XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. TECNOLOGIAS SOCIAIS E DESENHO INDUSTRIAL APLICADOS AO MEIO RURAL: O ESTUDO DE UMA UNIDADE DE BOMBEAMENTO DE ÁGUA MOVIDA À PROPULSÃO HUMANA Tamyris Luana Pedroza Pereira (UFCG) [email protected] Leiliam Cruz Dantas (UFCG) [email protected] Luiz Eduardo Cid Guimaraes (UFCG) [email protected] O desenvolvimento de tecnologias voltadas para as necessidades de populações menos favorecidas assume um papel relevante no contexto das desigualdades sociais produzidas pelo sistema capitalista. Mudanças nessa direção têm ocorrido desde a década de 70, com o surgimento de tecnologias pautadas em pouco capital e intensivas em mão-de-obra, as denominadas tecnologias apropriadas, dando origem à temática das tecnologias sociais. Nesse sentido, ressalta-se aqui o papel desempenhado pelo desenho industrial no desenvolvimento de produtos caracterizados como tecnologias sociais. O objetivo do trabalho é estudar um caso de tecnologia social aplicada ao meio rural: o projeto de uma unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana desenvolvida para ser utilizada em um assentamento rural no Nordeste do Brasil. Para atingi-lo buscou-se adotar uma metodologia participativa, na perspectiva da existência de um diálogo com a comunidade acerca do produto a ser desenvolvido pelos pesquisadores. Através da adequação sociotécnica das tecnologias sociais, procedeu-se à análise do produto desenvolvido, considerado como um processo de construção social de uma tecnologia a serviço de uma população rural de baixa renda, cuja apropriação coletiva poderá proporcionar melhorias nas suas condições de trabalho, de produção e de vida. Ressalta-se ainda que esse processo permitiu aos pesquisadores um enriquecimento através da aquisição de conhecimento localizado, diante da ênfase no contexto social em que foi desenvolvido. Palavras-chaves: Tecnologias sociais, desenho industrial, projeto de produto, bomba d’água XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. 1. Introdução O desenvolvimento de tecnologias voltadas para as populações menos favorecidas da sociedade capitalista não é o principal objetivo no contexto deste sistema produtivo, baseado nas desigualdades sociais. Entretanto, mudanças têm se verificado ao longo dos anos e, ao lado das tecnologias convencionais, de ponta, baseadas no uso intensivo de capital e economia de mão-deobra, tem se verificado o desenvolvimento de tecnologias pautadas em pouco capital e intensivas em mão-de-obra, as denominadas tecnologias apropriadas e, mais tarde, tecnologias sociais. As tecnologias sociais podem ser concebidas como produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, projetadas e desenvolvidas através da interação com a comunidade, de modo que representem soluções voltadas para o atendimento das necessidades das populações menos favorecidas (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2011). Sob este aspecto, o papel do desenho industrial torna-se fundamental, pois seu profissional pode participar como um ator desse processo de construção social. Desenho industrial é entendido aqui como um processo que não é domínio exclusivo de categorias educadas formalmente como arquitetos, engenheiros ou designers de produto. A discussão sobre “fronteira profissional” no caso é considerada como secundária, pois neste contexto os produtos são projetados, copiados ou adaptados pelos trabalhadores, pequenos fabricantes ou diretamente pelas comunidades de baixa renda. O desenho industrial nesse nível é considerado importante, tanto em relação à criação de bens de capital e de consumo, quanto para a construção de conhecimento técnico. Nesta perspectiva, o objetivo do trabalho é estudar um caso de tecnologia social aplicada ao meio rural, qual seja, o projeto de uma unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana, através de pedal, desenvolvida no contexto de um assentamento rural no Nordeste do Brasil. O trabalho resultou de uma pesquisa mais ampla, realizada entre 2004 e 2006, na microrregião do Brejo Paraibano, propiciando o processo de construção do projeto de produto que, por sua vez, foi finalizado em 2010. Foi caracterizado como um estudo de caso aliado à metodologia da pesquisa-ação, pois foi concebido com a clara intenção da realização de uma ação a ser planejada e viabilizada em um contexto específico. Em termos de estrutura, buscou-se fazer uma breve revisão acerca das tecnologias sociais, resgatando sua origem nas tecnologias apropriadas e suas críticas. Em seguida, enfatizou-se o papel do desenho industrial no projeto de produto de tecnologias voltadas para as populações menos favorecidas da sociedade, sobretudo no que concerne às comunidades rurais, praticantes de atividades de subsistência através de meios de produção precários. Por fim, expõe-se o caso estudado, destacando as fases evolutivas do processo de construção da unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana, através dos protótipos construídos, até o projeto de produto final desenvolvido. 