PERFIL SÓCIODEMOGRÁFICO DOS USUÁRIOS DE PROCEDIMENTO ASSISTIDOS NO CAPS II ADULTO DE FLORIANOPI QUE TENTARAM SUICÍDIO Mychelangela de Assis Brito 1, Flávia Regina Sousa2 INTRODUÇÃO O interesse pelo tema do suicídio surgiu a partir de nossa intervenção no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), onde as tentativas de suicídio apareciam crescentemente nas ações cotidianas, merecendo maiores aprofundamentos analíticos para uma atuação mais efetiva sobre o fenômeno. Historicamente o comportamento suicida sempre existiu, mas a forma de sua compreensão variou nas várias sociedades, tendendo na sociedade Ocidental moderna a ser um tema tabu, como a morte de uma maneira geral. Contudo, modificaram-se com o passar do tempo o modo de concebê-lo socialmente, com maior ou menor tolerância, visto de maneira plural como: pecado mortal, como ato sujeito às penalidades da lei, portanto um crime ou simplesmente aceito em determinadas circunstâncias, como na situação que precede diagnósticos psiquiátricos. O suicídio atualmente é concebido como um problema de saúde pública no mundo inteiro. A Organização Mundial de Saúde - OMS divulgou no ano de 2000 que um milhão de pessoas faleceu por suicídio e que o número de mortes dessa natureza no planeta atingirá 1.530.000 até o ano de 2020. Estima-se ainda que o número de tentativas de suicídio seja de dez a vinte vezes superior ao número de mortes notificadas. Chama também atenção para o número de mortes em decorrência dessas tentativas ao longo dos anos (DURKHEIM, 2005). Essas constatações resultaram em um esforço mundial para tentar modificar esse panorama desfavorável através do planejamento de políticas de saúde pública e ações específicas de combate/prevenção ao suicídio. 1 Bacharel e Licenciada em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Especialista em Urgência e Emergência, Especialista em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Especialista em Atenção Psicossocial, Especializanda em Gestão em Saúde, Docente da Faculdade de Ensino Superior de Floriano – FAESF e da Universidade Federal do Piauí, e-mail: [email protected] 2 Licenciada em Psicologia, Especialista em Saúde da Família, Especialista em Psicologia do Trânsito, Especialista em Docência do Ensino Superior, psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II) de Floriano-PI, docente da Faculdade de Ensino Superior de Floriano (FAESF) e da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e-mail: [email protected] A prática de atendimento psicológico e de enfermagem nos tem feito observar e refletir sobre algumas questões que circundam o suicídio. Uma delas é que, conforme Holmes (2001) a maioria das tentativas sem sucesso advém de pessoas do sexo feminino, em idade produtiva, com situação socioeconômica vulnerável, portadoras de algum transtorno de humor, sendo mais comum na depressão. Encontramos em comum na nossa realidade a variável da presença de sintomas depressivos ou mesmo de uma depressão já instalada, bem como outras alterações no estado mental. Muitas vezes no primeiro caso os sintomas passam despercebidos pela família e pelos amigos. Acrescido a isso o fato de quando tomam conhecimento, os familiares não buscam ajuda por vergonha, preconceito ou ainda por não acreditarem que a depressão seja uma enfermidade e como tal precisa de tratamento. No segundo caso, são pessoas que de algum modo já iniciaram alguma forma de tratamento e por algum motivo não deram continuidade. Outra variável comum nos casos de tentativas de suicídio é o aumento no índice cometido por jovens em idade produtiva pelos motivos mais “frágeis” que se possa imaginar. Diante do exposto surgiram as seguintes questões norteadoras: *Qual o perfil do usuário assistido no CAPS II de Floriano que tentou suicídio? *Qual a faixa etária mais acometida? *É mais comum o suicídio entre homens ou entre mulheres? Respostas a estes questionamentos poderão contribuir de maneira significativa para uma maior compreensão do fenômeno e das variáveis acerca do suicídio e consequentemente, contribuir com uma intervenção mais efetiva. No sentido estrito, compreendê-lo a partir do reconhecimento de suas características, sua conceituação e sua compreensão histórica e cultural, e no sentido lato, a partir do planejamento de políticas de saúde públicas que possam, a partir de estratégias preventivas eficazes, evitá-lo. Informar, prevenir e evitar mortes por si só tornou viável e relevante a execução do presente trabalho. Nossa trajetória profissional enquanto membros da equipe do Centro de Atenção Psicossocial nos levou a refletir sobre a importância do cumprimento de todas as ações programadas para desenvolvimento de um modelo de assistência que pretende atuar na promoção da saúde para mudanças dos paradigmas de desfavorecimento da sociedade. O atendimento psicológico e de enfermagem na atenção à saúde mental é uma terapêutica que nos remete e nos coloca em contato com os conteúdos e experiências mais pessoais do ser humano. Faz-nos perceber quanto de sofrimento psíquico existe no interior de suas mentes, de como esse sofrer se expressa em seu comportamento a partir de suas atitudes. O contato com o sofrimento psíquico das pessoas tem sido fonte de angústia para os profissionais das diversas áreas, mais especificamente os da área de saúde mental, que buscam de algum modo, a partir de sua prática, proporcionar ou ajudar àquele que sofre, a buscar alívio dos seus sintomas a partir da reorganização de seus pensamentos, do despertar para a sua percepção de mundo, e de sua autopercepção bem como através da mudança de perspectiva, reconstruindo projetos de vida. O atendimento psicológico e de enfermagem faz parte do projeto terapêutico da grande maioria destes usuários e a partir desse atendimento tem sido possível identificar contingências ambientais, distorções perceptivas, sintomas neuróticos e psicóticos como pano de fundos