Luz e sombra (s)em Vinícius de Moraes Para Danilo Lôbo, não imortal, posto que chama, em tão curta e intensa fração de tempo, infinita, dedico. Há um mês, pesquisando o que haveria sob o nome de Vinicius de Moraes, encontrei cerca de 299.000 páginas em português, além das mais as 66.800 páginas em inglês, só na Internet. Cheguei à imediata conclusão de que, atualmente, é impossível rastrear a recepção desse poeta do Modernismo brasileiro, sem que haja tempo razoável para a investigação e para a exposição dos resultados da pesquisa. Assim, houve a imperiosa necessidade de redimensionar o trabalho anteriormente proposto para a apresentar na mesa de abertura deste Oitavo Congresso Internacional de Humanidades Palavra e cultura na América Latina: heranças e desafios. E, mediante a necessidade de tal redução e com o intuito de dar continuidade à temática já explorada pelos companheiros de mesa, tecerei breves considerações a respeito das representações de felicidade com que Vinicius de Morais iluminou a vida de gerações brasileiros, ilustrando com imagens e canções minha fala, de modo a evidenciar a subida honra que me invade pela indicação de meu nome para estar aqui, ao lado de tão eminentes representantes da Universidade Metropolitana do Chile. “Ele ensinou o brasileiro a ser feliz” registrou o jornal Estado de S. Paulo, em 17/09/2005, em uma explícita homenagem aos vinte e cinco anos de falecimento do Poeta. É de Ferreira Gullar a frase. “Ele ensinou o povo brasileiro a ser feliz”, ao constatar que, segundo Vinicius, o papel do poeta é espalhar pelos ouvintes o bem em lugar do mal; e ficar alegre em vez de triste com o bem que aconteça aos recebedores de poemas e de nações. Efetivamente, a procura pelas formas de que Vinicius se utilizou para disseminar felicidade entre os brasileiros é a lente com que voltamos nosso olhar à produção literária e musical de Vinicius de Moraes. AQUARELA Composição: Toquinho/ Vinicius de Moraes Numa folha qualquer Eu desenho um sol amarelo E com cinco ou seis retas É fácil fazer um castelo Com o lápis em torno da mão Eu me dou uma luva E se faço chover Com dois riscos tenho um guarda-chuva Se um pinguinho de tinta Cai num pedacinho azul do papel Num instante imagino Uma linda gaivota a voar no céu Vai voando Contornando a imensa curva norte-sul Vou com ela Viajando, Havaí, Pequim ou Istambul Pinto um barco a vela branco, navegando É tanto céu e mar num beijo azul Entre as nuvens Vem surgindo um lindo avião rosa e grená Tudo em volta colorindo Com suas luzes a piscar Basta imaginar e ele está partindo Sereno, indo E se a gente quiser Ele vai pousar Numa folha qualquer Eu desenho um navio de partida Com alguns bons amigos Bebendo de bem com a vida De uma América a outra Eu consigo passar num segundo Giro um simples compasso E num círculo eu faço o mundo Um menino caminha E caminhando chega no muro E ali logo em frente A esperar pela gente o futuro está E o futuro É uma astronave que tentamos pilotar Não tem tempo nem piedade Nem tem hora de chegar Sem pedir licença, muda a nossa vida E depois convida a rir ou chorar Nessa estrada não nos cabe Conhecer ou ver o que virá O fim dela Ninguém sabe bem ao certo Onde vai dar Vamos todos numa linda passarela De uma aquarela que um dia enfim, Descolorirá Num tempo em que as crianças eram embaladas por canções de ninar aterrorizantes, tais quais: Boi, boi, boi / boi da cara preta / pega este menino / que tem medo de careta ou mesmo Dorme nenen / que a cuca vem pegar / papai foi pro campo / mamãe foi trabalhar em que nas crianças era semeada, desde as primeiras horas, as sensações de abandono, insegurança e solidão, Vinícius muda o paradigma e oferece à imaginação infantil textos como A CASA Composição: Vinicius de Moraes Era uma casa muito engraçada não tinha teto não tinha nada ninguém podia entrar nela não porque na casa não