VIVER AQUI Edição #1 - 2011 - AIPA - Associação dos Imigrantes nos Açores Ponta Delgada - Açores - Distribuição Gratuita Percursos de Imigrantes empreendedores As nossas Áreas de actuação A AIPA tem, fundamentalmente, 4 áreas de actuação: A nossa Missão A AIPA é uma plataforma representativa dos imi grantes residentes na Região Autónoma dos Açores e assumimos como missão contribuir para a inte gração das comunidades de imigrantes na socieda de açoriana. O nosso Percurso A AIPA foi formalmente criada em Março de 2003 na convicção de que os imigrantes podem e devem ser um agente activo na procura e implementação de políticas promotoras de integração. Actualmen te, a AIPA é uma associação reconhecida pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultu ral (ACIDI), membro do Conselho Consultivo Regio nal para os Assuntos da Imigração e do Conselho Municipal da Cidadania de Ponta Delgada. Os nossos Objectivos • Contribuir para a integração social dos cidadãos imigrantes na sociedade açoriana; nidades, direitos e deveres junto da população imigrante; • Contribuir para a formação de uma opinião pública positiva, face ao fenómeno da imigração; • Combater a xenofobia e todas as discriminações baseadas na nacionalidade, origem étnica, cor ou religião; • Contribuir para o reforço de laços de amizade e solidariedade entre os diversos povos. 1- Disponibilização de Serviços de Apoio e Informação aos Imigrantes; - Centro Local de Apoio à Integração dos Imigran tes - CLAII – em Ponta Delgada e na Terceira; - Clube de Emprego, Bolsa de Habitação e Clube de Serviços; - Espaço TIC; - Apoio Jurídico; - Formação 2- Promoção da interculturalidade, combate ao Racismo e sensibilização da população açoriana para o fenómeno da imigração - Realização de actividades culturais – Festival “ O Mundo Aqui”; - Programa de Rádio “ O Mundo Aqui”; - Suplemento no Jornal “ Açoriano Oriental” – Rumos Cruzados; - Realização de Seminários, Conferências e Workshops; 3- Pressão, Denúncia e Diálogo com as Autoridades A terceira dimensão de actuação alicerça-se na vigilância permanente dos problemas e transmitilos às autoridades e, por consequência, incenti var à alteração do quadro legal. Esse objectivo tem sido concretizado a partir de um diálogo per manente com os diferentes actores a nível regio nal e nacional. 4- Contribuir para o fortalecimento de cooperação entre os Açores com os países de origem das comunidades de imigrantes. Contactos: Ponta Delgada Sede: Rua do Mercado, nº 53, H, 1º 9500 Ponta Delgada - Açores - Portugal Tel.: 296 286 365 / 296 288 001/ Fax: 296 281 623 - E-mail: [email protected] Ilha Terceira: Delegações Rua da Garoupinha, nº 59 9700-092 – Angra de Heroísmo Telf. (+351) 295 213 139 Fax. (+315) 295 215 079 E-mail: [email protected] ÍNDICE NOTA DE ABERTURA André Bradford Rosário Farmhouse Graça Castanho Paulo Simões Paulo Mendes Leoter Viegas José Marcelino Kongo Rosivalda Veiros Cristina Borges Sameer Reege Nadya Kazachoka Jaime Goth Ricardo Marquez José Luís Darwin Mendez Sudip Chattopadhyaya Óscar Reis Waheed Zaman Raja José Dias Fernandes Lan Macedo Wiliams Nascimento “Maninho” Rosa Vaz Oumar Ndiaye Marilene Barbosa Ficha Técnica: Edição: AIPA – Associação dos Imigrantes nos Açores Coordenação: Paulo Mendes Textos: Olímpia Granada e Josefina Cruz Design Gráfico/Paginação: Luís Filipe Craveiro (Craveirodesign.com) Fotografia: José Franco, Marcelo Borges e Acácio Amaral Fotografia Capa: Paulo Medeiros Execução Gráfica: Coingra, Lda. Tiragem / Distribuição: 4000 exemplares - Distribuição gratuita Promotores Financiadores Parceiro /1 Viver Aqui 01 02 03 03 04 04 05 07 09 11 12 13 15 17 19 21 22 23 25 26 28 29 30 31 André Jorge Bradford Secretário Regional da Presidência Açores e imigração Nos dias de hoje, falar de migrações significa compreender o fenómeno da mobilidade de cerca de 3,1% da população mundial, segundo dados de 2008, da Organização Internacional das Migrações. Este fenómeno planetário, longe de uma análise unívoca, tem permitido, por um lado, o desenvolvimento de regiões e países, e, por outro, o défice populacional de determinadas áreas geográficas. Existe, porém, concordância de que a entrada de novos actores permite o desenvolvimento social, contribuindo para um espaço de diálogo intercultural entre povos. A integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento é uma situação complexa e multifacetada, uma vez que corresponde a um processo dinâmico, em constante mudança, resultante de influências bastante diversas ao nível da macro-estrutura económica, social, política e institucional dos países de destino e das especificidades de cada sociedade onde os imigrantes se fixam. Os Açores, tradicionalmente região de emigração, conheceram, há poucos anos, a inversão dessa tendência. Passaram a ser uma região de imigração. Neste sentido, tem sido preocupação do Governo dos Açores permitir que aqueles que escolheram os Açores para trabalhar, residir ou constituir família, tenham, dentro do quadro legal existente, uma integração plena e vejam realizadas as suas aspirações profissionais e pessoais. Tal situação só é possível se, no processo de integração, interagirem os diferentes actores relevantes, nomeadamente imigrantes, entidades governamentais, instituições e comunidades locais, pelo que é também missão do Governo sensibilizar e dinamizar a sociedade civil para a concretização desta importante missão social. A este propósito, é de extrema relevância o trabalho desenvolvido pelo movimento associativo, sinónimo do empenho e da capacidade de mobilização das próprias comunidades e instrumento inestimável de fomento da partilha de experiências, de conhecimento e de necessidades. É por isso que o Governo dos Açores tem não só desenvolvido projectos na área da integração dos imigrantes e da preservação da identidade cultural como também tem apoiado diversas entidades, organiza- ções e associações no desenvolvimento dos seus próprios projectos. Destaque-se o apoio e atendimento personalizados a estes cidadãos, prestados pelos serviços da Direcção Regional das Comunidades, quer seja no contacto com as instituições do seu país de origem quer com as instituições da Região. Para além disso, a DRC tem, ao longo dos últimos anos, procurado responder às necessidades dos imigrantes residentes na Região, designadamente através de sessões de esclarecimento sobre diversas áreas de interesse, como, por exemplo, a educação, a saúde ou a segurança social, entre outras. De igual modo, promoveram-se diversos cursos livres de português, de inglês, de informática e de empreendorismo, em várias ilhas do arquipélago, com o objectivo de fomentar a aquisição de competências nestas áreas, contribuindo, desta forma, para a integração e desenvolvimento pessoal e profissional de cada um destes indivíduos. Em consonância, não podemos descurar a importância do envolvimento dos imigrantes na definição dos seus destinos nem o poder da sua voz no desenvolvimento de políticas e acções a eles direccionadas. A criação de um Conselho Consultivo Regional para os Assuntos da Imigração nos Açores é a prova da participação activa das comunidades imigrantes nas políticas de imigração regionais e nacionais. No que concerne ao Governo dos Açores, tem-se procurado sempre promover o diálogo entre todos os intervenientes nos processos de integração e nas próprias acções que potencializam a preservação e dinamização da identidade cultural dos nossos imigrantes. É nesta convergência de vontades, aproveitando as competências e apelando à responsabilidade dos diversos agentes, que podemos criar uma sociedade açoriana mais justa, mais coesa e mais rica culturalmente. O empreendedorismo é, neste contexto, um importante instrumento de afirmação pessoal e comunitária, intensificando pela via da iniciativa própria os processos de integração e contribuindo para tornar mais visíveis as vantagens colectivas de uma dinâmica multicultural intensa. Viver Aqui /1 “...Os meus alunos foram sempre pessoas que marcaram a minha vida, uns de uma forma óptima, outras excelente e outras menos boa”... para todos não é exactamente verdade e não deve ser! Costumo dizer que a reforma do Ensino de Veiga Simão até agora foi a melhor de todas”. Por exemplo, diz a também co-fundadora do Sindicato de Professores na Região, que a sua própria “formação de base, foi um curso industrial, um curso de formação feminina que acabei em Setembro e em Outubro já estava a trabalhar! Portanto, foi uma ferramenta para a minha vida!” Que usou com arte e engenho, além da óbvia determinação. Mas com esta posição Cristina Borges que até foi enriquecendo a sua formação que culminou com uma licenciatura em Ciências da Educação na Universidade dos Açores, defende uma preparação para a vida. “Procurei sempre não só transmitir aos meus alunos os ensinamentos que me eram impostos como, também, prepará-los para a vida”. Também não se arrepende desta postura que diz lhe ter permitido fazer “bons amigos” durante os anos em que “teve o privilégio de ser professora”. Trabalhar com as mesmas mãos com que também ‘fala’, é – conta – uma apetência desde criança.”Fazer coisas, criar...” Apesar de aposentada, não deixou /10 Viver Aqui de ensinar; é formadora na área do artesanato e trabalha também na área da recuperação psico-social, além de participar em palestras e eventos. Fundou ainda uma associação de artesãos, a Criaçores por, relata, ter percebido que “os artesãos precisavam de alguém que falasse por eles, porque muitos tinham imensas competências técnicas mas precisavam de competências sociais para se defenderem, para falar, para reivindicar”. Depois, acrescenta com o maior dos sorrisos que, claro, “constitui família, sou mãe, tenho um açorianinho muito giro e o meu marido também é açoriano. Portanto, é como eu digo, sou uma açoriana que nasceu em Angola”. E desde que se rendeu a São Miguel, os Açores mudaram? “Muito, muito! Quando eu cá cheguei, encontrei pessoas muito fechadas, muito selectivas, pouco abertas à imigração porque se esqueciam que a maior parte da família estava emigrada e... a fazer sucesso lá fora.” Questionada sobre esses primeiros tempos, Cristina Borges recorda que havia receio de que quem viesse de fora, viesse “roubar” o posto de trabalho. “Aconteceu-me isso a mim, disseram-mo directamente, tanto que eu acabei por ter que dizer: ‘’se não me aceitam como refugiada de guerra que é de facto o que eu sou, aceitem-me como imigrante, e estou a fazer aqui o que a vossa família faz nos Estados Unidos, no Canadá, na Bermuda...”, recorda. Como recorda que no primeiro dia de escola, com 5 anos, a “primeira cantiga que aprendi foi o Hino Nacional português”. Por isso, apesar do BI nacional, chegou a sentir-se sem pátria... Hoje integra os órgãos directivos da AIPA, para que situações dessas não se repitam, acreditando, contudo, ter hoje percebido porque ao tempos eram as pessoas tão fechadas. “Porque foram vítimas, também! Pela pirataria..., e na II Grande Guerra houve histórias de mulheres que ficaram com filhos nos braços, enganadas...” mas, acrescenta, quando “se abrem, abrem mesmo”. A quem chega ou para quem está cá, vindo de outras terras, deixa um conselho: “que sejam empreendedoras, que acreditem em si, que acreditem nos seus sonhos, que não cruzem os braços, procurem saídas e... sejam mais felizes! É bom dizer ‘Bom dia! Como é que estás? Óptima! Estar óptima hoje, amanhã e sempre. Enquanto Deus quiser.” Veio de: Índia Vive em: Ponta Delgada O que o distingue: É professor e investigador no Departamento de Economia e Gestão da Universidade dos Açores Sameer Rege Perceber o futuro das reformas através de modelos inéditos Indiano, Sameer Rege sente-se bem com o clima açoriano. Na sala do complexo universitário onde se situa o Departamento de Economia e Gestão, no campus de Ponta Delgada da Universidade dos Açores, sente-se à vontade com o sol que trespassa as vidraças e a humidade alta que caracteriza a ilha. Da vivência em São Miguel diz:“It’s nice, very peaceful, calm”. Assim como aparenta ser Sameer Rege que só lamenta ter a família longe, na Índia. O docente também dá nota baixa à burocracia e ao custo “pouco razoável das casas”. Lamenta igualmente, com um sorriso, o facto de não estar a conseguir aprender Português. Ou melhor, falar. Por isso, toda a conversa decorre em Inglês.”Tentei bastante, mas o problema é a pronúncia que é muito ‘forte’...”