11-11-2014 A protecção dos dados pessoais e a investigação penal no ciberespaço - alguns aspectos práticos Pedro Dias Venâncio Advogado Docente convidado do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave 1 Leis de Protecção de Dados Pessoais no âmbito das Telecomunicações e Lei do Cibercrime Código de Processo Penal Lei do Comércio Electrónico Comunicações Electrónicas Artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa « A protecção dos dados pessoais e a investigação penal no ciberespaço» Lei de Protecção de Dados Pessoais 2 1 11-11-2014 • Transpõe Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, e Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa • Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março • cumpre o artigo 35.º da C.R.P. e transpõe a Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995 Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, Lei do Cibercrime Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, Lei da Protecção de Dados Pessoais Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, Lei de conservação de dados em comunicações electrónicas Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, Lei de Protecção de dados Pessoais nas Telecomunicações • Transpõe a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho, alterada pela Diretiva n.º 2009/136/CE 3 Alguns aspectos práticos 1. “Dados informáticos”- classificação dos dados informáticos 2. “Dados informáticos” – legitimidade para o acesso a dados informáticos 3. “Dados informáticos” - prazo de conservação e celeridade de investigação 4 2 11-11-2014 A protecção dos dados pessoais e a investigação penal no ciberespaço - alguns aspectos práticos – 1. “DADOS INFORMÁTICOS”- CLASSIFICAÇÃO DOS DADOS INFORMÁTICOS 5 1. “dados informáticos” classificação de dados informáticos Artigo 2.º, b) da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, 15/09) • «Dados informáticos» qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma foram susceptível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função. Ao longo da Lei do Cibercrime é no entanto possível diferenciar 3 categorias de dados informáticos aos quais se aplicarão regimes diferentes: • Dados de conteúdo • Dados de trafego – único definido no art. 2.º n.º c) da Lei do Cibercrime Dados de base ↓ A cada categoria de dados corresponderá um regime processual penal distinto! • 6 3 11-11-2014 1. “dados informáticos” classificação de dados informáticos Encontramos a mesma distinção no seguinte acórdão: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Processo n.º 3142/09.3PBFUN-A.L1-5 Data: 18-01-2011 Sumário: I - Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados: os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo; II - Os dados de base, são relativos à conexão à rede, os dados de tráfego, são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e dados gerados pela utilização da rede, os dados de conteúdo, são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem; 7 1. “dados informáticos” classificação dos dados informáticos Artigo 2.º, c) da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, 15/09) • «Dados de tráfego» os dados informáticos relacionados com uma comunicação efectuada por meio de um sistema informático, gerados por este sistema como elemento de uma cadeia de comunicação, indicando a origem da comunicação, o destino, o trajecto, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo de serviço subjacente. Artigo 2.º da Lei de Protecção de Dados Pessoais no âmbito das Telecomunicações (Lei n.º 41/2004, 18 de Agosto) • «Dados de tráfego » quaisquer dados tratados para efeitos do envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações electrónicas ou para efeitos da facturação da mesma • «Dados de Localização» quaisquer dados tratados numa rede de comunicações electrónicas que indiquem a posição geográfica do equipamento terminal de um assinante ou de qualquer utilizador de um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público ≠ 8 4 11-11-2014 1. “dados informáticos” classificação dos dados informáticos Lei de conservação de dados nas Comunicações Electrónicas (Lei n.º 32/2008) Artigo 2.º, c) da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, 15/09) • «Dados de tráfego» os dados informáticos relacionados com uma comunicação efectuada por meio de um sistema informático, gerados por este sistema como elemento de uma cadeia de comunicação, indicando a origem da comunicação, o destino, o trajecto, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo de serviço subjacente. • Adopta as definições de “dados de tráfego” e “dados de localização” da Lei n.º 41/2004 ! • Sendo que o artigo 4.º desta lei determina quais os dados concretos que as fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações devem conservar, quanto a estas duas categorias. 