para um intenso e nem sempre evitável sofrimento psíquico, que muitas vezes conduz o usuário a buscar uma solução definitiva para si: o suicídio. O suicídio constitui exatamente uma reação social, contra o isolamento social, o empobrecimento da rede social etc. Durkheim (2005) já dizia que o suicido é um ato social mais frequente da patologia mental. É por isso que somos levados a falar frequentemente, em psiquiatria, de “idéias de suicídio”, que são a expressão de um distúrbio instintivo afetivo bastante profundo em que se misturam a angústia e o delírio. Em virtude de se encontrar na literatura relatos de que as características predominantes de pessoas com risco de suicídio em geral são: homens, pessoas idosas, adultos jovens, pessoas que estão passando por estresse ou perda incomum, aqueles que estão desempregados, divorciados, viúvos ou que vivem sozinhos, com história de tentativa de suicídio prévio, suicídio na família ou doença psiquiátrica nos instigou a fazer o levantamento do perfil sóciodemográfico dos usuários de procedimento assistidos no CAPS II de FlorianoPI. O conhecimento deste perfil contribuirá para maior aproximação do universo do suicídio e seus aparatos institucionais, sociais e humanos, notadamente previsto no interior da rede de atenção substitutiva ao hospital psiquiátrico, como o CAPS II Adulto de Floriano, servindo, ainda, de subsídio para definir políticas voltadas para as pessoas que buscam uma solução na vida por essa via. Ao levantar o perfil sóciodemográfico desse segmento espera-se identificar subsídios para melhorar a intervenção da equipe multiprofissional primeiramente pela qualificação de informações estratégicas, através da pesquisa, e em seguida, na reformulação de projetos terapêuticos. Com isso objetivou-se traçar o perfil sóciodemográfico dos usuários de procedimento assistidos no CAPS II Adulto de Floriano que tentaram suicídio, coletando dados sóciodemográfico dos usuários de procedimento assistidos no CAPS II Adulto de Floriano a partir do prontuário, identificando a relação entre os dados do perfil sóciodemográfico obtidos com o suicídio. REFERENCIAL TEÓRICO O comportamento suicida é descrito pela Organização Mundial de Saúde como um sério problema de saúde publica em âmbito mundial. Atualmente existem quase 900.000 de óbitos todos os anos. Morre-se mais de suicídio do que da soma de todos os acidentes de trânsito e guerras, apesar da mídia interessar-se bem mais por estes fenômenos, haja vista inclusive uma ação de coibir o sensacionalismo desses casos que poderia influenciar novos casos. Em termos globais, o suicídio encontra-se entre as três principais causas de óbitos entre os jovens de 25 anos de idade, o que é também o caso nas grandes cidades brasileiras (BRASIL, 2007). Acredita-se que se a esse índice for acrescentado as tentativas de suicídio, teremos um aumento bastante significativo tanto na carga de sofrimento individual e familiar como da carga econômica para a sociedade. Acredita-se ainda que possivelmente o que aumentou consideravelmente, foi de um lado a quantidade e a qualidade da informação e de outro, a percepção das autoridades sobre a importância do assunto uma vez que se observa o deslocamento da maior incidência do suicídio dos idosos para a população mais jovem. Conforme Correa e Barreto (2002), o vocábulo suicídio, ao que tudo indica, seria derivado do latim a partir das palavras “sui” (si mesmo) e “caedes” (ação de matar-se). O comportamento suicida, independentemente das polêmicas sobre sua origem, sempre esteve presente entre as sociedades. Desde as culturas pré-históricas, entre os habitantes gregos, no México antigo, entre os Wikings e no Oriente. Cada uma das várias escolas filosóficas tinha sua própria posição sobre a questão, variando de uma completa oposição, como entre os pitagóricos, até uma completa aceitação como entre os epicurianos (DURKHEIM, 2005). Até o século XVII, o suicídio foi tratado principalmente por um viés filosófico-moralreligioso. Foi somente a partir do século XIX que se tentou uma abordagem mais cientifica com Esquirol na psiquiatria e Durkheim na sociologia com seu “Lê Suicide”. Com isso foi possível tentar entendê-lo em vários aspectos diferentes: psiquiátrico, sociológico, psicológico e, mais recentemente, biológico. Segundo Durkheim (2005) a tentativa de definir conceitualmente o suicídio passa por diversos pontos de vistas. Sêneca refere que “o suicidio é um ato de heroismo”; Kant o define como “a destruição arbitrária e premeditada que o homem faz de sua natureza animal”; Rosseau define como uma “violação ao dever de ser útil ao próprio homem”; Nietzsche diz ser o suicídio “ admitir a morte no tempo certo e com liberdade” e Jean Paul Sartre como “ uma fuga ou um fracasso”. Posições diversificadas que deixam claro a natureza do julgamento do suicídio como positivo ou negativo e de extremos opostos como entre Sêneca e Sartre. A primeira teoria que tentou explicar as causas do suicídio foi a psiquiátrica a partir de Pinel e Esquirol. Historicamente foi associada à loucura e como tal deveria ser abordada prevenindo seus efeitos, por exemplo, a partir de um choque violento para corrigir os “defeitos mentais”. Em 1927, Esquirol sistematizou sua teoria a partir dos quatro tipos: escapista, que caracteriza fuga de situações intoleráveis; agressivo que envolve subtipos como o crime, a vingança, correio-negro e apelo e oblativo caracterizado pelo sacrificio lúdico pela necessidade de se provar algo e o jogo (CORRÊA; BARRERO, 2002). Em sua obra Lê Suicide, Emile Durkheim diz que apesar de ser difícil definir o desejo consciente de quem o pratica, o suicídio seria todo caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vitima, a qual sabia ser dever ele produzir este resultado. Ele avalia os fatores sociais e teorias que poderiam influenciar o suicídio e classifica o fenômeno como egoísta quando há uma excessiva