. Fora isso, considera que “foi muito bom” ter vindo para a Universidade dos Açores (Uaç), em 2006, para a investigação de pós-doutoramento. E explica que, ao contrário de imigrantes vindos de outras origens, não se “importa com a percentagem de humidade elevada, porque a humidade na minha terra é de aproximadamente 80 por cento e com temperaturas de 33 e 34 graus... portanto, estou muito confortável, é como estar com o ar condicionado ligado o tempo todo!” A propósito, questionamos ao que /11 Viver Aqui dedica o seu tempo. “Ao trabalho”, responde, onde também não teve dificuldades de adaptação. Aliás, refere que ao contrário da cultura indiana em que a “relação entre quem chefia e os subordinados é afastada, aqui quem chefia é mais acessível”. Tal como é na Europa, nota. Conta que ainda deu aulas no seu primeiro ano colocado no Departamento de Economia e Gestão mas que a “barreira linguística” o fez optar apenas pela investigação que estava na data da recolha desta entrevista, a realizar com o professor Mário Fortuna, director do departamento. “Trata-se de um projecto co-financiado pela Uniâo Europeia que será publicado em livro, destinado a estudantes e investigadores” e que, com base em modelos criados pretende analisar a sustentabilidade das pensões de reforma em Portugal. “Por exemplo, temos idades e origens diferentes – explica, dirigindose-nos -, mas trabalhamos no mesmo tempo e ambos temos a expectativa de vir a ter uma pensão. Trabalhamos, vivemos e morremos. Entretanto, durante algum tempo deveremos receber uma pensão do Governo...” Eis que o nosso entrevistado é interrompido... por um incontido, “I hope so!” Sameer Rege confirma com um aceno de cabeça, prosseguindo a sua explicação precisamente com a exclamação que o interrompeu: “Quando diz ‘I hope so’, a questão é que na sua mente há algo que lhe diz que talvez possa não receber, ou que essa pensão poderá não ser o suficiente, assim começa a pensar em poupar dinheiro ou em procurar soluções... e toda a gente está à procura de soluções!” Por isso, este investigador na área económica revela que o projecto em que está envolvido pretende “estudar o impacto [das pensões] no capital dos países, o que muda, e estamos a tentar criar um modelo que permita trabalhar por forma a perceber”. E, conclui, “o mais importante é saber não se as pensões se vão manter mas o seu montante. Veio de: Ucrânia O que a distingue: É cientista e integrou-se numa investigação da Universidade dos Açores sobre a doença Machado Joseph Nadya Kazachkova “Os Açores são uma fonte imensa para a investigação” Nadya Kazachkova é ucraniana e faz investigação genética. Veio para os Açores, depois de se ter especializado na Suécia. Diz que as ilhas são uma “fonte imensa para a investigação devido ao isolamento das populações”, e cita o caso da doença Machado Joseph A jovem cientista estudou cerca de cinco anos anos, onde trabalhou também em clínicas. Mas, conta com recurso à língua inglesa enquanto não dominava o Por tuguês que – contava à data da entrevista - estava a estudar afincadamente todas as noites, “o que queria fazer era mesmo investigação”. E, acentua Nadya, “quando se quer uma coisa com tanta intensidade, é difícil parar”. Assim, depois de dois anos a trabalhar em clínicas na Suécia, decidiu regressar à ciência e... daí, aos Açores. Onde garantiu, se sentia “muito bem”. Até, acrescenta, “pelo meio envolvente, com todas as flores..., o que tem um impacto muito positivo!”. Por outro lado, admite que é difícil a distância da família e reconhece que sente a sua falta. “Mas não me sinto mal, nem sozinha”, assegura Nadya. Quanto ao futuro, a investigadora dizia ter como “garantido” o querer “acabar o projecto em que está envolvida, no Depar tamento de Biolo/12 Viver Aqui gia da Universidade dos Açores, no pólo de Ponta Delgada, São Miguel. “Não faço planos para muito tempo”, confessa. Um projecto em que a UAç contou com os hospitais do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, e do Santo Espírito, em Angra do Heroísmo, como parceiros para a investigação genética sobre a doença Machado Joseph levada a cabo pela equipa em que Nadya se integrou e que envolveu, ainda, consultores científicos internacionais. Esta doença identificada no arquipélago, como explica Nadya, Machado-Joseph (DMJ) é de natureza neurodegenerativa e os sintomas - Primeiro afecta a marcha, depois a fala, seguindo-se a descoordenação dos membros superiores que leva à dificuldade progressiva dos movimentos das mãos. A acumulação da proteína ataxina-3, com mutação, no núcleo das células é um marcador impor tante desta doença - revelamse tardiamente (em média, aos 40 anos) e constitui nos Açores, dada a sua elevada prevalência, um problema de Saúde Pública. Segundo os dados recolhidos e divulgados até ao momento, as famílias afectadas são originárias das ilhas das Flores, São Miguel, Terceira e Graciosa. A maior concentração de doentes regista-se nas ilhas das Flores (1 em cada 106 habitantes é doente) e em São Miguel (1 em cada 3148 é doente). E é também através genética, a especialidade da jovem cientista ucraniana, que os investigadores procuram perceber melhor esta doença incurável e encontrar um tratamento. Ainda que este ano, cientistas do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra tenham publicado na revista “Brain” um estudo que pode contribuir para o desenvolvimento de uma estratégia terapêutica, equipas de investigadores nacionais e estrangeiros prosseguem esforços nesse sentido. Veio de: Cabo Verde Vive: Ponta Delgada (São Miguel) O que mais gosta nos Açores: Nos Açores gosto de tudo porque vivo aqui desde os 11 anos de idade e como tal faz parte da minha vida e formação como homem enquanto cidadão. O que menos gosta: A falta de auto-valorização e respeito pela cultura e trabalho dos artistas locais ou radicados na Região. O que a distingue: músico e um defensor da cultura açoriana e cabo-verdiana “Jaime Goth” “Eu sou ilhéu, acima de tudo!!” Chegou vindo de um outro arquipélago. Nascido na ilha de São Nicolau, partiu da do Sal e cresceu na de São Miguel, nos Açores, onde chegou aos 10 anos de idade trazido pela mão da irmã que se casara com um micalense que trabalhava em Cabo Verde. E onde, lembra o músico “Jaime Goth”, também se canta a “saudade” Nos idos anos 70, deu-se a independência de Cabo Verde por via da revolução em Portugal e muitos dos cidadãos com nacionalidade portuguesa optaram por regressar. Foi o que aconteceu, recorda “Jaime Goth”, com o cunhado que trabalhava na aeronáutica civil, e que com ele trouxe a esposa e o seu pequeno irmão. “ Foi ele que me criou”, recorda o músico e cantor que hoje também já constituiu família. E com uma açoriana, como dizia querer em criança, de tanto ouvir o cunhado falar nos Açores... Sobre a sua vida, nesta outra ilha a muitas milhas náuticas de distância daquela onde nasceu, diz que tem “sido engraçada” e “aventurada, com bons e maus momentos como toda a gente passa!”. Expansivo e de gargalhada fácil, diz que nunca teve “razões de queixa ou de amargura” /13 Viver Aqui e que se sente “em casa”. Nunca se sentiu discriminado e se algumas das outras crianças se ‘metia’ com ele não via nisso nada demais. “A outros chamavam gordo ou outra coisa”, lembra com um encolher de ombros. “Eu sou ilhéu, acima de tudo!! O irmos de uma ilha para outra, embora seja mais desenvolvida e maior, dá-nos sempre essa afinidade, em qualquer parte do mundo, independentemente das culturas e das raças”, afirma. Questionado se sente saudades, repete a pergunta, também ele a interrogar-se para, depois, comentar que é “uma palavra, uma expressão que nos é muito comum”. Como comuns, faz notar, são alguns dos nomes dados a lugares, de lá e de cá. Por exemplo, nasceu num lugar chamado Fajã de Baixo. E há outros, como Fajã de Baixo ou Covoada. “Sou da ilha onde se fez a música ‘Saudade’ e uma das coisas que sempre me chamou a atenção foi a música...”, continua como que a pensar em voz alta, concluindo que “facilmente” consegue “conciliar a saudade de Cabo Verde com a saudade aqui dos Açores” porque a afinidade de culturas fez com que “sentisse que tinha mudado de uma casa para outra!” Mas, sublinha Jaime Goth, canta a saudade, canta mornas e aquilo que é hoje: “Um criolisco!, a fusão de criolo com corisco”. Uma expressão, conta, criada por si porque é aquilo que os seus filhos são, pois “a mãe é açoriana e eu sou cabo-verdiano”. À conversa num café que há 19 anos Jaime Goth abriu perto do centro de Ponta Delgada e que entretanto alugou, recorda que aquele foi o “Eu sou ilhéu, acima de tudo!! O irmos de uma ilha para outra, embora seja mais desenvolvida e maior, dá-nos sempre essa afinidade, em qualquer parte do mundo, independentemente das culturas e das raças”, afirma. primeiro espaço a ter música ao vivo “com todas as bandas”, fomentando a “fusão de culturas”. De alguma forma, diz, aquele espaço serviu de ‘ponte’. A música, uma forma de linguagem que associada à maneira de estar de Jaime facilita a comunicação, e as cachupas bem servidas, também uma novidade ao tempo, contribuíram para construir essa ponte entre culturas, de uma maneira natural. Hoje, toca noutros bares da cidade de Ponta Delgada, e confessa o “orgulho em sentir que vi toda a mudança que se passou por cá. Foi uma mudança muito boa”. Qual mudança, perguntámos? “Acima de tudo, em termos de evolução. Estive em Ames/14 Viver Aqui terdão, Londres, Paris e até na Índia e tentava sempre fazer a comparação em termos de equilíbrio... e não vejo nada de diferente. Londres é enorme, claro, mas... podemos estar a passar por uma crise muito grande e toda a gente se queixa que não tem dinheiro mas somos um povo muito rico e o nosso país é um dos mais bonitos do mundo, tem de tudo, tem mar, tem terra, tem lagoas, tem ilhas... e somos um povo que tem muito para dar!” Por fim, uma última e incontornável pergunta, como é que começou a paixão pela música? De violão, ficamos a saber. O “ primeiro musical” que deu foi em 1980, quando subiu ao palco no Teatro Micaelense. “Lembro-me que a minha banda foi a primeira a tocar Bob Marley, era uma novidade, e lembro-me que depois fui convidado para todos os bailes porque tinha um álbum do Bob Marley que partilhava, e só tinha aquele”, conta a rir, acrescentando que, desse aspecto, tem saudades. “Imagine-se como era a partilha das coisas naquela altura..., hoje é tudo muito fácil e não aproveitamos!”, explica. Nos últimos dez anos, Jaime Goth tem-se dedicado a fundir música cabo-verdiana com música açoriana, recorrendo, por exemplo, ao cavaquinho, viola da terra de 12 cordas e ferrinhos. Veio de: Cuba Vive: Praia da Vitória O que mais gosta nos Açores: Tranquilidade O que menos gosta: O preço das viagens O que o distingue: é médico e desenvolve actividade de voluntariado numa ONG Ricardo Marquez “Sinto-me um português com outra naturalidade!” Concluído o curso de Medicina em Cuba, chegou a Portugal em 1996 e, nesse ano, começou a formar-se na área da emergência médica após o que entrou para o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) que integra desde então. A partir de 1999 também começou a formar-se para situações de ajuda humanitária e catástrofe e, apesar de ter escolhido vir para o Centro de Saúde da Praia da Vitória, na ilha Terceira, continua a participar em missões, um pouco por todo o mundo. À incontornável pergunta de como e porque é que em 2007 veio para os Açores, Ricardo Marquez responde que motivado por uma colega que participara com ele numa missão. “Ela estava aqui a trabalhar e disse-me que parecia o Sri Lanka, mais tranquilo, as pessoas eram simpáticas e havia precisão de médicos na Região. Abriu concurso, concorri e fiquei”. Veio e ficou por, pelo menos, quatro anos e, consigo, trouxe – além da paixão pela prática da Medicina - uma ideia na bagagem, a de tentar, conta, “ajudar a formar, fazer alguns cursos e dar um bocado de mim”. Por altura da recolha deste depoimento reconhecia, no entanto, estar a ser “um bocado di/15 Viver Aqui fícil”. Isto, explicou, porque “as pessoas não aderem aos cursos, estão habituadas a algum tipo de financiamento e de modo que pagarem do seu próprio bolso...”