PERSONA José Luiz de Alencar Lotufo, ex-aluno da EAESP/FGV, voltou recentemente da Venezuela, onde foi responsável durante os últimos três anos pela gerência geral da subsidiária local da DuPont. Em seu retorno, ele assumiu a Diretoria Administrativa Financeira dajoint-venture Renner DuPont Tintas Automotivas e Industriais S/A. Em entrevista concedida à RAE /tj/tt, Lotufo analisa sua experiência gerencial no Brasil e no exterior e os desafios da atuação em um mercado crescentemente globalizado. por Renato Guimarães Ferreira 14 Atuando em um mercado globalizado RAE Light - v.3 • n.t • p.14·21 ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO RAE Light: Quem é José Luiz de Alencar Lotufo? Qual é sua formação e sua trajetória profissional? Lotufo: Nasci em São Paulo, onde permaneci até os cinco anos de idade. Depois tive uma trajetória de mudanças muito grande com a família, tendo morado em várias cidades do interior do estado de São Paulo. Desde pequeno, portanto, estou acostumado a mudar, o que me levou a ter uma experiência de vida considerável em ter~ mos de adaptação a diferentes ambienteso Voltei para São Paulo aos 17 anos para estudar na Fundação Getúlio Vargas. Comecei o curso de Administração de Empresas em 1964, justamente na época da Revolução. Mas antes fiz o cursinho da própria GV em instalações muito precárias no primeiro andar do prédio da Nove de Julho, que ainda estava em construção. Entrando na Escola, fiz os dois primeiros anos na sede da Martins Fontes e os dois últimos na Nove de Julho. Recém-formado, comecei minha carreira atuando em empresas de diferentes ramos de negócios nos primeiros dez anos, tais como prestação de serviços, seguradoras e bancos. Nesse período tive uma mobilidade muito grande, sendo que o maior tempo de permanência numa mesma empresa foram cinco anos em uma joint-venture da área petroquímica, sediada no pólo de Camaçari, da qual inclusive a própria DuPont fazia parte. Em 1980, já com doze anos de formado, tive que fazer pela primeira vez um currículo para procurar um emprego. Até então nunca tinha tido essa preocupação. Eu me formei numa época em que o crescimento econômico era muito grande, o Brasil passava por uma fase muito interessante e eu mudava de emprego © 1996, RAE Ught /EAESP/FGV, São Paulo, Brasil. com muita facilidade, por meio de convite de amigos ou por indicação de pessoas da própria GV. Assim, fui fazendo minha carreira. De repente, eu me vi na condição de procurar um emprego. E aí foi quando eu me deparei com a oportunidade da DuPont. Ingressei na DuPont em 1980 e isso foi um marco muito importante na minha carreira, pois houve desde o início uma identificação muito grande com a empresa. Eu comecei minha carreira na área financeira, onde tinha sido basicamente a minha formação. Passei cinco anos em várias área da controladoria e, em seguida, atuei durante três anos como tesoureiro da DuPont do Brasil. RAE Light: Quais são as mudanças que tiveram grande impacto em sua carreira? O que elas significaram? Lotufo: Após oito anos de experiência na DuPont, ocorreu talvez a maior mudança de toda minha carreira: fui nomeado Diretor de Recursos Humanos da DuPont do Brasil. Foi uma mudança radical, uma mudança realmente violenta, porque eu não possuía formação em Recursos Humanos. Sempre tive muita facilidade no relacionamento humano, talvez daí tenham percebido alguma habilidade para trabalhar na área. Eu considero essa experiência o maior desafio profissional que j á tive: tendo que entender simultaneamente a área de Recursos Humanos, as Iimirações tanto da empresa como dos funcionários e meus próprios limites como gerente ou como diretor. Enquanto você não consegue equilibrar essa equação, sofre muito, porque você se acha um incompetente, você não consegue atender aos anseios e às necessidades das pessoas. Além disso, você não consegue resolver o conflito entre o que a empresa tem para oferecer e o que as pessoas demandam da empresa. E eu sofri muitíssimo nos primeiros meses, cheguei a emagrecer bastante. Mas, passada essa fase inicial e tendo superado suas dificuldades, acabei ficando cinco anos na área de Recursos Humanos. RAE Light: Qual área influenciou profundamente sua carreira? Lotufo: Acho que realmente me encontrei e amadureci muito profissionalmente na área de Recursos Humanos, onde você conhece a empresa no seu âmago, na sua alma. Onde você percebe realmente que você