9 1. “dados informáticos” classificação dos dados informáticos DADOS DE CONTEÚDO O art. 16.º n.º 3 da Lei do Cibercrime refere-se a «dados ou documentos electrónicos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam por em causa a privacidade» + O art. 17.º do Lei do Cibercrime refere-se à apreensão de «mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante» + O art. 18.º do Lei do Cibercrime refere-se «registo de dados relativos ao conteúdo das comunicações» ↓ Pensamos assim que os dados de conteúdo serão os que se referem ao conteúdo inteligível dos dados informáticos, em particular quando estes contendam com a privacidade dos sujeitos e a confidencialidade das mensagens 10 5 11-11-2014 1. “dados informáticos” classificação dos dados informáticos DADOS DE BASE O art. 12º n.º 1 da Lei do Cibercrime refere-se a «obter dados informáticos específicos armazenados num sistema informático, incluindo dados de tráfego» ↓ Deduz-se daqui que subsiste esta categoria de dados que não são de tráfego nem de conteúdo. A distinção destes dados de bases dos dados de tráfego, revela-se mais difícil e tem suscitado algumas querelas na doutrina e jurisprudência. A principal vem sendo relativamente aos endereços de IP! 11 1. “dados informáticos” classificação dos dados informáticos Acórdão da Relação de Coimbra Processo 84/11.6JAGRD-A.C1 03/10/2012 Relator: Alice Santos Acórdão da Relação de Lisboa Processo 1695/09.5PJLSB.L1-9 19/06/2014 Relator: Margarida Vieira de Almeida Sumário: «A informação relativa à identificação de determinado IP que realizou uma concreta comunicação em certo grupo data/hora, respeita a dados de tráfego» ↓ «assim a obtenção e junção aos autos de tais dados e a sua validade enquanto meio de prova está dependente da intervenção e autorização do Juiz de Instrução. Sumário: «a identificação de um determinado um determinado endereço de IP conjugada com a identidade de quem o utilizou num dado dia e hora não revela informação sobre o percurso da comunicação nem sobre outro eventual tráfego comunicacional da pessoa em causa» ↓ «a competência para a respectiva obtenção é do M.P.» (no mesmo sentido, Acórdão da Relação de Évora, processo n.º 12/12.1YREVR, de 5/06/2012) (no mesmo sentido, Acórdão Relação de Lisboa, processo n.º 3142/09.3PBFUN-A.L1-5, de 18/01/2011) 12 6 11-11-2014 A protecção dos dados pessoais e a investigação penal no ciberespaço - alguns aspectos práticos – 2. “DADOS INFORMÁTICOS” – LEGITIMIDADE PARA O ACESSO 13 2. “dados informáticos” - legitimidade para o acesso DADOS DE CONTEÚDO O art. 16.º n.º 3 da Lei do Cibercrime estabelece que «sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz» + O art. 17.º da Lei do Cibercrime estabelece que «o juiz pode autorizar ou ordenar» + O art. 18.º n.º 2 do Lei do Cibercrime refere-se «por despacho fundamentado do Juiz de Instrução» ↓ A característica essencial do regime de acesso a dados de conteúdo é que o mesmo depende de despacho do Juiz de Instrução! 14 7 11-11-2014 2. “dados informáticos” - legitimidade para o acesso DADOS DE BASE O art. 12.º n.º 1 da Lei do Cibercrime + O art. 13.º da Lei do Cibercrime + O art. 14.º n.º 1 da Lei do Cibercrime + O art. 15.º n.º 1 da Lei do Cibercrime + O art. 16.º n.º 1 do Lei do Cibercrime ↓ No caso dos dados de base a legitimidade é da “autoridade judiciária competente”, o que no inquérito será o Ministério Público! 15 3. “Dados informáticos” – legitimidade para o acesso DADOS DE TRÁFEGO Artigo 12.º da Lei do Cibercrime Preservação expedita de dados 1 — Se no decurso do processo for necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos armazenados num sistema informático, incluindo dados de tráfego, em relação aos quais haja receio de que possam perder -se, alterar -se ou deixar de estar disponíveis, a autoridade judiciária competente ordena a quem tenha disponibilidade ou controlo desses dados, designadamente a fornecedor de serviço, que preserve os dados em causa. Que na fase de inquérito será o Ministério Público. Artigo 9.º da Lei de Conservação de dados em Comunicações Electrónicas Transmissão dos dados 1 — A transmissão dos dados referentes às categorias previstas no artigo 4.º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves. . 16 8 11-11-2014 3. “Dados de tráfego” – legitimidade para o acesso A questão foi debatida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 581/12.6PLSNT-A.L1-5, de 22-01-2013. • Sumário: I. A Lei do Cibercrime (Lei 109/2009 de 15 de Setembro) nos seus artigos 12.º a 17.