. Ainda assim, e apesar desse constrangimento das pessoas “habituarem-se que para irem a uma formação têm que pôr um ‘bocado do seu bolso’”, foram feitas na Região algumas formações em parceria com a Direcção Regional de Saúde e com o Serviço Regional de Bombeiros. “Temos tentado cativar a população a fazer formação em suporte básico de vida, temos feito alguns curso para leigos, pessoal não profissional e vamos continuar. Mas a ideia era desenvolver na Região alguns projectos interessantes, vamos ver... esperamos que a mentalidade de autoformação mude um bocado nos profissionais, sabemos que há crise mas temos que estar preparados e não podemos estar à espera que nos paguem um curso para termos formação”, comenta. Na mesma linha de pensamento, lamenta que se vejam “muitos profissionais à frente de serviços de urgência que não têm formação suficiente ou pouco adequada”, o que confessa preocupá-lo. “Mas estou disponível para continuar”, afirma. Para este especialista em emergência, também se justifica a existência nos Açores de um sistema equivalente ao do INEM. “Numa Região mais do que noutros sítios e para mais que estamos longe, só por isso se justifica, estamos a duas horas de voo do continente e qualquer situação emergente ou urgente, no mínimo e se as condições climatéricas forem boas, demora duas horas o auxílio”. Portanto, acrescenta, “temos que ter em cada ilha médicos, enfermeiros e pessoal preparado para alguma situação de catástrofe e a população também, porque a primeira resposta tem que vir da população!” Ricardo Marquez considera mesmo que “não temos um sistema sólido em emergência médica é um completo suicídio para a Região. Isto algum dia tem que mudar e algum dia tem que ser a política de mitigação destes problemas, daquilo que se faz em situações de catástrofe de problemas naturais”. “O vizinho é o primeiro que pode responder, depois os bombeiros... temos que fazer simulacros, formação e estamos muito, muito atrasados nisto! Preocupa-me porque estive recentemente a falar com um especialista que dizia-me que Portugal em breve e os Açores vão ter a sua dose de calamidaPUB /16 Viver Aqui des, é cíclico. Se vai acontecer, porque não devemos estar preparados? E não vamos ter tempo porque a formação de um profissional na área demora muito tempo”, alerta. Sobre o seu percurso fora da terra de origem, perguntamos se se sente um imigrante. “Já me senti, inicialmente”. E hoje? “Sinto-me uma pessoa que foi acolhida no seio de outra sociedade, que respeitou essa sociedade e que se integrou noutra sociedade, mas imigrante propriamente dito eu sintome, às vezes, quando chego a Cuba! Curioso...quando chego a Cuba sou mais marginalizado por ter saído do que em Portugal, por ter chegado” Num tom de voz de quem está a pensar em voz alta, partilha que “infelizmente, é assim” e que quando falam de dupla nacionalidade nem ele percebe, às vezes, qual é a sua verdadeira nacionalidade. “Tenho feito muita coisa por Portugal e tenho passado muita da minha vida em Portugal, às vezes é difícil gerir a emoção da emigração mas sinto, quando olho para trás, que emigrei mas não me sinto imigrante, sinto-me um português com outra naturalidade”, diz. Sobre se foi bem recebido em Portugal, antecede a resposta com uma consideração, a de que “Portugal tem um conflito com o seu passado”. Sobretudo em relação a África, Ricardo Marquez constata que “há pessoas com alguma idade que sofreram com a guerra no Ultramar” e que, por isso, acrescenta deixando a frase no ar, “um imigrante que vem de África …” Mas, acrescenta, no geral foi “bem aceite” e que “felizmente também a minha profissão tem uma certa compaixão por quem não é a favor dos imigrantes; é diferente, e um imigrante com uma profissão diferente é visto de outra forma, de ‘mais necessidade’. Tenho notado palavras de racismo e xenofobia mas não me afecta em nada.” E nos Açores? “Tenho muitos doentes na minha lista, apesar de ter saído em missão por várias vezes! É bom quando os utentes gostam do seu médico, independentemente da sua nacionalidade. Tenho a lista completamente ‘cheia’. A falta de médicos é um drama mundial...” Veio de: Cabo Verde Vive: Terceira (Angra do Heroísmo) O que mais gosta nos Açores: Das ilhas e das pessoas O que menos gosta: Nos Açores não há nada que desgoste O que a distingue: é proprietária do restaurante “A Africana” na cidade de Angra de Heroísmo José Luís* “Foi aqui que me criei” * na foto Néné, casada com José Luís José Luís, casado com Néné, alma do restaurante “A Africana”, em Angra do Heroísmo, e mãe de Eliseu Santos que fez história ao tornar-se o primeiro terceirense a ser convocado para a selecção nacional de futebol, em 2009, partilha uma história de vida que se confunde com a da própria ilha. As ‘réplicas’ do forte sismo que abalou as ilhas do Grupo Central do arquipélago dos Açores, em especial na Terceira, no dia 1 de Janeiro de 1980, fizeram mudar muitas vidas para além das que residiam na ilha. Às 15h42 nos Açores, o abalo com uma magnitude 7,2 na escala de Richter e intensidades IX na escala de Mercalli na Terceira danificou muito do edificado da ilha de Jesus e mais de metade das construções da cidade património. Em consequência disso, muita foi a mão-de-obra necessária à reconstrução, conseguida com o contributo de imigrantes.E, nessa vaga, chegaram José Luís e Néné, então ainda desconhecidos um do outro. A nosso pedido, este cabo-verdiano /17 Viver Aqui com um ar tranquilo recorda que já passaram ‘uns 30 anos’ desde que desembarcou vindo de Lisboa para trabalhar no esforço de reconstrução de Angra. À pergunta se estranhou, comenta com um sorriso que nasceu numa ilha e, como tal, não lhe custou: “Vim para uma ilha!”. Uma ilha, prossegue, na “na altura, muito diferente do que era em Lisboa”. Isto porque, explica, o ambiente era muito “mais acolhedor” do que o da capital onde “ninguém se conhece”. José Luís também era desconhecido ao tempo na Terceira mas, lembra, “criou-se amizade logo de início”. E, utilizando as suas próprias palavras, ‘foi ficando’ apesar do contrato inicial de seis meses para a construção civil. Contribuiu para tanto a hospitalidade, estar a viver numa ilha e, claro, o ter conhecido Néné. “Criou-se famílias... é ficar”, diz com um ar de tão natural que lhe parece. Por altura desta conversa que serviu de sobremesa a uma saborosa cachupa n’ “Africana”, Néné estava de visita a esse outro arquipélago dos mares da Macaronésia, onde nasceu, Cabo Verde. Perguntamos a José Luís se costuma ir à terra de onde partiu há tantos anos. Se sente a falta dessa terra que nos ‘serve’ em sabores. “Quando vou sinto mais falta de cá... porque... ‘lá está’, vou 15 dias e embora tenha o “Néné, a alma do restaurante “A Africana” em Angra do Heroísmo...” meu pai, irmão lá... a vida toda está cá!”. Sobre essa vida que começou a ser construída há três décadas, diz terem sido “muito bem recebidos”. Tanto, confessa para quem vivia na capital, que até achou estranho. Recorda, a jeito de explicação, que chegou na altura do Espírito Santo que “nem sabia o que era” e que ele e os seus companheiros foram, ainda que desconhecidos e de vindos de outra terra, convidados para a casa de quem organizava as festas. Hoje, retribui essa hospitalidade tão natural aos terceirenses servindo bem e recebendo melhor no restaurante que, a nosso pedido, conta como abriu portas. “Foi anos depois [da chegada]. A Néné teve sempre a fazer comidas para o pessoal e, em casa, fazia para o pessoal que trabalhava na construção. Mais tarde, fez uma tasca ambulante por altura das touradas (1994), começou uma tasca nas Sanjoaninas, /18 Viver Aqui correu bem, as pessoas a gostar e... incentivaram para continuar!”. Assim, continua, “às ‘tascas’ e touradas seguiu-se, em 1998, a abertura de um espaço pequeno em Angra, uma tasca africana e começou por aí; foi crescendo e hoje temos um ‘maiorizinho’, está a correr bem, não é o que era mas... é para toda a gente!”. Ora porque esta é uma história de gente que a vida fez cruzar-se, quisemos saber se actualmente os imigrantes nos Açores, mais numerosos, ainda se conhecem entre si. Responde que “há uma mudança. Nos anos 80, por exemplo,diz que o pessoal “que estava aqui era mais ‘aconchegado’ uns aos outros, conviviam mais do que actualmente”. E porquê? “Tem a ver com o trabalho, com os horários... Na altura ‘era tudo’ na construção, hoje não. É mais difícil aquela união e o juntaremse... a semana mudou um bocado grande...” Com um ar pensativo confes- sa que por causa disso se tem falado na comunidade em criar um espaço para conviver, reconhecendo contudo que “é difícil” pois, “cá está, tinha que haver uma contribuição e nem todos aderem...” Questionado sobre o seu percurso como imigrante numa ilha açoriana, garante não estar arrependido. “Foi aqui que me criei, cheguei com 20 anos e a minha vida está toda cá e não tenho razões de queixa. Nos negócios, tenho é que agradecer aos açorianos, pois 99 por cento é que são nossos clientes e eles..., penso que também não têm razão de queixa. É como uma família desde que abrimos e, se for preciso, já vão tirar o café!” É só? , perguntamos por fim. “E não é pouco”, responde com um sorriso. Saboreada que está a conversa e a cachupa rica, ‘a comid’ tá sabe’ (a comida tá boa), nu sata bai (vamos andando)! Veio de: Cuba O que o distingue: Monitor de ginásio e professor de dança Darwin Mendez “Se digo adeus é porque estive lá” Começamos a nossa conversa com uma pergunta mais ou menos óbvia: se já tinha ouvido falar dos Açores em Cuba. Darwin interrompeu a nossa questão com uma gargalhada para partilhar, logo de seguida, um dado que, se em Cuba é conhecido por todos, por cá, é totalmente desconhecido: “ Em Cuba todas as pessoas conhecem este arquipélago por causa do anticiclone dos Açores. O boletim meteorológico referia sempre os Açores quando uma tempestade estava na eminência de chegar a Cuba”. Natural de Mantanza, uma cidade localizada no litoral norte da ilha de Cuba a 90 km da Havana e 32 km de Varadero, Dariwn reside em Ponta Delgada há dez anos, com a mulher e o filho. Não chegamos a concluir a razão pela qual a sua cidade natal tem o nome da Matanza, já que existem, na opinião do Dariwn, três versões diferentes. Ficamos, por isso, com esta dúvida e quem tiver curiosidade poderá investigar a acreditar na versão que mais lhe convém. Contam-se pelos dedos das mãos, os imigrantes provenientes de Cuba que residem na Região, sendo que o percurso de Dariwn assemelha-se a de tantos outros e, ao mesmo tempo, que assume particularidades. De tantos outros imigrantes porque veio à procura de melhores condições de vida, mediante um convite que foi feito por um empresário açoriano que se deslocou a Cuba para recrutar alguns profissionais para um projecto que /19 Viver Aqui pretendia desenvolver na cidade de Ponta Delgada. Por isso, logo de início trabalhou num ginásio como monitor mas o seu espírito empreendedor não lhe deixou ficar por aí. Começou a dar aulas de salsa e merengue em vários espaços da Ilha de S. Miguel e, ao mesmo, que dedicava à massagem. Em 2001, introduziu o conceito de noites latinas, retomando, um pouco a actividade que desenvolvia em Cuba. Ainda durante a sua actividade profis- sional, trabalhou no Clube Desportivo de Santa Clara. É nesta diversidade de funções e de pró-actividade que este imigrantes cubano se destaca. O sonho de piloto de força aérea ficou na infância, apesar de ter ficado com pena de não ter tido condições para seguir esta carreira. Licenciou-se em Cultura Física pela Universidade de Cuba, muito por causa da gratuitidade de educação no seu país de origem. Como ele próprio afirma: OPINIÃO Rosário Farmhouse Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural Empreendedor, “aquele que empreende, arrojado, activo” Um dicionário da língua portuguesa define empreendedor “aquele que empreende; arrojado; activo”. Segundo esta definição semântica, todos os imigrantes, sem excepção, são empreendedores. Ousar partir para um país estrangeiro, à procura de emprego e de melhores condições de vida não deixa de ser um sinal de arrojo, que evidencia a não resignação de um ser humano às circunstâncias adversas da sociedade em que nasceu. É de coragem o que este gesto de partir – tão intrinsecamente humano – trata. Acresce que, há muito que sabemos não estar a audácia dos imigrantes esgotada nessa redutora visão do fenómeno migratório cingida aos trabalhadores por conta de outrem, sendo as atitudes empreendedoras dos imigrantes cada vez mais reconhecidas. Na verdade, a Integração profissional dos imigrantes passa também pela aplicação de experiências e conhecimentos nos negócios por conta própria. São muitos os imigrantes que têm uma história de sucesso conseguida através da criação do próprio emprego e a contribuir com a criação de valor para a economia portuguesa. Nesse sentido, o ACIDI também lançou, em 2009, o Projecto Promoção do Empreendedorismo Imigrante (PEI), com o objectivo de sensibilizar as comunidades imigrantes para o empreendedorismo, potenciar a criação de negócios e desenvolver as capacidades produtivas de Portugal. Nesta altura em que a crise financeira paira no mundo, é importante desenvolver a nossa capacidade de empreender, não só ao nível profissional mas também ao nível pessoal, promovendo uma atitude pró-activa, em que cada um faça parte da mudança que quer ver surgir. Foi neste contexto que acolhemos com entusiasmo a candidatura do Projecto MigrAçores, da AIPA – Associação dos Imigrantes nos Açores, ao Programa do ACIDI - Promoção da Interculturalidade a nível Municipal - co-financiado pelo Fundo Europeu para a Integração dos Nacionais de Países Terceiros - onde se integra a presente iniciativa de Divulgação e Identificação de Boas Práticas na Área do Empreendorismo Imigrante, na região dos Açores. É, pois, fundamental que a sociedade açoriana conheça alguns dos casos bem sucedidos de imigrantes por conta própria, mergulhando o seu olhar nesse outro, estrangeiro que, a seu lado, contribui para o desenvolvimento dos Açores. Uma palavra final de agradecimento e Parabéns à AIPA – Associação dos Imigrantes nos Açores, por mais esta excelente iniciativa. 