conhece a empresa no seu todo. Você passa a confiar e a entender a empresa. É muito difícil você transmitir isso para os demais, para os funcionários, porque nem todos têm essa possibilidade de conhecer a empresa tão a fundo. Como Diretor de Recursos Humanos, seu maior desafio é transmitir para as pessoas aquela confiança que você tem. Mas você adquiriu essa confiança vivenciando questões concretas, adquirindo experiência por meio de exemplos, oportunidades, situações em que você teve que tomar decisões e decidir destinos de pessoas. Ao tentar transmitir isso para as pessoas, elas podem não entender, porque acham que você está num papel de defender somente o interesse da empresa. E não, você tem que ter uma posição muito equilibrada para defender o interesse tanto da empresa quanto do funcionário. 15 PERSONA porcionou uma maturidade, uma perspectiva de exercício de liderança muito diferente. Eu tinha vários chapéus ao mesmo tempo: tinha a representaLotufo: Depois dessa experiência de ção da subsidiária como country macinco anos de Recursos Humanos, renager, era responsável direto pela área cebi um convite muito interessante que de Recursos Humanos e também tinha não titubeei em aceitar, que foi assua responsabilidade compartilhada pelo mir a gerência geral da DuPont na Venegócio de tintas da DuPont na Venenezuela. É uma subsidiária pequena, zuela, por meio do qual nós fornecíamas estrategicamente muito interesmos para toda a indústria automobilística local. Na Se você for atuar em outro país na verdade, eu atuava mesma empresa, você não sentirá muita como uma espécie diferença. Você tem uma identidade da de coordenador adempresa que não se confunde com a ministrativo de toidentidade do país. Lógico, você vai dos os negócios loatuar em um meio específico, uma cais da DuPont, organizados na forma comunidade particular, uma sociedade. de unidades de neMas seu dia-a-dia de trabalho é muito gócios. Na DuPont, dirigido pela cultura da empresa. de maneira geral, cada unidade de negócios tem uma linha funcional e sante em termos de sua presença no uma linha administrativa. Os gerentes Pacto Andino e aceitei no mesmo insdos vários negócios se reportam funciotante. Eu me lembro que consultei a nalmente ao gerente regional e admiminha família e eles também aceitanistrativamente ao country manager. ram imediatamente. Eu já estava há 16 Assim, eu tinha a responsabilidade de anos morando no mesmo apartamento, prover toda a infra-estrutura de operatempo demais para mim. Eu praticação para os negócios que estão na submente nunca havia mudado com a misidiária e também de representar a nha família, sendo que, como mencioempresa diante do público externo, nei anteriormente, tinha tido uma expara quem você passa a ser, de certa periência de mudanças desde a infânforma, a imagem da empresa. Particia muito boa. Eu pensei comigo mescularmente nesse sentido foi uma exmo: "É uma oportunidade ainda que periência muito interessante, pois um pouco tarde na minha carreira, os você convive com os empresários das meus filhos já são adolescentes, mas melhores companhias, com um munainda assim eu acho que é positivo. " E do realmente muito influente na sofomos para a Venezuela. ciedade do país, participando de reuMoramos em Caracas durante três niões, de câmaras, enfim com um níanos e eu considero uma experiência vel de exposição muito grande e imnão somente do ponto de vista profisportante. sional - como também pessoal Em nível pessoal, a experiência foi muito enriquecedora. Eu acho que pro- RAE Light: Como surgiu a oportunidade de trabalhar no exterior? 16 - _ .._ ... _ .... _ .... _._--- também espetacular a ponto de no início meu filho mais novo, que na época tinha 15 para 16 anos, ter sofrido muitíssimo com a adaptação, mas no momento de voltar ele já não mais queria sair de lá. Ele se adaptou muito bem. Meus filhos estudaram em uma escola americana, tendo assim não só aprendido o espanhol pelo convívio diário, como também o inglês em função da escola. Isso, como uma experiência de vida, não há curso que pague. RAE Light: O que você considera fundamental para ter uma experiência bem-sucedida no exterior? Lotufo: Aprender a conviver, a aceitar, adaptar-se a culturas diferentes. Você tem que buscar sempre apreciar aquilo que é bom e deixar de lado aquilo que é ruim. Acho que todos os países, todos os povos, todas as culturas têm seu lado positivo e seu lado