individualização, resultando de pessoas que não mais encontram razões para continuar vivendo; altruísta quando há uma individuação insuficiente e as bases parecem se situar no “além” da vida; anômico para referir desregulação, falta de norma restritivas e por fim o suicídio fatalista quando há excessiva regulação sofrida pelo individuo (DURKHEIM, 2005). Conforme Corrêa; Barrero (2002), os pontos centrais na definição de suicídio são a intenção de morrer, o uso de um método que o individuo acredita resultar em morte. Definem, pois, o suicídio como: todo ato, executado pelo próprio individuo, cuja intenção seja a sua morte, através de um meio no qual o individuo acredita resultar no fim de sua vida. Trata-se de um diálogo entre a concepção e o problema a ser investigado. Segundo Brasil (2007) o comportamento suicida vem ganhando impulso em termos numéricos e, principalmente, de impacto, como podemos ver pelos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS): o número de mortes por suicídio, em termos globais, para o ano de 2003 girou em torno de 900 mil pessoas. Na faixa etária entre 15 e 35 anos, o suicídio está entre as três maiores causas de morte. Nos últimos 45 anos, a mortalidade global por suicídio vem migrando em participação percentual do grupo dos mais idosos para o de indivíduos mais jovens (15 a 45 anos). Em indivíduos entre 15 e 44 anos, o suicídio é a sexta causa de incapacitação. Para cada suicídio há, em média, 5 ou 6 pessoas próximas ao falecido que sofrem consequências emocionais, sociais e econômicas. 1,4% do ônus global ocasionado por doenças no ano 2002 foi devido a tentativas de suicídio, e estima-se que chegará a 2,4% em 2020. Existem estágios no desenvolvimento da intenção suicida, iniciando-se geralmente com a imaginação ou a contemplação da idéia suicida. Posteriormente, um plano de como se matar, que pode ser implementado por meio de ensaios realísticos ou imaginários até, finalmente, culminar em uma ação destrutiva concreta. Contudo, não podemos esquecer que o resultado de um ato suicida depende de uma multiplicidade de variáveis que nem sempre envolve planejamento (DURKHEIM, 2005). Segundo Holmes (2001) há três características próprias do estado em que se encontra a maioria das pessoas sob risco de suicídio: a ambivalência que é a atitude interna característica das pessoas que pensam em ou que tentam o suicídio. Quase sempre querem ao mesmo tempo alcançar a morte, mas também viver. O predomínio do desejo de vida sobre o desejo de morte é o fator que possibilita a prevenção do suicídio. Muitas pessoas em risco de suicídio estão com problemas em suas vidas e ficam nesta luta interna entre os desejos de viver e de acabar com a dor psíquica. Se for dado apoio emocional e o desejo de viver aumentar, o risco de suicídio diminuirá. Impulsividade: o suicídio pode ser também um ato impulsivo. Como qualquer outro impulso, o impulso de cometer suicídio pode ser transitório e durar alguns minutos ou horas. Normalmente, é desencadeado por eventos negativos do diaa-dia. Acalmando tal crise e ganhando tempo, o profissional da saúde pode ajudar a diminuir o risco suicida. Já rigidez/constrição: o estado cognitivo de quem apresenta comportamento suicida é, geralmente, de constrição. A consciência da pessoa passa a funcionar de forma dicotômica: tudo ou nada. Os pensamentos, os sentimentos e as ações estão constritos, quer dizer, constantemente pensam sobre suicídio como única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair do problema. Pensam de forma rígida e drástica: “O único caminho é a morte”; “Não há mais nada o que fazer”; “A única coisa que poderia fazer era me matar”. Análoga a esta condição é a “visão em túnel”, que representa o estreitamento das opções disponíveis de muitos indivíduos em vias de se matar. Alguns sinais podem ser identificados na história de vida e no comportamento das pessoas que podem sinalizar risco de suicídio. Esses sinais indicam que determinada pessoa tem risco para o comportamento suicida. Portanto, deve-se ficar mais atento com aqueles que apresentam: comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos, parca rede social; doença psiquiátrica; alcoolismo; ansiedade ou pânico; mudança na personalidade, irritabilidade, pessimismo, depressão ou apatia; mudança no hábito alimentar e de sono; tentativa de suicídio anterior; odiar-se, sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha; uma perda recente importante – morte, divórcio, separação, etc; história familiar de suicídio; desejo súbito de concluir os afazeres pessoais, organizar documentos, escrever um testamento, etc.; sentimentos de solidão, impotência, desesperança; cartas de despedida; doença física crônica, limitante ou dolorosa; menção repetida de morte ou suicídio. Algumas teorias tentam explicar o suicídio, dentre elas temos a teoria Psicanalista, da Aprendizagem, da Desesperança/Desespero/Culpa, Teoria Sociológica e Teoria Biológica. Conforme a teoria psicanalítica o ser humano possui dois instintos primários básicos conhecidos como Eros e Thanatos, instinto de vida e morte subsequentemente. O thanatos têm como meta devolver ao individuo o estado de calma e não existência do qual ele veio e uma vez sobreposto ao instinto de vida pode levar o individuo a cometer o suicídio. Ainda conforme a mesma teoria a meta do suicida não é a autodestruição, mas a destruição de um objeto externo internalizado. Este objeto gera sentimentos ambivalentes de amor e ódio, que podem permanecer latentes e serem despertados a qualquer momento da vida do individuo em situações que provoquem sentimentos de dor e raiva reprimidos inicialmente (BOWLBY, 1973 apud HOLMES 2001). Na Teoria da Aprendizagem a imitação é a premissa básica para a explicação do suicídio. Pessoas realizam tentativas de suicídio após ouvirem relatos históricos de outras pessoas ou mesmo após assistirem reportagens sobre o tema na televisão. Em