1º Prémio - Olhares Sem Fronteiras 2009 - origem - Marcelo Borges P Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009 - O Amor - Filipe Lopes P Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009 Preparando as redes II - Paulo Medeiros P Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009 Oumar - Aqui, convosco, recrio meu Senegal - Marcelo Borges P /2 Viver Aqui Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009 sorriso de luz - Marcelo Borges P Menção Honrosa - Olhares Sem Fronteiras 2009 INTEGRIDADE - ... sou um cidadão do Mundo Marcelo Borges “como a educação é gratuita no meu país, aproveitei para estudar línguas estrangeiras, por isso, trabalhei durante nove anos na área de turismo em Cuba e dentro do ramo de Cultura Física, desenvolvi-me em reabilitação e terapêutica”. Nos primeiros meses de permanência na ilha, a distância, a saudade do calor cubano e a língua foram as principais barreiras com que teve de confrontar e, hoje, a esta distância, considera-se plenamente integrado na sociedade açoriana. Mas como quem imigra tem de se adaptar a um novo contexto a nível de relações sociais, a opinião do Dariwn sobre os açorianos, assenta na questão do tempo, ou seja, e reproduzindo as suas palavras “acho que no início os açorianos ficam muito fechados para com as pessoas que vêm de fora, depois com o tempo facilmente o de fora consegue fazer amigos cá”. Interrompe, de novo, a nossa conversa para nos confidenciar que numa das viagens para Cuba chegou a encontrar um amigo açoriano dentro do avião, facto que revela a proximidade que vai tendo com a população açoriana. Por isso, não é exagero afirmar que é muito fácil conhecer alguém na cidade de Ponta Delgada que conhece o Dariwn, já que ele se assume como uma pessoa divertida e de fácil trato: “eu consigo fazer amizades facilmente porque sou uma pessoa muito divertida, mas também devido à minha área de trabalho pois trato diariamente com pessoas”. Dariwn antecipou-nos e introduziu à conversa a importância da presença dos imigrantes nos Açores e o enriquecimento cultural que esta dinâmica tem trazido às ilhas açorianas: “Nós também enriquecemos a cultura açoriana e como exemplo disso nós temos cá uma banda musical brasileira, o meu clube de salsa, ou seja, temos um grupo de pessoas com nacionalidades diferentes que a vários níveis transmitem a sua cultura” A dinâmica das migrações assume uma ligação quase sempre forte com o país de origem e Dariwn não é excepção. Costuma ir a Cuba no verão e na época de Natal, já que defende que é muito importante o regresso as raízes e à pátria que lhe desenvolveu o seu carácter e personalidade. A propósito deste regresso às origens, reparte connosco sentimentos contraditórios que lhe invade: “Eu cada vez que volto a Cuba tento rever cada canto e cria-se uma ligação muito forte de tudo aquilo que aconteceu na minha vida. Então fico dividido: entre lembranças, memórias daquilo que eu era e entre o sítio onde criei uma segunda vida. Eu vou a cuba todos os anos e fico com aquele sabor amargo cada vez que tenho de apanhar um avião para voltar para cá. Mas depois penso: se digo adeus é porque estive lá.” Para o futuro quer sobretudo dedicar-se à educação do filho e imprimir-lhe uma educação baseada em valores e princípios, da mesma forma que foi criado em Cuba e se um dia deixar os Açores, leva a saudade mas também a felicidades de puder dizer adeus já que teve o privilégio de conhecer e viver em pleno oceano atlântico. PUB SERVIÇOS DE ESTAFETAS Distribuição de publicidade, entrega de mensagens, encomendas e vcompras ao domicílio CLUBE de SERVIÇOS PENTEADOS AFRICANOS SERVIÇO DE COSTURA GASTRONOMIA ÉTNICA Bolo/doces brasileiros, Salgados, confecção de Bebidas exóticas (ex: caipirinha); cachupa e outros pratos étnicos TRADUÇÃO Russo, Ucraniano e Crioulo AULAS DE VIOLA POPULAR PROCESSAMENTO TEXTO NO COMPUTADOR CLUBE DE SERVIÇOS O que é? É um projecto desenvolvido pela AIPA que tem como propósito contribuir para apoiar os imigrantes de forma pró-activa a contornarem alguma dificuldade de empregabilidade e responder necessidades pontuais no mercado regional. A AIPA funciona como intermediária entre o cliente e o prestador de serviço. COMO ACEDER AO CLUBE DE SERVIÇOS? Para ter acesso ao Clube de Serviços, basta enviar um e-mail para [email protected] ou telefonar para 296 288 001 para solicitar o serviço pretendido. INICIATIVA: /20 Viver Aqui APOIOS: QUAL É O CUSTO? www.aipa-azores.com O valor a pagar depende do serviço pretendido e resultará do entendimento entre o prestador de serviço e o cliente. Veio de: Índia Vive em: Ponta Delgada O que o distingue: É Director do Centre for Monitoring & Research of Furnas e um apaixonado pelo cinema Sudip Chattopadhyaya “Os Açores escolheram-me a mim” Sudip Chattopadhyaya, mais conhecido por Deep, é natural da Índia e a sua paixão é o cinema. Vive na Região há sete anos e é um dos muitos novos açorianos. Quer contribuir para o desenvolvimento do cinema no arquipélago. “Eu não escolhi os Açores, os Açores escolheram-me a mim”, afirma “Deep” sobre a sua vinda para a Região. Conheceu a esposa em Braga, uma açoriana, quando foi dar um workshop e mostrar um filme seu premiado internacionalmente, na Universidade do Minho, e conta que em casa falam português, inglês e bengali, “a minha língua materna que representa um dos maiores grupos de línguas mais faladas em todo o mundo”. Em Calcutá, na Índia, fez uma licenciatura em Economia, uma PósGraduação em Contabilidade, depois estudou na Escola Nacional de Cinema da Índia e trabalhou como “Finance Manager” em várias empresas “Aqui, em São Miguel, comecei a trabalhar na área de restauração onde, há cerca de cinco anos, faço contabilidade e desem/21 Viver Aqui penho o papel de “Finance Manager” num famoso e reputado restaurante internacional e clube de jazz, em Ponta Delgada, o ponto de encontro no meio do Atlântico de músicos famosos de todo o mundo”, conta. E quanto ao cinema? “Tenho vindo a deslocar-me a Paris e a Berlim, para editar trabalhos cinematográficos. Em Ponta Delgada, realizei, um workshop sobre Edição Cinematográfica, e terei todo o prazer em ajudar jovens na aprendizagem e compreensão da estética da arte de fazer filmes”, garante. Conta ainda que desde o primeiro dia que chegou a Ponta Delgada que tem ideias para fazer vários filmes: “Tenho uma certa cautela e mantenho a minha humildade ao lidar com a tradição, cultura e língua portuguesa, neste caso, com as particularidades da açorianidade. Neste momento, estou na recta final de um guião de uma curta-metragem que, dependendo da disponibilidade de recursos, desejo levar a cabo este ano”. Questionado sobre a sua visão dos Açores, comenta que embora “tenha vindo de uma antiga civilização, eu vivo num mundo moderno e, como artista, considero-me um cidadão do mundo. Os Açores despertaram-me a curiosidade de perceber a sensação que sentiu o Antero de Quental que numa sociedade contemporânea e, em seguida, a terrível sensação de isolamento e crise espiritual”. Quanto à questão colocada, diz que a seu ver, “os Açores estão a tornar-se uma parte do mundo globalizado e os artistas açorianos devem reflectir o equilíbrio entre a modernidade e a tradição.” Veio de: Cabo-Verde Vive em: Terceira O que o distingue: Foi jogador de Futebol e hoje é cirurgião no Hospital do Santo Espírito em Angra do Heroísmo Óscar Reis Um cirurgião crioulo nos Açores “quase por acaso” Tornou-se jogador profissional de futebol para poder sustentar a conclusão do curso de Medicina em Coimbra. Pensou ficar apenas uns ‘tempos’ no Hospital do Santo Espírito mas este cirurgião acabou por escolher ficar na Terceira, apesar dos convites e do regresso a Cabo Verde que confessa estar sempre no pensamento “Findo o liceu, concorri para o curso de Medicina em Portugal. A minha opção por Coimbra teve influência de um colega do liceu que tinha conseguido uma bolsa de estudos para fazer engenharia em Coimbra no ano transacto e que me dizia Coimbra era mais económica para um estudante viver”, recorda Óscar Reis sobre a sua vinda para Portugal. “Fiz, neste sentido, a proposta ao meu pai, que concordou. Quando já me encontrava no 3º ano do curso, as minhas duas irmãs mais novas quiseram continuar os estudos em Coimbra. Nessa altura, entendi que seria muita despesa para o meu pai resolvi optar por futebol (profissional B como se chamava na época) com fonte de rendimento e desde essa data passei a viver do ordenado do futebol até ao final do curso”. A ideia do futebol também teve influência de dois colegas mais velhos /22 Viver Aqui que jogavam futebol profissional e que jogavam juntos pela selecção da faculdade de Medicina e que, lamenta, “infelizmente, não viriam a terminar o curso de Medicina por terem optado pela carreira de futebolista profissional”. No seu caso, no último ano do curso foi obrigado a ter de fazer uma opção com a entrada do novo curriculum do curso. “Nessa altura, jogava no Clube União de Coimbra. Foi uma decisão difícil. Fiz a rescisão do contrato de futebol em Janeiro de 1987 e terminei o curso sem ter perdido nenhum ano, em Outubro desse mesmo ano. Em Janeiro de 1988 iniciei o internato médico pela valência de Saúde Publica no Centro de Saúde de Arganil e o restante internado no Hospital Distrital da Figueira da Foz , onde também fiz a maior parte do meu internado da especialidade de Cirurgia Geral”. Questionado sobre como veio para os Açores, explica que “foi por mero acaso. Era preciso ocupar uma vaga e a seguir pedir transferência para o Hospital da Figueira da Foz. A transferência não se concretizou. Entretanto, posteriormente, surgiu vários convites de hospitais no continente mas optei por ficar na Terceira”. Uma ilha onde diz sentir-se “muito bem” e onde tem “um núcleo de amizade muito boa”. Diz mesmo que “a Terceira tem características peculiares. Lembro-me de comentar com a minha mulher e com amigos, por várias vezes, da forma como os “patrícios” cabo-verdianos encontravam-se integrados no meio sócio-cultural e como os terceirenses os acariciavam”. Quanto a regressar definitivamente a Cabo Verde, diz que “todo o caboverdiano trás constantemente no pensamento um dia regressar definitivamente...” Veio de: Paquistão Vive: Ponta Delgada O que mais gosta nos Açores: Da cultura e das pessoas porque são mais amigas e abertas O que menos gosta: Os baixos ordenados existentes nos Açores O que o distingue: é proprietário do restaurante “Bella Itália Maha Raja” de sabores