Dilemas Sociocientíficos no Ensino de Química: Como um Grupo de Futuros Professores se Posicionam Diante de Questões Conflitantes? 1* Saulo F. Oliveira, 1Jefferson D. dos Santos 1- Universidade Federal de Pernambuco (Campus Agreste). Rodovia Br. 104, Km 59, Nova Caruaru. Caruaru, PE, Brasil. Cep: 55002-970. e-mail: [email protected] Resumo: Estudos têm mostrado que o currículo atual não tem atendido às necessidades da sociedade moderna, preparando os estudantes para enfrentarem os dilemas do cotidiano. Neste trabalho buscamos encontrar pistas de como os debates sociocientíficos vêm sendo internalizados pelos futuros professores de química do agreste de Pernambuco, objetivando compreender de que forma os debates sociocientíficos estão sendo inseridos no ambiente escolar. Os dados foram coletados através de questionário estruturado, que objetivou suscitar o posicionamento dos participantes diante de dilemas sociocientíficos, e discutidos à luz da abordagem argumentativa estrutural proposta por Toulmim (1958). Em consonância com outros relatos os resultados sugerem, de modo geral, que os futuros professores investigados se beneficiam de experiências de aprendizagem onde apoiam seus argumentos em práticas de raciocínio informal, apresentando estrutura argumentativa simplificada. Nossos resultados sugerem que a inserção de debates sociocientíficos mais pronunciados no ambiente acadêmico seja um dos passos a serem dados para que uma criticidade argumentativa mais proeminente seja alcançada. Palavras Chave: formação docente, dilemas sociocientíficos, argumentação. Introdução Nas últimas décadas têm crescido o número de sujeitos interventores interessados em atuar de maneira mais ativa diante dos problemas da sociedade modena. Distante de ser caracterizada como uma postura transitória, esta evolução reflete um ponto culminante relativo a um amplo acesso a informação, que contribui para que cada vez mais pessoas se envolvam em questões politicas, ambientais, científicas, sociais e tecnológicas (YOSIE; HERBST, 1998). De fato, vivemos numa era em que comumente as pessoas têm que se posicionar diante de dilemas, onde são forçadas a avaliar posições concorrentes em debates que envolvem questões políticas relativas a ciência, sociedade e meio ambiente (SADLER, 2004), onde o sujeito deve assumir uma postura baseada em evidências para desenvolver e defender sua própria posição, exercendo assim de maneira significativa sua vida cívica. Diante deste contexto, é evidente a necessidade da formação de sujeitos que possuam o caráter sociocientífico “pulsando em suas veias”, capazes de dar significado ao seu aprendizado ao compreender a teorização do seu curso numa perspectiva aplicada. Esta experiência irá contribuir para que o estudante contextualize o seu trabalho e fornece um cenário propício para que se inicie o processo de avaliação intencional dos valores e crenças inseridos numa problematica particular. Assim, não é de extranhar que o capital humano na forma de uma população altamente educada é agora aceito como um fator determinante do sucesso econômico, e nesta perspectiva a educação escolar torna-se uma das mais importantes áreas políticas de atuação governamental em todo o mundo (DONALDSON, 2010). Com efeito, no cenário educativo, para alcançar tais metas de aprendizagem, diversos autores defendem a inclusão de questões sociocientificas no debate de sala de aula, como ponto de partida para o desenvolvimento de um cidadão responsavel (TOPCU; SADLER; YILMAZ-TUZUNC, 2010; PEDRETTI; BENCZE; HEWITT; ROMKEY; JIVRAJ; 2006; DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000). As revoluções do conhecimento e da informação estão assumindo um impacto profundo sobre a escolaridade, exigindo novos currículos, práticas pedagógicas inovadoras, uma verdadeira metamorfose na organização escolar e nos padrões de relações interpessoais. A nova perspectiva de escola que emerge objetiva abalar as bases estruturais da sociedade, cooperar favoravelmente para implantação de uma educação sustentável, pautada em princípios éticos e morais. Com efeito, diante deste cenário, evidentimente não se pode segregar o futuro da educação do perfil dos futuros docentes que se formam, estes que serão os responsáveis pela implementação das ações de ensino que possibilitem a enculturação sociocientífica atravás de hábitos que ultrapasem a mera aplicação de técnicas e procedimentos (SKILBECK; CONNELL, 2004). A