tinha chão ninguém podia dormir na rede porque na casa não tinha parede ninguém podia fazer xixi porque pinico não tinha ali Mas era feita com muito esmero na rua dos bobos número zero Mas era feita com muito esmero na rua dos bobos número zero As primeiras histórias que os adultos desde tempos remotos contam às crianças, baseadas nos mitos ancestrais, com o intuito de formar-lhes e sedimentar-lhes valores sociais e temor a Deus, agora são relatadas de forma também diferente, resgatando o lado bonito por meio de imagens sensoriais, predominantemente visuais, como é o que se evidencia em A Arca de Noé Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho / Ernst Nahle Sete em cores, de repente O arco-íris se desata Na água límpida e contente Do ribeirinho da mata O sol, ao véu transparente Da chuva de ouro e de prata Resplandece resplendente No céu, no chão, na cascata E abre-se a porta da arca Lentamente surgem francas A alegria e as barbas brancas Do prudente patriarca Vendo ao longe aquela serra E as planícies tão verdinhas Diz Noé: que boa terra Pra plantar as minhas vinhas Ora vai, na porta aberta De repente, vacilante Surge lenta, longa e incerta Uma tromba de elefante E de dentro de um buraco De uma janela aparece Uma cara de macaco Que espia e desaparece "Os bosques são todos meus!" Ruge soberbo o leão "Também sou filho de Deus!" Um protesta, e o tigre - "Não" A arca desconjuntada Parece que vai ruir Entre os pulos da bicharada Toda querendo sair Afinal com muito custo Indo em fila, aos casais Uns com raiva, outros com susto Vão saindo os animais Os maiores vêm à frente Trazendo a cabeça erguida E os fracos, humildemente Vêm atrás, como na vida Longe o arco-íris se esvai E desde que houve essa história Quando o véu da noite cai Erguem-se os astros em glória Enchem o céu de seus caprichos Em meio à noite calada Ouve-se a fala dos bichos Na terra repovoada A preocupação com o universo infantil não termina com as histórias para crianças e cantigas de ninar. Também surgem textos para adultos, embrulhados em fino humor e leve irreverência, com o tema do mundo infantil. O respeito para com os pequenos, suas artes e artimanhas, suas peculiaridades comportamentais, a falta que eles nos fazem estão em e são o tema de POEMA ENJOADINHO Composição: Vinicius de Moraes Filhos... Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos Como sabê-los? Se não os temos Que de consulta Quanto silêncio Como os queremos! Banho de mar Diz que é um porrete... Cônjuge voa Transpõe o espaço Engole água Fica salgada Se iodifica Depois, que boa Que morenaço Que a esposa fica! Resultado: filho. E então começa A aporrinhação: Cocô está branco Cocô está preto Bebe amoníaco Comeu botão. Filhos? Filhos Melhor não tê-los Noites de insônia Cãs prematuras Prantos convulsos Meu Deus, salvai-o! Filhos são o demo Melhor não tê-los... Mas se não os temos Como sabê-los? Como saber Que macieza Nos seus cabelos Que cheiro morno Na sua carne Que gosto doce Na sua boca! Chupam gilete Bebem xampu Ateiam fogo No quarteirão Porém, que coisa Que coisa louca Que coisa linda Que os filhos são! A visão da criança aos olhos do adulto recebe a contrapartida na percepção infantil do mundo dos “grandes”. Isso acontece em vários textos, dos quis selecionamos o a seguir em que, com analogia a uma formiguinha (em relação ao tamanho) Vinícius capta a pureza e a ingenuidade dessa visão de mundo. A FORMIGA Composição: Vinicius de Moraes / Paulo Soledade As coisas devem ser bem grandes Pra formiga pequenina A rosa, um lindo palácio E o espinho, uma espada fina A gota d água, um manso lago O pingo de chuva, um mar Onde um pauzinho boiando É navio a navegar O bico de pão, o corcovado O grilo, um rinoceronte Uns grãos de sal derramados, Ovelhinhas pelo monte Esse sentimento de urgência da necessidade de espalhar o belo e, com ele, enfeitar os dias das pessoas