Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Departamento de História D. Francisco de Sousa Coutinho em Angola: Reinterpretação de um Governo 1764-1772 Dissertação de Ana Madalena Rosa Barros Trigo de Sousa para obtenção do Grau de Mestre em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa sob orientação da Professora Doutora Jill Dias Funchal / Lisboa 1996 1 Introdução 2 Objecto do Trabalho 2 Informação Sobre Bibliografia e Fontes 4 PARTE I - ANGOLA EM MEADOS DO SÉCULO XVIII: 9 A Situação do Território e a Dificuldade da Implantação Portuguesa 9 Capítulo I- Enquadramento Geral: O Espaço e os Homens 10 Capítulo II- O Reino de Angola em Meados do Século XVIII 15 A) A Administração do Espaço Sob Domínio Português 17 B) A Conjuntura Económica: O Tráfico de Escravos 26 C) A Sociedade 31 D) O Reino de Angola e o Mundo Africano: Uma Relação Precária? 35 PARTE II - D. FRANCISCO DE SOUSA COUTINHO EM ANGOLA: 38 Uma Acção Governativa Condenada ao Fracasso? 38 Capítulo I- D.Francisco de Sousa Coutinho: Notícia Biográfica 39 Capítulo II- Sousa Coutinho e a Região Luso-Africana 41 A) Acção Governativa em Luanda 41 B) Relacionamento Com o Mundo Africano 56 Capítulo III- Sousa Coutinho e a tentativa de "fomento industrial": A "Fábrica do Ferro" de Nova Oeiras 78 A) Estabelecimento e Funcionamento da " Fábrica do Ferro " de Nova Oeiras 1766-1772 78 B) A problemática do trabalho indígena em Nova Oeiras 104 Capítulo IV- Sousa Coutinho e a Colonização do Planalto de Benguela 116 A) Um projecto de colonização? A " Angola Portuguesa " segundo o governador Sousa Coutinho 116 B) A fundação de povoações no planalto de Benguela 120 Conclusão: O Balanço do Governo de Sousa Coutinho em Angola 127 ANEXOS 130 Anexo I: Glossário - Expressões de Origem KiMbundu 131 Anexo II: Funcionalismo em Luanda no Tempo do Governador Sousa Coutinho 134 Anexo III: Capitães-Mores no Tempo do Governador Sousa Coutinho 138 Anexo IV: Sobados Identificados no Tempo do Governador Sousa Coutinho 140 Anexo V: Dembos, Potentados e Reinos no Tempo do Governador Sousa Coutinho 142 Bibliografia 143 I- Fontes Primárias Manuscritas 143 II- Fontes Primárias Impressas 143 III- Fontes Secundárias 144 IV- Estudos e Obras Críticas 145 2 Introdução Objecto do Trabalho É propósito deste trabalho contribuir para o desenvolvimento e aprofundamento da investigação no domínio da história de Angola numa perspectiva que pretende ressaltar o relacionamento entre os portugueses e as sociedades africanas durante o período que compreendeu o governo de D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho em Luanda de 1764 a 1772. Tem sido aceite de forma passiva considerar o governo de D.Francisco de Sousa Coutinho como um período crucial na história das relações entre Portugal e o território que então constituía a colónia de Angola. Em plena época pombalina e num contexto político-económico em que a coroa portuguesa pretendia reforçar os seus interesses em Luanda, o governador Sousa Coutinho, em sintonia com os pressupostos do governo de Lisboa, teria empreendido uma vasta acção quer no plano político e administrativo, quer no plano económico e social, numa tentativa de pôr termo à situação de abandono e desorganização interna que afectava o território angolano. Ao questionarmo-nos sobre os problemas que se ofereciam à presença portuguesa no espaço angolano naquela época, ficou-nos a dúvida acerca da real dimensão e alcançe da actuação de Sousa Coutinho. Essa dúvida foi o ponto de partida para o trabalho que nos propusémos efectuar. Em torno deste estudo foram várias as interrogações que se ofereceram à nossa análise. Procurámos saber em que medida é que o governo de Sousa Coutinho teria sido um período de progresso e avanço; qual ou quais as iniciativas introduzidas por este governador, o seu grau de originalidade e real impacto; como se organizava e se tentou implementar o poder português; como se organizava a vida económica; como se estruturava a sociedade colonial; qual o relacionamento entre o governo de Luanda e as 3 sociedades africanas. Este conjunto de problemas determinou a elaboração do presente estudo. Tendo D.Francisco de Sousa Coutinho ocupado o cargo de governador e capitão-general de Angola de 1764 a 1772, tomámos estes anos como limite cronológico. No entanto, gostaríamos de referir que o período que corresponde à governação em Angola do antecessor de Sousa Coutinho, D.António de Vasconcelos ( 1758-1764 ), será também merecedor da nossa atenção, tendo em conta que importa compreender em que medida é que alguma ou algumas das acções de Sousa Coutinho foram ou não oriundas da actuação do seu antecessor. Da mesma