sociedade atual exige um novo perfil dos profissionais da educação, que sejam abertos para o dialogo, lideres que assumam o ato de ensinar como uma carreira interessante, dinâmica e que evolui com sociedade. Uma mudança de postura que talvez seja dramática, mas que é necessaria para efetivar a formação dos jovens para cidadania. Consequentemente, estudos têm mostrado que o atual currículo não tem atendido às necessidades da sociedade moderna, preparando os estudantes para enfrentarem os dilemas da sociedade (MARKS; EILKS, 2009). Fato esse principalmente atrelado a desatualização do currículo, falta de objetivos educacionais mais ousados e, sobretudo, devido a adoção de práticas pedagogicas essencialmente teoricas, ahistóricas, onde o carater dinâmico e evolutivo do conhecimento cientifico e o engajemento humano que torna possível as realização da ciência não são revelados. Corroborando com essa tendência, no contexto brasileiro, em geral, a escola reproduz o modelo de ensino tradicional, caracterizado pela visão disciplinar e analítica do aprendizado (GARCIA; KRUGER, 2009). Diante desta realidade, embora o governo brasileiro tenha se empenhado para elaborar documentos como os Parametros Curriculares Nacionais (PCNs) para orientar o trabalho docente numa perspectiva inovadora (BRASIL, 2002), os resultados alcançados ainda são modestos. No mundo existe uma extensa literatura que relata práticas de ensino eficientes para a promoção de habilidades sócio-científicas em sala de aula (HOLBROOK; RANNIKMÄE, 2007; MARKS; EILKS, 2009; SANTOS, 2002). Entretanto, mesmo havendo uma leva de documentos que apontem resultados promissores, a rotina das “escolas comuns” geralmente é bem diferente, constatando-se uma realidade lacunar entre os resultados das pesquisas publicadas e a realidade prática de escolas (DE JONG, 2005). Apesar do empreendimento, e mesmo considerando os resultados nas pesquisas que relatem avanços nas dinâmicas de sala de aula, os alunos continuam sem atribuir relevância ao ensino (HOLBROOK, 2005). Cabendo a nós questionar: qual a qualidade das discussões que estão sendo experienciadas nos debates em sala de aula? Os estudantes não estão prontos para defender suas concepções de modo cientificamente sustentado? Porque nas discussões sempre prevalece o raciocínio informal dos estudantes baseado no senso comum? Como fazer com que os discentes se afastem de sua zona de conforto e atribuam qualidade a seus monólogos? Talvez as respostas a essas questões sejam mais fundamentais. Talvez não sejam somente os discentes que estejam despreparados. Em estudo realizado por Topcu e colaboradores recentemente (TOPCU; SADLER; YILMAZTUZUNC, 2010), o autor aponta que os futuros professores de ciências, no cenário turco, se beneficiam de experiências de aprendizagem onde apoiam as suas próprias práticas baseados em raciocínios informais e insuficientes. No Brasil, Altagio e colaboradores, (ALTAGIO et al., 2009) descobriram que os professores apresentam dificuldade e são resistentes em promover o debate em sala de aula. Constatações que talvez tenham ressonância em outros cenários educativos. Com efeito, essas constatações apontam para a necessidade do abandono de práticas repetitivas anteriores em beneficio de uma nova interpretação da manipulação dos fatos, o que significa dizer uma reformulação nos currículos para formação Docente. A sociedade exige um novo perfil de professor para atuar de maneira inovadora num novo tempo. Um professor que aborde e discuta com maturidade os dilemas sociocientíficos que surgem no seio da sociedade. A tradição do trabalho com dilemas cresce além do corpo da pesquisa no campo filosófico e é um terreno fértil para investigar com os personagens do meio educativo se posicionam diante de questões sociocientíficas conflitantes, permitindo compreender as razões incrustadas nas tomadas de decisão (GREENE, 2001). Vários relatos evidenciam que a discussão de questões de caráter científico para tratar questões sociais conduz a uma formação cientifica mais responsável, contribuindo para o desenvolvimento de atitudes éticas e compreensão das questões morais (BEBEAU; PIMPLE; MUSKAVITCH; BORDEN; SMITH, 1995). Assim, a utilização de dilemas no ensino de química é uma tarefa interessante para investigar como os futuros professores tomam suas decisões diante de questões sociocientíficas conflitantes. Neste trabalho, consideramos que dilemas são problemas que