2. Tecnologias apropriadas e tecnologias sociais Atualmente, a temática das tecnologias sociais tem sido posta na ordem do dia, sobretudo em países menos industrializados, onde não há possibilidades de produção baseada em alta tecnologia. Em vários ramos da pequena produção é comum a adoção de tecnologias baseadas em pouco capital e intensivas em mão-de-obra. 2 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. As tecnologias sociais surgiram a partir das chamadas tecnologias apropriadas, objeto de estudo frequente nos anos 70, cuja origem provém das aldeias indianas, a partir de um trabalho desenvolvido por Ghandi, em que este buscava resgatar as tecnologias tradicionais como forma de enfrentar o domínio britânico no seu país. Essas idéias influenciaram, mais tarde, a famosa obra do economista Schumacher – small is beautiful –, que introduziu o conceito de tecnologias apropriadas na comunidade científica, sendo utilizada sob variadas designações (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). As tecnologias apropriadas são consideradas “um conjunto de técnicas de produção que utiliza de maneira ótima os recursos disponíveis de certa sociedade maximizando, assim, seu bem-estar” (DAGNINO, 1976 citado por DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004, p. 23). São técnicas que se baseiam no conhecimento tácito relacionado aos territórios, intensivas em mão-de-obra, detentoras de tecnologia e manuseio simples, primando pelo respeito à cultura e ao meio ambiente e acessíveis à pequena produção. Apesar de as tecnologias apropriadas terem surgido como uma alternativa às tecnologias convencionais, voltadas para minimização da pobreza nos países do hemisfério sul, os países industrializados as vêem com bons olhos no que diz respeito às questões ambientais e às fontes alternativas de energia (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). Na verdade, na perspectiva de Schumacher, estas tecnologias alternativas foram concebidas em oposição às tecnologias convencionais, uma vez que estas nunca tiveram como meta a resolução de problemas sociais e ambientais, além de terem sido geradas nos próprios países industrializados. Dentro do movimento das tecnologias apropriadas várias denominações foram cunhadas: Schumacher (1979) chamava-a de “tecnologia intermediária”, no sentido da combinação de elementos das tecnologias tradicionais com as tecnologias avançadas; Dickson (1974) adotava o termo “tecnologia alternativa” e Clarke (1976) denominava-a “tecnologia suave” (RODRIGUES; BARBIERI, 2008). Com base em Robin Clarke (1972), Elliott e Elliott (1976, p. 226) discorrem sobre os novos objetivos de uma tecnologia alternativa: “are not purely linked to ecological issues, but emphasize also new social values”, além do seu objetivo central que se relaciona com “a science performed by the people for the people” no sentido de uma democratização do conhecimento. Acrescentam ainda: “such a technology should ‘ideally provide the framework for the expression of collective initiative and community control as well as the development of the full capabilities and creativity of the individual’” (ELLIOTT&ELLIOTT, 1976, p.227). Segundo a concepção de autores brasileiros (DAGNINO, 2004; DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004; LIMA; DAGNINO; FONSECA, 2008), as tecnologias apropriadas, cujo movimento se caracterizava pela defesa de tecnologias diferentes das convencionais e voltava-se para os países menos industrializados, foram desenvolvidas sem uma base crítica sobre a neutralidade e o determinismo, como também sem uma visão instrumental da tecnologia. Os defensores das tecnologias apropriadas acreditavam que “o conhecimento pode ser „ofertado‟ por uns e „demandado‟ por outros, sem o envolvimento dos atores sociais interessados” (LIMA; DAGNINO; FONSECA, 2008, p. 121). Este movimento foi bastante criticado na década de 80 e perdeu força com a expansão do pensamento neoliberal. Conforme Rodrigues e Barbieri (2008), as críticas ao movimento das tecnologias apropriadas foram numerosas. Muitos relacionavam o termo tecnologia apropriada a uma tecnologia atrasada. 3 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. Outra crítica era a de que as tecnologias apropriadas contribuiriam para “congelar as diferenças entre países pobres e ricos”, constituindo-se em instrumento destes últimos. Desse modo, as tecnologias apropriadas cumpririam a função de amenizar os problemas dos países menos industrializados, através de tecnologias de baixo impacto e geradoras de melhorias, mas sem alterar a situação de exploração dos recursos naturais destes países para sustentar o alto consumo dos países industrializados. Essas tecnologias atuariam de modo a justificar o crescimento dos países ricos em detrimento daqueles menos favorecidos. Outra crítica que merece menção foi a geração de uma desconfiança acerca de uma tecnologia apropriada que era defendida por organizações sediadas em países ricos, a exemplo da proposta por Schumacher (1973) cuja sede era a Intermediate Technology Development Group, em Londres. Os mesmos autores ressaltam que as tecnologias apropriadas foram desenvolvidas em países industrializados para resolver problemas dos países menos industrializados, ou seja, foram criadas fora do contexto que pretendiam mudar, sem qualquer relação com o mesmo, e muitas vezes já defasadas em seus países de origem