: Terceira
O que o distingue: Foi jogador
de Futebol e hoje é cirurgião no
Hospital do Santo Espírito em
Angra do Heroísmo
Óscar Reis
Um cirurgião crioulo nos Açores
“quase por acaso”
Tornou-se jogador profissional de futebol para poder sustentar a conclusão do
curso de Medicina em Coimbra. Pensou ficar apenas uns ‘tempos’ no Hospital do
Santo Espírito mas este cirurgião acabou por escolher ficar na Terceira, apesar dos
convites e do regresso a Cabo Verde que confessa estar sempre no pensamento
“Findo o liceu, concorri para o curso
de Medicina em Portugal. A minha
opção por Coimbra teve influência de
um colega do liceu que tinha conseguido uma bolsa de estudos para
fazer engenharia em Coimbra no ano
transacto e que me dizia Coimbra era
mais económica para um estudante
viver”, recorda Óscar Reis sobre a sua
vinda para Portugal. “Fiz, neste sentido,
a proposta ao meu pai, que concordou.
Quando já me encontrava no 3º ano
do curso, as minhas duas irmãs mais
novas quiseram continuar os estudos
em Coimbra. Nessa altura, entendi que
seria muita despesa para o meu pai
resolvi optar por futebol (profissional
B como se chamava na época) com
fonte de rendimento e desde essa data
passei a viver do ordenado do futebol
até ao final do curso”.
A ideia do futebol também teve
influência de dois colegas mais velhos
/22
Viver Aqui
que jogavam futebol profissional e
que jogavam juntos pela selecção da
faculdade de Medicina e que, lamenta,
“infelizmente, não viriam a terminar o
curso de Medicina por terem optado
pela carreira de futebolista profissional”.
No seu caso, no último ano do
curso foi obrigado a ter de fazer uma
opção com a entrada do novo curriculum do curso. “Nessa altura, jogava no
Clube União de Coimbra. Foi uma decisão difícil. Fiz a rescisão do contrato de
futebol em Janeiro de 1987 e terminei o
curso sem ter perdido nenhum ano, em
Outubro desse mesmo ano. Em Janeiro
de 1988 iniciei o internato médico pela
valência de Saúde Publica no Centro
de Saúde de Arganil e o restante internado no Hospital Distrital da Figueira
da Foz , onde também fiz a maior parte do meu internado da especialidade
de Cirurgia Geral”.
Questionado sobre como veio para
os Açores, explica que “foi por mero
acaso. Era preciso ocupar uma vaga
e a seguir pedir transferência para o
Hospital da Figueira da Foz. A transferência não se concretizou. Entretanto,
posteriormente, surgiu vários convites
de hospitais no continente mas optei
por ficar na Terceira”. Uma ilha onde diz
sentir-se “muito bem” e onde tem “um
núcleo de amizade muito boa”. Diz
mesmo que “a Terceira tem características peculiares. Lembro-me de
comentar com a minha mulher e com
amigos, por várias vezes, da forma
como os “patrícios” cabo-verdianos
encontravam-se integrados no meio
sócio-cultural e como os terceirenses
os acariciavam”.
Quanto a regressar definitivamente
a Cabo Verde, diz que “todo o caboverdiano trás constantemente no
pensamento um dia regressar definitivamente...”
Veio de: Paquistão
Vive: Ponta Delgada
O que mais gosta nos Açores: Da
cultura e das pessoas porque são
mais amigas e abertas
O que menos gosta: Os baixos
ordenados existentes nos Açores
O que o distingue: é proprietário do
restaurante “Bella Itália Maha Raja”
de sabores italianos, paquistaneses e
indianos
Waheed Zaman Raja
“A minha casa é
aqui, onde ganho o meu pão”
Acreditando na probabilidade do mercado da saudade, seria expectável que um
imigrante paquistanês abrisse um restaurante de sabores de Paquistão. Mas não.
Waheed Zaman Raja, 33 anos, abriu há 6 anos no centro de Ponta Delgada, um restaurante italiano com um nome muito inspirador “ Bella Itália”.
Quando entramos no “ Bella Itália” facilmente percebemos que a ementa e a própria qualidade da comida faz jus ao nome e a nossa interrogação só começa quando
vamos conhecer o cozinheiro que nos cumprimenta num português perfeito.
O percurso migratório deste imigrante paquistanês residente há 11 anos nos
Açores converge de forma quase literal
com o espaço europeu, já que Waheed
Raja passou e viveu em quase todos
os países da União Europeia. Aliás, é a
partir desse saltitar nos diferentes espaços que ganhou o gosto pela gastronomia italiana, visto que sempre trabalhou
na cozinha italiana. Um dos irmãos já
vivia, desde 2004 em Ponta Delgada,
e foi ele que lhe incentivou a vir para
os Açores para puderem estar juntos.
Começaram a trabalhar, guardaram
algum dinheiro e quatro anos depois
montaram o seu próprio negócio. Antes
de existir o“ Bella Itália”, Raja, trabalhou na construção civil, em Rabo de
/23
Viver Aqui
Peixe e foi, nessa zona piscatória que
aprendeu a falar português. A anteceder a sua fixação definitivamente, veio
para os Açores de visita e lembra, com
muito humor à mistura quando chegou
de malas feitas “Lembro-me que o meu
irmão vivia aqui numa rua do centro
cidade, ele foi-me buscar ao Aeroporto,
trouxe-me a casa e depois levou-me
a conhecer a cidade. Passeámos
pela avenida, fomos até São Gonçalo,
depois regressamos à avenida e eu
disse-lhe - vamos agora até à cidade,
e o meu irmão - a cidade já acabou!
No início estranhei, mas agora já estou
habituado”.
O percurso empreendedor de Raja
esteve sempre visível, pelo menos, des-
de a chegada aos Açores e o contexto
em que criou o seu negócio é prova
disso mesmo: “Eu sempre tive vontade
para ter o meu próprio negócio. Quando fomos a Nordeste pela primeira vez,
deparamo-nos com os bares quase
todos fechados, e então decidimos
bater à porta de um dos estabelecimentos, abriram-nos a porta, entramos
e a primeira pergunta que coloquei
ao senhor do café, foi se ele sabia de
algum bar ou café para venda, renda
ou trespasse e a resposta dele foi:
“você pode ficar com este!”. Passados
5 minutos já tínhamos o negócio feito.
Mais tarde, em conversa com este
senhor, ele dizia-me que nunca lhe
tinha passado pela cabeça que um
dia viesse a alugar o seu café. Depois
deste bar no Nordeste, no ano a seguir
criamos o “Bella Itália”. Hoje já tenho
mais um Quiosque na Vila do Nordeste
e um café em São Pedro Nordestino.”
Todavia, há pouco tempo começaram, a pedido de muitas pessoas mas
também pela própria ausência de oferta
no mercado, a confeccionar e a servir
comidas paquistanesas e indianas. Por
isso, hoje, o restaurante serve comida
italiana, paquistanesa e indiana e o
nome seguiu, de igual modo, este novo
conceito: “Bella Itália Maha Raja”.