é constante na poética de Vinícius. Os poemas musicados trazem também a mesma preocupação, pois a certeza de que o papel do poeta é espalhar pelos ouvintes o bem em lugar do mal; e ficar alegre em vez de triste com o bem que aconteça aos recebedores de poemas e de nações é constante (as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental) no grande poetinha. RANCHO DAS FLORES Composição: Vinícius de Moraes Entre as prendas com que a natureza Alegrou este mundo onde há tanta tristeza A beleza das flores realça em primeiro lugar É um milagre do aroma florido Mais lindo que todas as graças do céu E até mesmo do mar Olhem bem para a rosa Não há mais formosa É flor dos amantes É rosa-mulher Que em perfume e em nobreza Vem antes do cravo E do lírio e da hortência E da dália e do bom crisântemo E até mesmo do puro e gentil malmequer E reparem no cravo o escravo da rosa Que é flor mais cheirosa De enfeite sutil E no lírio que causa o delírio da rosa O martírio da alma da rosa Que é a flor mais vaidosa e mais prosa Entre as flores do nosso Brasil Abram alas pra dália garbosa Da cor mais vistosa Do grande jardim da existência das flores Tão cheias de cores gentis E também para a hortência inocente A flor mais contente No azul do seu corpo macio e feliz Satisfeita da vida Vem a margarida Que é a flor preferida dos que tem paixão E agora é a vez da papoula vermelha A que dá tanto mel pras abelhas E alegra este mundo tão triste No amor que é o meu coração E agora que temos o bom crisântemo Seu nome cantemos em verso e em prosa Porém que não tem a beleza da rosa Que uma rosa não é só uma flor Uma rosa é uma rosa, é uma rosa É a mulher recendendo de amor Por muitos, Vinícius foi considerado o “poetinha das moças”, em uma analogia pejorativa aos “livros para moças” de M. Delly, que circularam na metade do século XX. Todavia, em verdade, na obra de Vinícius, assim como na de Delly, o romance é hegemônico ao erotismo, a paz à violência, o prazer à revolta. Mesmo que a recepção (de Delly e de Vinícius) não lhes tenha sido favorável pela crítica especializada, eles fizeram dessa visão de mundo o ideal poético, embora soubessem, também, mostrar a outra face, o lado podre da realidade. O POETA E A ROSA (E com direito a passarinho) Composição: Vinicius de Moraes Ao ver uma rosa branca O poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza Como ninguém nunca ainda! Qual não é sua surpresa Ao ver, à sua oração A rosa branca ir ficando Rubra de indignação. É que a rosa, além de branca (Diga-se isso a bem da rosa...) Era da espécie mais franca E da seiva mais raivosa. – Que foi? – balbucia o poeta E a rosa; – Calhorda que és! Pára de olhar para cima! Mira o que tens a teus pés! E o poeta vê uma criança Suja, esquálida, andrajosa Comendo um torrão da terra Que dera existência à rosa. – São milhões! – a rosa berra Milhões a morrer de fome E tu, na tua vaidade Querendo usar do meu nome!... E num acesso de ira Arranca as pétalas, lança-as Fora, como a dar comida A todas essas crianças. O poeta baixa a cabeça. – É aqui que a rosa respira... Geme o vento. Morre a rosa. E um passarinho que ouvira Quietinho toda a disputa Tira do galho uma reta E ainda faz um cocozinho Na cabeça do poeta. Conforme observou Ferreira Gullar com precisão, “Marcus Vinicius de Mello Moraes trouxe no sangue a vocação para os dós e sustenidos e também para a poesia, herança dos dois lados da família. Aos poucos, confirmou Gullar, ele foi virando Vinicius, só Vinicius, o brasileiro. Mais até que os outros, pois virou compositor popular, tal qual seu maior cúmplice musical: Tom. Em uma das estrofes, um anseio duradouro: e se a poesia, em vez de triste, fosse alegre? Alegre, aqui e ali, ela acabaria ficando. E o poeta, também, ainda que acreditando que “a própria felicidade é dolorosa”. Vinicius sofreu um bocado, angustiou-se à beça, mesmo depois