italianos, paquistaneses e indianos Waheed Zaman Raja “A minha casa é aqui, onde ganho o meu pão” Acreditando na probabilidade do mercado da saudade, seria expectável que um imigrante paquistanês abrisse um restaurante de sabores de Paquistão. Mas não. Waheed Zaman Raja, 33 anos, abriu há 6 anos no centro de Ponta Delgada, um restaurante italiano com um nome muito inspirador “ Bella Itália”. Quando entramos no “ Bella Itália” facilmente percebemos que a ementa e a própria qualidade da comida faz jus ao nome e a nossa interrogação só começa quando vamos conhecer o cozinheiro que nos cumprimenta num português perfeito. O percurso migratório deste imigrante paquistanês residente há 11 anos nos Açores converge de forma quase literal com o espaço europeu, já que Waheed Raja passou e viveu em quase todos os países da União Europeia. Aliás, é a partir desse saltitar nos diferentes espaços que ganhou o gosto pela gastronomia italiana, visto que sempre trabalhou na cozinha italiana. Um dos irmãos já vivia, desde 2004 em Ponta Delgada, e foi ele que lhe incentivou a vir para os Açores para puderem estar juntos. Começaram a trabalhar, guardaram algum dinheiro e quatro anos depois montaram o seu próprio negócio. Antes de existir o“ Bella Itália”, Raja, trabalhou na construção civil, em Rabo de /23 Viver Aqui Peixe e foi, nessa zona piscatória que aprendeu a falar português. A anteceder a sua fixação definitivamente, veio para os Açores de visita e lembra, com muito humor à mistura quando chegou de malas feitas “Lembro-me que o meu irmão vivia aqui numa rua do centro cidade, ele foi-me buscar ao Aeroporto, trouxe-me a casa e depois levou-me a conhecer a cidade. Passeámos pela avenida, fomos até São Gonçalo, depois regressamos à avenida e eu disse-lhe - vamos agora até à cidade, e o meu irmão - a cidade já acabou! No início estranhei, mas agora já estou habituado”. O percurso empreendedor de Raja esteve sempre visível, pelo menos, des- de a chegada aos Açores e o contexto em que criou o seu negócio é prova disso mesmo: “Eu sempre tive vontade para ter o meu próprio negócio. Quando fomos a Nordeste pela primeira vez, deparamo-nos com os bares quase todos fechados, e então decidimos bater à porta de um dos estabelecimentos, abriram-nos a porta, entramos e a primeira pergunta que coloquei ao senhor do café, foi se ele sabia de algum bar ou café para venda, renda ou trespasse e a resposta dele foi: “você pode ficar com este!”. Passados 5 minutos já tínhamos o negócio feito. Mais tarde, em conversa com este senhor, ele dizia-me que nunca lhe tinha passado pela cabeça que um dia viesse a alugar o seu café. Depois deste bar no Nordeste, no ano a seguir criamos o “Bella Itália”. Hoje já tenho mais um Quiosque na Vila do Nordeste e um café em São Pedro Nordestino.” Todavia, há pouco tempo começaram, a pedido de muitas pessoas mas também pela própria ausência de oferta no mercado, a confeccionar e a servir comidas paquistanesas e indianas. Por isso, hoje, o restaurante serve comida italiana, paquistanesa e indiana e o nome seguiu, de igual modo, este novo conceito: “Bella Itália Maha Raja”. A questão de ser empreendedor não está dissociada da relação humana que se vai estabelecendo e o nosso entrevistado afirma com convicção que de PUB /24 Viver Aqui todos os sítios por onde viveu, nenhum deles têm pessoas como as dos Açores. “A grande diferença, por exemplo, é que se eu fizer uma viagem até Lisboa ou Porto, não vou cumprimentar as pessoas mal chego lá. Aqui é diferente, as pessoas cumprimentam-me e eu cumprimento-as. Sobre os Açores, só tenho a dizer que os Açores são os Açores e podemos correr meio mundo que em lado nenhum vamos encontrar pessoas como estas”, reitera a sua visão sobre os Açores e os Açorianos. A par disso, vem sempre a saudade, aquele sentimento que afinal não é exclusivo de nenhum povo. Raja tem um português simples mas as palavras assumem uma força pouco habitual. A respeito da sau- dade disse que: “ quando uma pessoa foi criada em uma cama velha e partida e depois quando se lhe dá um berço de ouro, ela nunca vai esquecer e vai sentir sempre falta da sua antiga cama. O mesmo acontece com uma pessoa que sai da sua terra. Mas eu, pelo contrário, quando vou ao Paquistão, sinto mais saudade de São Miguel, porque tenho aqui as minhas coisas e já me habituei à ilha”. Apesar da vida do imigrante ser feita entre, pelo menos dois espaços, Raja quer ficar por cá e continuar a contribuir para uma maior visibilidade da cultura do seu país e emprestar o seu saber e vontade para o desenvolvimento dos Açores. Veio de: Guiné-Bissau Vive em: Vila das Velas (São Jorge) O que mais gosta nos Açores: As paisagens O que menos gosta: A distância que nos separa do continente O que o distingue: É médico veterinário e trabalha no sector pecuário e do leite José Dias Fernandes “Cada um, onde se sente melhor temos que nos considerar em nossa casa” Para José Dias Fernandes, o início do percurso que o trouxe até aos Açores começou com uma viagem de finalistas. Nascido na Guiné-Bissau, este médico veterinário conheceu São Jorge durante um périplo por algumas das ilhas em 1984, altura em que recebeu logo uma oferta de trabalho que só veio a aceitar mais tarde. Muitos dos seus colegas, porém, consideraram logo na altura essa hipótese de ficar a trabalhar nos Açores. “Eu também considerei mas depois de acabar o curso, em 1984, estive a fazer um estágio em Benfica (Lisboa) durante meio anos e mais três meses. Quando fiquei naquela situação de precisar de emprego, realmente, vim procurar nas ilhas e com colegas que já cá estavam que tinham cá ficado, três, na Terceira. Um ainda cá está”, conta. E porque ficou até hoje? “Primeiro, o emprego na altura, o primeiro emprego com que surgem depois outras oportunidades ou ofertas e, depois, fui gostando, gostando..., enraizando”. Além de trabalhar para a Região enquanto veterinário, tem também com uma colega o que chama “um pequeno espaço” devido “à procura”, para tratar pequenos animais. Comentamos então saber que /25 Viver Aqui também se tornou dirigente desportivo, um comentário que o faz rir antes de explicar que desde que se instalou na ilha reparou “logo que era um sítio pacato, isolado, com um certo ‘tédio’ se as pessoas não arranjarem outras motivações e como estava numa idade em que ainda podia jogar futebol... integreime numa equipa em São Jorge”. Ora a partir daí, continua, “coisas evoluíram e passei a dirigente e ainda mantenho, uma ocupação extra-trabalho, extrafamília para ocupar …” Mas que também dá trabalho, questionamos? “Pois!”, responde rindo de novo. “Não se revelou bem o que eu esperava, as pessoas vão-se embrenhando cada vez mais nessas tarefas e chega-se a uma situação quase de compromisso. Eu não posso fugir ao dirigismo hoje em dia, de um momento para outro.” Apesar da pacatez de São Jorge, afirma que não lhe custou vir viver para a ilha: “Sinceramente, na altura não me custou muito porque é aquela ânsia do primeiro emprego, de afirmação, da esperança de mostrar o que a gente vale depois da formação e, por outro lado, eu tinha acabado de vir da minha terra um ano antes um pouco decepcionado com certas situações... de modo que não me custou, absolutamente nada!” E sobre se foi bem recebido, também responde afirmativamente, acrescentando com sensatez que a a ilha “tem, como em todo o lado, pessoas boas e pessoas menos boas mas, no geral, a adaptação fez-se bem”. Hoje, José Dias Fernandes nem pensa em sair da ilha. “Eu costumo dizer que não sei se já sei viver noutro lado! Porque gostei tanto de São Jorge como gostei de Lisboa mas depois da vivência cá que cada vez que vou a Lisboa - e gosto de ir-, a partir de uma certa altura tenho necessidade de voltar”. E saudades da terra de origem, sente? “Eu tenho saudades da minha terra como é natural, ainda tenho lá familiares e tenho saudades até porque voltei em 1995 e levei os meus filhos para conhecer essa realidade”, diz. “Foi realmente bom porque eles conheceram a terra dos pais e na altura eram novinhos, com menos de 10 anos, e não ficaram decepcionados. Hoje em dia, já são homens e as perspectivas são outras, as noticias de lá não são as melhores...”, lamenta. Reconhece que São Jorge também mudou. “Mudou muito e em vários aspectos. Trabalho numa área muito sensível da economia da ilha, o sector pecuário e do leite, e nos 22 anos que estou cá tem tido uma evolução realmente muito grande em termos de estruturas e até de afirmação em termos daquilo que é a essência da economia: o queijo”, explica. Mas, além deste aspecto, acrescenta que também se verificaram mudanças sociais e culturais: “Está totalmente mudada para melhor, mais casas e infraestruturas”. Por fim, questionado se pretendia partilhar mais algum aspecto que considerasse importante, comenta:”Está-me a fazer uma entrevista como imigrante... sei que há emigrantes açorianos noutros lados do mundo e, realmente, cada um onde se sente melhor temos que nos considerar em nossa casa e eu sinto-me bem em São Jorge, sinto-me bem nos Açores!” Veio de: Macau Vive em: Ponta Delgada O que mais gosta nos Açores: Do clima, praias e ambiente O que menos gosta: Do pouco movimento que há nas ruas depois de uma certa hora da noite e nos fins-de-semana O que a distingue: Foi professora de matemática em Macau e hoje é proprietária do minimercado “Sabores de Macau” Lan Macedo Em 1999 chega aos Açores para acompanhar o marido No seu país era professora de matemática e, hoje, é proprietária de um minimercado em Ponta Delgada, cujo nome foi inspirado na sua terra natal: “Sabores de Macau”. Adora o ar puro, o clima e as praias límpidas dos Açores e, por isso, não pretende regressar. E como a própria referiu “Macau é só para férias”. Tudo começou em meados de 1995 quando Júlio Macedo, açoriano, vai para Macau fazer um curso em aeronáutica. Neste país conheceu a Lean, casaram-se e tiveram uma filha. Com a transição do governo em Macau que houve em 1999, o casal decide vir para os Açores. “Nós não tínhamos ligações em termos de trabalho com Portugal e então fiz uma carta à minha actual empresa a perguntar se havia possibilidade de ser transferido, uma vez que tinha a formação adequada”, recordou Júlio. A resposta por parte da empresa foi /26 Viver Aqui positiva A primeira ilha de residência foi Santa Maria e só depois é que vieram para São Miguel. Em relação à adaptação, a macaense, num português correcto partilha que: “no início foi um pouco difícil porque Macau é completamente diferente do que aqui. Há gente por todo o lado e a cidade está acordada 24 horas por dia”. Mas com o tempo integrouse e hoje considera que a ilha de São Miguel é o melhor sítio para se viver. “É uma ilha calma, bonita, tem ar puro e praias límpidas. Esta é uma coisa que não há dinheiro que compre”, dis- se. Sobre as dificuldades com a língua proferiu que foram muitas e que levou 5 anos para aprender a falar português. “Eu falo chinês, cantonês e mandarim. Na escola sempre dei aulas em inglês. Cá tirei um curso de culinária em que tinha 60 horas de francês. E mesmo assim continuo a achar que a língua portuguesa é a mais difícil”, acrescentou. Em Macau formou-se em matemática e durante algum tempo leccionou esta disciplina. Questionamos-lhe se gostaria de exercer esta profissão nos Açores. “Eu gostava, mas talvez fosse complicado para mim porque cá os professores não tem tanta liberdade como lá”, respondeu. À liberdade dos professores referia-se aos castigos e regras que podem impor aos alunos na República da China. “Mas se acontecer será mais para a frente porque agora tenho de me concentrar na educação das minhas filhas que estão numa idade complicada”, adiantou. Em São Miguel abriram há cerca de dois anos um minimercado, o “Sabores de Macau”, que para além de produtos de primeira necessidade e de consumo geral, dedica-se ainda a comercializar produtos asiáticos. Segundo Júlio Macedo esta loja surgiu na lógica daquilo que acontece em Macau, em que os imigrantes criam as suas lojas e aliam produtos das suas terras com os produtos de consumo daquele país. “O que fizemos aqui foi PUB /27 Viver Aqui conjugar estes mesmos factores com o facto de não haver cá um mercado específico e também pela dificuldade que nós próprios tínhamos em encontrar produtos de Macau”, acrescentou. Para Lean, talvez não