devido ao intenso ritmo das inovações. Eles recordam ainda que as propostas de tecnologias apropriadas careciam de uma visão de mercado. Assim, foram perdendo espaço já na década de 80, conforme mencionado, no momento em que se intensificavam os processos de reestruturação produtiva no contexto da globalização econômica. Entretanto, o movimento da tecnologia apropriada não desapareceu completamente, uma vez que suas causas não foram extintas, ou seja, as desigualdades sociais, a exclusão social e tecnológica, a depredação ambiental, sem mencionar a pobreza como o maior de todos os estigmas sociais. O movimento ressurgiu com nova designação, objetivos e fundamentação: a tecnologia social, pondo-se em relevo a sua caracterização como processo e não como produto. Dentre os vários estudiosos e autores que se ocupam da fundamentação teórico-conceitual da tecnologia social não se pode deixar de mencionar o professor Renato Dagnino, da Unicamp, que tem sido citado como uma referência no país. Seus estudos também embasam uma importante instituição brasileira que vem se dedicando a estudos e ações no âmbito das tecnologias sociais: a Fundação Banco do Brasil. Além disso, há que se mencionar o papel fundamental da Rede de Tecnologia Social no sentido da promoção do desenvolvimento local sustentável através da articulação de vários atores sociais e institucionais (TECNOLOGIA SOCIAL, 2004). Em termos conceituais, a operacionalização das tecnologias sociais pode ser concebida através da adequação sociotécnica (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). Esta percepção considera a tecnologia social como um processo de construção social, e por isto como um processo político, não a vendo apenas como um produto. Dessa forma, ela é operacionalizada dentro das condições do ambiente em que se desenvolve, enfatizando as relações que se estabelecem entre os atores envolvidos nesse processo de construção. Esse aspecto parece ser um grande diferencial em relação não só às tecnologias convencionais, mas também às tecnologias apropriadas que não consideravam o contexto a serem adotadas, tampouco as interações que pudessem se estabelecer neste processo de construção. Tomando a visão de Dagnino (2004) como base, para entender a diferença entre tecnologias convencionais e tecnologias sociais é interessante remontar ao desenvolvimento da Ciência&Tecnologia considerado como neutro, não influenciado pelo contexto social no qual se insere. É essa visão que ampara a tecnologia convencional. A ciência serve aos interesses de 4 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. qualquer segmento social que a controlar. No que se refere às tecnologias sociais, o autor rechaça essa visão da neutralidade da ciência. Assim, a ciência serviria aos interesses dos que a geraram, dentro da perspectiva do contexto social em que é concebida. Para ilustrar, o autor caricatura de maneira elucidativa e criativa sua posição através de metáforas baseadas em desenhos animados: “a ciência seria uma espada. Se Peter Pan conseguir pegar do chão a espada do Capitão Gancho, poderá matá-lo, pois a espada (como seria a ciência) é neutra: serve aos interesses de quem a estiver manejando. Levando essa imagem à frente, eu diria que a ciência é muito mais parecida com uma vassoura de bruxa. A vassoura de bruxa só voa com „sua‟ bruxa. Se alguém que não ela tentar montar na vassoura, esta derruba o desavisado que pensou que ela era „neutra‟.” (DAGNINO, 2004, p. 200-201). Segundo o mesmo autor, é esta visão de neutralidade da ciência que permeia as pesquisas no contexto das universidades e por isto as tecnologias sociais ainda são marginalizadas e pouco exploradas como objeto de pesquisa. Os pesquisadores não têm interesse em encaminhar seus projetos de pesquisa para subsidiar os segmentos produtivos mais carentes da sociedade, ao invés de desenvolver tecnologias voltadas para as grandes empresas que os financiam. Quando o fazem, buscam aplicar alhures as tecnologias importadas de contextos alheios. Apesar de algumas mudanças recentes neste sentido, em termos de política de pesquisa voltada para as necessidades da sociedade, a maioria dos pesquisadores tem se preocupado muito mais com a inovação tecnológica do que com a inovação técnica e seus impactos nas pequenas unidades produtivas. Na perspectiva da adequação sociotécnica (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004), pode-se apreender a construção da tecnologia social como um processo de aprendizado, mas também como um processo de geração de conhecimento, ocorrendo não só adequação do conhecimento científico e tecnológico existente, por parte de alguns atores, mas sobretudo a externalização de um conhecimento tácito concernente aos atores locais. O resultado desse processo não seria considerado apenas um produto, mas um processo propriamente e em constante construção, com características voltadas para o local onde e para o qual foi concebido, a partir das interações estabelecidas com os atores sociais. Os autores aqui selecionados (DAGNINO, 2004; DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004; LIMA; DAGNINO; FONSECA, 2008; RODRIGUES; BARBIERI, 2008) destacam a relevância do processo de construção social da