A questão de ser empreendedor não
está dissociada da relação humana que
se vai estabelecendo e o nosso entrevistado afirma com convicção que de
PUB
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Viver Aqui
todos os sítios por onde viveu, nenhum
deles têm pessoas como as dos Açores.
“A grande diferença, por exemplo, é
que se eu fizer uma viagem até Lisboa
ou Porto, não vou cumprimentar as
pessoas mal chego lá. Aqui é diferente,
as pessoas cumprimentam-me e eu
cumprimento-as. Sobre os Açores, só tenho a dizer que os Açores são os Açores
e podemos correr meio mundo que em
lado nenhum vamos encontrar pessoas como estas”, reitera a sua visão
sobre os Açores e os Açorianos. A par
disso, vem sempre a saudade, aquele
sentimento que afinal não é exclusivo de
nenhum povo. Raja tem um português
simples mas as palavras assumem uma
força pouco habitual. A respeito da sau-
dade disse que: “ quando uma pessoa
foi criada em uma cama velha e partida
e depois quando se lhe dá um berço de
ouro, ela nunca vai esquecer e vai sentir
sempre falta da sua antiga cama. O
mesmo acontece com uma pessoa que
sai da sua terra. Mas eu, pelo contrário,
quando vou ao Paquistão, sinto mais
saudade de São Miguel, porque tenho
aqui as minhas coisas e já me habituei
à ilha”.
Apesar da vida do imigrante ser feita
entre, pelo menos dois espaços, Raja
quer ficar por cá e continuar a contribuir
para uma maior visibilidade da cultura
do seu país e emprestar o seu saber
e vontade para o desenvolvimento dos
Açores.
Veio de: Guiné-Bissau
Vive em: Vila das Velas (São Jorge)
O que mais gosta nos Açores:
As paisagens
O que menos gosta: A distância
que nos separa do continente
O que o distingue: É médico
veterinário e trabalha no sector
pecuário e do leite
José Dias Fernandes
“Cada um, onde se
sente melhor temos
que nos considerar
em nossa casa”
Para José Dias Fernandes, o início do percurso que
o trouxe até aos Açores começou com uma viagem de
finalistas. Nascido na Guiné-Bissau, este médico veterinário conheceu São Jorge durante um périplo por
algumas das ilhas em 1984, altura em que recebeu logo
uma oferta de trabalho que só veio a aceitar mais tarde.
Muitos dos seus colegas, porém,
consideraram logo na altura essa
hipótese de ficar a trabalhar nos Açores.
“Eu também considerei mas depois de
acabar o curso, em 1984, estive a fazer
um estágio em Benfica (Lisboa) durante
meio anos e mais três meses. Quando
fiquei naquela situação de precisar de
emprego, realmente, vim procurar nas
ilhas e com colegas que já cá estavam
que tinham cá ficado, três, na Terceira.
Um ainda cá está”, conta.
E porque ficou até hoje? “Primeiro, o
emprego na altura, o primeiro emprego
com que surgem depois outras oportunidades ou ofertas e, depois, fui gostando, gostando..., enraizando”.
Além de trabalhar para a Região
enquanto veterinário, tem também com
uma colega o que chama “um pequeno espaço” devido “à procura”, para
tratar pequenos animais.
Comentamos então saber que
/25
Viver Aqui
também se tornou dirigente desportivo,
um comentário que o faz rir antes de
explicar que desde que se instalou na
ilha reparou “logo que era um sítio pacato, isolado, com um certo ‘tédio’ se as
pessoas não arranjarem outras motivações e como estava numa idade em
que ainda podia jogar futebol... integreime numa equipa em São Jorge”. Ora
a partir daí, continua, “coisas evoluíram
e passei a dirigente e ainda mantenho,
uma ocupação extra-trabalho, extrafamília para ocupar …”
Mas que também dá trabalho,
questionamos? “Pois!”, responde rindo
de novo. “Não se revelou bem o que
eu esperava, as pessoas vão-se
embrenhando cada vez mais nessas
tarefas e chega-se a uma situação
quase de compromisso. Eu não posso
fugir ao dirigismo hoje em dia, de um
momento para outro.”
Apesar da pacatez de São Jorge,
afirma que não lhe custou vir viver para
a ilha: “Sinceramente, na altura não me
custou muito porque é aquela ânsia do
primeiro emprego, de afirmação, da esperança de mostrar o que a gente vale
depois da formação e, por outro lado,
eu tinha acabado de vir da minha terra
um ano antes um pouco decepcionado
com certas situações... de modo que
não me custou, absolutamente nada!”
E sobre se foi bem recebido, também responde afirmativamente, acrescentando com sensatez que a a ilha
“tem, como em todo o lado, pessoas
boas e pessoas menos boas mas, no
geral, a adaptação fez-se bem”.
Hoje, José Dias Fernandes nem
pensa em sair da ilha. “Eu costumo
dizer que não sei se já sei viver noutro
lado! Porque gostei tanto de São Jorge
como gostei de Lisboa mas depois
da vivência cá que cada vez que vou
a Lisboa - e gosto de ir-, a partir de
uma certa altura tenho necessidade de
voltar”.
E saudades da terra de origem,
sente? “Eu tenho saudades da minha
terra como é natural, ainda tenho lá
familiares e tenho saudades até porque
voltei em 1995 e levei os meus filhos
para conhecer essa realidade”, diz. “Foi
realmente bom porque eles conheceram a terra dos pais e na altura eram
novinhos, com menos de 10 anos, e
não ficaram decepcionados. Hoje em
dia, já são homens e as perspectivas
são outras, as noticias de lá não são
as melhores...”, lamenta.
Reconhece que São Jorge também
mudou. “Mudou muito e em vários
aspectos. Trabalho numa área muito
sensível da economia da ilha, o sector
pecuário e do leite, e nos 22 anos
que estou cá tem tido uma evolução
realmente muito grande em termos
de estruturas e até de afirmação em
termos daquilo que é a essência da
economia: o queijo”, explica. Mas, além
deste aspecto, acrescenta que também
se verificaram mudanças sociais e
culturais: “Está totalmente mudada para
melhor, mais casas e infraestruturas”.
Por fim, questionado se pretendia
partilhar mais algum aspecto que considerasse importante, comenta:”Está-me
a fazer uma entrevista como imigrante...
sei que há emigrantes açorianos noutros lados do mundo e, realmente, cada
um onde se sente melhor temos que
nos considerar em nossa casa e eu
sinto-me bem em São Jorge, sinto-me
bem nos Açores!”
Veio de: Macau
Vive em: Ponta Delgada
O que mais gosta nos Açores:
Do clima, praias e ambiente
O que menos gosta: Do pouco movimento que há nas ruas
depois de uma certa hora da noite
e nos fins-de-semana
O que a distingue: Foi professora de matemática em Macau e
hoje é proprietária do minimercado
“Sabores de Macau”
Lan Macedo
Em 1999 chega aos Açores
para acompanhar o marido
No seu país era professora de matemática e, hoje, é proprietária de um minimercado em Ponta Delgada, cujo nome foi inspirado na sua terra natal: “Sabores de
Macau”. Adora o ar puro, o clima e as praias límpidas dos Açores e, por isso, não
pretende regressar. E como a própria referiu “Macau é só para férias”.