oferecem possibilidades de escolha não necessariamente aceitáveis, mas que podem ser ponderadas justificadamente visando à obtenção de resultados satisfatórios. Assim, considera-se como dilema sociocientífico um problema baseado num cenário sociocientífico atípico. Neste ambiente, o sujeito toma uma decisão onde talvez queira maximizar a vantagem, sem necessariamente ponderar as consequências. Entretanto, se o jogador faz ponderações justificáveis, seu resultado pode ser melhor. Essas ponderações incluem raciocínio ético-moral e, justificativas embasadas na conexão teoria e prática. Ao experienciar esses dilemas, espera-se que o futuro docente desenvolva um grau prático de alfabetização cientifica, através da aquisição de postura cética, reconhecimento da presença de ambiguidade e das múltiplas facetas que podem existir para resolver um mesmo problema, utilização critica da informação, desenvolvimento de processos de tomada de decisão diante questões que não apresentam resolução necessariamente aceitáveis e habilidade de criar cenários alternativos para contornar uma situação vivenciada. Hoje, o ensino-aprendizado de ciências é baseado em tomadas de decisões sustentadas, capacidade de analisar, sintetizar e avaliar a informação processada em sala de aula, tentando compreender às singularidade dos sistemas complexos (NUANGCHALERM; KWUANTHONG, 2010). A construção conjunta do conhecimento , que é ao mesmo tempo pessoalmente relevantes e socialmente compartilhado, depende da exposição a casos que envolvam considerações de dados, provas e argumentação que podem estar em conflito com as concepções existentes sobre variáveis morais e éticas. Assim, o dialogar e o debater representam uma necessidade da escola contemporânea, pressupostos que devem ser abordadas com cuidado. Diante deste cenário, neste trabalho investigamos as construções cognitivas de futuros professores de química relativa ao seu posicionamento diante de questões sociocientíficas conflitantes, buscando construir um possível perfil desse profissional para que estratégias posteriores possam ser implementadas. Métodos e Caracterização dos Participantes Para abordar a questão elaborada na pesquisa, contamos com 40 alunos de graduação em licenciatura em química na UFPE/CAA. A pesquisa envolveu indivíduos do 3° ao 6° período. O grupo de estudantes considerado pode ser caracterizado como a futura geração de professores de ciências, e muitos deles, embora não tenham concluído o curso, já atuam como docentes. Os cenários dos dilemas sociocientíficos apresentados nas entrevistas foram construídos a partir de estudos publicados nos últimos cinco anos na seção Química e Sociedade da Revista Química Nova na Escola (Qnesc). Esta seção procura analisar as maneiras como o conhecimento químico pode ser utilizado pela sociedade, bem como as limitações do seu uso, em prol da solução de problemas sociais, almejando a educação para cidadania. Os artigos selecionados e apresentados na tabela 1 são estudos de temáticas exploradas no Ensino Médio, configurandose como um material pertinente para explorar o posicionamento sociocientífico dos futuros docentes. Os dilemas, apresentados a seguir, buscaram explorar a tomada de decisão dos licenciados ao se posicionarem diante das mais diversas situações. O dilema 1, buscou averiguar o posicionamento dos futuros professores ao defenderem ou não o uso da nanotecnologia. No dilema 2, uma análise crítica dos valores de consumo da sociedade moderna foram inseridos numa problemática sobre a escolha dos tênis. Nesta questão buscamos explorar quais os aspectos inseridos nas abordagens CTSA que seriam remetidos no momento da escolha do calçado. Hábitos nutricionais, consumistas e de higiene bucal se mesclaram com conceitos físico-químicos diante da preparação do dilema 3, neste cenário os licenciandos foram convocados a decidir e defender ações para conscientizar e prevenir o desenvolvimento de doenças relacionadas com o ambiente bucal. Como potencializar o desenvolvimento de sua plantação sem fazer uso de agrotóxicos nocivos ao meio ambiente? Assim, no dilema 4, os participantes deveriam argumentar e defender formas alternativas de combate as pragas. No dilema 5, os alunos vivenciaram uma situação fictícia onde deveriam apoiar, defender e divulgar as realizações ciência sem apresentar uma visão deformada ao construírem o roteiro de um filme. Tabela 1. Índice de artigos da seção Química e