de despertado para a alegria, o pecado sem culpa, a boemia, a esbórnia, os sambistas do morro, dos subúrbios e do bas-fond, as prostitutas da Lapa e do Mangue, as “pobres flores gonocócicas”, as “dálias cortadas ao pé, corolas descoloridas, enclausuradas sem pé”. Vinicius cantou a mulher, as mulheres, de todas as classes sociais. Representou-as em seus variados papéis, destacando, com bom humor, a beleza essencial a cada uma delas. A FELICIDADE Composição: Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a gota De orvalho numa pétala de flor Brilha tranqüila Depois de leve oscila E cai como uma lágrima de amor A felicidade do pobre parece A grande ilusão do carnaval A gente trabalha o ano inteiro Por um momento de sonho Pra fazer a fantasia De rei ou de pirata ou jardineira Pra tudo se acabar na quarta-feira Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a pluma Que o vento vai levando pelo ar Voa tão leve Mas tem a vida breve Precisa que haja vento sem parar A minha felicidade está sonhando Nos olhos da minha namorada É como esta noite, passando, passando Em busca da madrugada Falem baixo, por favor Pra que ela acorde alegre com o dia Oferecendo beijos de amor A felicidade é uma coisa boa E tão delicada também Tem flores e amores De todas as cores Tem ninhos de passarinhos Tudo de bom ela tem E é por ela ser assim tão delicada Que eu trato dela sempre muito bem Na música popular brasileira, Vinícius uniu inteligência e sensibilidade. É interessante notar que a sensualidade, componente básico da MPB, fica implícita ao texto, como atributo presente, porém não mencionado, ou, quando feito, mascarado como carinho. Como dizia Vinícius, “Formosa, não faz assim, carinho não é ruim, mulher que nega não sabe não, tem uma fibra de menos no seu coração.” Em sua crônica “Limão e limonada”, Vinícius registrou: “Aprendi que não adianta brigar com problemas. É preciso enfrentá-los para não ser destruído por eles, resolvendo-os. E rapidamente, de maneira certa ou errada. Problemas são como bebês, só crescem se forem alimentados. Muitos deles resolvem-se por si mesmos. Mas quando você os soluciona de forma inadequada eles voltam, dão-lhe uma rasteira e, aí sim, você os anula corretamente. A felicidade, pontuou Michael Jansen, não é a ausência de problemas. A ausência de problemas é o tédio. A felicidade são grandes problemas bem administrados. Aprendi a combater as doenças. As do corpo e as da mente. Percebê-las, identificá-las, respeitá-las e aniquilá-las. Muitas decorrem não do que nos falta, mas do mal uso que fazemos do que temos. E a velocidade é tudo neste combate. Agir rápido é a palavra de ordem. Melhor do que ser preventivo é ser preditivo. Aprendi a aceitar a tristeza. Não o ano todo, mas apenas um dia, à luz dos ensinamentos de Victor Hugo. O poeta dizia que “tristeza não tem fim, felicidade sim”. Porém, discordo. Penso que os dois são finitos. E cíclicos. O segredo é contemplar as pequenas alegrias ao invés de aguardar a grande felicidade. Uma alegria destrói cem tristezas...” O Que É Que Tem Sentido Nesta Vida Composição: Vinicius de Moraes / Edu Lobo O que é que tem sentido nesta vida Não vai ser casa e comida Cama fofa, cobertor Não vai ser ficar mirando os astros Ou então andar de rastros Pelas sendas do senhor Para muitos é o dinheiro Ir de janeiro a janeiro De pé no acelerador Eu sinceramente, preferia Uma vida de poesia Na vigília de um amor Há quem creia em ter status Sair em fotos & fatos Ter ações ao portador Eu só acredito em liberdade E estar sempre com saudade De viver um grande amor O que tanto angustiava o poeta? “Ele precisava do precipício da paixão”, diagnosticou sua eterna amiga, Tônia Carrero. “Era o amor que alimentava sua poesia.” Toquinho confirmou: “A grande angústia dele era saber que jamais encontraria a mulher de sua vida.” Tentou muitas, casou-se com