forma, tornou-se para nós fundamental perceber qual a linha governativa do seu sucessor, D.António de Lencastre ( 1772-1779 ) , se de continuidade ou ruptura. Com a nossa investigação sobre o governo de Sousa Coutinho em Angola pretendemos responder ao conjunto de questões acima enunciadas, numa tentativa de compreender o que foi a presença portuguesa naquele território, tendo em consideração, de um lado, as questões de política, administração e economia coloniais; do outro, as transformações ocorridas entre os poderes e as sociedades africanas, procurando corrigir a perspectiva fortemente eurocêntrica que tem caracterizado em Portugal e até data recente, os estudos relacionados com a história da presença portuguesa em Angola. Informação Sobre Bibliografia e Fontes É extremamente escassa a bibliografia respeitante ao governo de Sousa Coutinho em Angola. 4 Da década de trinta até ao início da de setenta deste século, alguns autores portugueses publicaram estudos referentes ao governo de D.Francisco de Sousa Coutinho em Angola. No seu conjunto, esta produção historiográfica, surgida no contexto do Estado Novo visava o enaltecimento da presença portuguesa em Angola e a sua legitimação junto das outras nações europeias. Assim, o governo de Sousa Coutinho em Angola, enquanto objecto de análise, servia os propósitos do poder político de então dado que era tido como uma época gloriosa do passado imperial, contribuindo para justificar a actuação portuguesa da altura. O resultado imediato desta visão da história aplicada ao governo de Sousa Coutinho foi a adopção de uma perspectiva eurocêntrica em que a exaltação dos feitos portugueses constituía o único objecto digno de estudo. A bibliografia sobre o governo de D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho teve como autores Gastão de Sousa Dias 1, Maria Teresa Amado Neves 2 , Jofre Amaral Nogueira 3 , Ralph Delgado 4 e António da Silva Rego 5. Em todos os autores encontramos um discurso estruturado em torno da apologia da figura e do governo de Sousa Coutinho. Escrevendo sobre os vários aspectos da actuação do governador D.Francisco de Sousa Coutinho e sem aferir de uma forma exaustiva ou sistemática a sua originalidade ou real dimensão, Gastão de Sousa Dias, Maria Teresa Amado Neves, Jofre Amaral Nogueira e Ralph Delgado, procuraram dar uma imagem idealizada da presença deste governador em Angola 6. 1 Gastão de Sousa Dias, D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Administração Pombalina em Angola, Lisboa, Editorial Cosmos- Cadernos Coloniais, nº 27, 1936 2 Maria Teresa Amado Neves, " D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho: Aspecto moral da sua acção em Angola " in I Congresso de História da Expansão Portuguesa no Mundo 4ª Secção- Africa, Lisboa, Sociedade Nacional de Tipografia, 1938, p.p.120-150 3 Jofre Amaral Nogueira, Angola na época pombalina. O governo de Sousa Coutinho, Lisboa, 1960 4 Ralph Delgado, " O governo de Sousa Coutinho em Angola " in Stvdia, VI, Julho 1960, p.p.19-56; VII, Janeiro 1961, p.p.49-86; X, Julho 1962, p.p.7-47 5 António da Silva Rego, " A Academia Portuguesa da História e o II Centenário da Fábrica do Ferro de Nova Oeiras, Angola " in Colectânea de Estudos em Honra do Prof.Doutor Damião Peres, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1974, p.p.387-398 6 Excepção no caso de António da Silva Rego, Ob.Cit., p.p.387-398. Este autor refere com clareza o problema do fracasso do empreendimento da fábrica do ferro de Nova Oeiras e com base em 5 Partindo do pressuposto de que o século XVIII teria sido um período de decadência na história de Angola, pressuposto nunca confirmado, viram em Sousa Coutinho alguém que conseguira, nas palavras de Ralph Delgado " sanear o ambiente de maneira a moralizá-lo à europeia " 7. A apologia de Sousa Coutinho é algo que perpassa ao longo do discurso daqueles autores, havendo momentos em que se revela particularmente eloquente. Para Ralph Delgado, D.Francisco de Sousa Coutinho foi " o homem que melhor compreendeu o admirável futuro reservado a Angola e quem mais trabalhou a seu favor " 8. Segundo Gastão de Sousa Dias, o governador Sousa Coutinho " imaginava soldar as pedras de um grandioso império (...) que desde o princípio do estabelecimento dos portugueses em Angola constituía uma aspiração instintiva da raça (...) o ideal secular de um povo por índole criador de nações 9 . Jofre Amaral Nogueira refere Sousa Coutinho como um " homem íntegro e esclarecido (...) incansavelmente devotado ao progresso da província " 10. Toda a política de Sousa Coutinho foi para Amaral Nogueira " uma genial antecipação (...) tendo contribuído para a