tecnologia, no que tange à construção conjunta do conhecimento. Essa visão é contrária àquela de um desenvolvimento científico e tecnológico considerado linear e cumulativo, unicamente promovido por especialistas. Parece ter sido este aspecto que os proponentes da tecnologia apropriada negligenciaram, ao tentar impor esta tecnologia “de cima para baixo”, sem considerar a diversidade de contextos e de atores com diferentes valores e interesses. Depreende-se daí que essa desatenção não pode ocorrer quando se trata de um processo de intervenção sobre uma realidade específica, dentro de um universo marcado pela multiplicidade social e cultural. Os mesmos autores também salientam que as tecnologias sociais, por estarem voltadas para a resolução de problemas da sociedade, a exemplo de demandas por água, alimentação, educação, saúde ou renda, devem ser apropriadas pelas comunidades, apontando para o caminho das mudanças sociais através das mudanças de comportamentos, atitudes e práticas dos seus atores. A comunidade deve ser vista como protagonista do processo de construção da tecnologia social e não uma simples beneficiária e usuária da mesma. 5 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. Essa visão é adotada pela Fundação Banco do Brasil, ao conceituar tecnologia social como “produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social”. Acrescenta ainda que “é um conceito que remete para uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando a participação coletiva no processo de organização, desenvolvimento e implementação. Está baseado na disseminação de soluções para problemas voltados a demandas de alimentação, educação, energia, habitação, renda, recursos hídricos, saúde, meio ambiente, dentre outras. As tecnologias sociais podem aliar saber popular, organização social e conhecimento técnico-científico. Importa essencialmente que sejam efetivas e reaplicáveis, propiciando desenvolvimento social em escala.” (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2011). A abordagem da adequação sociotécnica operacionaliza o conceito de tecnologia social por meio da definição de modalidades que, por sua vez, também não são estanques. São elas: (1) o uso da tecnologia; (2) a sua apropriação, sobretudo pelos trabalhadores que vão utilizá-la, pois ela se caracterizaria como uma propriedade coletiva; (3) a revitalização ou repotenciamento dos equipamentos para elevar sua vida útil e evitar o desuso; (4) o ajuste no processo de trabalho, enfatizando a propriedade coletiva dos meios de produção; (5) as alternativas tecnológicas, a partir das tecnologias existentes, voltadas para empreendimentos autogestionários; (6) a incorporação de conhecimento científico-tecnológico existente, através de inovações incrementais, que pode ser feita de forma isolada ou em conjunto com centros de pesquisa e desenvolvimento; (7) a incorporação de conhecimento científico-tecnológico novo, considerando o esgotamento do processo de inovação incremental, através da adoção de processos de inovação radical junto a centros de pesquisa e desenvolvimento (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). 3. Tecnologias sociais, projeto de produto e desenho industrial nos países em desenvolvimento A preocupação com a atividade de projeto de produto nos países em desenvolvimento foi manifestada pela primeira vez pelo Governo Americano (ER; LANGRISH, 1992). Essa preocupação foi traduzida num programa governamental apoiado US State Department, através da International Co-operation Administration. A Administration solicitou a cinco consultorias de design que realizassem um levantamento das indústrias artesanais em vários países em desenvolvimento, com o objetivo de melhorar a qualidade dos produtos e torná-los, mais aceitáveis no mercado, particularmente para o mercado dos Estados Unidos (HESKETT, 1991). O papel social do desenho industrial tem recebido relativamente pouca atenção na literatura de desenvolvimento econômico. A maior parte dos autores que abordaram esta questão nos países menos industrializados ignora a importância do setor informal e da própria população no processo de geração e fabricação de produtos. A literatura sobre desenvolvimento econômico, que trata das necessidades tecnológicas das populações marginalizadas, apesar de incluir uma ampla discussão sobre a opção de tecnologia, presta pouca atenção à opção de produtos, em particular ao projeto de produtos em microunidades de produção operando no setor informal. Esse setor é responsável por parte significativa da atividade inovadora nesse contexto. O setor privado formal raramente se envolve em intervenções que objetivam as necessidades da população pobre. As intervenções existentes ocorrem através de iniciativas de instituições governamentais, agências internacionais de apoio e por organizações não governamentais que 6 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. trabalham com desenvolvimento econômico. Porém, essas intervenções não são em número suficiente para atender a demanda. Na realidade, para a população de baixa renda, a maioria das necessidades materiais é satisfeita pelos pequenos produtores, que projetam e constroem os produtos ou pelos próprios usuários. No