nove. Paradoxalmente, não conseguia ser infiel. Enquanto duravam, incandescentes, suas relações, além de infinitas, eram monogâmicas. A primeira esposa, Tati, talvez sua maior paixão foi, com certeza, a que mais profundamente o marcou. APELO Vinicius de Moraes Ah, meu amor não vai embora Vê a vida como chora, vê que triste esta canção Não, eu te peço não te ausentes Pois a dor que agora sentes, só se esquece no perdão Ah, minha amada me perdoa Pois embora ainda te doa a tristeza que causei Eu te suplico não destruas tantas coisas que são tuas Por um mal que eu já paguei Ah, meu amado se soubesses A tristeza que há nas preces Que a chorar te faço eu Se tu soubesses num momento todo arrependimento Como tudo entristeceu Se tu soubesses como é triste Eu saber que tu partiste Sem sequer dizer adeus Ah, meu amor tu voltarias E de novo cairias A chorar nos braços meus (Texto falado por Vinícius de Moraes): De repente do riso fez-se o pranto silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma e das mãos espalmadas fez-se o espanto De repente da calma fez-se o vento que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento, do momento imóvel fez-se o drama De repente não mais que de repente fez-se de triste o que se fez amante e de sozinho que se fez contente. Fez-se do amigo próximo, o distante; fez-se da vida uma aventura errante ... De repente não mais que de repente ... Todas essas práxis literárias se encadeiam na tela de forma harmoniosa e engenhosa: assunto puxando versos e canções, canções ligando depoimentos, por intermédios de motes que não abusam da sutileza nem do esotérico - uma ciranda bio-gráfica-musical. Em outra crônica, “a transfiguração pela poesia”, o Poeta afirmou: “Creio firmemente que o confinamento em si mesmo, imposto a toda uma legião de criaturas pela guerra, é dinamite se acumulando no subsolo das almas para as explosões da paz. No seio mesmo da tragédia sinto o fermento da meditação crescer. Não tenho dúvida de que poderosos artistas surgirão das ruínas ainda não reconstruídas do mundo para cantar e contar a beleza e reconstruí-lo livre. Pois na luta onde todos foram soldados - a minoria nos campos de batalha, a maioria nas solidões do próprio eu, lutando a favor da liberdade e contra ela, a favor da vida e contra ela - os sobreviventes, de corpo e espírito, e os que aguardaram em lágrimas a sua chegada imprevisível, hão de se estreitar num abraço tão apertado que nem a morte os poderá separar. E o pranto que chorarem juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal-entendido.” AUSÊNCIA Composição: Vinicius de Moraes / Marília Medalha Deixa secar no meu rosto Esse pranto de amor que a presença desatou Deixa passar o desgosto Esse gosto da ausência que me restou Eu tinha feito da saudade A minha amiga mais constante E ela a cada instante Me pedia pra esperar E foi tudo o que eu fiz, te esperei tanto Tão sozinha no meu canto Tendo apenas o meu canto pra cantar Por isso deixa que o meu pensamento Ainda lembre um momento a saudade que eu vivi A tua imagem fiel Que hoje volta ao meu lado E que eu sinto que perdi Ainda é do texto “A transfiguração pela poesia” o seguinte entrecho: “Só a poesia pode salvar o mundo de amanhã. E como que é possível senti-la fervilhando em larvas numa terra prenhe de cadáveres. Em quantos jovens corações, neste momento mesmo, já não terá vibrado o pasmo da sua obscura presença? Em quantos rostos não se terá ela plantado, amarga, incerta esperança de sobrevivência? Em quantas duras almas já não terá filtrado a sua claridade indecisa?” COMO DIZIA O POETA Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho Quem já passou Por esta vida e não viveu Pode ser mais, mas sabe menos do que eu Porque a vida só se dá Pra quem se deu Pra quem amou, pra quem chorou Pra quem sofreu, ai Quem nunca curtiu uma paixão Nunca vai ter nada, não Não há mal pior Do que