seja fácil o mercado ter algum sucesso, pois ainda é novidade na ilha. Mas, acrescenta, que hoje em dia já se utilizam nas culinárias muitos produtos asiáticos e até na gastronomia portuguesa. Sobre a sua relação com Macau, Lean Macedo afirmou que ainda tem lá a sua família e que contacta com ela por internet ou pelo telefone. Devido ao elevado preço dos bilhetes de avião, não a visita tantas vezes como queria. De Macau tem saudades sobretudo “do tipo de vida que tinha lá, da minha comida e cultura”. Questionamo-la se as suas três filhas relacionam-se com a sua cultura macaense. “Nem por isso. A mais velha nasceu em Macau, mas veio com 2 meses para cá, a do meio nasceu em Lisboa e a mais nova já nasceu aqui. Têm mais ligação com a cultura dos Açores”, respondeu. A propósito quisemos saber o que a Lean acha da cultura açoriana. “Eu gosto muito dos Açores e da sua cultura. Mas o que me chamou mais a atenção foi a forma como se festeja o Natal aqui. Eu sou católica e em Macau nós também temos natal e gozamos deste feriado tal como nos Açores. Mas não fazemos uma grande festa. Aqui é diferente, junta-se a família toda para o jantar de natal e é uma coisa que gosto muito”, contou. No futuro, gostaria de lançar o seu livro de culinária, o qual já está a trabalhar e também de voltar a dar aulas. “Quanto à loja tenho de a manter porque preciso de me sustentar”, concluiu. Veio de: Brasil. Vive: Ponta Delgada. O que mais gosta nos Açores: qualidade de vida. O que menos gosta: O tempo. O que o distingue: A música e a apresentação de um programa de rádio “ O Mundo Aqui” e de Televisão “ Saber de nós” Wiliams Nascimento “Maninho” “Os açorianos conhecem a realidade da emigração” Da infância no Brasil, em Goiana-PE, Wiliams Nascimento, mais conhecido por “Maninho”, diz que foi feliz: “Estudava, brincava e aos 8 anos comecei a estudar guitarra clássica”. Tudo começou quando a mãe lhe ofereceu uma guitarra apesar de antes de si e do irmão, não haver memória de na família existirem músicos. E foi a música que em 1996 o trouxe aos Açores para tocar no Xantariz, em Ponta Delgada. “Antes de voltar para Lisboa, fui convidado pela proprietária de uma casa nocturna (uma imigrante alemã) para começar a actuar. Então fixei residência em Ponta Delgada e durante muito tempo o Scala foi o meu palco”, conta. Questionado sobre a forma como a sociedade açoriana recebe o outro, responde o que costuma dizer: “os açorianos conhecem a realidade da emigração, logo sabem receber a todos. No meu caso, fui e sou bem recebido em /28 Viver Aqui todos os meios açorianos.” Maninho tem sido a face visível do programa radiofónico “O Mundo Aqui”. Convidado a fazer um balanço, diz que “é um projecto já solidificado, reconhecido e respeitado”. Por isso, “o balanço que faço, mesmo sendo suspeito, é positivo. Seis anos de programa comprovem a solidez e o serviço público que o programa desempenha”. Sobre o actual panorama musical açoriano e a possível influência que os artistas estrangeiros têm tido, considera que a música açoriana está de ‘boa saúde’. “As filarmónicas continuam desenvolvendo um papel decisivo na educação musical dos jovens e os artistas açorianos estão sempre produzindo algo de novo. Com toda esta tecnologia que temos à disposição, as influências vão-se misturando, deste modo já não sei quem influencia quem”, diz. À pergunta se sente mais açoriano ou mais brasileiro, responde: ”Sinto-me lusófono”. No futuro, pretende continuar a trabalhar na área da música e da comunicação. Veio de: Nasceu em Lisboa, após a emigração dos seus pais Vive: em Rabo de Peixe (São Miguel) O que mais gosta nos Açores: a beleza natural e a qualidade de vida O que menos gosta: a distância dos Açores em relação ao continente O que a distingue: Tem uma loja de produtos africanos Rosa Vaz “Crioula Pé na Tchón” um mercado da saudade Rosa Vaz nasceu em Lisboa mas ainda em bebé, veio para os Açores. Esta descendente de imigrantes cabo-verdianos fez os estudos superiores em Leiria e quando regressou a São Miguel, juntamente com a mãe, abriu a “Crioula Pé na Tchôn”, há pouco mais de 2 anos, em Ponta Delgada, uma loja de produtos africanos ou melhor ainda: um empreendimento da saudade A conversa começou pelo momento actual na vida desta jovem empresária, descendente de imigrantes caboverdianos que apostou numa loja da saudade no centro da principal cidade dos Açores. “Crioula Pé na Tchôn”, é o nome desta loja numa tradução literal para o português significa “ Crioula com os pés no Chão”. Em Cabo Verde, terra de origem dos pais e de proveniência de muitos dos produtos que embelezam o interior da loja e nos transportam para um ambiente cultural pequeno e, simultaneamente, intenso, “crioulo” assume dois significados: um primeiro é a língua materna que resultou do cruzamento do português com os dialectos da costa ocidental africana na altura do povoamento do arquipélago descoberto em 1460 por navegadores portugueses e que fica a perto de 500 km da costa ocidental africana. O segundo significado tem a ver com própria população autóctone de Cabo Verde, ou seja, um cabo-verdiano ou uma cabo-verdiana equivale a um crioulo ou crioula, respectivamente. Voltando aos motivos que levaram que a Rosa abraçasse este projecto, ela própria refere que “O negócio era uma coisa que nós já tínhamos em mente há muito tempo, sobretudo, a minha mãe /29 Viver Aqui que é uma mulher de garra e sempre teve este desejo de ter um negócio próprio.” A falta de produtos alimentares africanos e de cosméticos para os clientes africanos foi, segundo Rosa, a razão para a escolha desta área de negócio. “Os imigrantes africanos e, também todos aqueles que gostam da cultura africana, podem encontrar na nossa loja produtos vindos de Cabo Verde, Angola, Guiné e dos Camarões”, declarou. Quando questionada sobre a crise, Rosa afirmou que, entre “dias melhores e outros piores”, as coisas ainda decorrem razoavelmente. Ponderar bem no tipo de negócio e no público-alvo, motivação e não desistir, são os conselhos de Rosa Vaz para quem neste momento pretende abrir um negócio. No meio do entusiasmo da Rosa é inevitável a conversa sobre os motivos para a sua fixação nos Açores e à semelhança de milhares de pessoas, o 25 de Abril representou a mudança radical no país e nas então colónias. Porém, face ao momento conturbado na altura da pós-revolução os pais da Rosa motivados pela procura de um lugar calmo para viver e criar os seus filhos, optaram por vir para a Ilha de S. Miguel, numa altura em que não exis- tia, praticamente, imigrantes provenientes da África. Com mais 3 irmãs, Rosa estudou aqui nos Açores e depois foi para a Leiria no sentido de prosseguir os seus estudos superiores em relações humanas e comunicação no trabalho. Em todas as cidades onde existe comunidades de imigrantes surgem sempre possibilidades de negócio denominados “negócios da saudade” termo muito conhecido pelos próprios açorianos. “Crioula Pé na Tchón” constitui uma forma dos imigrantes “matarem” a saudade da terra mas, simultaneamente, é um espaço genuíno de promoção da interculturalidade, já que muitos dos clientes são açorianos que procuram saborear gastronomia de outras latitudes. Mesmo num tempo difícil, em que o consumo está cada vez mais retraído, Rosa Vaz não quer se queixar muito e prefere concentrar na esperança de que melhores dias virão e numa motivação que é absolutamente contagiante. Quer contribuir, através da “ Crioula Pé na Tchón” para uma maior visibilidade da cultura dos imigrantes e ser uma porta aberta para a população açoriana vivenciar outros sabores até porque crioula significa necessariamente mistura. OPINIÃO Graça Castanho Directora Regional das Comunidades Os Açores no mundo global Os Açores, historicamente um espaço estratégico e de ligação entre os continentes, continuam, hoje em dia, a desempenhar um papel de elevado relevo nas relações transnacionais e no diálogo intercultural que caracteriza o mundo global. Mais de oitenta nacionalidades convergem nas nossas ilhas em permanente contacto com as gentes açorianas e o seu património. Aqui convivem identidades plurais e diversificadas, fruto de sucessivos processos migratórios, que transformaram as ilhas em territórios de acolhimento, integração e realização pessoal de milhares de imigrantes, num ambiente multiétnico e cosmopolita. Os cidadãos estrangeiros e suas famílias, que escolheram o nosso arquipélago como novo lar, têm contribuído para o desenvolvimento e coesão social da Região Autónoma dos Açores. Com o seu espírito empreendedor, participação cívica e social, dinâmica cultural e diversidade linguística, estes cida- dãos trouxeram consigo, sem dúvida, a força para vingar, a capacidade de criar riqueza e a alegria de viver, ingredientes essenciais para o sucesso alcançado pela vasta maioria dos imigrantes nos Açores. Não podemos ficar alheios a esta realidade. É benéfica a todos. Pela riqueza que encerra, devemos potencializar, cada vez mais, o encontro cultural, o respeito pela diferença, promovendo os valores da democracia e da aceitação. O Governo dos Açores, através da Direcção Regional das Comunidades, tem, ao longo dos anos, incrementado o apoio às comunidades imigrantes, criando espaços de divulgação, dinamização e promoção da sua identidade cultural, não descurando a sua necessária integração plena, assente numa equidade de direitos e deveres. Porque os serviços de atendimento ao público só existem nos três pólos da DRC - Ponta Delgada, Angra e Horta - os nossos funcionários, sempre que necessário, deslocam-se de avião, de barco e de carro para, num exercício de proximidade, resolverem os problemas de cada um e de todos os imigrantes. Para além do acompanhamento individual e das acções que desenvolvemos dirigidas especificamente às populações imigrantes, a DRC apoia financeiramente projectos e instituições da sociedade civil cujo objectivo é garantir melhores condições de vida aos imigrantes radicados nas nove ilhas dos Açores. Porque este é um processo inacabado, repleto de novos desafios, queremos fazer mais e melhor por estas comunidades. Para que tal seja possível, estamos constantemente à procura de novos modos de actuar e de intervir no terreno, como forma de consolidar a multietnicidade que nos caracteriza. Neste sentido, entendemos que esta diversidade cultural é, acima de tudo, uma oportunidade única de firmarmos a Região como um espaço aglutinador de povos, assente numa política de justiça social que rege os Açores da contemporaneidade. OPINIÃO Paulo Simões Director do Jornal “Açoriano Oriental” “Por natureza o imigrante é um lutador” Gostaria de começar este texto afirmando que a maioria dos imigrantes é empreendedora, mas como não tenho dados que confirmem esta suposição apenas posso dizer, em rigor, que existem muitos imigrantes a residir nos Açores que não temem o desafio de criar um negócio, de colocar em prática um sonho ou ambição. Existem vários exemplos de sucesso na Região, desde o comércio ao turismo, passando pela agricultura e restauração. Por natureza o imigrante é um lutador. Luta por ter melhores condições de vida, por dar aos seus aquilo que no país de origem não conseguia. A crise económica e financeira que a Europa atravessa é também uma crise social, com o número de /3 Viver Aqui desempregados a subir vertiginosamente e, por conseguinte, a colocar novos desafios às comunidades imigrantes, os mais atentos e audazes já perceberam que o caminho a seguir é o do empreendedorismo. E muitos têm sabido aproveitar não só os programas internos criados pelo governo regional mas também os apoios da União Europeia. E se de início o principal negócio era a área da restauração e do comércio, aos poucos vamos assistindo a uma diversificação de áreas onde os imigrantes apostam. Os Açores, terra com um forte historial de emigração, não podem se não dar a mão a quem nos procura para construir uma vida, tal como no passado outros nos deram a mão. Saibamos aproveitar o que de melhor os imigrantes nos podem dar, tanto a nível de trabalho não especializado como, sobretudo, ao nível do potencial intelectual que muitos trazem. Exemplos não faltam. Desde quem tenha vindo trabalhar para a construção civil por contam de outro e agora já tenha montado a sua empresa; o mesmo se passa na restauração, no comércio tradicional em