Tudo começou em meados de
1995 quando Júlio Macedo, açoriano,
vai para Macau fazer um curso em
aeronáutica. Neste país conheceu
a Lean, casaram-se e tiveram uma
filha. Com a transição do governo
em Macau que houve em 1999, o
casal decide vir para os Açores. “Nós
não tínhamos ligações em termos
de trabalho com Portugal e então fiz
uma carta à minha actual empresa a
perguntar se havia possibilidade de
ser transferido, uma vez que tinha a
formação adequada”, recordou Júlio.
A resposta por parte da empresa foi
/26
Viver Aqui
positiva A primeira ilha de residência
foi Santa Maria e só depois é que
vieram para São Miguel.
Em relação à adaptação, a macaense, num português correcto partilha
que: “no início foi um pouco difícil porque Macau é completamente diferente
do que aqui. Há gente por todo o lado
e a cidade está acordada 24 horas
por dia”. Mas com o tempo integrouse e hoje considera que a ilha de São
Miguel é o melhor sítio para se viver.
“É uma ilha calma, bonita, tem ar puro
e praias límpidas. Esta é uma coisa
que não há dinheiro que compre”, dis-
se. Sobre as dificuldades com a língua
proferiu que foram muitas e que levou
5 anos para aprender a falar português. “Eu falo chinês, cantonês e mandarim. Na escola sempre dei aulas em
inglês. Cá tirei um curso de culinária
em que tinha 60 horas de francês. E
mesmo assim continuo a achar que
a língua portuguesa é a mais difícil”,
acrescentou.
Em Macau formou-se em matemática e durante algum tempo leccionou esta disciplina. Questionamos-lhe
se gostaria de exercer esta profissão
nos Açores. “Eu gostava, mas talvez
fosse complicado para mim porque cá
os professores não tem tanta liberdade como lá”, respondeu. À liberdade
dos professores referia-se aos castigos e regras que podem impor aos
alunos na República da China. “Mas
se acontecer será mais para a frente
porque agora tenho de me concentrar na educação das minhas filhas
que estão numa idade complicada”,
adiantou.
Em São Miguel abriram há cerca de dois anos um minimercado, o
“Sabores de Macau”, que para além
de produtos de primeira necessidade
e de consumo geral, dedica-se ainda
a comercializar produtos asiáticos.
Segundo Júlio Macedo esta loja surgiu
na lógica daquilo que acontece em
Macau, em que os imigrantes criam as
suas lojas e aliam produtos das suas
terras com os produtos de consumo
daquele país. “O que fizemos aqui foi
PUB
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Viver Aqui
conjugar estes mesmos factores com
o facto de não haver cá um mercado
específico e também pela dificuldade
que nós próprios tínhamos em encontrar produtos de Macau”, acrescentou.
Para Lean, talvez não seja fácil o mercado ter algum sucesso, pois ainda
é novidade na ilha. Mas, acrescenta,
que hoje em dia já se utilizam nas
culinárias muitos produtos asiáticos e
até na gastronomia portuguesa.
Sobre a sua relação com Macau,
Lean Macedo afirmou que ainda
tem lá a sua família e que contacta
com ela por internet ou pelo telefone.
Devido ao elevado preço dos bilhetes
de avião, não a visita tantas vezes
como queria. De Macau tem saudades sobretudo “do tipo de vida que
tinha lá, da minha comida e cultura”.
Questionamo-la se as suas três filhas
relacionam-se com a sua cultura macaense. “Nem por isso. A mais velha
nasceu em Macau, mas veio com 2
meses para cá, a do meio nasceu em
Lisboa e a mais nova já nasceu aqui.
Têm mais ligação com a cultura dos
Açores”, respondeu.
A propósito quisemos saber o
que a Lean acha da cultura açoriana. “Eu gosto muito dos Açores e da
sua cultura. Mas o que me chamou
mais a atenção foi a forma como se
festeja o Natal aqui. Eu sou católica e
em Macau nós também temos natal
e gozamos deste feriado tal como
nos Açores. Mas não fazemos uma
grande festa. Aqui é diferente, junta-se
a família toda para o jantar de natal e
é uma coisa que gosto muito”, contou.
No futuro, gostaria de lançar o
seu livro de culinária, o qual já está
a trabalhar e também de voltar a dar
aulas. “Quanto à loja tenho de a manter porque preciso de me sustentar”,
concluiu.
Veio de: Brasil.
Vive: Ponta Delgada.
O que mais gosta nos Açores:
qualidade de vida.
O que menos gosta: O tempo.
O que o distingue: A música e a
apresentação de um programa de rádio
“ O Mundo Aqui” e de Televisão “ Saber
de nós”
Wiliams Nascimento “Maninho”
“Os açorianos conhecem a
realidade da emigração”
Da infância no Brasil, em Goiana-PE, Wiliams Nascimento, mais conhecido por
“Maninho”, diz que foi feliz: “Estudava, brincava e aos 8 anos comecei a estudar
guitarra clássica”. Tudo começou quando a mãe lhe ofereceu uma guitarra apesar de
antes de si e do irmão, não haver memória de na família existirem músicos.
E foi a música que em 1996 o
trouxe aos Açores para tocar no
Xantariz, em Ponta Delgada. “Antes de
voltar para Lisboa, fui convidado pela
proprietária de uma casa nocturna
(uma imigrante alemã) para começar a
actuar. Então fixei residência em Ponta Delgada e durante muito tempo o
Scala foi o meu palco”, conta. Questionado sobre a forma como a sociedade açoriana recebe o outro, responde
o que costuma dizer: “os açorianos
conhecem a realidade da emigração,
logo sabem receber a todos. No meu
caso, fui e sou bem recebido em
/28
Viver Aqui
todos os meios açorianos.”
Maninho tem sido a face visível
do programa radiofónico “O Mundo
Aqui”. Convidado a fazer um balanço,
diz que “é um projecto já solidificado, reconhecido e respeitado”. Por
isso, “o balanço que faço, mesmo
sendo suspeito, é positivo. Seis anos
de programa comprovem a solidez
e o serviço público que o programa
desempenha”.
Sobre o actual panorama musical
açoriano e a possível influência que
os artistas estrangeiros têm tido, considera que a música açoriana está de
‘boa saúde’. “As filarmónicas continuam desenvolvendo um papel decisivo
na educação musical dos jovens e os
artistas açorianos estão sempre produzindo algo de novo. Com toda esta
tecnologia que temos à disposição, as
influências vão-se misturando, deste
modo já não sei quem influencia
quem”, diz.
À pergunta se sente mais açoriano
ou mais brasileiro, responde: ”Sinto-me
lusófono”.
No futuro, pretende continuar a
trabalhar na área da música e da
comunicação.