negativo. Se você for com um olho crítico para ver só aquilo que não funciona, é muito difícil. Você vai encontrar e vai ficar muito desgostoso, vai ficar muito amargurado, porque as coisas não funcionam. Você tem que deixar de lado, entender que isso é um ingrediente de qualquer cultura, de qualquer país, de qualquer sociedade, e procurar ver as coisas boas. Eu acho que essa visão otimista, e até com um certo senso de humor, no sentido de você procurar aceitar as dificuldades e as desvantagens que você tem, é fundamental. É importante aceitar o que é novo, aceitar as diferenças, aceitar a diversidade, e conviver, tirar proveito disso. Isso é uma coisa que eu sempre falava. Eu acho que se você ficar se amargurando "Puxa, RAE Light· v.a- n.1 ----~ .. _----- ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO mas aqui não tem isso, aqui não tem aquilo", a experiência não lhe agrega nada, muito pelo contrário. Aquilo que você não tem, tudo bem, mas veja aquilo que há de bom. Neste aspecto, a Venezuela foi uma experiência muito interessante. A Venezuela é um país de características que nós brasileiros não conhecemos muito bem, muito distante. O venezuelano é muito mais voltado para o Norte do que para o Sul, com um estilo de vida muito americano. Foi um país que já teve o seu apogeu, na época do petróleo, quando foi considerado praticamente um país de Primeiro Mundo, muito avançado, economicamente muito saudável e que hoje vem perdendo esse espaço, vem perdendo terreno. Aliás, hoje a Venezuela atravessa uma situação crítica. Acho que de todos os países da América do Sul, é um dos poucos que está totalmente na contramão da história, considerando que os outros países vêm já de uma forma ou de outra equacionando seu lado econômico. Lá, entre outras coisas, nós aproveitávamos o clima de Caracas (que é espetacularmente homogêneo durante o ano inteiro), sua maravilhosa localização geográfica em um vale com o verde em seus arredores. Eu era um apaixonado pela Ávila, a montanha que cruza toda a cidade. Meu escritório tinha uma janela, da qual eu a avistava. Essas coisas me reconfortavam muitíssimo. Vendo esses dados positivos, você acaba convivendo muito bem com a nova realidade. Outro elemento que me parece importantíssimo para um executivo, seja homem ou mulher, ter realmente uma estabilidade emocional em seu desafio no exterior é que a família compreenda, aceite e dê apoio a isso. Não apenas RAE Light • v.3 • n.1 do ponto de vista pessoal, mas também a partir da minha experiência como Diretor de Recursos Humanos, sinto que é fundamental entender como a família encara a transferência. Se a mulher do executivo transferido (ou o marido da executiva transferida, pois também tivemos casos assim) tem uma profissão, por exemplo, e ele ou ela deixa de trabalhar, isso passa a ser um problema. É necessário que a empresa encontre mecanismos de suporte à adaptação a essa nova realidade. O suporte familiar é, para mim, o dado fundamental da estabilidade emocional do executivo. A família estando bem, ela encarando positivamente esse desafio, as coisas tendem a dar certo. Se não for assim, você claramente tem uma dificuldade, um fator de desequilíbrio muito forte. RAE Light: Com a sua experiência no exterior e, certamente, tendo convivido regularmente na DuPont com executivos estrangeiros, o senhor acha possível afirmar que existe um estilo gerencial brasileiro? Lotufot Minha experiência na DuPont já é muito influenciada pelo estilo gerenciaI americano, mas eu realmente noto algumas diferenças nacionais na interpretação desse estilo. Eu acho que os brasileiros valorizam algumas coisas que talvez outros países não vejam da mesma maneira. Acredito que o brasileiro, na sua maneira de atuar como gerente, tem uma dedicação, um comprometimento muito grande com a empresa. Uma diferença interessante que eu senti na Venezuela diz respeito à questão do cumprimento de horários. Aqui no Brasil, quando você marcava uma reunião para as 9 horas, a reunião começa- va às 9 h com todo mundo. Na Venezuela, tive muita dificuldade no início para fazer com que as pessoas chegassem e a gente começasse as reuniões no horário. Quer dizer, eles tinham uma liberdade de horário diferente da nossa. Para eles, cinco, dez, quinze minutos de atraso não significavam problema algum. Há uma característica da DuPont que eu considero muito marcante que é a prática de você estabelecer continuamente