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“Ter um livro é tão emocionante e responsável quanto ter um
filho.”
Dannilo Autorino
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Engravidei. Agora sou um menino que terá que
amadurecer para encarar o mundo adulto. De que maneira?
Não sei. As pessoas estão muito descartáveis hoje em dia, pensei. Mas para tudo há um limite.
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1. Tudo na vida passa, exceto...
A tontura, que ainda não passou.
Passaram-se horas, passaram-se minutos, passaramse segundo, passaram-se roupas, mas a tontura nada. Ela
nada na piscina que formei tampando o ralo da pia. Queria
buscar um eixo, um ponto de equilíbrio no meu corpo. Os
olhos coçavam e a cada esfregada de dedo, a imagem nítida
daquele rosto delicado se desfocava. O barulho da água caía
na pia e dava musicalidade ao ambiente hostil. Já nem sentia
mais a carne dos lábios, nem os olhos que ficavam cada vez
menores.
Minha cabeça gira e com ela, meu reflexo, que se
transforma no dia em que corri no meio da sala de aula sem
pedir permissão ao professor para vomitar no primeiro
banheiro que encontrasse. Sinto-me cada vez mais pálido. O
sexo ereto que há semanas não ejacula dói, e nenhum
doutor sabe responder o por quê.
- Acho que vou... vomitei! O gosto ruim na boca
contrasta com o sabor dos lábios de Gabriel. Um cheiro
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trousse lembranças da minha cueca que descia coxas
abaixo, uma cueca do piu-piu para comprovar a imaturidade
dos quinze anos, jogada ao chão. Hipnotizados, os olhos
dele puxavam os meus como se eu escondesse algum
segredo. Naquele dia, não tinha ninguém dentro da sala de
aula, ele já estava nu quando perguntou: “Você tem certeza
de que quer fazer isso mesmo?” Eu nem respondi. Encostei
minha boca em seu ouvido e gemi... Vomitei. Tive a
impressão de ter ejaculado, mas as minhas calças
continuavam limpas. Inclinei a cabeça na pia e bebi água até
dar vontade de fazer xixi. Os minutos de espera pareciam
horas, foi quando vi o sinal de positivo aparecer em
vermelho. Chacoalhei o teste como se desejasse que aquilo
estivesse errado, mas o farmacêutico avisou que ele não se
engana mais de uma vez, e essa já era a terceira.
Engravidei! Seria possível? Os sintomas não mentem, nem a
ciência.
Olho novamente para o espelho. Sentia muito sono e
dor de cabeça. O ambiente não me enjoava mais, apesar
das paredes destruídas e do cheiro de urina por todos os
lados. Meus pensamentos é que me nauseavam. Lembrava
constantemente do dia em que a minha primeira vez seria
realmente a mais marcante. Tudo começou com uma única e
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exclusiva ideia, imbecil, de experimentar. É engraçado ver
que a ciência do teste não falhou, mas a humana sim. Pouco
me importo. Consegui me sentir um pouco melhor a ponto de
ouvir o sinal bater dando origem ao som dos tênis
apressados pelos corredores. As pessoas tinham pressa do
nada. Atravessei a porta e saí de lá cambaleando, sintomas
da vertigem. Vi as modelos anoréxicas da minha turma
entrando no banheiro ao lado para vomitarem a água e a
barra de cereais que haviam almoçado. Respirei fundo. Olhei
para a minha barriga, ainda magra, e fui para casa.
Enquanto caminhava, o cheiro de ervas do meu
cabelo revirava-me o estômago, e cada vez que meus pés
afundavam na rua, conseguia ouvir também um trovão
explodindo dentro de mim, aviso imediato da fome, uma
fome excessiva, o que já excluía qualquer esperança de que
não teria um feto na barriga. A mãe viajou para longe daqui
faz três anos, acho que ela me abandonou e só mudou o
verbo para ser menos impactante, mas pouco importa!
Tenho a vizinha, doce mulher, fofa e graciosa de cabelos
loiros cacheados como o dos anjos, usava sempre rosa
bebê, típico de uma personalidade meiga e materna. Possuía
delicadeza nos dedos e um cheirinho de mãe. Vinha de vez
em quando para entregar-me as sobras do seu almoço. Ela
estranhou o meu atraso, pois o barulho da porta não avisara
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a minha chegada. Assim que entrei, vi seu rosto impaciente e
cansado esperando por explicações. Mal consegui soltar
meia palavra e ela veio em direção a mim exalando aquela
vozinha de bolhas de sabão.
- Meu menino, pensei que tivesse acontecido alguma
coisa terrível com você, nunca vi você atrasar tanto, veja,
aqui está o seu almoço.
Ela mal terminara a frase e eu imediatamente
comecei a botar, a garfadas, comida garganta abaixo.
- Nossa! Você está com fome mesmo, hein?! - disse a
vizinha que geralmente não me deixava em paz um minuto. Até parece que engoliu uma criança. - E depois soltou uma
risadinha de hiena.
Afrouxei um pouco a mastigada. Houve um silêncio.
Ela soltou um olhar estranho. Eu nem olhei, apenas
mastigava tensamente o garfo pensando que era comida.
- Vou voltar para casa, - continuou ela - se precisar de
algo, pode me chamar.