estudo realizado por Bollen & Phillips (1981) constatou-se que fatalidades com veículos automotores aumentaram após suicídios bem divulgados e levantam a possibilidade de que outros acidentes nos quais os indivíduos foram mortos fossem na verdade suicídios encobertos. O contagio comportamental se refere a restrições culturais que podem impedir o individuo de fazer algo. Diferencia-se da imitação porque no contágio comportamental a pessoa deseja fazer algo, sente-se impedido porque a sociedade julga o ato como errado, mas ao ver alguém realizar aquele ato e escapar pensa ser possível escapar também. No que se refere ao suicídio o efeito do contagio comportamental não é tão eficaz. Ghosh e Victor (1994) bem como Beck e colaboradores (1990) identificaram a desesperança como fator central subjacente na predisposição ao suicídio. O individuo sente-se incapaz e impotente para realizar qualquer mudança apesar de perceber a impossibilidade de ir adiante sem que haja uma modificação na sua vida, o que gera culpa e auto-recriminação. Conforme dados do National Institute of mental Health, 1976, Wekstein, 1979 apud Holmes (2001), existem explicações psicodinâmicas contemporâneas para o suicídio que envolvem fenômenos como conflito, estresse e suicídio. Pessoas cometem suicídio para escapar de conflito e estresse. O aumento das taxas de suicídio durante a Grande Depressão na década de 30 e a recessão econômica da década de 70 evidenciou esta relação. De modo geral, porém pairam duvidas quanto a esta relação direta devido a duas situações especificas: nem todos que são expostos ao estresse cometem suicídio e a segunda é que indivíduos que cometem ou tentam suicídio nem sempre estão vivendo situação de estresse. A depressão aparece como fenômeno que tem papel relevante no comportamento suicida e também relaciona o estresse. Kraft & Babigian et al (1973) apud Holmes (2001), revelam que pelo menos 80% dos pacientes suicidas estão deprimidos e que a taxa de suicídio entre indivíduos deprimidos é 22 a 36 vezes superior àquela entre indivíduos não deprimidos. Observaram então que a depressão pode resultar de estresse ou desequilíbrio fisiológico que podem ocorrer também na ausência do stress e mesmo assim conduzir a pessoa ao comportamento suicida. Outros elementos que podem ser considerados dentro das explicações psicodinâmicas são as fantasias quanto ao que o suicídio trará, como por exemplo, a identificação com o objeto perdido, o renascimento que ocorreria após a morte, a autopunição e a vingança. Durkheim (2005) ao estudar o suicídio do ponto de vista social caracteriza 3 tipos de suicídio: suicídio egoísta que decorre da inexistência para o individuo do sentimento de pertença e em resposta a esse distanciamento matar-se significa mostrar à sociedade como se sente; suicídio altruísta em oposição ao suicídio egoísta é caracterizado pela ligação extrema a um determinado grupo social religioso, político, cultural, etc.; suicídio por anomia resultante da desorganização emocional ou interrupção de normas comportamentais pessoal e socialmente estabelecidas. Geneticamente existe correlação entre gêmeos monozigóticos e tentativa de suicídio, mais do que em gêmeos dizigóticos. Fatores neuroquímicos relacionados com a diminuição da serotonina também estão presentes em clientes deprimidos que tentaram suicídio (CORRÊA; BARRERO, 2002). Segundo Martini e Silveira (2007) há três níveis de gravidade na reação suicida: o desejo, a tentativa e a realização, sendo que as vivências precursoras mais comum no suicídio são: culpa, real ou não; sentimento de perda do valor pessoal de desespero; desejo intenso de punição; isolamento ou infelicidade; agitação e ansiedade externas e perda grave da saúde física. Observar frequentes episódios de tentativas de suicídio feitas pelos usuários, acompanhá-los no lento e doloroso processo de reencontro consigo mesmo e com sua família após as tentativas, observar a impotência destas famílias frente a esses episódios e ainda acompanhar o aumento nos índices de suicídio cometidos por pessoas das diversas idades, jovens e adultos no nosso município, nos coloca na condição de responsáveis por uma proposta/projeto consistente quer direta quer indiretamente uma vez que somos parte de uma equipe que trabalha diariamente em função da saúde mental destas pessoas. Acompanhamos usuários com depressão que já contam com histórico de várias tentativas, de diversas formas, o que aumenta a chance de consumação do fato: ingestão excessiva de medicamentos, corte nos pulsos, ingestão de substâncias altamente tóxicas como veneno para ratos e soda cáustica. A mídia informa com certa frequência a ocorrência de mais um caso de suicídio seja por enforcamento (a forma mais comumente observada), ingestão de substâncias tóxicas e até mesmo por arma de fogo (HOLMES, 2001). Para Martini e Silveira (2007) as formas mais comuns são armas de fogo, enforcamento, afogamento, se jogar de altitudes, envenenamento, asfixia e corte em vasos calibrosos. Estudos indicam que não existe um perfil clínico único entre pacientes internados devido a uma tentativa de suicídio, havendo inclusive subnotificações. Mais ainda, nem sempre essas tentativas ou o próprio suicídio (investigado através de “autópsia psicológica”) podem ser associados a doença mental subjacente. Fatores individuais, sociais e culturais exercem papel decisivo (MELLO, 2000). Entretanto não se pode deixar de valorizar essa associação: transtornos mentais (entre eles, a depressão) e o suicídio uma vez que outras pesquisas afirmam que 90% dos casos do suicídio relacionam-se com transtornos mentais (PRIETO; TAVARES, 2005). É importante ressaltar que, como regra geral, uma boa abordagem em situações de crises em pessoas com distúrbios psíquicos deve ser: manter a calma, porém demonstrar firmeza; não desqualificar as falas ou a expressão do pensamento e dos sentimentos do indivíduo; tatear