Veio de: Nasceu em Lisboa,
após a emigração
dos seus pais
Vive: em Rabo de Peixe
(São Miguel)
O que mais gosta nos Açores: a
beleza natural e a qualidade
de vida
O que menos gosta: a distância
dos Açores em relação ao continente
O que a distingue: Tem
uma loja de produtos africanos
Rosa Vaz
“Crioula Pé na Tchón” um
mercado da saudade
Rosa Vaz nasceu em Lisboa mas ainda em bebé, veio para os Açores. Esta descendente de imigrantes cabo-verdianos fez os estudos superiores em Leiria e quando
regressou a São Miguel, juntamente com a mãe, abriu a “Crioula Pé na Tchôn”, há
pouco mais de 2 anos, em Ponta Delgada, uma loja de produtos africanos ou melhor
ainda: um empreendimento da saudade
A conversa começou pelo momento
actual na vida desta jovem empresária, descendente de imigrantes caboverdianos que apostou numa loja da
saudade no centro da principal cidade
dos Açores. “Crioula Pé na Tchôn”, é o
nome desta loja numa tradução literal
para o português significa “ Crioula
com os pés no Chão”. Em Cabo Verde,
terra de origem dos pais e de proveniência de muitos dos produtos que
embelezam o interior da loja e nos
transportam para um ambiente cultural
pequeno e, simultaneamente, intenso,
“crioulo” assume dois significados: um
primeiro é a língua materna que resultou do cruzamento do português com
os dialectos da costa ocidental africana
na altura do povoamento do arquipélago descoberto em 1460 por navegadores portugueses e que fica a perto de
500 km da costa ocidental africana. O
segundo significado tem a ver com própria população autóctone de Cabo Verde, ou seja, um cabo-verdiano ou uma
cabo-verdiana equivale a um crioulo
ou crioula, respectivamente. Voltando
aos motivos que levaram que a Rosa
abraçasse este projecto, ela própria
refere que “O negócio era uma coisa
que nós já tínhamos em mente há
muito tempo, sobretudo, a minha mãe
/29
Viver Aqui
que é uma mulher de garra e sempre
teve este desejo de ter um negócio
próprio.” A falta de produtos alimentares africanos e de cosméticos para os
clientes africanos foi, segundo Rosa, a
razão para a escolha desta área de
negócio. “Os imigrantes africanos e,
também todos aqueles que gostam da
cultura africana, podem encontrar na
nossa loja produtos vindos de Cabo
Verde, Angola, Guiné e dos Camarões”, declarou. Quando questionada
sobre a crise, Rosa afirmou que, entre
“dias melhores e outros piores”, as
coisas ainda decorrem razoavelmente.
Ponderar bem no tipo de negócio e no
público-alvo, motivação e não desistir,
são os conselhos de Rosa Vaz para
quem neste momento pretende abrir
um negócio.
No meio do entusiasmo da Rosa é
inevitável a conversa sobre os motivos
para a sua fixação nos Açores e à
semelhança de milhares de pessoas,
o 25 de Abril representou a mudança
radical no país e nas então colónias.
Porém, face ao momento conturbado
na altura da pós-revolução os pais da
Rosa motivados pela procura de um
lugar calmo para viver e criar os seus
filhos, optaram por vir para a Ilha de S.
Miguel, numa altura em que não exis-
tia, praticamente, imigrantes provenientes da África.
Com mais 3 irmãs, Rosa estudou
aqui nos Açores e depois foi para a
Leiria no sentido de prosseguir os seus
estudos superiores em relações humanas e comunicação no trabalho.
Em todas as cidades onde existe
comunidades de imigrantes surgem
sempre possibilidades de negócio
denominados “negócios da saudade”
termo muito conhecido pelos próprios açorianos. “Crioula Pé na Tchón”
constitui uma forma dos imigrantes
“matarem” a saudade da terra mas, simultaneamente, é um espaço genuíno
de promoção da interculturalidade, já
que muitos dos clientes são açorianos
que procuram saborear gastronomia
de outras latitudes. Mesmo num tempo
difícil, em que o consumo está cada
vez mais retraído, Rosa Vaz não quer
se queixar muito e prefere concentrar
na esperança de que melhores dias
virão e numa motivação que é absolutamente contagiante. Quer contribuir,
através da “ Crioula Pé na Tchón” para
uma maior visibilidade da cultura dos
imigrantes e ser uma porta aberta para
a população açoriana vivenciar outros
sabores até porque crioula significa
necessariamente mistura.
OPINIÃO
Graça Castanho
Directora Regional das Comunidades
Os Açores no mundo global
Os Açores, historicamente um espaço
estratégico e de ligação entre os continentes, continuam, hoje em dia, a desempenhar um papel de elevado relevo nas
relações transnacionais e no diálogo intercultural que caracteriza o mundo global.
Mais de oitenta nacionalidades convergem nas nossas ilhas em permanente
contacto com as gentes açorianas e o seu
património. Aqui convivem identidades
plurais e diversificadas, fruto de sucessivos
processos migratórios, que transformaram
as ilhas em territórios de acolhimento, integração e realização pessoal de milhares
de imigrantes, num ambiente multiétnico e
cosmopolita.
Os cidadãos estrangeiros e suas famílias, que escolheram o nosso arquipélago
como novo lar, têm contribuído para o desenvolvimento e coesão social da Região
Autónoma dos Açores.
Com o seu espírito empreendedor,
participação cívica e social, dinâmica cultural e diversidade linguística, estes cida-
dãos trouxeram consigo, sem dúvida, a
força para vingar, a capacidade de criar
riqueza e a alegria de viver, ingredientes
essenciais para o sucesso alcançado pela
vasta maioria dos imigrantes nos Açores.
Não podemos ficar alheios a esta realidade. É benéfica a todos. Pela riqueza
que encerra, devemos potencializar, cada
vez mais, o encontro cultural, o respeito
pela diferença, promovendo os valores da
democracia e da aceitação.
O Governo dos Açores, através da
Direcção Regional das Comunidades,
tem, ao longo dos anos, incrementado o
apoio às comunidades imigrantes, criando espaços de divulgação, dinamização
e promoção da sua identidade cultural,
não descurando a sua necessária integração plena, assente numa equidade de
direitos e deveres. Porque os serviços de
atendimento ao público só existem nos
três pólos da DRC - Ponta Delgada, Angra
e Horta - os nossos funcionários, sempre
que necessário, deslocam-se de avião,
de barco e de carro para, num exercício
de proximidade, resolverem os problemas
de cada um e de todos os imigrantes.
Para além do acompanhamento individual e das acções que desenvolvemos
dirigidas especificamente às populações
imigrantes, a DRC apoia financeiramente
projectos e instituições da sociedade civil
cujo objectivo é garantir melhores condições de vida aos imigrantes radicados nas
nove ilhas dos Açores. Porque este é um
processo inacabado, repleto de novos desafios, queremos fazer mais e melhor por
estas comunidades. Para que tal seja possível, estamos constantemente à procura
de novos modos de actuar e de intervir
no terreno, como forma de consolidar a
multietnicidade que nos caracteriza. Neste
sentido, entendemos que esta diversidade
cultural é, acima de tudo, uma oportunidade única de firmarmos a Região como
um espaço aglutinador de povos, assente
numa política de justiça social que rege os
Açores da contemporaneidade.