E antes mesmo da vizinha se aproximar para me dar
o habitual beijo na testa, pude sentir o cheiro doce do seu
perfume que me
embriagou
de
náuseas galopantes
revirando-me num caminho que ia do ventre ao estômago.
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Fiquei com medo de que vomitasse ao falar, portanto,
mantive a boca bem fechada.
Na minha mente, as modelos anoréxicas apareceram
e eu relembrei àquela conversa de menininhas que grunhem
feito passarinhos assanhados, com fogo na periquita, que
acendia cada vez mais meu ódio e vontade de gorfar.
- Meu Deus, grávida?! Angélica está grávida? O que
será de nós?! Ela vai ficar gorda por causa da maldita
criança. O que faremos? Vamos parar de falar com ela
imediatamente, não podemos aceitar uma obesa andando
conosco.
- Calma Rebeca, a barriga começa a aparecer a partir
do terceiro ou quarto mês de gestação.
- Ok, em maio a gente para de falar com ela, então.
A voz da vizinha me acordara. A frase repetia em
minha mente: “ela vai ficar gorda por causa da maldita
criança”. Meu Deus, o que farei quando a minha barriga
começar a crescer?
- Eu estou bem vizinha, - reagi - obrigado pela
preocupação, minha pressão deve ter caído, só isso, vou
terminar de comer. Pode ir...
E ela saiu dando-me uma esperta piscadinha.
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- Se é assim que você quer, au revoir, mon chéri, bon
appétit.
Apesar de toda a fome, a comida não me descia mais
no estômago, e como se caísse naquele momento um
beliscão na pele, eu acordei de todos os sonhos que tive, de
tudo que se passou até aquele dia. Estava grávido! Não
estranhei aquilo como acho que deveria, mas queria uma
explicação. Eis aí uma grande pergunta: “De onde tiraria
essas explicações?” Eu não queria entregar esse segredo a
pessoas desconhecidas, nem mesmo à vizinha, que é a
pessoa mais próxima de mim. Tudo estava escuro até que
meus olhos revelaram uma ideia de onde eu poderia ir.
Nunca acreditei muito em cartomantes, mas para tudo
há sempre uma primeira vez. O manto de fumaça lilás
enrugava-se pendente no ar, como uma segunda pele ou um
tecido aromático do qual você puxa e deixa que ele forme
ondas crescentes e delicadas pairando entre o teto e o chão,
uma nata. A bola no meio da mesa mostrava o misticismo da
casa e o lugar era tão quente que me causava um pouco de
pânico. Uma carta levanta-se do baralho e a mulher com
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panos ao invés de roupas, deposita-a na mesa com suas
mãos um pouco enrugadas pela idade, e ela fez isso
consecutivamente até que dez cartas fossem expostas.
- Pense no que deseja, pense em si e as cartas farão
o resto.
O suor caía gotas abaixo da testa, minhas mãos
esfregavam-se uma na outra, inquietas, temendo o que Deus
dirá.
- O que diz aí, moça? Me diga!
Ela prendeu as mãos com correntes de aço, disse
que um espírito poderia controlar seu corpo a qualquer
momento depois de ter quebrado as barreiras do plano
espiritual e material. Ela tinha olhos azuis quase brancos,
parecia cega, mas engraçado que sabia exatamente onde as
coisas estavam e como o meu rosto era. Suas narinas
abriam e fechavam com velocidade, parecia que usava de
outros sentidos para ver, talvez, quem sabe, quando eu era
pequeno acreditava em bruxas.
- Você corre perigo, meu rapaz. Fases novas para
você e muito difíceis! Tem algo que queira me dizer?
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Senti certa malícia na voz dela. Fiquei com medo do
que poderia acontecer caso revelasse a minha gravidez,
portanto, decidi mentir.
- Ah não, nadinha.
- Tem certeza? – e ela me olhou fundo nos olhos com
aquele olhar branco que me dava medo.
- Sim. – respondi tenso.
- Bem, então está tudo bem com a sua família?
- Sim senhora.
- E com seus amigos?
- Também.
- No campo profissional?
- Também.
- Então que diabos está fazendo aqui?!
Gaguejei em dialeto e no final não saiu nenhuma
palavra inteira.
- Tem sentido enjoo? – soltou a frase friamente.
Gelei. Senti um frio na barriga, mas não consegui
mentir:
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- Sim.
- Tem tido desejos?
Sabia onde ela queria chegar. Estava me borrando,
mas ainda não consegui mentir:
- Sim.
Percebi que ela já estava ficando sem paciência e
começou a exalar um cheirinho ruim.
- Vou ser direta meu rapaz, eu não sou trouxa. Você
tem algo na barriga além de merda?
Comecei a chorar e não consegui mais omitir.
- Tenho, eu estou grávido! Grávido da minha primeira
transa. O que eu faço agora moça? Me ajuda! Eu não sei o
que pode acontecer comigo. Tenho medo de começar a
menstruar daqui nove meses.
- Calma... – disse ela super calma.
- Calma? Nossa! Calma?! Você é louca ou o que?! Eu
nem sei trocar frauda...
- Você disse louca? Eu sou uma bruxa, menino! BREU-XE-A! E não uma louca! Posso ser chamada de
cartomante, macumbeira, vagabunda, qualquer um serve,
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