grandiosidade da obra nacional em Africa " 11 Tal situação no tocante à bibliografia obrigou-nos a uma renovada atenção relativamente às fontes primárias com vista a preencher lacunas, a pesquisar aspectos não tratados; em suma, empreender uma reinterpretação do governo de Sousa Coutinho em Angola à luz de uma nova perspectiva. Para a concretização do nosso objectivo, pesquisámos nos principais arquivos portugueses. O principal núcleo arquivístico consultado foi o Arquivo Histórico Ultramarino, repositório de grande parte da documentação relativa à expansão ultramarina portuguesa onde abundam manuscritos referentes à documentação. Nos restantes autores, as referências bibliográficas ou documentais, quando existem, são muito escassas. 7 Ralph Delgado, Ob.Cit., ( X ) p.p.44-45 8 Ralph Delgado, Ob.Cit., ( X ) p.46 9 Gastão de Sousa Dias, Ob.Cit., p.p.61-62 10 Jofre Amaral Nogueira, Ob.Cit., p.p.169-170 11 Jofre Amaral Nogueira, Ob.Cit., p.p.164-166 6 história administrativa, económica, militar, política e social das colónias portuguesas 12. A documentação por nós consultada, documentos avulsos nas caixas de Angola e códices do Conselho Ultramarino, é constituída, no caso dos códices, quase exclusivamente por correspondência procedente da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos e dirigida aos governadores e outros altos funcionários coloniais em Luanda. Os códices oferecem uma fonte extremamente útil no seguimento do processo legislativo colonial aplicado em Angola e das motivações que guiavam os legisladores em Lisboa. As caixas de Angola contêm, na sua maioria, correspondência procedente de Angola e dirigida à Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, designadamente cartas e ofícios do governador contendo importante e abundante informação acerca da história social, económica, política e militar de Angola. Representando apenas a versão oficial dos acontecimentos e reflectindo os problemas relacionados com o poder colonial, a documentação consultada poderá apresentar um outro tipo de limitação dado que se dedica exclusivamente a assuntos e a acontecimentos que se reportam a Luanda e ao seu hinterland. Contudo, é preciso não esquecer que Luanda era capital e sede de governo e o seu hinterland, principal núcleo económico da colónia, a área que mais preocupava os funcionários coloniais. Informação sobre outras regiões tais como o planalto de Benguela, a costa norte ou o Kongo, são muito escassas e espaçadas. Devemos ainda salientar que, pelo facto de a documentação existente ser quase maioritáriamente constituída por correspondência dirigida de Luanda para Lisboa, a informação trocada entre funcionários do governo de 12 José Curto, " A colecção de manuscritos angolanos do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa " in Revista Internacional de Estudos Africanos, 6-7, Janeiro-Dezembro 1987, p.p.275-306. Este trabalho de José Curto revelou-se um bom instrumento de trabalho para o início da nossa pesquisa no Arquivo Histórico Ultramarino. 7 Luanda e os funcionários dos presídios do interior é em muito menor número. O mesmo se passa em relação à documentação que circulava entre o governo de Luanda e os chefes africanos. Além do importante volume de informação contido nos ofícios de Sousa Coutinho para a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, conseguimos localizar e analisar, na secção de Reservados e Manuscritos da Biblioteca Nacional, 3 códices contendo na sua totalidade correspondência entre o governador e os funcionários dos presídios do interior, assim como alguma correspondência com os régulos africanos 13. Ainda dentro das fontes primárias manuscritas, temos de mencionar a pesquisa no Arquivo Nacional da Torre do Tombo onde encontrámos alguns elementos relevantes e complementares dos dados recolhidos no Arquivo Histórico Ultramarino e no Arquivo Histórico Militar, onde a documentação consultada relativa ao século XVIII revelou-se escassa mas bastante significativa 14. No âmbito das fontes primárias impressas, a consulta da obra Arquivos de Angola 15 revelou-se de extrema importância dado que contém alguma documentação do Arquivo Histórico de Angola e do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Luanda, arquivos que, infelizmente, não pudémos consultar. Encontrámos ainda documentação com interesse editada por Alfredo de Albuquerque Felner na obra Angola. Apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral do sul de Angola, datada de 1940 16 . 13 José Curto, Ob.Cit., p.290. Não podemos deixar de mencionar a utilidade deste trabalho de José Curto dado que foi através dele que conseguimos localizar estes 3 códices na secção de Reservados e Manuscritos da Biblioteca Nacional. Sem ele teria sido, certamente, muito mais difícil, senão mesmo impossível. 