a descrença Mesmo o amor que não compensa É melhor que a solidão Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair Pra que somar se a gente pode dividir? Eu francamente já não quero nem saber De quem não vai porque tem medo de sofrer Ai de quem não rasga o coração Esse não vai ter perdão Sofre ainda o mundo de tirania e de opressão, da riqueza de alguns para a miséria de muitos, da arrogância de certos para a humilhação de quase todos. Sofre o mundo da transformação dos pés em borracha, das pernas em couro, do corpo em pano e da cabeça em aço. Sofre o mundo da transformação das mãos em instrumentos de castigo e em símbolos de força. Sofre o mundo da transformação da pá em fuzil, do arado em tanque de guerra, da imagem do semeador que semeia na do autômato com seu lança-chamas, de cuja sementeira brotam solidões. Mas na criança, nos jovens, nos estudantes, no “valoroso Brasil de hoje que construirá o amanhã” ficam depositadas as esperanças do Poeta: HINO DA UNE Composição: Vinicius de Moraes / Carlos Lyra União Nacional dos Estudantes Mocidade brasileira Nosso hino é nossa bandeira De pé a jovem guarda A classe estudantil Sempre na vanguarda Trabalha pelo Brasil A nossa mensagem de coragem É que traz um canto de esperança Num Brasil em paz A UNE reúne futuro e tradição A UNE, a UNE, a UNE é união A UNE, a UNE, a UNE somos nós A UNE, a UNE, a UNE é nossa voz Tempo feliz Vinicius de Moraes Composição: Vinicius de Moraes / Baden Powell Feliz o tempo que passou, passou Tempo tão cheio de recordações Tantas canções ele deixou, deixou Trazendo paz a tantos corações Que sons mais lindos tinha pelo ar Que alegria de viver Ah, meu amor, que tristeza me dá Vendo o dia querendo amanhecer E ninguém cantar Mas, meu bem Deixa estar, tempo vai Tempo vem E quando um dia esse tempo voltar Eu nem quero pensar no que vai ser Até o sol raiar São palavras de Vinícius: “A esse mundo, só a poesia poderá salvar, e a humildade diante da sua voz. Parece tão vago, tão gratuito, e no entanto eu o sinto de maneira tão fatal! Não se trata de desencantá-la, porque creio na sua aparição espontânea, inevitável. Surgirá de vozes jovens fazendo ciranda em torno de um mundo caduco; de vozes de homens simples, operários, artistas, lavradores, marítimos, brancos e negros, cantando o seu labor de edificar, criar, plantar, navegar um novo mundo; de vozes de mães, esposas, amantes e filhas, procriando, lidando, fazendo amor, drama, perdão. E contra essas vozes não prevalecerão as vozes ásperas de mando dos senhores nem as vozes soberbas das elites. Porque a poesia ácida lhes terá corroído as roupas. E o povo então poderá cantar seus próprios cantos, porque os poetas serão em maior número e a poesia há de velar.” SEI LÁ A VIDA TEM SEMPRE RAZÃO Composição: Vinicius de Moraes Tem dias que eu fico pensando na vida E sinceramente não vejo saída Como é por exemplo que dá pra entender A gente mal nasce e começa a morrer Depois da chegada vem sempre a partida Porque não há nada sem separação Sei lá, Sei lá A vida é uma grande ilusão Sei lá, Sei lá A vida tem sempre razão A gente nem sabe que males se apronta Fazendo de conta, fingindo esquecer Que nada renasce antes que se acabe E o sol que desponta tem que adormecer De nada adianta ficar-se de fora A hora do sim é o descuido do não Sei lá, Sei lá Só sei que é preciso paixão Sei lá, Sei lá A vida tem sempre razão Há quarenta anos – 1965 – , em “Carta a um jovem poeta”, Vinícius já cantava: “Não negue o seu olhar de poeta aos homens que precisam dele, mesmo tendo o pudor de confessá-lo. Abra a sua camisa e saia para o grande encontro!” CANTA, CANTA MAIS Composição: Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim Canta, canta Sente a beleza Canta, canta Esquece a tristeza Tanta, tanta Tanta tristeza Canta Ah... Canta, canta Canta, vai, vai Segue cantando em paz Canta, canta Canta mais