com cautela na intervenção verbal, gestos e proximidades físicas; retirar do ambiente onde se desenrola a crise, elementos que sejam indesejáveis ao paciente; não negar, mas também não alimentar ideações delirantes; às vezes é preciso ganhar tempo; e se decidir pela intervenção física, procurar proceder com firmeza e segurança (MARTINI; SILVEIRA, 2007). A diversidade de abordagens teóricas para a compreensão do suicídio – teorias cognitivo-comportamentais, abordagens psicodinâmicas e abordagens sistêmicas, por exemplo - apenas explicitam como esse tema pode ser tão instigante e provocador de tantos trabalhos teóricos e clínicos, afirmando mais uma vez como o contato com a morte pode ser mobilizador de caminhos para a criatividade e a vida. Brasil (2001, p.138) ressalta que: [...] A Reforma Psiquiátrica tem, na essência de sua motivação, a busca incessante do direito e da cidadania. Dessa forma, preconiza a reabilitação psicossocial das pessoas que apresentam transtornos mentais mediante princípios como respeito e recontextualização de suas diferenças, preservação de sua identidade e cidadania, envolvimento e participação ativa no tratamento por parte dos familiares e responsáveis, horizontalmente nas relações, multiprofissionalidade com interdisciplinaridade transformando o hospitalismo e a dependência em desinstitucionalização e autonomia. Na realidade, a proposta da Reforma Psiquiátrica, também conhecida como psiquiatria da desinstitucionalização, era a desospitalização dos doentes mentais, conseguida através do fechamento dos hospitais psiquiátricos e a substituição destes por serviços substitutivos que suprissem a necessidade dessa demanda e oferecessem subsídios para o reconhecimento da cidadania e a reinserção social de pessoa com transtorno mental, tendo por principal veiculo dessa proposta o CAPS. O CAPS é um serviço comunitário-ambulatorial que toma para si a responsabilidade de cuidar de pessoas que sofrem com transtornos mentais no seu território de abrangência. Diferenciam-se pelo porte, capacidade de atendimento, clientela atendida e organizam-se no país de acordo com o perfil populacional dos municípios brasileiros. Assim, estes serviços se classificam como CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPS ad (BRASIL, 2008). Cada usuário do CAPS deverá ter um projeto terapêutico individual, isto é, um conjunto de atendimentos que respeite a sua particularidade, personalize o atendimento de cada pessoa na unidade e fora dela, propondo atividades durante a sua permanência diária no serviço (BRASIL, 2004). Portanto, o projeto terapêutico avalia as necessidades de cada usuário, baseadas nas suas habilidades e potencialidades. Desse modo, dentre as atividades oferecidas pela “semi-internação”, são escolhidas aquelas que possibilitem a ajuda que o paciente necessite. De acordo com o projeto terapêutico do usuário do serviço, os CAPS poderão oferecer de acordo com as determinações da Portaria GM 336/02: Atendimento Intensivo: é o atendimento diário, oferecido a pessoa com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades intensas no convívio social e familiar, precisando de atenção contínua. Segundo Brasil (2005), é o atendimento prestado a pacientes que requeiram tratamento contínuo, com atenção rigorosa e observação permanente, casos dos portadores de condições clínicas potencialmente reversíveis. Quando necessário, pode ser domiciliar; Atendimento Semi-intensivo: neste tipo de atendimento o usuário pode ser atendido até 12 dias no mês. É oferecido quando o sofrimento e a desestruturação psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de relacionamento, mas ela ainda necessita de atenção direta da equipe para se estruturar e recuperar a sua autonomia. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário. Atendimento Não-intensivo: oferecido quando a pessoa não precisa de suporte contínuo da equipe para viver e realizar suas atividades na família ou no trabalho, podendo ser atendido até três dias no mês. Esse atendimento também pode ser domiciliar. Entende-se, portanto, que o ato terapêutico revela-se um ato de integração, na medida em que tende a reabsorver, num nível regressivo, uma crise em pleno curso, ou seja, a reabsorver a crise retrocedendo à aceitação daquilo que a provocara. Sendo assim, o sucesso do acolhimento é essencial para o cumprimento do objetivo maior do CAPS, que é a reinserção dos usuários e de sua família, viabilizando sua inclusão na rede de serviços e na comunidade. METODOLOGIA Utilizou-se uma pesquisa de abordagem quantitativa, que de acordo com Oliveira (2007), caracteriza-se por quantificar opiniões, dados, na forma de coleta de informações e outros, sendo normalmente utilizada em pesquisas que buscam mensurar informações. Possui caráter descritivo-explicativa. Segundo Gil (2002), as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre as variáveis socioeconômicas, sendo que uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário, o formulário e a observação sistemática. Já uma pesquisa explicativa, de acordo com Figueiredo (2008), pode ser a continuação de outra descritiva, posto que a identidade dos fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência de um fenômeno exige que este esteja suficientemente descrito e detalhado. A pesquisa foi realizada no Centro de Atenção Psicossocial II (CAPS II) de FlorianoPiauí, considerado como um centro de referência para o município de Floriano e localidades adjacentes, implantado em 2006. É um serviço de saúde aberto e comunitário do SUS, criado com a missão de dar atendimento diurno, de segunda a sexta-feira, às pessoas que sofrem com transtornos mentais e comportamentais, oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação, evitando as internações e favorecendo a inclusão social do usuário. Antes de tal serviço ser criado, a assistência prestada era somente a nível hospitalar, sendo os