Sociedade da revista Qnesc. Cenários utilizados na preparação dos dilemas sociocientíficos apresentados. Título Autor(es) Ano Nanotecnologia, um tema para o ensino médio utilizando a abordagem CTSA Rebello et al. 2012 O Tênis Nosso de Cada Dia Santos e Silva 2009 Processos Físico-Químicos no Biofilme dentário Relacionados à Produção da Cárie Teixeira et al. 2010 A Química dos Agrotóxicos Braibante e Zappe 2012 A Imagem da Ciência no Cinema Cunha e Giordan 2009 Com efeito, a coleção de dilemas sociocientíficos que escolhemos buscou permitir que os futuros docentes se pronunciassem diante de questões que comumente fazem parte das discussões relacionadas à ciência e sociedade, onde o conhecimento básico é necessário para o desenvolvimento de uma postura decisiva coerente. Os cenários utilizados para extrair a argumentação dos participantes são brevemente descritos abaixo: ___________________________________________________________________________________ Nanotecnologia e sociedade: nanotecnologia é um termo abrangente e multidisciplinar que envolver a manipulação de objetos em escala nanométrica (10-9 m). Enquanto alguns estudos sinalizam a criação de materiais resistentes, menos pesados, máquinas futuristas e impactos positivos na medicina, outros alertam que a utilização dessa tecnologia sem as devidas precauções pode oferecer sérios riscos ao meio ambiente e aos organismos vivos. Você apoiaria o desenvolvimento da nanotecnologia diante da sociedade? Tênis e consumismo: o tênis é um objeto de consumo muito popular entre jovens e adultos. Geralmente é composto por várias partes de diferentes materiais, divididos em solado, corpo, contracorpo (reforço do calcanhar), bico e acabamento. Embora a qualidade e durabilidade sejam características que deveriam ser levadas em conta na hora da escolha do item, geralmente os consumidores tomam suas decisões embasados naquilo que é recomendado pela mídia. Assim, se você tivesse a missão de escolher os calçados dos seus futuros alunos, quais os pré-requisitos que levaria em conta? Biofilme dental e desenvolvimento da cárie: a placa dental, também conhecida como biofilme bacteriano, pode ser definida como uma comunidade cooperativa e bem organizada de células bacterianas aderidas à superfície úmida e aglomerada por matriz de polissacarídeos. Admite-se que o desenvolvimento da cárie dentária guarda estreita relação com a presença dos biofilmes e é uma das principais doenças da boca. Como tratamento para essa patologia ressaltasse o acompanhamento pelos profissionais da área para indicação de agentes químicos para inibir o processo que leva o desenvolvimento da doença. Entretanto, o sucesso do tratamento/prevenção se baseia em medidas preventivas amplas enfatizando a adoção de hábitos saudáveis que incluem higiene bucal, controle da dieta, frequência das refeições e controle da ingestão de carboidratos. Sendo assim, como químico(a), quais ações você poderia implantar em sua comunidade para conscientizar/prevenir/tratar o surgimento do biofilme e cárie dentária? Química dos agrotóxicos: agrotóxicos são grupos de substâncias químicas utilizadas no controle de pragas e doenças de plantas. O desenvolvimento dessas substâncias foi impulsionado pelo anseio do homem em melhorar sua condição de vida, procurando aumentar à produção dos alimentos através do combate as pragas, como insetos e percevejos, que assolam suas plantações. Entretanto, a crescente utilização desses defensivos agrícolas na produção de alimentos tem trazido uma serie de transtornos e modificações no ambiente, como contaminação dos seres vivos e acumulo nos segmentos bióticos e abióticos dos ecossistemas. Sendo assim, se você fosse um(a) agricultor e resolvesse tomar uma atitude para combater as pragas que assolam sua plantação que medidas iria tomar? Ciência e cinema: o cinema poder ser entendido como a reprodução de imagens em movimento. Admite-se que filmes possam estimar a reflexão, realçar ou intensificar alguns aspectos da opinião pública sobre determinado assunto ou tema, inserindo novas ideias, levando a reconstrução de conceitos através da modificação das concepções. Muitos pesquisadores utilizam as imagens do cinema para apresentar e discutir ideias científicas, muitas vezes utilizando a chamada “ficção cientifica”. Sendo assim, imagine que você é um diretor cinematográfico com a missão de elaborar um filme de ficção cientifica sobre a radiatividade (ou outro tema