objetivos, metas e então buscar os resultados. O venezuelano faz isso, mas de uma maneira muito mais informal, muito mais emotiva. O relacionamento no dia-a-dia de trabalho do venezuelano comparado com o do brasileiro, é muito mais afetivo, de amizade mesmo. Acredito que você dando atenção às pessoas, interessando-se por elas, acaba conseguindo resultados de uma maneira muito eficiente e até mesmo semelhante. O componente pessoal, emocional, é importante. Talvez nesse caso o brasileiro seja um pouco mais objetivo no seu relacionamento. Lá era muito comum você ter comemorações de aniversários no ambiente de trabalho, a entrega de prêmios de reconhecimento era pública, quer dizer, você fazia uma solenidade para entregá-los, coisas que a gente aqui não tinha muito o hábito de fazer. Eles têm esse lado emotivo talvez mais aguçado que o nosso, apesar de que o brasileíro é também tido como bastante emocional. A diferença com relação ao Brasil certamente não é tão grande como a diferença em relação aos Estados Unidos. RAE Light: Com a movimentação cada vez mais intensa de executivos e com a facilidade crescente de co- 17 PERSONA municação entre os diversos países, o senhor acredita no desenvolvimento de um estilo gerencial internacional, com características supranacionais? Lotufo: Sim. Acho que hoje a questão da comunicação, da globalização, faz com que essas diferenças não sejam tão notadas mais. Eu acho que se você sair daqui e for atuar em outro país na mesma empresa, você não sentirá muita diferença. Os valores com que você vai tratar são muito parecidos. Você tem uma identidade da empresa que não se confunde o executivo to rápida, muito ágil. Você tem os correios eletrônicos, ligando todo o mundo. Foi-se o tempo em que você chegava e não sabia exatamente o que ia encontrar, tudo era inusitado. Hoje parece que há realmente um certo padrão mais internacional. O executivo que tem uma experiência internacional, de viagem ou trabalho, acaba desenvolvendo uma visão diferente daqueles que nunca saíram de seu dia-a-dia, de seu local de trabalho. Você nota que as pessoas que viajam, que adquirem uma determinada experiência no exterior, começam a entender o mundo de uma maneira diferente. que tem uma experiência internacional, de viagem ou trabalho, acaba desenvolvendo uma visão diferente daqueles que nunca saíram de seu dia-a-dia, de seu local de trabalho. Você nota que as pessoas que RAE Light: Em sua opinião, que tipo de atributo seria característico deste executivo internacional? viajam, que adquirem uma determinada Lotufo: Eu sinto que uma caracteentender o mundo de uma maneira rística distintiva diferente. básica é essa visão do inter-relacionamento dos negócios em nível glocom a identidade do país. O que você bal. Acho que aquelas pessoas que vivencia são os valores da empresa, têm essa oportunidade de sair e ter na verdade. Lógico, você vai atuar experiências em outros países coem um meio específico, uma comumeçam a entender que existem ounidade particular, uma sociedade. tras oportunidades. Por que eu digo Mas seu dia-a-dia de trabalho é muiisso? Veja o caso da DuPont na to dirigido pela cultura da empresa. América do Sul, especificamente Isso é muito nítido na DuPont, quer no Brasil. O Brasil sempre foi uma dizer, a gente recebe visitas aqui de região com um crescimento em terexecutivos de outros países ou você mos do negócio DuPont muito vai fazer visitas no exterior e, na verbom, mas nós sempre tivemos muidade, você chega e o padrão de apreta dificuldade em atrair investisentação e os assuntos que estão senmentos para cá. Por quê? Muitas do tratados são muito semelhantes. E das pessoas que tomavam decisões por quê? A comunicação hoje é muiexperiência no exterior, começam a 18 nos Estados Unidos não conheciam a nossa realidade econômica. Para eles, o que havia eram apenas dificuldades econômicas, inflação alta, problemas de escolaridade e de formação. Eles não viam que havia um outro lado, que você, apesar de tudo isso; conseguia fazer negócios e ter um crescimento muito importante. Então, à medida que você consegue trazer essas pessoas para cá e elas conseguem entender um pouco dessa realidade mais ampla, você desmistifica, você tira uma série de preconceitos que se formam e elas passam a entender que também é possível conviver com essa realidade e fazer negócio. Mas esse é um desafio muito grande. RAE Light: Qual é a origem