casos mais graves encaminhados para a capital do estado. De certa forma, o Caps acaba funcionando como emergência, acolhendo e medicando pacientes, mas evitando quando possível, encaminhá-los para a internação. Nestes casos, a equipe dá uma assistência mais intensiva, inclusive realizando visitas domiciliares. Hoje a Instituição conta com uma estrutura mais ampla, criada para beneficiar os usuários, funcionários e a comunidade. Sua equipe é composta por 02 enfermeiros, 02 técnicos de enfermagem, 01 médico psiquiatra, 01 médico clínico, 01 psicólogo, 02 pedagogos, 01 educador físico, 01 assistente social, 01 técnico administrativo, 01 farmacêutico, 01 artesão e outros profissionais necessários ao setor (vigias, recepcionistas, cozinheiros, profissionais de serviços gerais, motorista). Os prontuários de pacientes que se encontram em procedimento (Intensivo, Semiintensivo ou Não-intensivo) durante todo o ano letivo são divididos em quatro APACs (Autorização para Procedimento de Alta Complexidade): 1°APAC de janeiro a março/ 2° APAC de abril a junho/ 3°APAC de julho a setembro/ 4°APAC de outubro a dezembro. Ou seja, a cada três meses é feita uma revisão do estado geral do paciente e caso este tenha tido uma melhora, piora ou estabilidade no seu quadro clínico pode mudar ou não de categoria. Na APAC, a unidade de registro é o paciente e todos os dados, inclusive do seu acompanhamento médico-assistencial, são registrados sob numeração única (ROUQUAYROL; FILHO, 2003). Um dos fatos que mais chama a atenção quando se entra no Centro de Atenção Psicossocial II é a dificuldade para reconhecer de imediato quem são os médicos, psicólogos ou enfermeiros, pois a equipe não usa uniforme. Faz parte da filosofia de trabalho desconstruir a hierarquia, buscando maior interação e aproximação com os usuários do Centro. Os usuários que procuram o serviço vêm por meio de diferentes indicações: ambulatórios, comunidade, dentre outros. São recebidos para uma consulta (triagem), realizada por um membro da equipe técnica, que tem a função de acolher os pacientes. É feito um acordo com cada paciente para estabelecer sua frequência semanal. O atendimento clínico é complementado por atividades terapêuticas, levando o usuário a pintar, estudar, ouvir músicas, entre outras. Uma vez por semana ocorre uma reunião para avaliar a qualidade do atendimento, tanto do ponto de vista administrativo quanto clínico. Nas reuniões, todos os integrantes da equipe técnica participam, debatendo caso a caso a situação dos pacientes. A Instituição possui um total de 1.146 pessoas cadastradas. No entanto, foi tomado como universo do estudo, os 220 prontuários de pacientes pertencentes à 1a APAC (Autorização para Procedimento de Alta Complexidade), por coincidir com o período da coleta de dados e que se encontravam em procedimento (intensivo, semi-intensivo ou nãointensivo). Foram analisados os 220 prontuários dos pacientes que se encontraram em procedimentos da 1ª APAC: Intensivo, Semi-Intensivo e Não-Intensivo. Para efeito da pesquisa foram considerados como sujeitos os usuários que sobreviveram a uma tentativa de suicídio; os usuários cujo motivo de procura de atendimento foi a ideação suicida; usuários com outras queixas, mas que admitem sua ideação suicida e usuários que negam ideação suicida, mas demonstram comportamentos com potencial suicida. Os dados foram coletados pelas pesquisadoras durante o período de março a abril de 2010, em dias úteis, de segunda a sexta-feira, durante funcionamento normal do CAPS II Adulto com auxílio de um formulário, que de acordo com Cervo; Bervian (2002) caracterizase como uma lista informal, destinada à coleta de dados resultantes quer de observações, quer de interrogações, cujo preenchimento é feito pelo próprio investigador. O propósito na coleta de dados em um estudo quantitativo é quantificar opiniões e dados gerando medidas objetivas, confiáveis, válidas e que sejam generalizadas através de questionários com categorias de suporte pré-determinados. O formulário abrangeu as variáveis de identificação sócio-econômicas, tais como: gênero, faixa etária, estado civil, rendimentos, situação empregatícia e tabagismo. Optou-se também, apenas a título de enriquecimento da pesquisa, em verificar o projeto terapêutico e o diagnóstico em que estavam inseridos estes usuários. Os dados foram coletados utilizando-se a ficha de acolhimento do usuário, de acesso restrito e de valioso conteúdo científico. Este protocolo de acolhimento é um documento existente no SAME, desde 2006, ano em que se iniciou o serviço na Instituição, com o intuito de melhor conhecer a clientela ali atendida, bem como as complicações clínicas associadas. Após a coleta, os dados foram submetidos à análise que para Gil (2002, p.125), “envolve codificação das respostas, tabulação dos dados e cálculos estatísticos. [...] pode ocorrer também a interpretação dos dados que consiste em estabelecer ligação entre os resultados obtidos com outros já conhecidos.” A análise dos dados aconteceu após organização e interpretação do conteúdo incluso em formulário, a partir do software Excel da Microsoft Office 2007 que permite uma distribuição das variáveis acima citadas. Os resultados obtidos foram apresentados através de tabelas e gráficos, seguidos de análise crítica e bibliográfica. Em respeito aos aspectos administrativos, foi encaminhado ofício de solicitação para o desenvolvimento da pesquisa ao responsável pela Instituição (CAPS II), e somente após autorização oficial iniciou-se a coleta de dados. O estudo foi realizado levando em consideração a Resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que fornece informações sobre pesquisas envolvendo seres humanos, individualmente ou coletivamente, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou a partir deles, incluindo o manejo de informações ou materiais (BRASIL, 1996). A pesquisa proposta não estabeleceu contato