de sua escolha), como você iria construir o roteiro desse filme sem apresentar uma imagem deformada da ciência? Coleta e Análise dos Dados Os dados foram coletados através de questionário estruturadas destinadas a suscitar argumentação como um meio de explorar as evidencias do raciocínio informal subjacente. Todas as entrevistas foram conduzidas individualmente e os sujeitos da pesquisa foram convidados a participar por meio de redes sociais. Os questionários foram encaminhadas por correio eletrônico (e-mail), sendo informado que a participação na pesquisa seria voluntária, e os dados coletados seriam mantidos em sigilo, sendo utilizados apenas para fins acadêmicos e que quaisquer dúvidas poderiam ser esclarecidas prontamente. O questionário apresentou cada cenário e os participantes foram desafiados a adotar uma posição para contornar o dilema proposto. Antes das questões serem encaminhadas para os participantes, um questionário piloto foi elaborado e aplicado com 5 estudantes de licenciatura em química matriculados em outra instituição que não fez parte do estudo. As perguntas mostraram-se claras e compreensíveis. Então, a versão final do questionário foi encaminhada para os participantes, sendo estabelecido um prazo de uma semana para sua resolução, estando os participantes livres para pesquisar em fontes bibliográficas. Em consonância com diversas pesquisas que tratam da qualidade da argumentação no ambiente educacional (DRIVER; NEWTON; OSBONE, 2002; TOPUC et al., 2010) utilizamos a abordagem estrutural de Toulmim (1958) para analisar os dados. Naturalmente, reconhecendo as limitações dessa abordagem, as modificações necessárias para atender as necessidades do estudo foram efetuadas. Doravante, é apresentado no quadro 1 esquema que sintetiza a estrutura argumentativa considerada eficiente para apresentação de um argumento de qualidade. Com efeito, proposição anexadas as vertentes estruturais são descritas como complemento: Quadro 1. 1. Identificar a problemática moral e ética envolvida 2. Relacionar conhecimentos acadêmicos ao problema 5. Oferecer uma resolução para questão apresentada Dados e Pressupostos 3. Conclusão Justificativa Simples Cenário Alternativo 6. Considerar outros cenários que defendem conclusões diferentes Considerações 4. Especificar condições para que a justificativa seja válida, identificando e relacionando as consequências morais de seu posicionamento Baseados na estrutura dos argumentos assim como na frequência e combinação das proposições numeradas no quadro acima, foi desenvolvido um modelo para quantificar os argumentos apresentados em níveis de complexidade. Dessa forma, se o aluno oferece uma resolução e apresenta uma justificativa sua resposta é considerada pertence ao nível “D”; por outro lado, se não apenas resolve o dilema justificadamente mais também relaciona conhecimentos acadêmicos ao problema e/ou identifica a problemática moral e ética envolvida a resposta é considerada pertencente ao nível “C”; se, além disso, o futuro docente especifica as condições em que sua justificativa é valida sua resolução assume um patamar de nível “B”; entretanto, quando cenários alternativos são apresentados na resolução do dilema, através da integração de diferentes argumentos, por meio de pensamentos mais sofisticados, a resolução é considera de nível “A”. Por outro lado, se o aluno apresenta uma resposta isolada ela foi considerada por nossa analise como insuficiente e não se enquadrou em nenhum dos níveis propostos. Os documentos coletados foram analisados dialogicamente pelos autores desse trabalho, de maneira independente, no sentido de atribuir imparcialidade as constatações. Naturalmente, emergiram algumas divergências oriundas de pequenas diferenças interpretativas que foram prontamente negociadas. O quê e como pensam os futuros professores? Quando nos confrontamos com um dilema naturalmente podemos não ter a certeza do que é certo e do que é errado. Nisto, o bom senso recomenda que o posicionamento deva ser efetuado com cautela, analisando as consequências de todas as decisões possíveis, quem serão os beneficiados e quais os danos que estão em jogo. Entretanto, a realização de tal analise não é uma tarefa necessariamente trivial, requer a aproximação a uma zona de desconforto, contrário aos anseios do senso comum que prioriza as generalizações fáceis. A compreensão dos estudantes sobre a natureza da ciência está sendo enfatizado como