debate sobre desenvolvimento existem percepções diferentes em relação ao papel da tecnologia apropriada, que tem implicações sobre o desenho industrial. Cientistas sociais, em geral, têm pouco conhecimento sobre os aspectos práticos da tecnologia e enfatizam aspectos teóricos que podem conflitar com os interesses dos profissionais envolvidos com hardware, como engenheiros e designers. Essas diferenças de percepção das prioridades podem ter um efeito negativo na expansão do desenho industrial na base da pirâmide. O establishment do desenho industrial tem demonstrado pouco interesse em participar em projetos de tecnologia apropriada e os profissionais que a praticam têm pouca preocupação com o desenho industrial e com o foco de trabalho que é a interface usuário-produto. Por exemplo, é muito raro encontrar, em projetos relacionados à tecnologia apropriada, o uso de medidas antropométricas da população alvo, apesar de que é uma necessidade primária em qualquer projeto de produto. Ignorar esses dados básicos no desenvolvimento de um produto pode ocasionar problemas não apenas relacionados à operação do produto, mas também a aspectos de segurança. Isso pode reduzir a possibilidade de obter sucesso no mercado. Portanto, apesar de certo reconhecimento do potencial do desenho industrial no processo de inovação tecnológica, esse potencial ainda não está sendo devidamente aproveitado. No âmbito do estudo em tela, cumpre destacar o papel do desenho industrial na perspectiva das tecnologias sociais. Acredita-se que os profissionais desta área têm muito a contribuir, especificamente no que concerne ao projeto de produto. Uma vez que as tecnologias sociais surgiram das tecnologias apropriadas, e estas últimas são mais difundidas do que as primeiras, as referências na área do desenho industrial em relação às tecnologias alternativas voltam-se mais para as tecnologias apropriadas. Nesse sentido, merece destaque o trabalho de Gui Bonsiepe, referência mundial na área de desenho industrial, como também na sua relação com as tecnologias apropriadas. Ainda na década de 80, Bonsiepe (1983) preferia utilizar os termos “tecnologia endógena e do projeto endógeno” do que tecnologia alternativa ou tecnologia apropriada, pois pretendia enfatizar a criação da tecnologia e do desenho industrial no contexto dos países periféricos. Apesar de escassa, há alguma literatura especializada aliando o desenho industrial à tecnologia apropriada, porém ainda são poucos os estudos voltados para as tecnologias sociais na perspectiva do desenho industrial. Conforme já mencionado, as concepções de tecnologias sociais surgiram das críticas à tecnologia apropriada, ocorridas a partir da década de 80. Diante disso, pode-se inferir que poucos desenhistas industriais se preocupam com as questões sociais, uma vez que estão imersos em uma economia de mercado, com alto nível de consumo, ainda pouco voltada para a preservação dos recursos naturais e para a minimização da pobreza. Dentre as críticas que Bonsiepe (1983) dirige à tecnologia apropriada, mesmo antes do surgimento do conceito de tecnologia social, destaca-se aqui a questão da apropriação. Para ele, o verdadeiro sentido da palavra “apropriada” está relacionado à “tecnologia que pudesse ser criada localmente, de preferência através de meios locais, para necessidades locais e por equipes locais” (grifos do autor, p. 20). 7 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. Essa preocupação do autor se remete para o projeto de um produto baseado na junção do conhecimento codificado com o conhecimento localizado, em que uma ênfase maior é dada a este último. O projeto se faria a partir de uma metodologia que primasse não só pela interação com o usuário, mas principalmente pela sua participação ativa em todas as fases do mesmo. O usuário é quem melhor conhece suas necessidades, portanto quem melhor pode sugerir no processo de planejamento do produto que o beneficiará. Os desenhistas industriais podem exercer um papel fundamental no projeto de produtos no contexto das tecnologias sociais e, neste sentido, seguir no contrafluxo da tendência da produção industrial capitalista, principalmente quando se trata das tecnologias sociais aplicadas ao meio rural, em especial aquelas voltadas para as pequenas unidades de produção agrícola. 4. O papel do desenho industrial nas tecnologias sociais em meio rural O foco deste trabalho volta-se para o desenho industrial aplicado ao desenvolvimento e sustentabilidade no meio rural, sobretudo no tocante à agricultura de subsistência, denominada agricultura familiar. A literatura acerca dessa temática não é ampla e se verifica que o papel do desenho industrial nas pequenas unidades de produção rural não tem sido explorado. Depreendese, então, que os profissionais do desenho industrial, em geral, não têm interesse em se dedicar a projetos de produtos voltados para a minimização de problemas sociais. Entretanto, um impacto das ações do desenho industrial nas comunidades de forma eficaz verificou-se na geração de projetos de tecnologia apropriada, como acima mencionado. Inicialmente, faz-se necessário esclarecer o que se entende por desenho industrial. Na definição de Bonsiepe (1983, p. 116-117), “o desenho