OPINIÃO
Paulo Simões
Director do Jornal “Açoriano Oriental”
“Por natureza o imigrante é um lutador”
Gostaria de começar este texto afirmando que a maioria dos imigrantes é
empreendedora, mas como não tenho
dados que confirmem esta suposição
apenas posso dizer, em rigor, que existem
muitos imigrantes a residir nos Açores que
não temem o desafio de criar um negócio, de colocar em prática um sonho ou
ambição. Existem vários exemplos de
sucesso na Região, desde o comércio ao
turismo, passando pela agricultura e restauração.
Por natureza o imigrante é um lutador.
Luta por ter melhores condições de vida,
por dar aos seus aquilo que no país de origem não conseguia. A crise económica e
financeira que a Europa atravessa é também uma crise social, com o número de
/3
Viver Aqui
desempregados a subir vertiginosamente
e, por conseguinte, a colocar novos desafios às comunidades imigrantes, os mais
atentos e audazes já perceberam que o
caminho a seguir é o do empreendedorismo. E muitos têm sabido aproveitar não
só os programas internos criados pelo governo regional mas também os apoios da
União Europeia. E se de início o principal
negócio era a área da restauração e do
comércio, aos poucos vamos assistindo a
uma diversificação de áreas onde os imigrantes apostam. Os Açores, terra com um
forte historial de emigração, não podem
se não dar a mão a quem nos procura
para construir uma vida, tal como no passado outros nos deram a mão.
Saibamos aproveitar o que de melhor
os imigrantes nos podem dar, tanto a nível de trabalho não especializado como,
sobretudo, ao nível do potencial intelectual
que muitos trazem. Exemplos não faltam.
Desde quem tenha vindo trabalhar para
a construção civil por contam de outro e
agora já tenha montado a sua empresa;
o mesmo se passa na restauração, no
comércio tradicional em que vão surgindo lojas atentas a nichos de mercado de
uma comunidade imigrante cada vez mais
forte, na área da cultura também existem
exemplos de sucesso.
O futuro não se afigura fácil para ninguém, muito menos para os imigrantes a
residir nos Açores, mas uma coisa é certa,
quem tiver ideias e determinação estará
mais apto ao sucesso do que os outros.
Veio de: Senegal
Vive em: Ponta Delgada
O que mais gosta nos Açores: a
tranquilidade
O que menos gosta: A falta de
simpatia por parte das pessoas
O que o distingue: Foi carpinteiro e
hoje proprietário da “Touba Artesanato”, uma loja de peças de artesanato de África
Oumar Ndiaye
“É preciso muita força
de vontade e não desistir”
É proprietário da loja “Touba Artesanato” que vende peças de artesanato de África. Foi carpinteiro e adoptou os Açores como a sua casa há 8 anos.
Para quem conhece o continente
africano, sabe que o cheiro dos países
africanos assume características únicas.
O cheiro da terra vermelha, pisada
pelos pés calçados, outros muitas vezes
descalços ou aparentemente mal calçados de pessoas anónimas que debaixo
de temperaturas altíssimas tentam ganhar a vida, vendendo, comprando e revendendo coisas. No Senegal sentimos
esse cheiro e o burburinho da multidão
que nos dá uma aparente sensação de
(des) ordem.
Oumar Ndiaye nasceu há 41 anos,
em Dakar, capital do Senegal, um país
de pouco mais 13 milhões habitantes
e composto por grande variedade de
grupos étnicos. Apesar da língua francesa ser a oficial, existem uma serie de
dialectos, com destaque para o Wolof.
Inspirou-se no nome de uma cidade considerada sagrada no Senegal,
Touba, para “baptizar” o seu empreendimento em Ponta Delgada.
Foi a partir da pergunta - se
compreende wolof - que começamos
a nossa conversa com Oumar, um
imigrante residente há 8 anos em Ponta
Delgada e que em tempos foi carpinteiro de profissão. Hoje, faz parte do
/30
Viver Aqui
grupo de imigrantes empresários que
se aventurou, criando o seu próprio negócio, montando uma casa de venda
de artesanato e, ao mesmo tempo, que
possui uma banca no maior centro comercial da Região. O percurso da vinda
de Oumar, o segundo de mais quatro
irmãos, converge com tantos outros imigrantes provenientes de espaços mais
e menos longínquos Em 2001, saiu da
sua terra rumo ao continente português
e, dois anos mais tarde, veio aos Açores
em trabalho e apaixonou-se pelas
ilhas. Em 2004, instalou-se em Ponta
Delgada e deu sequência a actividade
que vinha desenvolvendo desde Senegal. Voltando, ao burburinho do quotidiano da capital senegalesa, Oumar
ganhou o gosto pelo comércio através
da mãe, que era vendedora ambulante
nos comboios que faziam a ligação
entre o Mali e o Senegal enquanto o
pai ganhava a vida como taxista nas
ruas de Dakar. Os táxis senegaleses
têm a mesma cor que os da cidade de
Nova York e as semelhanças só ficam
pela cor. Se a parte do negócio aprendeu com a mãe, ficaria por descobrir o
lado de artesão, já que nos primeiros
tempos era o próprio que concebia as
suas peças. Antes de se dedicar a esse
negócio, Oumar era carpinteiro e foi a
partir daí que começou a aprender a
dar forma à madeira de pau-preto que
lhe ia chegando às mãos. Actualmente,
quem lhe faz as peças é o irmão que
ainda vive no Senegal com mais três
irmãos. A irmã, a mais velha, vive nos
Estados Unidos e o telefone e o skype
ajudam-lhes a contrariar o sentimento
da saudade.
Para quem é empreendedor e o
seu dia-a-dia dependente das vendas,
o actual contexto de crise pode não ser
o melhor cenário. Por isso, Oumar refere
que “As pessoas gostaram muito das
peças e compravam. Mas agora estamos nesta situação de crise e torna
as coisas mais difíceis. Apesar de tudo
os açorianos continuam a gostar muito
destas peças.”
Quase a terminar a nossa conversa,
Oumar ainda teve tempo para vender
uma peça, daquelas que em tempos
fazia mas cuja tarefa pertence ao
irmão que vive no Senegal. “É preciso
muita força de vontade e não desistir”,
confidenciou-nos em jeito de adeus.
Não dos Açores para do nosso breve
encontro.
Marilene Barbosa
“Nesta ilha encontrei um
pedacinho do céu”
Marilene Barbosa nasceu no Brasil, em Belo Horizonte, e vive há 4 anos nos Açores. Adora a tranquilidade e a beleza da ilha mas, não lhe escapa a ideia
de voltar para o país onde nasceu. No Brasil trabalhou durante 12 anos como educadora de infância e,
hoje, nos Açores é proprietária de um snack-bar no
coração de Ponta Delgada. Passou de desempregada
a patrão.
Em 2007 veio para São Miguel por
causa o marido. Ele nasceu em Ponta
Delgada e foi numas férias ao Brasil
que se conheceram. “Não perdemos
contacto e, mais tarde, vim ter com
ele.” Não conhecia a ilha mas quando chegou diz que ficou encantada
com a beleza natural, tranquilidade
e paz que têm os Açores. “Aqui, as
pessoas podem andar nas ruas sem
preocupação, ao contrário da cidade
grande e violenta onde nasci. Nesta
ilha encontrei um pedacinho do céu”,
acrescentou.