da Renner DuPont? Lotufo: A Renner DuPont é uma associação, umajoint-venture. Na verdade, a história dessa associação remonta mais de dez, doze anos. Entre 1972-73 e 1986, a DuPont tinha a Polidura, Em 1986, ela fez uma associação com a Renner e com a Hoechst. Nessa associação, a DuPont e a Hoechst não atuavam gerencialmente; o negócio era gerido apenas pela Renner, com uma participação meramente financeira dos outros dois sócios. Em 1995, depois de dez anos da associação inicial, chegou-se à conclusão de que essa sociedade não estava sendo muito boa para todos os sócios, todos os parceiros envolvidos. A Hoechst e a DuPont eram, em última instância, concorrentes. As duas têm interesse na área de tintas, e com isso o aporte de tecnologia àjoint-venture era prejudicado. Então a Renner, a RAE Light • v.3 • n.1 ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO DuPont e a Hoechst decidiram reestruturar a associação: resolveu-.se que a Hoechst sairia do negócio e que ficariam apenas a Renner e a DuPont em um acordo firmado em condições distintas das iniciais. A DuPont aumentou sua participação tanto em nível financeiro, quanto em nível da gestão administrativa. Essa nova empresa, chamada Renner DuPont Tintas Automotivas e Industriais S/A, começou a vigorar a partir de 1Q de janeiro de 1996, atuando especificamente nos segmentos de indústria automobilística e indústria geral. Antes, a Renner atuava em praticamente todos os segmentos de tintas, o que incluía, além das tintas automotivas e industriais, tintas decorativas, de madeira, de latas. A Renner DuPont foi formada com foco nos primeiros segmentos e a Renner, individualmente, manteve sua atuação nos outros segmentos. Isso significa que a Renner DuPont está envolvida, entre outras coisas, no fornecimento, para as montadoras, de tintas que são utilizadas na pintura original dos veículos. Temos uma linha também voltada para a repintura de veículos. Na área de indústria, fornecemos para indústria de linha branca (geladeiras, [reezers etc.), televisores, bicicletas, motos, acessórios, autopartes, tudo isso. A área de atuação da Renner DuPont é a área mais nobre de tintas, que exige uma sofisticação tecnológica muito superior à linha mais doméstica. Com essa mudança na associação, nós passamos a ter uma representação com três diretores: o Diretor Superintendente, o Diretor de Operações e o Diretor Administrativo Financeiro, cargo que assumi e cuja responsabili- RAE Ught· v.3· n.1 dade se estende pelas áreas de Recursos Humanos, Finanças e Sistemas. São três áreas que eu estou reformulando, reestruturando aqui. Das três áreas colocadas sob minha responsabilidade, tenho uma boa experiência em duas. A terceira, Sistemas, é um novo desafio. RAE Light: Qual é a estratégia de uma empresa que atua em diversos negócios e países? O que a mantém unida, integrada? Lotufo: É preciso entender um pouco que a DuPont passou por várias etapas. A DuPont é uma companhia de quase duzentos anos. Ela tinha um forte apelo no início, na sua formação, por produtos, quer dizer, era uma empresa tecnologicamente de descobertas, de inovações, de criações, de invenções. Ela inventava um produto e o produto era vendido, porque todo mundo precisava dele. Depois de muito tempo, ela percebeu que não bastava só inventar, tinha que comercializar. Veio então uma segunda onda na DuPont, quando a influência do marketing; do cliente aumentou muito. O cliente passou a ter uma presença mais forte. A terceira onda, mais recente, envolveu uma reestruturação da empresa por unidades de negócios, uma tendência entre as principais multinacionais, No nosso caso, foram estabelecidas unidades de negócios de uma maneira muito integrada, deixando de haver uma separação entre negócios e área de suporte, área de staf!. As áreas administrativas de suporte foram integradas dentro dos negócios, contribuindo, assim, para a criação de uma identidade total de cada negócio. Foram criados as SBUs (Strategic Business Units), que têm uma presença em nível mundial. A SBU mundial é que determina as estratégias globais, onde construir uma fábrica, onde estabelecer um canal de distribuição. Não temos necessariamente que construir fábricas em todos os locais, em todos os países. Podemos utilizar uma unidade para fornecer em nível regional, por exemplo. Hoje você tem um intercâmbio de produtos muito grande. Essas SBUs, que são 22 ou 23 no total, têm uma