industrial é um dos intentos de melhorar nossa cultura material, em termos funcionais e estéticos, usando, de maneira racional e econômica, os recursos disponíveis em forma de maquinaria, processos e materiais. Desta maneira, o desenho industrial é uma parte intrínseca da tecnologia, tecnologia esta interpretada aqui como sistema de conhecimentos e know-how para produzir uma estrutura de suporte material para uma sociedade.” (grifos do autor). No contexto das pequenas unidades de produção agrícola, o desenho industrial é entendido como uma atividade relacionada à identificação, análise e solução de problemas e à consequente materialização destas soluções em um produto, com vistas à melhoria das condições de produção e de vida da população rural. Entende-se ainda que a atividade do desenhista industrial não lhe é exclusiva, uma vez que vários produtos são projetados e produzidos a partir dos já existentes e, no caso da população de baixa renda, com a utilização de materiais diversos, inclusive reciclados. Na literatura do desenho industrial, no que concerne às tecnologias apropriadas, há vários exemplos dessa natureza. Em busca da solução dos seus problemas, os produtores da agricultura de subsistência têm procurado adaptar produtos das mais diversas e criativas formas, sugerindo ideias excelentes aos desenhistas industriais e projetistas. Isso ocorre devido ao conhecimento (tácito) adquirido na vivência prática do seu cotidiano diante da necessidade de solucionar os seus problemas. A valorização, por parte dos desenhistas industriais, desse tipo de conhecimento localizado, existente nas comunidades rurais, pode resultar em projetos de produto muito mais eficientes para o usuário e para o enriquecimento do conhecimento por parte do próprio profissional. Pesquisas baseadas no desenho industrial e no social design, sobretudo quando desenvolvidas de modo interativo e participativo, com os usuários dos produtos, pode identificar inovações a partir 8 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. dos próprios produtores e propor adaptações e melhorias de modo a sistematizar os avanços tecnológicos parciais. A pesquisa e o desenvolvimento destes produtos poderão contribuir para a sustentabilidade das pequenas unidades rurais. 5. Estudo de uma unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana aplicada ao meio rural A disponibilidade e o uso da água na região Nordeste é um assunto que sempre está na ordem do dia, devido às constantes secas que provocam consequências desastrosas para a população que vive da agricultura, sobretudo a de subsistência. Por isso, na maior parte dessa região, a escassez e o acesso à água ainda é uma dificuldade. Projetos de desenvolvimento de tecnologias sociais fazem mais sentido nessa região, uma vez que possui a maior proporção de população de baixa renda do país e tem que superar grandes obstáculos em termos de sobrevivência. Ao final de 2004 foi aprovado pelo CNPq um projeto de pesquisa encaminhado pela Unidade Acadêmica de Desenho Industrial da Universidade Federal de Campina Grande, sob a coordenação do prof. Luiz Eduardo Cid Guimarães, intitulado “Projeto Pilões: desenho Industrial e tecnologia apropriada, uma intervenção sistêmica em assentamentos rurais”. O projeto, com vigência até o final de 2006, enfatizava a junção de múltiplos conhecimentos dentro da academia, pois contou com a participação de professores e estudantes das áreas de: desenho industrial, engenharia mecânica, engenharia agrícola, ciências econômicas e ciências sociais. Tinha como objetivo geral desenvolver ações integradas para a geração de tecnologias apropriadas voltadas para os assentamentos de reforma agrária e para as pequenas propriedades rurais da microrregião do Brejo Paraibano, bem como sua imediata apropriação pelos agricultores e suas famílias. O projeto gerou frutos, atingindo a maior parte dos seus objetivos, dentre os quais se destacou a criação de protótipos de uma bomba de água movida à propulsão humana, sem deixar de considerar outras tecnologias sociais (na época, denominadas de tecnologias apropriadas) que foram desenvolvidas, a exemplo do projeto de uma decorticadora de castanha de caju, o projeto de um debulhador de urucum e o protótipo de um secador solar de frutas. O caso da bomba de água foi o mais enfático, pelo fato de ter sido desenvolvido no contexto de uma microrregião nordestina caracterizada por um microclima, variando entre 24º e 25ºC, marcado por altas precipitações pluviométricas, situada no Planalto da Borborema, no estado da Paraíba. Trata-se de um território atípico, em termos de Nordeste brasileiro, em que há bastante água, muitas represadas por lagos naturais e açudes, porém seu acesso é problemático, devido ao relevo acidentado do lugar. Outro problema verificado na microrregião estudada foi a falta de energia elétrica ou, no caso de sua disponibilidade, o alto custo da mesma. Dessa forma, considerou-se importante o desenvolvimento de produtos movidos a energias alternativas. A ideia do produto desenvolvido já existia, tendo sido apenas reformulada e melhorada pelos pesquisadores. A bomba de água representou, no contexto em que se inseriu, uma melhoria nas condições de vida dos