que vão surgindo lojas atentas a nichos de mercado de uma comunidade imigrante cada vez mais forte, na área da cultura também existem exemplos de sucesso. O futuro não se afigura fácil para ninguém, muito menos para os imigrantes a residir nos Açores, mas uma coisa é certa, quem tiver ideias e determinação estará mais apto ao sucesso do que os outros. Veio de: Senegal Vive em: Ponta Delgada O que mais gosta nos Açores: a tranquilidade O que menos gosta: A falta de simpatia por parte das pessoas O que o distingue: Foi carpinteiro e hoje proprietário da “Touba Artesanato”, uma loja de peças de artesanato de África Oumar Ndiaye “É preciso muita força de vontade e não desistir” É proprietário da loja “Touba Artesanato” que vende peças de artesanato de África. Foi carpinteiro e adoptou os Açores como a sua casa há 8 anos. Para quem conhece o continente africano, sabe que o cheiro dos países africanos assume características únicas. O cheiro da terra vermelha, pisada pelos pés calçados, outros muitas vezes descalços ou aparentemente mal calçados de pessoas anónimas que debaixo de temperaturas altíssimas tentam ganhar a vida, vendendo, comprando e revendendo coisas. No Senegal sentimos esse cheiro e o burburinho da multidão que nos dá uma aparente sensação de (des) ordem. Oumar Ndiaye nasceu há 41 anos, em Dakar, capital do Senegal, um país de pouco mais 13 milhões habitantes e composto por grande variedade de grupos étnicos. Apesar da língua francesa ser a oficial, existem uma serie de dialectos, com destaque para o Wolof. Inspirou-se no nome de uma cidade considerada sagrada no Senegal, Touba, para “baptizar” o seu empreendimento em Ponta Delgada. Foi a partir da pergunta - se compreende wolof - que começamos a nossa conversa com Oumar, um imigrante residente há 8 anos em Ponta Delgada e que em tempos foi carpinteiro de profissão. Hoje, faz parte do /30 Viver Aqui grupo de imigrantes empresários que se aventurou, criando o seu próprio negócio, montando uma casa de venda de artesanato e, ao mesmo tempo, que possui uma banca no maior centro comercial da Região. O percurso da vinda de Oumar, o segundo de mais quatro irmãos, converge com tantos outros imigrantes provenientes de espaços mais e menos longínquos Em 2001, saiu da sua terra rumo ao continente português e, dois anos mais tarde, veio aos Açores em trabalho e apaixonou-se pelas ilhas. Em 2004, instalou-se em Ponta Delgada e deu sequência a actividade que vinha desenvolvendo desde Senegal. Voltando, ao burburinho do quotidiano da capital senegalesa, Oumar ganhou o gosto pelo comércio através da mãe, que era vendedora ambulante nos comboios que faziam a ligação entre o Mali e o Senegal enquanto o pai ganhava a vida como taxista nas ruas de Dakar. Os táxis senegaleses têm a mesma cor que os da cidade de Nova York e as semelhanças só ficam pela cor. Se a parte do negócio aprendeu com a mãe, ficaria por descobrir o lado de artesão, já que nos primeiros tempos era o próprio que concebia as suas peças. Antes de se dedicar a esse negócio, Oumar era carpinteiro e foi a partir daí que começou a aprender a dar forma à madeira de pau-preto que lhe ia chegando às mãos. Actualmente, quem lhe faz as peças é o irmão que ainda vive no Senegal com mais três irmãos. A irmã, a mais velha, vive nos Estados Unidos e o telefone e o skype ajudam-lhes a contrariar o sentimento da saudade. Para quem é empreendedor e o seu dia-a-dia dependente das vendas, o actual contexto de crise pode não ser o melhor cenário. Por isso, Oumar refere que “As pessoas gostaram muito das peças e compravam. Mas agora estamos nesta situação de crise e torna as coisas mais difíceis. Apesar de tudo os açorianos continuam a gostar muito destas peças.” Quase a terminar a nossa conversa, Oumar ainda teve tempo para vender uma peça, daquelas que em tempos fazia mas cuja tarefa pertence ao irmão que vive no Senegal. “É preciso muita força de vontade e não desistir”, confidenciou-nos em jeito de adeus. Não dos Açores para do nosso breve encontro. Marilene Barbosa “Nesta ilha encontrei um pedacinho do céu” Marilene Barbosa nasceu no Brasil, em Belo Horizonte, e vive há 4 anos nos Açores. Adora a tranquilidade e a beleza da ilha mas, não lhe escapa a ideia de voltar para o país onde nasceu. No Brasil trabalhou durante 12 anos como educadora de infância e, hoje, nos Açores é proprietária de um snack-bar no coração de Ponta Delgada. Passou de desempregada a patrão. Em 2007 veio para São Miguel por causa o marido. Ele nasceu em Ponta Delgada e foi numas férias ao Brasil que se conheceram. “Não perdemos contacto e, mais tarde, vim ter com ele.” Não conhecia a ilha mas quando chegou diz que ficou encantada com a beleza natural, tranquilidade e paz que têm os Açores. “Aqui, as pessoas podem andar nas ruas sem preocupação, ao contrário da cidade grande e violenta onde nasci. Nesta ilha encontrei um pedacinho do céu”, acrescentou. Em relação às dificuldades de adaptação Marilene admite que nos primeiros tempos sentia muitas saudades de casa, da família e, sobretudo, do filho que deixou ao cuidado dos avós. Mas, há um ano e meio trouxeo para viver consigo e melhorou. Adiantou que o filho inicialmente teve problemas de adaptação pois sentia dificuldades em entender as pessoas, especialmente, na escola. “Hoje está bem integrado e já fez muitos amigos”. Questionada sobre o acolhimento dos Açorianos, comenta que se sentiu acolhida por alguns açorianos. “E digo alguns porque existem pessoas que ainda têm um certo preconceito para com as mulheres brasileiras”, explicou. Não deixamos escapar o assunto e perguntamos se já sofreu algum tipo de discriminação. “Sim, sobretudo nas lojas. Existem funcionárias que tratam uma mulher de forma diferente por ser brasileira”, respondeu de forma frontal e aberta, deixando transparecer que as coisas estão a melhorar a este nível. Sobre a sua relação com o país /31 Viver Aqui de origem, Marilene afirmou que apesar de não ir ao Brasil há mais de dois anos, mantém ainda uma forte relação. Todas as semanas contacta com os pais “para saber como está a família e o país”. E do que é que sente mais saudades do Brasil? “Da minha terra sinto saudades, sobretudo, da amizade das pessoas, do jeito de ser e da alegria dos brasileiros. Mas também das festas do Brasil, onde as pessoas são muito mais unidas e comemoram com muita garra”. Neste mesmo país fez o magistério e trabalhou durante 12 anos como educadora de infância. “Desde muito nova comecei a trabalhar com crianças e o gosto pela área foi ficando cada vez mais forte”, explicou. A propósito questionamos se gostaria de exercer esta área nos Açores. “Não sei, para mim seria muito complicado”, respondeu. Apontou a língua como o grande factor nesta profissão. “Nós falamos o mesmo idioma, mas os portugueses têm uma maneira diferente de conversar, especialmente, com crianças. E eu teria de mudar a minha forma de falar, o que é muito difícil”. Actualmente, em Ponta Delgada, gere um café. Foi também no Brasil que ganhou experiência nesta área. “Estava desempregada e então como já tinha trabalhado numa lanchonete na minha terra, o meu marido deu-me este café para gerir”, disse. Terminamos a conversa com a célebre questão do regresso (ou não) ao país de origem. “Eu penso sempre em regressar ao Brasil, não pretendo ficar cá para sempre. Eu quero voltar um dia a viver no país onde nasci”. Veio de: Brasil Vive em: Ponta Delgada O que a distingue: Foi Educadora de Infância no Brasil e hoje é proprietária de um Snack-bar Viver Aqui /31 A integração e a coesão social dependem do papel de cada um de nós. Faça o seu. OS NOSSOS ASSOCIADOS TÊM VANTAGENS JUNTO DOS NOSSOS PARCEIROS: /32 Viver Aqui 1º Lugar - Saberes milenares - Paulo Medeiros Menção Honrosa - Momentos - Paulo Medeiros Menção Honrosa - Mercado da Graça - Paulo Rodrigues Jorge Menção Honrosa - Crucifixos - Acácio Amaral OPINIÃO Paulo Mendes Presidente da AIPA Associação dos Imigrantes dos Açores “Juntos podemos contornar as incertezas” É comum afirmar que, perante a ausência de oportunidades e a vontade em melhorar de vida e conseguir concretizar um determinado objetivo, quem imigra está a empreender alguma coisa. Podemos fazer esta afirmação sem nenhum tipo de reser va. Quem decide imigrar é porque não está satisfeito com a sua situação e acredita que pode desenvolver o seu potencial num outro espaço; quem imigra faz, de forma racional, uma opção entre os vários caminhos possíveis; quem imigra decide correr um risco, mesmo calculando de forma competente todos os riscos, existe uma margem não desprezível de fatores imponderáveis. Dados mais recentes da OCDE apontam que 14,2% dos estrangeiros em Portugal trabalham por conta própria, correspondente a 5,4 por cento do total dos trabalhadores por conta própria. Na Região, os dados obtidos através de um estudo realizado em 2010 no Concelho de Ponta Delgada, indicam-nos que 4,2% exerce sua atividade profissional por conta própria com empregados e 16,5% o faz sem empregados. Não obstante desta última categoria ser fundamentalmente pessoas ligadas ao sector de construção civil e trabalho doméstico, o facto é que cerca de 20% dos estrangeiros em Ponta Delgada trabalham por conta própria. O contexto de crise que o país e a região estão a atravessar condiciona em muito a nossa existência enquanto cidadãos e, com especial destaque, para os públicos mais vulneráveis. Mas, também, é verdade que o contexto de retração económica e o consequente aumento de desemprego (cuja taxa é muito maior junto das comunidades de imigrantes) potenciam a emergência de outras alternativas de empregabilidade em que o empreendedorismo poderá jogar um papel importante. De qualquer modo, e sem desvalorizar o óbvio contributo que os imigrantes emprestam no processo de desenvolvimento regional, existe a perceção de que os imigrantes desempenham essencialmente atividades que exigem pouca qualificação ou que apresentam um sentido de empreendedorismo abaixo dos autóctones. Quisemos com esta publicação, que contou com o apoio do ACIDI e FEINPT, Direção Regional das Comunidades e do Jornal Açoriano Oriental, contribuir para transmitir uma outra dimensão da imigração na Região Autónoma dos Açores. Trouxemos até si percursos e histórias de 19 imigrantes, provenientes de 10 países que desenvolveram um percurso empreendedor e/ou se destacaram no âmbito das suas atividades profissionais. Temos, todavia, a noção de que muitos imigrantes ficaram de fora sobretudo os que são residentes em outras ilhas cujo contacto da nossa parte precisa de ganhar um novo impulso. “Viver Aqui” assume diferentes contornos e amplitudes. Significa, também, colocar à disposição da sociedade que nos acolheu o melhor de cada um de nós, com a mais profunda convicção de que juntos somos capazes de fazer muito mais e muito melhor mesmo perante cenários de incertezas. OPINIÃO Leoter Soares Coordenador do CLAII Os dados do SEF indicam que actualmente residem na Região Autónoma dos Açores cidadãos estrangeiros de mais de 80 países diferentes que, com a sua cultura, o seu trabalho, seus hábitos e costumes e o espírito empreendedor, têm contribuído para o desenvolvimento cultural, social e económico da sociedade açoriana. Os imigrantes, pelo facto de se deslocarem dos seus Países, carregando consigo hábitos, línguas e culturas diferentes, inicialmente encontram um conjunto de /4 Viver Aqui problemas no processo de integração na sociedade acolhimento. Problemas como a legalização, integração no mercado de trabalho, educação, acesso à saúde ou a compreensão da língua, fazem parte do dia-a-dia dos imigrantes na região ou no País de acolhimento. Foi nesse sentido que, em Julho de 2003 surgiu, ao abrigo do protocolo entre a AIPA e o ACIDI, I.P., e com o apoio do Instituto da Acção Social, o Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes (CLAII) de Ponta Delgada. Inicialmente, de carácter, sobretudo, informativo. Actualmente, o CLAII para além de informação e encaminhamento tem desenvolvido actividades no âmbito da “Promoção da Interculturalidade a Nível Municipal” em áreas como: Educação; Mercado de Trabalho; Saúde; Sensibilização da opinião pública. É a partir daí que na II edição da Promoção da Interculturalidade a nível municipal, surge a “Identificação e Divulgação de boas práticas na área de