º respeitam a meios de obtenção de prova, mormente sua conservação e recolha. São eles: a “preservação expedita de dados”, a “revelação expedita de dados de tráfego”, a “injunção para apresentação ou concessão de acesso a dados”, a “pesquisa de dados informáticos”, a “apreensão de dados informáticos” e, finalmente, a “apreensão de correio electrónico e registo de comunicações de natureza semelhante”. II. Com excepção desta última, em que se faz expressa menção à intervenção do juiz, todas as outras diligências são levadas a cabo por ordem da autoridade judiciária competente o que necessariamente inculca a ideia de que essa autoridade judiciária pode ser o Ministério Público ou o Juiz consoante a fase processual. 17 A protecção dos dados pessoais e a investigação penal no ciberespaço - alguns aspectos práticos – 4. “DADOS INFORMÁTICOS” - PRAZO DE CONSERVAÇÃO E CELERIDADE DE INVESTIGAÇÃO 18 9 11-11-2014 3. “dados informáticos” prazo de conservação e celeridade de investigação Artigo 6.º da Lei de conservação de dados em comunicações electrónicas Período de conservação Artigo .6º da Lei de protecção de dados pessoais nas telecomunicações • • “o tratamento (…) apenas é licito até ao final do periodo dentro do qual a factura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado ” [n.º 3] Ou seja, 6 meses! • impõe aos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas o dever de “conservar os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação”. Qual o prazo aplicável para efeitos de investigação criminal? 19 3. “dados informáticos” prazo de conservação e celeridade de investigação • Sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, no Ac. 559/12.0GBOBR-A.C1, de 26-02-2014, tendo decidido que: • «Não faz sentido convocar a Lei 41/2004, de 18/08, para concluir que o prazo máximo de conservação de dados é de seis meses porque tal diploma diz respeito ao tratamento e à conservação de dados pessoais no contexto das relações estabelecidas entre as empresas fornecedoras de serviços de comunicações electrónicas e os seus clientes, além de que este diploma afasta expressamente do seu âmbito de aplicação a prevenção, investigação e repressão de infracções penais, as quais são definidas em legislação especial, como se refere no n.º 4 do seu artigo 1.º» • «Conclui-se que o prazo máximo de acesso aos dados no âmbito de uma investigação criminal relativa a crimes em que seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico, é o prazo de um ano previsto no artigo 6.º da Lei n.º 32/2008/, de 17/07. 20 10 11-11-2014 3. “dados informáticos” prazo de conservação e celeridade de investigação Artigo 12.º da Lei do Cibercrime Preservação expedita de dados • • “a ordem de preservação discrimina, sob pena de nulidade: (…) O período de tempo pelo qual deverão ser preservados, até um máximo de três meses.” [n.º 3 alínea c) ] + “A autoridade judiciária competente pode ordenar a renovação da medida por períodos sujeitos ao limite previsto na alínea c) do n.º 3, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade, até ao limite máximo de um ano”. [n.º 5] Artigo 6.º da Lei de conservação de dados em comunicações electrónicas Período de conservação • impõe aos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas o dever de “conservar os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da comunicação”. São prazos cumuláveis? 21 2. “dados infomráticos” prazo de conservação e celeridade de investigação São prazos cumuláveis? Benjamim Silva Rodrigues parece entender que não: « (…) haverá que atentar ao prazo absoluto de conservação dos dados gerados e tratados no âmbito das comunicações electrónicas, disposto no artigo 6.°, da Lei n.º 32/2008: um ano. (…) a renovação da medida, nos termos do artigo 12.º, n.º 5, possa ocorrer, (…) por períodos de três meses, mas até um máximo inultrapassável de 1 ano. Portanto: teoricamente, a medida pode ser renovada por três vezes, por períodos máximos parcelares de 3meses (1 x 3 meses + 3 x 3 meses = 4 x 3 meses = 12 meses = 1 ano).» (sublinhado e negrito nosso) [RODRIGUES, Da Prova Penal - Tomo II, Métodos Ocultos de Investigação Criminal, Rei dos Livros, 2010, pp. 443] 22 11 11-11-2014 3. “dados informáticos” prazo de conservação e celeridade de investigação São prazos cumuláveis? Considerando que o prazo de 1 ano, previsto na Lei de conservação de dados nas Comunicações Electrónicas, visa precaver a subsistência dos dados a quando do início da investigação. Considerando que os prazos previstos na Lei do Cibercrime visam a preservação dos dados no decurso da investigação. Em sentido contrário ao autor citado, entendo que, devendo prevalecer o interesse público de prossecução da investigação criminal, estes prazos devem entender-se cumuláveis! 23 A protecção dos dados pessoais e a investigação penal no ciberespaço - alguns aspectos práticos Obrigado pela Vossa atenção! Pedro Dias Venâncio Advogado Docente convidado do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave 24 12