pequenos agricultores dos assentamentos rurais, uma vez que as fontes de água nem sempre estavam próximas das suas residências e dos espaços de cultivo e de criação dos animais domésticos. O equipamento foi projetado para ser movido e utilizado no bombeamento de água para diversos fins: abastecimento doméstico, pequenas irrigações, abastecimento de pequenos criadouros de animais, entre outras utilidades. Uma destas outras 9 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. finalidades da bomba foi a de suprir a casa-sede do principal assentamento rural do município de Pilões-PB, de água, na medida em que a mesma não dispunha de água corrente. A bomba permitiria o transporte da água que vinha por gravidade de um pequeno açude, localizado ao lado da casa, para uma caixa d‟água no telhado da mesma. Na casa-sede funcionava a oficina de artesanato, composta por mulheres assentadas, denominada “Grupo de Artesanato Mulheres da Terra”, além de um grupo de jovens que confeccionava bijuterias. Posteriormente foi implantada uma pequena biblioteca no mesmo local. Com base em uma metodologia que pretendia a participação dos pequenos agricultores, conjuntamente com os profissionais do desenho industrial e de outras áreas, o projeto do produto foi desenvolvido e foram construídos três protótipos. No caso da construção da bomba de água, a metodologia proposta funcionou apenas em parte, pois não houve possibilidade de troca de conhecimentos entre os atores da situação na sua concepção, mas houve uma interação a respeito do seu uso e das necessidades que poderiam ser supridas com seu uso, bem como na fase de testes. A ideia de um equipamento movido à propulsão humana, no caso, por meio de pedais, era algo existente na literatura sobre tecnologias apropriadas, baseada em experiências realizadas tanto no Brasil quanto em outros países, a exemplo da máquina de lavar roupa desenvolvida pelo próprio pesquisador coordenador do referido projeto (GUIMARÃES, 1995). O primeiro protótipo da bomba de água movida a pedal construído foi denominado Acqua I. A bomba utilizada no equipamento era de duplo estágio (bomba de pistão), possuindo vazão (tubos de 1”) de 1.000 litros/hora, com sucção máxima de 7,5 metros e elevação máxima de 20 metros. O produto projetado é visualizado na Figura 1. Figura 1 – Bomba d‟água movida a pedal – Acqua I (GUIMARÃES et al, 2006. p. 67) O equipamento despertou interesse da comunidade rural, como também da comunidade científica, chegando a ser exposto na I Bienal Brasileira de Design realizada em São Paulo no ano de 2006. Diante do sucesso nos testes do primeiro equipamento, bem como da sua demanda por parte de Organizações Não Governamentais ligadas à agricultura familiar no estado da Paraíba, um segundo protótipo foi construído, e como sempre ocorre, buscando melhorias em relação ao anterior. O segundo protótipo projetado e construído foi denominado de Acqua II, mostrado na figura a seguir. 10 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. Figura 2 – Bomba d‟água movida a pedal – Acqua II (GUIMARÃES et al, 2006. p. 68) Entretanto, alguns problemas de funcionamento vieram à tona, a exemplo de um bombeamento não satisfatório. Este protótipo utilizou o mesmo tipo de bomba da Acqua I, bem como seu sistema volante-bomba. Este sistema é considerado o “coração” do equipamento e consiste numa associação entre o volante, espécie de roda de concreto que serve para otimizar a força exercida pelos pedais, e a bomba de deslocamento positivo. Porém, uma mudança foi operada na Acqua II, que procurou diminuir o tamanho e, consequentemente, o peso representado pela roda de concreto (polia), com o intuito de tornar mais leve o movimento dos pedais. Todavia, a mudança não gerou os resultados esperados. Os pesquisadores buscaram, assim, sanar as falhas detectadas nos protótipos construídos para o seu pleno funcionamento. Em 2010, quatro anos após o término da pesquisa que viabilizou o projeto de produto original, um novo equipamento foi idealizado e projetado. Este novo projeto procurou superar os problemas dos anteriores e, seguindo as premissas do desenho industrial, imprimiu uma nova identidade em termos de estética e funcionalidade no produto. A nova unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana utiliza um sistema mecânico hidráulico constituído por uma bomba d‟água de duplo estágio denominada Riachuelo. O sistema de acionamento é composto por peças mecânicas que, acionadas pelo pedal, movimentam o eixo da bomba hidráulica. Este sistema, oriundo dos protótipos anteriores, com as devidas correções das falhas antes apresentadas, mostrou um funcionamento bastante eficiente. A figura seguinte mostra o desenho da bomba acoplada à estrutura do equipamento. Figura 3 – Bomba acoplada à estrutura do equipamento O conceito final do produto projetado partiu da solução dos problemas individuais, porém com vista a concretizar o produto como uma totalidade. Sua forma seguiu, na maioria das vezes, sua função prática, a fim de reduzir ao máximo o dimensionamento, o peso e, consequentemente, os materiais e os processos, deixando o produto mais simples e econômico. A figura seguinte mostra o equipamento finalizado e disposto para o uso ao qual se propõe. 