um importante objetivo educacional em todo o mundo. Esse entendimento pode ser considerado como um aspecto crucial e significativo para alfabetização científica. Supõe-se que a compreensão da natureza da ciência vai permitir que os alunos (e o público em geral) sejam consumidores mais conscientes, capacitados a tomar decisões mais informadas quando dados científicos estiverem envolvidos. A análise das entrevistas dos futuros professores deste estudo indicou, de maneira geral, que a abordagem apresentada relativa às questões sociocientíficas é baseada em raciocínios informais e não embasados em conhecimentos devidamente aceitos pela comunidade científica. A fixação em raciocínios de senso comum, tomadas de decisões precipitadas, generalização das ideias primeiras e apresentação de respostas contundentes e contraditórias revelou uma tradição distante de uma sociedade que possa ser julgada como acadêmica e portadora de um pensamento cientificamente embasado em fatos consistentes. Na abordagem do dilema, “Nanotecnologia e sociedade”, 47,36% dos licenciados apresentaram respostas estruturadas com 2 argumentos (nível D), a conclusão e a justificativa. Nesta questão o participante deveria reconhecer as vantagens e os limites do uso da nanotecnologia. Esperava-se que os acadêmicos levassem em consideração, sobretudo, aspectos éticos e morais para defender sua posição, de maneira a não violar os direitos humanos ou causar danos ambientais. Todos os participantes apoiaram o uso da nanotecnologia, entretanto apenas 23,68% apresentaram, além de 2 argumentos básicos (conclusão e justificativa por, exemplo), conhecimentos embasados em fatos aceitos pela comunidade científica (nível C). 15,76% declararam as condições em que sua justificativa seria valida e/ou apresentaram aspectos morais e éticos inseridos na problemática (nível B). Somente 7,89% dos futuros professores atenderam as expectativas, apresentado argumentos considerados completos, onde praticamente todas as proposições anexadas as vertentes estruturas estavam presentes (nível A). 7,7,89% dos participantes apresentaram apenas um argumento vago e sua resolução foi desconsiderada. É apresentado abaixo um posicionamento de um participante desta pesquisa referente a esse dilema, a identidade do graduando será mantida em sigilo. Licenciando 18. “Sim, todo avanço Científico é válido, desde que utilizado de modo seguro, e com as devidas precauções, pois os erros gerados por essas tecnologias pode não ser reversível, é importante também que as tecnologias sejam aliadas ao trabalho humano e não venha substitui-lo, pois é importante ter o controle sobre a tecnologia, e não ser controlado por ela”. A análise deste posicionamento revela que de fato o graduando apoia o uso da nanotecnologia e apresenta uma justificativa considerável. Entretanto, percebe-se um apoio excessivo nas concepções previas e de senso comum. Embora algumas ponderações estejam presentes na estrutura argumentativa, nenhum dado científico é apresentado. Este posicionamento evidência uma abordagem superficial da questão em todos os seus aspectos e a resposta apresentada foi considerada como pertencente ao nível “D”. No dilema “Tênis e consumismo”, esperávamos que os futuros professores realizassem uma pesquisa básica sobre algumas informações relacionadas com a fabricação dos tênis e considerassem em suas resoluções os aspectos ambientais inseridos na temática, a escolha consciente das matérias primas, assim como a importância da escolha consciente do calçado para a saúde. 52,62% dos participantes consideraram apenas os dois argumentos principais em sua resolução, ou seja, se posicionaram e justificaram brevemente (nível D). 10,52% dos participantes, além de concluir e defender sua concepção, de algum modo inseriu conhecimentos acadêmicos a sua discussão (nível C) e 5,26% foi capaz de embasar de modo mais concreto sua justificativa ou apresentar as condições de sua validez (B). Não ouve alunos que apresentassem uma estrutura argumentativa completa para essa questão e aproximadamente 30% dos futuros docentes apresentou apenas um argumento em sua resolução, confirmando a prevalência de posicionamentos desestruturados e ingênuos. É apresentada abaixa a resolução do participante 4. Licenciando 4. “Qualidade, tipo de material (de preferência reciclado) e aparência”. Neste posicionamento concluímos que o aluno de fato responde a pergunta efetuada, porém não se baseiam em nenhum dado ou justificam suas escolhas. Assim, a resposta desde aluno foi desconsiderada por que não atendeu aos requisitos básicos para se enquadrar em nossa categorização, que seria apresentar no mínimo conclusão/resposta e justificativa. No dilema “Biofilme dental e desenvolvimento da cárie” os alunos apresentaram os melhores índices. 