empreendedorismo imigrante” enquadrada numa das actividades do Projecto MigrAcores, co-financiado pelo Fundo Europeu para Integração de Nacionais de Países Terceiros (FEINPT) e o ACIDI e com o apoio do Governo Regional, com objectivos, por um lado, de divulgar boas práticas de empreendedorismo junto da comunidade imigrante residente nos Açores e, por outro, contrariar a visão tendencialmente negativa que existe em relação às áreas de inserção profissional dos imigrantes. Como coordenador do CLAII deixo aqui um profundo agradecimento a todos aqueles que contribuiram para a realização, com sucesso, de mais esta actividade. Veio de: Angola Vive em: Ponta Delgada O que o distingue: É músico, poeta, professor universitário e investigador José Marcelino Kongo “ Somos o vento matinal e o amor é nosso lema” Angolano, José Marcelino Kongo faz parte de uma geração de imigrantes que veio para Portugal e/ou para os Açores soprada pelos ventos das guerras internas no então Ultramar, após a descolonização que se seguiu à revolução do 25 de Abril de 1974. É músico, poeta, professor universitário e investigador. Professor universitário, do Departamento de Biologia da Universidade dos Açores (UAÇ), docente do INOVA e investigador conta que resolveu com mais uns cinco amigos “vir tentar a vida fora daquela situação”. Ora, continua, no seu gabinete no pólo universitário de Ponta Delgada, quando chegados aos Açores, pensavam estar três ou quatro anos mas, acrescenta sorrindo, “a vida, como sempre, vai correndo, vão acontecendo coisas, vamos conhecendo as parceiras e… acabamos por fazer a vida aqui!” Uma parceira que é, neste caso, canadiana de origem, embora viva nos Açores! Quisemos saber se foi fácil a inte/5 Viver Aqui gração ao tempo. A resposta foi antecedida de uma ligeira hesitação para logo de seguida esclarecer que a sociedade micaelense era mais fechada, mas que passado o tempo, criou amizades e hoje os Açores são a sua casa. Marcelino nasceu a pouco mais de 200 km de Luanda, na cidade de Quibax, na província de Kwanza-norte. Passou, no entanto, a infância em Luanda, cidade que lhe marcou a forma de ver e sentir o mundo. Em 1980, saiu pela primeira vez desta cidade rumo à capital portuguesa para concluir o liceu. Fez a licenciatura no Porto em Biotecnologia, mestrado na Católica e doutoramento entre Nova York e Católica em Lisboa. O primeiro contacto com os Açores foi, no mínimo curioso, conforme nos confidenciou, “ estava numa escola onde davam uma grande relevância artística e comecei a tocar clarinete. Passado algum tempo, o nosso grupo recebeu um convite de um grupo de açoriano para ir actuar e foi nesse tempo longínquo que tive o primeiro contacto com a cultura açoriana”. O seu trabalho científico consiste em dois aspectos: determinar o grau de segurança de alguns produtos em especial na área os lacticínios e a possibilidade de desenvolver outros produtos com base nos existentes, apoiando-se na inovação e segurança alimentar. Ainda vai partilhando os seus conhecimentos misturando a sua faceta profissional com a sua dimensão artística e poética. Publicou recentemente um livro sobre o queijo “ São Jorge, o Queijo e a Ilha”onde funde a vertente científica do queijo e da sua história, sem esquecer a dimensão social e histórica da própria ilha. Apesar de muitos afazeres, a músi- /6 Viver Aqui ca ocupa, igualmente, um lugar de destaque na sua vida até porque acredita num pensamento de um filósofo que cita de cor “a educação é a escada para a nossa elevação”. Poderíamos descrever o Marcelino Kongo, recorrendo em exclusivo aos seus poemas que, de resto, estão reunidos num livro publicado há alguns anos em Ponta Delgada “Notícias de Lua”. Como ele próprio escreveu no seu poema retrato “Sou assim, tristemente alegre perdido na confusão do tempo e na incerteza da minha identidade…o verde esperança corre-me nas veias”. Quando deixamos que o verde esperança nos corra nas veias, muitas das incertezas tornam-se certezas. Precisamos dessa esperança do Marcelino Kongo, hoje, mais do que nunca. Veio de: Brasil Vive: em Ponta Delgada O que mais gosta nos Açores: Calma e tranquilidade da ilha O que menos gosta: O clima sempre incerto O que a distingue: É proprietária do “Sabores Brasil”, uma loja e bar de produtos brasileiros Rosivalda Veiros Os sabores de lá temperam a saudade de quem está cá Val, como é chamada esta baiana de Salvador e “mãe de dois açorianinhos filhos dessa terra” como gosta de contar, trouxe para São Miguel o seu jeito ‘quente’ de ser e receber quem entra no espaço onde, com o marido, Fernando Veiros, transformou as saudades numa oportunidade de negócio. Cheiros de outras terras expostos numa loja em pleno centro de Ponta Delgada aguçam o apetite e os sentidos, não só a quem vem do outro lado do mar, e de outros continentes, como a quem aqui sempre viveu. Cheiros de sabores que Rosivalda Veiros ‘embrulha’ com um sorriso que lhe é natural. Tão natural como a maneira com que partilha uma história de 19 anos da sua vida passados nos Açores. A maior parte do tempo em São Miguel mas, também, dois anos na ilha do Faial. “Uma longa história de vida”, comenta Rosilvada Veiros. Uma história, conte-se então, que começou com a contratação do seu marido Fernando Veiros , angolano de /7 Viver Aqui nascimento, pelo Grupo açoriano Nicolau de Sousa Lima, parceiro da Sonae na Insco, para a abertura das então lojas Modelo (hoje Continente), nos Açores. A primeira grande superfície, recorde-se, abriu em Ponta Delgada e o marido de Val “veio à frente”. Ela chegou passados seis meses, começando os dois “a vida do nada”. Questionada sobre se foi difícil a adptação, admite que os dois primeiros anos foi “difícil”. Porquê? “Nossa, foi tão diferente!”, e por diferente “demais” da sua Baia, desde logo “o clima”, explica. Mas também toda uma cultura. Foi o apoio do marido e “gente boa” que conheceu que a ajudaram a ultrapassar essas diferenças e as dificuldades iniciais de adaptção. Tanto que Val conta que estava legalizada por via do marido e “teve logo emprego”, que nunca esqueceu até hoje. “Foi com o dr. José de Almeida e a dona Teresa na livraria Nove Estrelas, gente muito boa e que nunca mais esqueço!” Depois, relata, foi “trabalhando, a vida foi acontecendo e tive outros empregos e tive muito apoio de açorianos”. Mas, acrescenta Val, “também fiz por merecer, a gente tem aquilo que merece...”. Esta convicção fê-la sempre ter forças e sucesso numa terra que não aquela onde nasceu. Da sua passagem pelo Faial, onde Fernando Veiros foi colocado para a abertura do hipermercado Modelo da cidade da Horta, recorda que gostou “imenso” e, além disso, já estava “adaptada”. Expressando-se por palavras e gestos, Val diz que “ama aquele povo do Faial”. Aliás, já conheceu com a família quase todas as ilhas dos Açores, onde “Graças a Deus” tem a sua vida. Nestes Açores que reconhece que mudaram muito e para melhor!”. Não hesita mesmo em reafirmar: “mudou de uma maneira fantástica, oh se mudou! Em comparação com quando eu cheguei cá que não havia nada aqui na ilha. Eu estou muito feliz por estar aqui, com essa qualidade de vida que os Açores trazem hoje em dia para nós imigrantes, para os turistas, para quem vive aqui...” E é destes Açores que hoje diz:”Pensamos ficar por cá, até um dia que Deus quiser voltarmos para o Brasil... mas a ideia é ficarmos cá sim, e no dia que a gente realmente achar que está na hora do coração a gente volta sim, mas eu gosto daqui, a gente vive feliz aqui! Eu amo o Brasil, é o meu país, a minha pátria, mas eu gosto muito daqui, gosto dos Açores”. E como é que, aqui, se esbatem as saudades de onde se partiu? Ou, neste caso, se ‘temperam’? Com os sabores que se aprenderam a cozinhar e a saborear na infância. E foi, assim e por isso, que iniciou o negócio, incentivada pelo marido, e abriu a primeira loja. “Essa ideia surgiu de haver cá muitos brasileiros e cá não haver o produto típico brasileiro”. E Val dá-se a si própria como exemplo, quando conta que “às vezes queria comer uma carne seca e que não havia”. Ou , acrescenta, “queria uma feijoada com o nosso feijão preto do Brasil, um pão de queijo, queria o trigo para o quibi e não havia também aqui!” Ora, continua a recordar, resolveu “arriscar” e não ficar-se por “matar saudades” dos afectos familiares e gastronómicos, um ‘pedaço’ das sua história e origens, nas viagens ao Brasil. “Entramos, há cerca de dois anos e meio, nesse mercado de novidades, de produtos alimentares”. Val vende os ingredientes como farovas, feijão e bebidas como sumos, cerveja ou café mas, também, ensina quem não sabe, a usá-los. “Tem sido muito bom”, conclui. Refira-se que uma boa parte dos produtos que Val vende ostenta a marca do mercado justo. Trata-se de um movimento social e de uma modalidade de comércio internacional que busca o estabelecimento de preços justos, bem como de padrões sociais e ambientais equilibrados, nas cadeias produtivas, criados na Holanda, na década de 60 (Fair Trade Organisatie). O café foi o primeiro produto a seguir o padrão de certificação desse tipo de comércio, em 1988, numa experiência que se espalhou pela Europa. A International Fair Trade Association, que reúne actualmente cerca de 300 organizações em 60 países, dá especial atenção às exportações de países em desen- volvimento para países desenvolvidos, como artesanato e produtos agrícolas, para que o produtor receba uma remuneração justa pelo seu trabalho, potenciando assim, simultaneamente, a sobrevivência de produções sustentáveis. O comércio justo é definido pela News! ( rede europeia de lojas de comércio justo) como “uma parceria entre produtores e consumidores que trabalham para ultrapassar as dificuldades enfrentadas pelos primeiros, para aumentar seu acesso ao mercado e para promover o processo de desenvolvimento sustentável.” /8 Viver Aqui Veio de: Angola Vive: São Miguel (Rabo de Peixe) O que mais gosta nos Açores: Qualidade de vida e do clima O que menos gosta: Não há nada que não goste nos Açores O que a distingue: Foi professora e é uma forte activista do artesanato regional Cristina Borges “Sou uma açoriana que nasceu em Angola!” Expressiva, nas palavras e nos gestos, Cristina Borges conta como os ventos da guerra a fizeram refugiar-se nestas ilhas a que chama ‘casa’. Um lar, acrescentamos nós, devido aos laços únicos que os professores estabelecem com os seus alunos e que esta professora por vocação já reformada continua a criar através da Criaçores – Associação de Artesãos da Ilha de São Miguel “Imensas coisas!” É com esta resposta que Cristina Borges responde ao que tem feito por cá. E é verdade, tanto como não é sintetizar uma vida e, muito menos o de uma mulher que lamenta que os dias não tenham 24 horas... “Eu tenho pena de, se calhar, não ter tempo para fazer muitas outras coisas que tenho na cabeça, gostava de ter dias de 48 horas”, confessa. Refugiada de uma guerra que assolava Angola, quis em 1977 manter a profissão que exercicia na sua terra natal. Conseguiu e ficou. Até hoje. “Porque gostei de estar cá, do clima... porque Angola é um país muito quente e no continente português o Inverno é /9 Viver Aqui muito rigoroso”, explica lembrando que conheceu São Miguel em Dezembro e, mesmo assim, viu “solinho, bananeiras, gente na praia”e viu “que era aqui que devia ficar”. Dessa escolha diz que nunca se arrependeu, acrescentando: “Viajo muito, gosto muito de sair mas gosto muito, muito de voltar a casa!! E, por isso, é que digo que sou uma açoriana que nasceu em Angola!”, Conta que como professora (de Educação Tecnológica, Trabalhos Oficinais, Trabalhos Manuais, Desenho e Educação Visual) tentou exercer o seu “cargo da melhor maneira, com paixão, com alma e com vida, porque os meus alunos foram sempre pessoas que marcaram a minha vida, uns de uma forma óptima, outras excelente e outras menos boa”. Lembra como quem nunca esquece – uma capacidade que só tem quem se importa – que houve pessoas que não conseguiu “recuperar” e que lamenta os alunos que “se entregaram a drogas, a dependências, e tive pena porque eles também não tiveram a culpa toda”. Questionada porquê, reponde: “Era a família em que estavam inseridos, era o sistema educativo que não dava resposta para as suas necessidades, aos seu anseios...” E é também com paixão nas palavras que afirma que o “Ensino igual