11 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. Figura 4 – Unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana O processo de construção do protótipo acima pode ser interpretado através do enfoque da adequação sociotécnica, proposto por Dagnino, Brandão e Novaes (2004), uma vez que sua concepção e elaboração partiram de conhecimentos técnicos existentes, mas foi contextualizada no âmbito de uma comunidade rural, adequando-se aos interesses dos seus atores sociais. Nesse processo, algumas modalidades da abordagem podem ser destacadas: o uso e a apropriação do equipamento criado, sobretudo por se tratar de algo cuja propriedade é coletiva; a revitalização ou repotenciamento do equipamento, o que se verificou a partir do projeto de uma nova versão da unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana; a incorporação de conhecimento científico-tecnológico existente, especialmente o que se desenvolve na ambitude da universidade, entre os seus múltiplos departamentos, mas sem deixar de considerar o contexto local em que o projeto de produto é realizado e será utilizado. 6. Considerações finais A literatura acerca das tecnologias sociais ainda não atingiu a difusão e o alcance esperado no âmbito acadêmico, apesar de existir mais trabalhos voltados para as tecnologias apropriadas, cuja crítica deu origem ao conceito de tecnologias sociais, baseadas em uma nova fundamentação teórico-conceitual. Entretanto, após as mudanças econômicas causadas pela reestruturação produtiva dos anos 90, as tecnologias sociais assumiram importância no que tange à inclusão social de segmentos menos favorecidos da população. Verifica-se que muitas ONGs, cooperativas, associações e, no caso em foco, assentamentos rurais vêm utilizando produtos e processos concebidos com base nas tecnologias sociais. Os objetivos dessas tecnologias adéquam-se perfeitamente aos empreendimentos autogestionários. Com base na abordagem da adequação sociotécnica, estudou-se aqui o caso do projeto de produto de uma unidade de bombeamento de água movida à propulsão humana, cujo desenvolvimento ocorreu no contexto de um assentamento rural de reforma agrária, no estado da Paraíba. Desde sua concepção inicial, o projeto passou por diversas fases, até atingir os seus objetivos finais. Atualmente, o projeto foi reformulado, o que permitiu corrigir problemas anteriormente detectados e imprimir uma nova identidade em termos de estética e funcionalidade ao produto. No momento atual da finalização do projeto de produto, pretende-se angariar recursos para a construção de um protótipo, que será testado em laboratório e posteriormente levado a campo. Seguindo a abordagem adotada, que buscou utilizar uma metodologia de projeto participativa, apesar das dificuldades de viabilização do uso da mesma na prática, constatou-se que o processo de desenvolvimento do equipamento foi realizado com vistas a produzir algo a ser apropriado 12 XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011. como uma propriedade coletiva de uma comunidade rural, por parte de atores que participaram da sua construção. Realizou-se também um processo de revitalização e repotenciamento do equipamento, visando uma maior funcionalidade e durabilidade, além de mudanças estéticas. As mudanças implementadas inserem-se na perspectiva da inovação incremental, enfatizando as necessidades dos atores sociais/usuários do produto, que interagiram com os pesquisadores no processo de construção dos protótipos. Nesse sentido, considerou-se o projeto de produto como um processo de construção social de uma tecnologia a serviço de uma população rural de baixa renda, cuja apropriação coletiva poderá proporcionar melhorias nas condições de trabalho, de produção e de vida da própria população. Por outro lado, permitiu aos pesquisadores um enriquecimento em termos de aquisição de conhecimento localizado, existente na diversidade de contextos sociais em que os projetos são desenvolvidos. Espera-se que projetos desta natureza possam ocupar mais espaço nas linhas de pesquisa dos professores universitários, de modo que lhes permitam descobrir o grande potencial de sua relação com a sociedade. 7. Referências DAGNINO, R. A tecnologia social e seus desafios. In: Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, p. 187-209, 2004. DAGNINO, R.; BRANDÃO, F. C.; NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico-conceitual da tecnologia social. In: Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, p. 15-64, 2004. ELLIOTT, D.; ELLIOTT, R. The control of technology. London: Wykeham Publications, 1976. ER, H. A.; LANGRISH, L. Industrial Design in Developing Countries: a review of the design literature. Manchester: Institute of Advanced Studies/Manchester Metropolitan University, 1992. FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL. Banco de tecnologias sociais. Disponível em: <http://www.tecnologiasocial.org.br/bts/APPS/jsp/bancoTecnologia.jsp>. Acesso em 03 abr. 2011. GUIMARÃES, L.E.C. Product design in the context of the social needs in less industrialized economies. 1995. (Tese de Doutorado) – University of Aston, Birmingham, 1995. GUIMARÃES, L. E. C. et al. 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