ligação muito grande estabelecida por meio de networks. Essas networks foram formadas para manter as SBUs integradas de uma maneira que elas não percam a identidade da DuPont. Uma tendência natural seria cada vez mais elas se transformarem em empresas autônomas e passarem a ter vida própria. Mas não, existem algumas áreas comuns, áreas que representam um denominador comum a todos os negócios. Você tem, por exemplo, networks de Finanças, de Recursos Humanos, de Sistemas que reúnem representantes de todos os negócios. Estratégias são definidas nesse nível e depois cada um as leva para o seu negócio. Você tem, assim, a possibilidade de discutir estratégias funcionais tendo ao mesmo tempo uma visão corporativa e uma visão do negócio específico. RAE Light: A reestruturação da empresa por unidades de negócios permitiu a transferência de recursos tanto financeiros quanto humanos entre esses diversos negócios? Lotufo: Sim. A riqueza de você trabalhar numa estrutura como essa envol- 19 PERSONA Nos cargos de gestão superior, multifuncionalidade importante profundidade a é muito mais hoje do que uma de conhecimentos só área. Os desafios numa que enfrentamos hoje são muito maiores e isso resulta em uma demanda extremamente exigente por profissionais visão ampla da realidade com uma RAE Light: Qual é o nível de articulação das atividades da Renner DuPont com a estratégia regional ou global? A Renner DuPont atende, por exemplo, apenas ao Brasil? RAE Light: O senhor tem uma trajetória profissional que inclui passagens por diversas áreas funcionais, o que certamente contribui para uma visão mais integrada, generalista do negócio. Como o senhor vê a questão do generalista versus especialista no mundo dos negócios hoje? de negócios. ção para que a roda não seja reinven- tada aqui. Eu acho que essa é uma outra oportunidade riquíssima viabilizada por uma estrutura como a nossa. RAE LightT: Qual é o impacto do desenvolvimento tecnológico na comunicação entre as diversas unidades da DuPont? Lotufo: Durante os três anos em que vivi na Venezuela, eu vinha regularmente ao Brasil para participar de algumas reuniões em nível regional. Uma vez por mês, no entanto, eu participava de uma reunião de resultados operacionais que era liderada pelo presidente da região através de 20 vantagem e uma desvantagem para a Renner DuPont. A vantagem decorre do fato de que, à medida que a GM é cliente da DuPont nos Estados Unidos, a GM do Brasil dará preferência a quem é DuPont aqui também. A desvantagem, por outro lado, é que você acaba tendo o outro lado da equação que é a pressão por preços internacionais. A GM, por exemplo, vai falar: "O preço pelo qual você vai me fornecer aqui é o mesmo preço que eu tenho nos Estados Unidos, no Japão e na Europa." E você então tem de adaptar-se a essa realidade. vídeo conference. Em reuniões que duravam meio dia, nós falávamos dos resultados do mês, das perspectivas dos negócios, do clima e da situação econômica de cada país. Eu participava dessa reunião sem me deslocar, vivenciando aquilo como se estivéssemos todos sentados lado a lado. Não há dúvida de que a disponibilidade desses recursos acabou encurtando dramaticamente as distâncias. ve a possibilidade de fazer um cross[unctional training, Você tem gente que sai, que vai para outros países, que fica durante algum tempo fora. A idéia é sempre você mandar o executivo para o exterior e depois de algum tempo ele voltar, mas alguns acabam ficando por lá mesmo. Recebem propostas e acabam assumindo posições de destaque no exterior. Mas além das transferências, você pode contar com outro tipo de recurso. São pessoas que vêm, que dão um apoio, uma orienta- Lotufo: Não, a Renner DuPont é uma empresa com características regionais. Nós temos uma presença realmente mais forte no Brasil, mas temos ainda uma unidade na Venezuela, outra na Argentina e distribuição no México, Paraguai, Uruguai, Colômbia. Ou seja, hoje nós temos uma presença em nível de América do Sul e perseguimos uma estratégia que é pensada de maneira articulada envolvendo todas essas unidades. É importante ressaltar que no segmento automobílístico, como você tem clientes globais, você tem que ter uma presença global. Isso ocorre porque empresas do porte da GM, Toyota ou Honda querem ter fornecedores com presença em todos os lugares onde elas atuem. Isso é ao mesmo tempo uma I I I I Lotufo: Essa é uma questão muito interessante. Acho