55,26% dos estudantes foram felizes em suas resoluções ao articularem 4 argumentos (nível B), ao relacionar o conhecimento acadêmico ao dilema, assumir postura e justificar, além de propor estratégias de intervenção viáveis. O “dilema química dos agrotóxicos” apresentou resultado curioso, pois obtivem os melhores índices os alunos que estavam cursando a disciplina de Ecologia Química. Entretanto a grande maioria dos outros discentes apresentaram baixo nível argumentativo. 68,42% apresentaram argumento categorizado como do nível C. Apenas 1 aluno atingiu o nível mais elevado, 2,63%. No dilema “Ciência e Cinema”, a postura assumida foi considerada modesta. 52,63% conjugaram 3 argumentos em sua resolução, alcançando o nível C. Chamou a atenção o fato de diversos alunos sugerirem que o filme deva apresentar aspectos positivos e negativos da ciência, a realidade distanciada da ficção, para que os espectadores, baseados na veracidade cientifica, fizessem suas consideração a respeito do papel da ciência. É digno de nota a resposta apresentada pelo licenciando 34: “Criaria um roteiro que representasse a verdade sobre o tema, tanto com os pontos positivos quanto negativos que o tema poderia trazer sem fazer fantasias como é comum vermos nos filmes uma visão “fantasiosa” de ciência . Para que a partir do real as pessoas pudessem emitir suas opiniões sobre o tema em questão”. Considerações Finais O levantamento do posicionamento dos futuros professores diante de questões sociocientíficas foi investigado neste trabalho através da avaliação da qualidade argumentativa apresentada. Embora nossas constatações não apresentem detalhes da heurística da tomada de decisão sob o enfoque da psicologia cognitiva, colhemos evidências suficientes que indicam, de modo geral, que os futuros docentes apresentam déficit argumentativo, pois tomam decisões baseadas no senso comum, intuitivo, sem devido diálogo conceitual, de modo arbitrário, fazendo suas escolhas baseados numa predisposição pessoal. De fato, constatamos que os futuros professores apresentaram escores mais elevados quando vivências sociocientíficas anteriores foram experimentadas, como no caso daqueles que haviam cursado a disciplina de Ecologia Química, sendo capazes de arguir sobre o uso consciente de inseticidas naturais, por exemplo. Esse resultado sugere que a contextualização e inserção da história da construção conceitual possam envolver mais profundamente os estudantes rumo a compreensão das incertezas e relações que ocorrem em sistemas complexos de convivência e atuação social, contribuindo para que alguns passos rumo à educação que prioriza o futuro sustentável sejam dados. A concepção de ensinar e aprender para o futuro sustentável está enraízada em uma nova visão da educação, uma visão que ajuda os alunos a compreender melhor o mundo em que vivem, abordando a complexidade e interconexão de problemas como pobreza, desperdício e consumo, degradação ambiental, decadência urbana, crescimento populacional, saúde, conflito e a violação dos direitos humanos que ameaçam o nosso futuro (UNESCO, 2002). Ensinar e aprender para um futuro sustentável significa formar os futuros professores para que planejarem experiências de aprendizagem que capacitem seus alunos a desenvolver e avaliar alternativas visões do futuro, trabalhando criativamente e cooperativamente com os outros, respeitando e defendendo as opiniões em vigor. Contudo, dificilmente esses objetivos serão alcançados e promovidos por professores incapazes de desenvolver um raciocínio lógico, sistemático, que fogem das discussões acadêmicas e que temem se posicionar diante de dilemas cotidianos. Esperamos que através desse relato novas discussões a respeito da formação para o ensino de química, assim como seus objetivos, sejam despertadas. Referências Bibliográficas ALTAGIO, M. H.; DINIZ, M. L.; LOCATELLI, S. W. O Debate como Estrategia em Aulas de Química. Química Nova na Escola, Vol. 32, n. 1, 2010. BEBEAU, M. J.; PIMPLE, K. D.; MUSKAVITCH, K. M. T.; BORDEN, S. L.; SMITH, D. H. 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