Em relação às dificuldades de
adaptação Marilene admite que nos
primeiros tempos sentia muitas saudades de casa, da família e, sobretudo,
do filho que deixou ao cuidado dos
avós. Mas, há um ano e meio trouxeo para viver consigo e melhorou.
Adiantou que o filho inicialmente teve
problemas de adaptação pois sentia
dificuldades em entender as pessoas,
especialmente, na escola. “Hoje está
bem integrado e já fez muitos amigos”.
Questionada sobre o acolhimento
dos Açorianos, comenta que se sentiu
acolhida por alguns açorianos. “E digo
alguns porque existem pessoas que
ainda têm um certo preconceito para
com as mulheres brasileiras”, explicou.
Não deixamos escapar o assunto e
perguntamos se já sofreu algum tipo
de discriminação. “Sim, sobretudo nas
lojas. Existem funcionárias que tratam
uma mulher de forma diferente por ser
brasileira”, respondeu de forma frontal
e aberta, deixando transparecer que
as coisas estão a melhorar a este
nível.
Sobre a sua relação com o país
/31
Viver Aqui
de origem, Marilene afirmou que
apesar de não ir ao Brasil há mais de
dois anos, mantém ainda uma forte
relação. Todas as semanas contacta
com os pais “para saber como está
a família e o país”. E do que é que
sente mais saudades do Brasil? “Da
minha terra sinto saudades, sobretudo,
da amizade das pessoas, do jeito de
ser e da alegria dos brasileiros. Mas
também das festas do Brasil, onde
as pessoas são muito mais unidas e
comemoram com muita garra”.
Neste mesmo país fez o magistério e trabalhou durante 12 anos como
educadora de infância. “Desde muito
nova comecei a trabalhar com crianças
e o gosto pela área foi ficando cada
vez mais forte”, explicou. A propósito
questionamos se gostaria de exercer
esta área nos Açores. “Não sei, para
mim seria muito complicado”, respondeu. Apontou a língua como o grande
factor nesta profissão. “Nós falamos o
mesmo idioma, mas os portugueses
têm uma maneira diferente de conversar, especialmente, com crianças. E eu
teria de mudar a minha forma de falar,
o que é muito difícil”.
Actualmente, em Ponta Delgada,
gere um café. Foi também no Brasil
que ganhou experiência nesta área.
“Estava desempregada e então como
já tinha trabalhado numa lanchonete
na minha terra, o meu marido deu-me
este café para gerir”, disse.
Terminamos a conversa com a célebre questão do regresso (ou não) ao
país de origem. “Eu penso sempre em
regressar ao Brasil, não pretendo ficar
cá para sempre. Eu quero voltar um dia
a viver no país onde nasci”.
Veio de: Brasil
Vive em: Ponta Delgada
O que a distingue:
Foi Educadora de Infância
no Brasil e hoje é proprietária
de um Snack-bar
Viver Aqui
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A integração e a coesão social dependem do papel de cada um de nós.
Faça o seu.
OS NOSSOS ASSOCIADOS TÊM VANTAGENS
JUNTO DOS NOSSOS PARCEIROS:
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Viver Aqui
1º Lugar - Saberes milenares - Paulo Medeiros
Menção Honrosa - Momentos - Paulo Medeiros
Menção Honrosa - Mercado da Graça - Paulo Rodrigues Jorge
Menção Honrosa - Crucifixos - Acácio Amaral
OPINIÃO
Paulo Mendes
Presidente da AIPA
Associação dos Imigrantes dos Açores
“Juntos podemos contornar as incertezas”
É comum afirmar que, perante a ausência de oportunidades e a vontade em
melhorar de vida e conseguir concretizar
um determinado objetivo, quem imigra
está a empreender alguma coisa. Podemos fazer esta afirmação sem nenhum
tipo de reser va. Quem decide imigrar é
porque não está satisfeito com a sua situação e acredita que pode desenvolver
o seu potencial num outro espaço; quem
imigra faz, de forma racional, uma opção
entre os vários caminhos possíveis; quem
imigra decide correr um risco, mesmo
calculando de forma competente todos
os riscos, existe uma margem não desprezível de fatores imponderáveis.
Dados mais recentes da OCDE apontam que 14,2% dos estrangeiros em
Portugal trabalham por conta própria,
correspondente a 5,4 por cento do total
dos trabalhadores por conta própria. Na
Região, os dados obtidos através de
um estudo realizado em 2010 no Concelho de Ponta Delgada, indicam-nos que
4,2% exerce sua atividade profissional
por conta própria com empregados e
16,5% o faz sem empregados. Não obstante desta última categoria ser fundamentalmente pessoas ligadas ao sector
de construção civil e trabalho doméstico,
o facto é que cerca de 20% dos estrangeiros em Ponta Delgada trabalham por
conta própria.
O contexto de crise que o país e a
região estão a atravessar condiciona em
muito a nossa existência enquanto cidadãos e, com especial destaque, para os
públicos mais vulneráveis. Mas, também,
é verdade que o contexto de retração
económica e o consequente aumento
de desemprego (cuja taxa é muito maior
junto das comunidades de imigrantes)
potenciam a emergência de outras alternativas de empregabilidade em que
o empreendedorismo poderá jogar um
papel importante.
De qualquer modo, e sem desvalorizar o óbvio contributo que os imigrantes
emprestam no processo de desenvolvimento regional, existe a perceção de
que os imigrantes desempenham essencialmente atividades que exigem pouca
qualificação ou que apresentam um sentido de empreendedorismo abaixo dos
autóctones. Quisemos com esta publicação, que contou com o apoio do ACIDI e
FEINPT, Direção Regional das Comunidades e do Jornal Açoriano Oriental, contribuir para transmitir uma outra dimensão da imigração na Região Autónoma
dos Açores. Trouxemos até si percursos
e histórias de 19 imigrantes, provenientes de 10 países que desenvolveram um
percurso empreendedor e/ou se destacaram no âmbito das suas atividades
profissionais. Temos, todavia, a noção
de que muitos imigrantes ficaram de fora
sobretudo os que são residentes em outras ilhas cujo contacto da nossa parte
precisa de ganhar um novo impulso. “Viver Aqui” assume diferentes contornos e
amplitudes. Significa, também, colocar à
disposição da sociedade que nos acolheu o melhor de cada um de nós, com
a mais profunda convicção de que juntos somos capazes de fazer muito mais
e muito melhor mesmo perante cenários
de incertezas.
OPINIÃO
Leoter Soares
Coordenador do CLAII
Os dados do SEF indicam que actualmente residem na Região Autónoma
dos Açores cidadãos estrangeiros de
mais de 80 países diferentes que, com a
sua cultura, o seu trabalho, seus hábitos
e costumes e o espírito empreendedor,
têm contribuído para o desenvolvimento
cultural, social e económico da sociedade
açoriana.