com seres humanos, entretanto os prontuários que foram estudados continham informações e peculiaridades de pessoas, portanto fez-se necessário ressaltar que permaneceu assegurado e garantido o anonimato dos sujeitos que foram envolvidos indiretamente neste estudo. Os dados coletados foram analisados e discutidos segundo literatura pertinente. RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS Foram analisados os 220 prontuários dos pacientes que se encontraram em procedimentos da 1ª APAC: Intensivo, Semi-Intensivo e Não-Intensivo. Desses 85 eram homens e 135 mulheres o que corresponderam a 100% dos prontuários analisados. A informação mostra que o publico usuário do Caps no período de analise dos prontuários era majoritariamente feminino. Para efeito da pesquisa foram considerados como sujeitos os usuários que sobreviveram a uma tentativa de suicídio; os usuários cujo motivo de procura de atendimento foi a ideação suicida; usuários com outras queixas, mas que admitem sua ideação suicida e usuários que negam ideação suicida, mas demonstram comportamentos com potencial suicida. Devido ausência de informações a respeito do número de tentativas e a forma utilizada para a ação, esse dado não foi quantificado na pesquisa o que demonstra que os profissionais ainda não se preocupam com a realização de uma anamnese minunciosa e detalhada a respeito desse tipo de usuário. Precisam desenvolver melhor suas habilidades em investigar questões relativas ao suicídio. TABELA 1 – Usuários que se encontram em procedimento e que tentaram suicídio PROCEDIMENTO QTIDE PERCENTIL TENTARAM SUICÍDIO INTENSIVO 45 20,5% 7,5% SEMI-INTENSIVO 75 34% 16,4% NÃO-INTENSIVO 100 45,5% 17,1% TOTAL 220 100% 41% FONTE: Pesquisa de Campo, 2010. Segundo a autorização para procedimentos de alta complexidade, existe um teto máximo de usuários a cada três meses, sendo distribuídos em Intensivos, Semi-intensivos e Não-intensivos como observado na tabela 1. Os usuários Não-intensivo mostraram-se mais evidentes em se tratando de tentativas de suicídio, ficando com 17,1%, seguido dos Semiintensivos (16,4%) e em menor escala dos Intensivos (7,5%). Diferente do que poderíamos imaginar ou seja, que os usuários intensivos tivessem um percentual maior de tentativas de suicídio, quando na verdade essa é a realidade para os não intensivos cujo atendimento é menos frequente e normalmente tem, em tese, quadros menos graves de descompensação. De qualquer maneira, a quantidade de pessoas com tentativa ou ideação suicida é muito alto no Caps, ou seja, 41% do total em análise, sendo menos frequente entre os intensivos, que recebem uma atenção mais continua. TABELA 2 – Perfil dos usuários que tentaram suicídio segundo o Sexo SEXO USUÁRIOS PERCENTIL TENTARAM SUICÍDIO EM PROCED. QTIDE PERCENTIL MASCULINO 85 38,6% 18 21% FEMININO 135 61,4% 44 20% TOTAL 220 100% 62 41% FONTE: Pesquisa de Campo, 2010. De acordo com a pesquisa, houve uma prevalência de homens (21%) em relação às mulheres (20%), o que não significa que este valor realmente se equipara na realidade, devido muitas vezes à falta de informações no prontuário. Nasi (2006) classifica como usuários de alto risco para suicídio pessoas do sexo Masculino. Homens cometem suicídio muito mais frequentemente que mulheres, mas estas fazem mais tentativas de suicídio, e na presença de transtorno psiquiátrico, o risco de suicídio é igual, tanto para homens como para mulheres (NUNES FILHO; BUENO; NARDI, 2005). Segundo Townsend (2002) as mulheres tentam mais o suicídio, mas um número maior de homens tenta o suicídio com êxito, que corresponde a 70% no caso dos homens e 30% das mulheres. TABELA 3 – Perfil dos usuários que tentaram suicídio segundo Situação Conjugal SITUAÇÃO MASCULINO FEMININO CONJUGAL QTIDE PERCENTIL QTIDE PERCENTIL CASADO 5 5,9% 15 6,8% SOLTEIRO 13 15,1% 22 10% VIÚVO - - 3 1,4% DIVORCIADO - - 4 1,8% FONTE: Pesquisa de Campo, 2010. A tabela 3 vai de encontro com diversas pesquisas no que diz respeito ao índice de suicídios nos usuários solteiros, devido muitas vezes à solidão. Em relação aos usuários do sexo masculino houve uma predominância de 15,1% solteiros e 5,9% casados; já as mulheres prevaleceram 10% de solteiras, 6,8% casadas, seguido de 1,8% de divorciadas e 1,4% de viúvas. Segundo Nasi (2006) pessoas com tendência ao isolamento em sentido amplo, como por exemplo, não ter parceiro, estar desempregado ou morar só, tem maior chance de cometerem suicídio. Considera alto risco para suicídio pessoas divorciados/viúvos e de baixo risco casados e com filhos. A freqüência de suicídios entre pessoas solteiras é o dobro das casadas. Os solteiros, divorciados e viúvos têm uma frequência quatro a cinco vezes maior que os indivíduos casados (SLABY; LIEB; TANCREDI, 1986 apud TOWNSEND, 2002). TABELA 4 – Perfil dos usuários que tentaram suicídio segundo a Faixa Etária FAIXA ETÁRIA MASCULINO FEMININO QTIDE PERCENTIL QTIDE PERCENTIL < 19 anos 2 2,3% 1 0,5% 20 a 59 anos 16 18,7% 40 18,2% > 60 anos - - 3 1,3% TOTAL 18 21% 44 20% FONTE: Pesquisa de Campo, 2010. De acordo com a faixa etária houve uma prevalência de usuários entre 20 a 59 anos, tanto do sexo masculino (18,7%) quanto feminino (18,2%). Nasi (2006) classifica como usuários de alto risco para suicídio pessoas maiores de 45 anos. A taxa de suicídio aumenta com a idade; não é a vida que se recusa, é a velhice, a solidão, a doença, a miséria, os sofrimentos da deficiência ou da agonia (ABREU, 2006). Segundo Nunes Filho; Bueno e Nardi (2005) a maior incidência é observada entre 4555 anos de idade. A partir dos 65 anos, as taxas globais aumentam drasticamente: o sucesso de tentativas é bem maior em idosos, apesar de o número de tentativas ser menor. Isto se deve à fragilidade da sua saúde física, seu isolamento e sua menor capacidade de criar expectativas. O suicídio vem tendo sua incidência aumentada na população infanto-juvenil de países pós-industrializados; as