que à medida que você vai subindo e assumindo mais responsabilidades, você acaba atuando menos tecnicamente e mais administrativamente, gerencíalmente. Você tem um componente generalista de sua capacitação que acaba sendo muito mais demandado. Nos cargos de gestão superior, essa multifuncionalidade é muito mais importante hoje do que uma profundidade de conhecimentos numa só área. Os desafios que enfrentamos hoje são muito maiores e isso resulta em uma demanda extremamente exigente por profissionais com uma visão ampla da realidade de negócios. A pessoa deve ter o domínio de algumas ferramentas básicas, de RAE Light • v.a • n.1 ATUANDO EM UM MERCADO GLOBALlZADO um conhecimento técnico, aliada a uma vivência mais ampla, e não vinculada a segmento muito específico. A trajetória de pessoas que ocupam hoje posições de destaque em nível empresarial parece envolver com freqüência essa transição por várias áreas e, nesse particular, a DuPont é realmente uma escola importantíssima. Quando ela percebe que o profissional tem potencial para ser desenvolvido, ela busca promover uma rotação forte do profissional, colocando-o diante de desafios para os quais ele não está plenamente preparado, mas apostando na sua capacidade de superá-los. Em alguns casos específicos, no entanto, você precisa de especialistas. Se você está contratando uma pessoa para fazer um trabalho dentro de uma área de finanças, com um componente técnico muito forte, você tem que buscar o melhor nessa área: estudos econômicos, simulações, projeções, planejamento estratégico. Você tem que ter gente muito gabaritada, especializada mesmo. RAE Light: Você diria que hoje sua trajetória é uma trajetória comum dentro da DuPont? Lotufo: Eu diria que a DuPont tem muitos exemplos como o meu. Tendo identificado um determinado potencial, ela faz um desenho de carreira sob medida, quer dizer, coloca pessoas em áreas distintas, propiciandolhe experiências que lhe permitam receber maiores responsabilidades futuras, posições gerenciais de direção. Eu diria que hoje essa é a regra de ponto de vista de gestão de carreiras, não a exceção. RAE Light • v.3 • n.1 RAE Light: Quais são os desafios colocados pela gestão de uma jointventure'l Lotufo: O fundamental é entender com clareza o porquê da joint-venture, o que cada sócio pode aportar, como eles se complementam. A associação é ideal, quando há uma complementação efetiva e o estabelecimento de interesses verdadeiramente comuns. No caso da Renner DuPont, você tem uma complementação muito interessante. A Renner tem uma presença forte no mercado, canais de distribuição já estabelecidos, uma imagem muito positiva. A DuPont, por sua vez, contribui com um aporte tecnológico e uma presença global, o que, conforme já comentei antes, é importantíssimo no mundo de hoje. Essa complementação é algo que faz com que ajoint-venture realmente tenha a sua identidade. O fundamental ao administrar uma joint-venture é você saber conciliar os interesses dos acionistas, mas sempre tomando decisões em benefício da joint-venture. O êxito da joint-venture, o seu sucesso vai ser o êxito dos sócios e não o contrário. Você não pode tomar decisões em benefício de um ou outro sócio, porque isso vai fazer com que ajointventure não seja a mais beneficiada, contrariando ao final os interesses de todos os envolvidos. com uma secretária nova, com um carro novo, com uma residência nova. Graças a Deus, a família permaneceu a mesma! Ao fim desses três anos, notei uma diferença muito grande no Brasil e, nesse contexto, vejo dois desafios muito grandes. Internamente, você tem que reaprender a conviver em um ambiente de estabilidade. Além disso, você tem que ter a nítida noção de que hoje você não está sozinho no mercado, que a concorrência está aí. Para ser bemsucedido você tem que ter a operação muito bem-estruturada, com uma produtividade alta, porque você não estabelece mais preços, quem estabelece preços é o mercado internacional. Então você tem que controlar a sua base de custos para ver se você realmente chega a ter margens que possam ser competitivas .• Renato Guimarães Ferreira é Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV, RAE Light: Quais são os maiores desafios que o senhor vê hoje colocados diante das empresas brasileiras? Lotufo: Ao voltar da Venezuela para o Brasil, constatei que eu mudei, que estou em um país novo, em um emprego novo, em uma empresa nova, 21