Os imigrantes, pelo facto de se deslocarem dos seus Países, carregando consigo hábitos, línguas e culturas diferentes,
inicialmente encontram um conjunto de
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Viver Aqui
problemas no processo de integração na
sociedade acolhimento. Problemas como
a legalização, integração no mercado de
trabalho, educação, acesso à saúde ou
a compreensão da língua, fazem parte
do dia-a-dia dos imigrantes na região ou
no País de acolhimento. Foi nesse sentido
que, em Julho de 2003 surgiu, ao abrigo
do protocolo entre a AIPA e o ACIDI, I.P., e
com o apoio do Instituto da Acção Social,
o Centro Local de Apoio à Integração de
Imigrantes (CLAII) de Ponta Delgada. Inicialmente, de carácter, sobretudo, informativo.
Actualmente, o CLAII para além de informação e encaminhamento tem desenvolvido actividades no âmbito da “Promoção
da Interculturalidade a Nível Municipal” em
áreas como: Educação; Mercado de Trabalho; Saúde; Sensibilização da opinião
pública. É a partir daí que na II edição da
Promoção da Interculturalidade a nível municipal, surge a “Identificação e Divulgação
de boas práticas na área de empreendedorismo imigrante” enquadrada numa
das actividades do Projecto MigrAcores,
co-financiado pelo Fundo Europeu para Integração de Nacionais de Países Terceiros
(FEINPT) e o ACIDI e com o apoio do Governo Regional, com objectivos, por um lado,
de divulgar boas práticas de empreendedorismo junto da comunidade imigrante
residente nos Açores e, por outro, contrariar a visão tendencialmente negativa que
existe em relação às áreas de inserção
profissional dos imigrantes.
Como coordenador do CLAII deixo
aqui um profundo agradecimento a todos
aqueles que contribuiram para a realização, com sucesso, de mais esta actividade.
Veio de: Angola
Vive em: Ponta Delgada
O que o distingue: É músico,
poeta, professor universitário e
investigador
José Marcelino Kongo
“ Somos o vento matinal e o amor é nosso lema”
Angolano, José Marcelino Kongo faz parte de uma geração de imigrantes que veio
para Portugal e/ou para os Açores soprada pelos ventos das guerras internas no
então Ultramar, após a descolonização que se seguiu à revolução do 25 de Abril de
1974. É músico, poeta, professor universitário e investigador.
Professor universitário, do Departamento de Biologia da Universidade
dos Açores (UAÇ), docente do INOVA e
investigador conta que resolveu com
mais uns cinco amigos “vir tentar a vida
fora daquela situação”. Ora, continua,
no seu gabinete no pólo universitário
de Ponta Delgada, quando chegados
aos Açores, pensavam estar três ou
quatro anos mas, acrescenta sorrindo,
“a vida, como sempre, vai correndo, vão
acontecendo coisas, vamos conhecendo as parceiras e… acabamos por fazer
a vida aqui!” Uma parceira que é, neste
caso, canadiana de origem, embora
viva nos Açores!
Quisemos saber se foi fácil a inte/5
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gração ao tempo. A resposta foi antecedida de uma ligeira hesitação para logo
de seguida esclarecer que a sociedade
micaelense era mais fechada, mas que
passado o tempo, criou amizades e
hoje os Açores são a sua casa.
Marcelino nasceu a pouco mais de
200 km de Luanda, na cidade de Quibax, na província de Kwanza-norte.
Passou, no entanto, a infância em
Luanda, cidade que lhe marcou a forma
de ver e sentir o mundo. Em 1980, saiu
pela primeira vez desta cidade rumo à
capital portuguesa para concluir o liceu.
Fez a licenciatura no Porto em Biotecnologia, mestrado na Católica e doutoramento entre Nova York e Católica em
Lisboa.
O primeiro contacto com os Açores
foi, no mínimo curioso, conforme nos
confidenciou, “ estava numa escola
onde davam uma grande relevância
artística e comecei a tocar clarinete.
Passado algum tempo, o nosso grupo
recebeu um convite de um grupo de
açoriano para ir actuar e foi nesse
tempo longínquo que tive o primeiro
contacto com a cultura açoriana”.
O seu trabalho científico consiste
em dois aspectos: determinar o grau de
segurança de alguns produtos em especial na área os lacticínios e a possibilidade de desenvolver outros produtos
com base nos existentes, apoiando-se
na inovação e segurança alimentar.
Ainda vai partilhando os seus
conhecimentos misturando a sua faceta
profissional com a sua dimensão artística e poética. Publicou recentemente um
livro sobre o queijo “ São Jorge, o Queijo
e a Ilha”onde funde a vertente científica do queijo e da sua história, sem
esquecer a dimensão social e histórica
da própria ilha.
Apesar de muitos afazeres, a músi-
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ca ocupa, igualmente, um lugar de destaque na sua vida até porque acredita
num pensamento de um filósofo que
cita de cor “a educação é a escada
para a nossa elevação”.
Poderíamos descrever o Marcelino
Kongo, recorrendo em exclusivo aos
seus poemas que, de resto, estão
reunidos num livro publicado há alguns
anos em Ponta Delgada “Notícias de
Lua”.
Como ele próprio escreveu no seu
poema retrato “Sou assim, tristemente
alegre perdido na confusão do tempo
e na incerteza da minha identidade…o
verde esperança corre-me nas veias”.
Quando deixamos que o verde
esperança nos corra nas veias, muitas
das incertezas tornam-se certezas.
Precisamos dessa esperança do
Marcelino Kongo, hoje, mais do que
nunca.
Veio de: Brasil
Vive: em Ponta Delgada
O que mais gosta nos Açores:
Calma e tranquilidade da ilha
O que menos gosta:
O clima sempre incerto
O que a distingue:
É proprietária do “Sabores Brasil”, uma loja e
bar de produtos brasileiros
Rosivalda Veiros
Os sabores de lá temperam a
saudade de quem está cá
Val, como é chamada esta baiana de Salvador e “mãe de dois açorianinhos filhos
dessa terra” como gosta de contar, trouxe para São Miguel o seu jeito ‘quente’ de
ser e receber quem entra no espaço onde, com o marido, Fernando Veiros, transformou as saudades numa oportunidade de negócio.
Cheiros de outras terras expostos
numa loja em pleno centro de Ponta Delgada aguçam o apetite e os
sentidos, não só a quem vem do
outro lado do mar, e de outros continentes, como a quem aqui sempre
viveu. Cheiros de sabores que Rosivalda Veiros ‘embrulha’ com um sorriso
que lhe é natural. Tão natural como a
maneira com que partilha uma história
de 19 anos da sua vida passados nos
Açores. A maior parte do tempo em
São Miguel mas, também, dois anos
na ilha do Faial. “Uma longa história de
vida”, comenta Rosilvada Veiros.
Uma história, conte-se então, que
começou com a contratação do seu
marido Fernando Veiros , angolano de
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nascimento, pelo Grupo açoriano Nicolau de Sousa Lima, parceiro da Sonae
na Insco, para a abertura das então
lojas Modelo (hoje Continente), nos
Açores. A primeira grande superfície,
recorde-se, abriu em Ponta Delgada
e o marido de Val “veio à frente”. Ela
chegou passados seis meses, começando os dois “a vida do nada”.
Questionada sobre se foi difícil a
adptação, admite que os dois primeiros anos foi “difícil”. Porquê? “Nossa,
foi tão diferente!”, e por diferente
“demais” da sua Baia, desde logo “o
clima”, explica. Mas também toda uma
cultura. Foi o apoio do marido e “gente
boa” que conheceu que a ajudaram
a ultrapassar essas diferenças e as
dificuldades iniciais de adaptção.