perdas familiares e as alterações ambientais influenciam para mais a ideação e o comportamento suicida na infância e na adolescência; o mesmo pode ser dito sobre a tendência de adolescentes para copiar o comportamento suicida de seus ídolos e/ou de pessoas famosas (NUNES FILHO; BUENO; NARDI, 2005). TABELA 5 – Perfil dos usuários que tentaram suicídio segundo Dependentes (filhos) FILHOS MASCULINO FEMININO QTIDE PERCENTIL QTIDE PERCENTIL SIM 4 4,7% 26 11,8% NÃO 14 16,3% 18 8,2% TOTAL 18 21% 44 20% FONTE: Pesquisa de Campo, 2010. Houve uma divergência em relação a presença de filhos nos usuários do sexo masculino e feminino, onde a maioria dos homens não tem filhos (16,3%) e a maioria das mulheres tem filhos (11,8%), não significando que embora não possuam filhos leve ao raciocínio de que o indivíduo sozinho cometa mais suicídio, pois esse índice pode fazer pensar que mesmo que os usuários possuam filhos, possa ser que estes não convivam com o usuário, levando mais uma vez a crer que o indivíduo que mora só tem uma maior incidência de tentar o suicídio. Indivíduos que convivem em núcleo familiar estável apresentam menor incidência de suicídio (NUNES FILHO; BUENO; NARDI, 2005). TABELA 6 – Perfil dos usuários que tentaram suicídio segundo a Religião RELIGIÃO MASCULINO FEMININO QTIDE PERCENTIL QTIDE PERCENTIL CATÓLICO 10 11,6% 22 10% EVANGÉLICO 2 2,3% 13 5,9% SEM RELIGIÃO 6 7,1% 9 4,1% TOTAL 18 21% 44 20% FONTE: Pesquisa de Campo, 2010. De acordo com a tabela 9 houve uma prevalência de católicos tanto para o sexo masculino (11,6%) quanto para o feminino (10%). A orientação religiosa é um fator importante na determinação de comportamento suicida: católicos e espiritualistas têm taxas histórica e significativamente menores de suicídio que protestantes e judeus (NUNES FILHO; BUENO; NARDI, 2005). Para Townsend (2002) os protestantes têm uma frequência de suicídio significativamente maior que católicos e judeus. Um forte sentimento de coesão numa organização religiosa parece ser um fator importante. Na realidade brasileira e piauiense pode se explicar a maioria das pessoas que cometeram suicídio ser da religião católica, em função das mudanças nas atitudes e práticas religiosas desse segmento, que se agrega menos em comunidades e grupos de pertencimento, enquanto os evangélicos tendem a se agrupar mais e assim, oferecer mais apoio e suporte mutuo, o que constitui fator de proteção ao suicídio. GRÁFICO 7 – Perfil dos usuários em Procedimento segundo o CID – 10 (Situação Mental) Dentre os resultados obtidos, teve-se uma grande diversidade de diagnósticos, o que dificultou e inviabilizou a categorização em tabela. Como em alguns prontuários estavam referidos mais de um diagnóstico resolveu-se apenas discuti-los baseando-nos na literatura existente, que de certo modo, coincide com os resultados identificados na pesquisa. Nasi (2006) classifica como usuários de alto risco para suicídio pessoas com Depressão grave, Psicose, Transtorno grave de personalidade, Alcoolismo/abuso de drogas e Desesperança, e de baixo risco os usuários com Depressão leve, Neurose, Personalidade normal, Etilista e Otimista. A tentativa de suicídio é um ato que advém, no geral, associado a depressão reativa, como por exemplo, a perda de um ente querido, perda da integridade ou condição corporal, auto-imagem deficiente, e pode ser vista como um apelo por ajuda e intervenção (SMELTZER; BARE, 2002). Segundo Nunes Filho; Bueno e Nardi (2005), a população deprimida tenta se matar mais frequentemente nos estágios iniciais da enfermidade. De maneira geral, pode-se afirmar que quando se alia a depressão aos outros fatores de risco, o potencial suicida aumenta. Alguns autores chamam a atenção que exatamente ao ingressar em tratamento para a depressão as chances de consumar o ato suicida aumentam, haja vista que as condições para tanto são potencializadas pela medicação, que aumenta a autonomia da pessoa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho procurou caracterizar os usuários que se encontram em acompanhamento no CAPS II Adulto do município de Floriano. Vale ressaltar que o estudo foi realizado com dados já produzidos pelo serviço, estando sujeito a limitações, que podem em maior ou menor grau, ter interferido nos resultados obtidos. Percebeu-se que a maioria dos usuários que já cometeram uma tentativa de suicídio é do sexo masculino, solteiros, com idade entre 20 e 59 anos e de religião católica, o que converge com os dados da literatura sobre o assunto. O CAPS se mostra como um dispositivo de atenção a saúde mental buscando ser um elo entre a sociedade e as pessoas que tentaram suicídio. Mesmo com algumas limitações, apresentadas pelos prontuários, a verdade é que o estudo produziu algumas diversidades de informações que, se utilizadas adequadamente servirão para subsidiar transformações na estruturação do serviço e no desempenho dos profissionais. Com base no estudo realizado recomenda-se: o aprimoramento no registro em prontuários, haja vista serem fontes indispensáveis para pesquisas do tipo sóciodemográfica; o registro da Classificação dos Diagnósticos nos prontuários; o maior preparo da equipe em relação ao tema do suicídio, haja vista o significativo numero de pessoas que apresentam ideação suicida ou mesmo já tentaram suicídio e que parece ser uma via bastante atraente de resolução de problemas na atualidade; a intensificação de pesquisas qualitativas com o objetivo de investir nos processos sociais subjacentes às tentativas de suicídio, haja vista investigar os determinantes sociais implícitos no problema; e a atuar a nível de promoção em saúde e qualidade de vida, criando ações intersetoriais do Caps com outros serviços bem como ações de educação em saúde, em conjunto com a Equipe Saúde da Família. REFERÊNCIAS ABREU, M. R. T. Urgências Psiquiátricas. In: PIRES, M. T. B.; STARLING, S. V. 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