Tanto que Val conta que estava legalizada por via do marido e “teve logo
emprego”, que nunca esqueceu até
hoje. “Foi com o dr. José de Almeida e
a dona Teresa na livraria Nove Estrelas, gente muito boa e que nunca mais
esqueço!” Depois, relata, foi “trabalhando, a vida foi acontecendo e tive
outros empregos e tive muito apoio
de açorianos”. Mas, acrescenta Val,
“também fiz por merecer, a gente tem
aquilo que merece...”.
Esta convicção fê-la sempre ter forças
e sucesso numa terra que não aquela
onde nasceu. Da sua passagem pelo
Faial, onde Fernando Veiros foi colocado para a abertura do hipermercado
Modelo da cidade da Horta, recorda
que gostou “imenso” e, além disso, já
estava “adaptada”.
Expressando-se por palavras e gestos,
Val diz que “ama aquele povo do
Faial”. Aliás, já conheceu com a família
quase todas as ilhas dos Açores, onde
“Graças a Deus” tem a sua vida.
Nestes Açores que reconhece que
mudaram muito e para melhor!”. Não
hesita mesmo em reafirmar: “mudou
de uma maneira fantástica, oh se mudou! Em comparação com quando eu
cheguei cá que não havia nada aqui
na ilha. Eu estou muito feliz por estar
aqui, com essa qualidade de vida que
os Açores trazem hoje em dia para
nós imigrantes, para os turistas, para
quem vive aqui...”
E é destes Açores que hoje
diz:”Pensamos ficar por cá, até um
dia que Deus quiser voltarmos para
o Brasil... mas a ideia é ficarmos cá
sim, e no dia que a gente realmente
achar que está na hora do coração a
gente volta sim, mas eu gosto daqui,
a gente vive feliz aqui! Eu amo o Brasil,
é o meu país, a minha pátria, mas eu
gosto muito daqui, gosto dos Açores”.
E como é que, aqui, se esbatem as
saudades de onde se partiu? Ou,
neste caso, se ‘temperam’? Com os
sabores que se aprenderam a cozinhar
e a saborear na infância. E foi, assim e
por isso, que iniciou o negócio, incentivada pelo marido, e abriu a primeira
loja. “Essa ideia surgiu de haver cá
muitos brasileiros e cá não haver o
produto típico brasileiro”. E Val dá-se
a si própria como exemplo, quando
conta que “às vezes queria comer uma
carne seca e que não havia”. Ou ,
acrescenta, “queria uma feijoada com
o nosso feijão preto do Brasil, um pão
de queijo, queria o trigo para o quibi e
não havia também aqui!”
Ora, continua a recordar, resolveu
“arriscar” e não ficar-se por “matar
saudades” dos afectos familiares e
gastronómicos, um ‘pedaço’ das sua
história e origens, nas viagens ao Brasil. “Entramos, há cerca de dois anos e
meio, nesse mercado de novidades,
de produtos alimentares”.
Val vende os ingredientes como
farovas, feijão e bebidas como sumos,
cerveja ou café mas, também, ensina
quem não sabe, a usá-los. “Tem sido
muito bom”, conclui.
Refira-se que uma boa parte dos produtos que Val vende ostenta a marca
do mercado justo. Trata-se de um movimento social e de uma modalidade
de comércio internacional que busca o
estabelecimento de preços justos, bem
como de padrões sociais e ambientais
equilibrados, nas cadeias produtivas,
criados na Holanda, na década de
60 (Fair Trade Organisatie). O café foi o
primeiro produto a seguir o padrão de
certificação desse tipo de comércio,
em 1988, numa experiência que se
espalhou pela Europa. A International
Fair Trade Association, que reúne actualmente cerca de 300 organizações
em 60 países, dá especial atenção
às exportações de países em desen-
volvimento para países desenvolvidos,
como artesanato e produtos agrícolas, para que o produtor receba uma
remuneração justa pelo seu trabalho,
potenciando assim, simultaneamente,
a sobrevivência de produções sustentáveis.
O comércio justo é definido pela
News! ( rede europeia de lojas de
comércio justo) como “uma parceria
entre produtores e consumidores que
trabalham para ultrapassar as dificuldades enfrentadas pelos primeiros,
para aumentar seu acesso ao mercado e para promover o processo de
desenvolvimento sustentável.”
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Veio de: Angola
Vive: São Miguel (Rabo de Peixe)
O que mais gosta nos Açores:
Qualidade de vida e do clima
O que menos gosta:
Não há nada que não goste nos Açores
O que a distingue:
Foi professora e é uma forte activista do
artesanato regional
Cristina Borges
“Sou uma açoriana que
nasceu em Angola!”
Expressiva, nas palavras e nos gestos, Cristina Borges conta como os ventos da
guerra a fizeram refugiar-se nestas ilhas a que chama ‘casa’. Um lar, acrescentamos
nós, devido aos laços únicos que os professores estabelecem com os seus alunos e
que esta professora por vocação já reformada continua a criar através da Criaçores
– Associação de Artesãos da Ilha de São Miguel
“Imensas coisas!” É com esta resposta
que Cristina Borges responde ao que
tem feito por cá. E é verdade, tanto
como não é sintetizar uma vida e, muito
menos o de uma mulher que lamenta
que os dias não tenham 24 horas... “Eu
tenho pena de, se calhar, não ter tempo
para fazer muitas outras coisas que
tenho na cabeça, gostava de ter dias
de 48 horas”, confessa.
Refugiada de uma guerra que
assolava Angola, quis em 1977 manter
a profissão que exercicia na sua terra
natal. Conseguiu e ficou. Até hoje.
“Porque gostei de estar cá, do clima...
porque Angola é um país muito quente
e no continente português o Inverno é
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muito rigoroso”, explica lembrando que
conheceu São Miguel em Dezembro e,
mesmo assim, viu “solinho, bananeiras,
gente na praia”e viu “que era aqui que
devia ficar”.
Dessa escolha diz que nunca se arrependeu, acrescentando: “Viajo muito,
gosto muito de sair mas gosto muito,
muito de voltar a casa!! E, por isso, é
que digo que sou uma açoriana que
nasceu em Angola!”,
Conta que como professora (de
Educação Tecnológica, Trabalhos Oficinais, Trabalhos Manuais, Desenho e
Educação Visual) tentou exercer o seu
“cargo da melhor maneira, com paixão,
com alma e com vida, porque os meus
alunos foram sempre pessoas que
marcaram a minha vida, uns de uma
forma óptima, outras excelente e outras
menos boa”. Lembra como quem
nunca esquece – uma capacidade que
só tem quem se importa – que houve
pessoas que não conseguiu “recuperar” e que lamenta os alunos que “se
entregaram a drogas, a dependências,
e tive pena porque eles também não
tiveram a culpa toda”. Questionada
porquê, reponde: “Era a família em que
estavam inseridos, era o sistema educativo que não dava resposta para as
suas necessidades, aos seu anseios...”
E é também com paixão nas
palavras que afirma que o “Ensino igual
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