14 Boletim do Arquivo Histórico Militar, 47, 1977, p.p.73-351. Este número contém um catálogo exaustivo de toda a documentação relativa a Angola que está neste arquivo, do século XVIII ao século XX. 15 Arquivos de Angola, Luanda, Publicação Oficial Editada pela Repartição Central de Estatística Geral de 1933 a 1963- I Série nº 1 a 54, II Série nº 1 a 82. 16 Alfredo de Albuquerque Felner, Angola. Apontamentos sobre a colonização do sul de Angola, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1940 8 Não podemos terminar esta introdução sem referir que nos faltaram as fontes para a elaboração da história do governo de Sousa Coutinho em Angola não baseada exclusivamente na versão oficial e eurocêntrica dos acontecimentos. Os documentos que analisámos são, na sua esmagadora maioria, correspondência dos representantes do poder colonial, poder que se assumia como superior e estando em competição com os poderes locais, e raramente reflectem, pelo menos de forma explícita a versão africana dos acontecimentos 17. Apesar das limitações apontadas, a documentação reunida no decurso da nossa pesquisa nos arquivos de Lisboa permitiu-nos, no seu conjunto, tentar caracterizar e compreender a governação de Sousa Coutinho em Angola, tarefa que dada a sua complexidade, não se esgota nesta dissertação. Esperamos num futuro próximo poder continuar o estudo da presença portuguesa em Angola e juntar aos elementos recolhidos em Lisboa, elementos dos núcleos arquivísticos de Angola, cuja consulta se impõe para a elaboração de estudos mais completos sobre a história da presença portuguesa naquele território assim como das sociedades angolanas. 17 Jan Vansina, Kingdoms of the Savanna, Madison, University of Wiscousin Press, 1966, p.p.3-6 e Beatrix Heintze, " Written sources, oral traditions and oral traditions as written sources- The steep and thorny way to early angolan history " in Paideuma, 33, 1987, p.p.263-277. Estes autores colocam o problema da diversidade das fontes no domínio da história de Africa e da limitação da documentação escrita, bem como da análise crítica que deve existir aquando da sua leitura. 9 PARTE I - ANGOLA EM MEADOS DO SÉCULO XVIII: A Situação do Território e a Dificuldade da Implantação Portuguesa 10 Capítulo I- Enquadramento Geral: O Espaço e os Homens Situado no Africa Ocidental, a sul do Equador, o território angolano tem um contorno geográfico característico daquela vasta região do continente africano. Uma estreita planície costeira eleva-se, suavemente, a partir do litoral Atlântico, no norte, e mais abruptamente nos seus segmentos central e meridional até atingir o planalto de Benguela-Bié ( 1500-1850 m ) 18; inúmeros rios correndo, geralmente, de leste para oeste, por entre as vertentes escarpadas dos planaltos do interior, circunstância que só permite a sua navegação práticamente junto ao litoral Atlântico. Mesmo os rios de maior dimensão como o Zaire ou o Kwanza só são navegáveis perto da costa 19. O deserto é a paisagem que marca a região sul-sudoeste, havendo uma transição gradual para norte, passando por savana seca com eufórbias, acácias e baobás até savana arborizada. A zona de Cabinda, ao norte do rio Zaire, é coberta por selva tropical 20 . A precipitação vai diminuindo de norte para sul. Das chuvas periódicas na região do Kongo, chega-se a um clima quase desértico junto ao baixo Kunene 21 . A planície costeira e nomeadamente a região de Luanda é bastante árida comparada com os planaltos do interior. Ao longo do litoral, as temperaturas são relativamente moderadas devido à fria corrente marítima de Benguela 22. O clima no interior, designadamente no planalto Benguela-Bié é ameno contrastando com o do litoral cujo Inverno, estação quente, húmida e sem precipitação se revela insalubre, dificultando a fixação humana 23. 18 Grande Enciclopédia Geográfica, Volume I, Lisboa, Verbo, 1985, p.177 Joseph Miller, Kings and Kinsmen. Early Mbundu States in Angola, Oxford, The Clarendon Press, 1976, p.31 20 Grande Enciclopédia Geográfica, Volume I, Lisboa, Verbo, 1985, p.177 21 Joseph Miller, Kings and Kinsmen. Early Mbundu States in Angola, Oxford, The Clarendon Press, 1976, p.32 22 Idem, Ibidem, p.32 23 Idem, Ibidem, p.32 19 11 Os habitantes do espaço angolano concentram-se nas terras mais propícias à agricultura, não muito numerosas, situadas geralmente junto aos rios. Os grupos Mbundu, população cuja língua é o kiMbundu, ocupam as regiões banhadas pelo rio Kwanza 24. A sua agricultura baseava-se numa variedade de safras, principalmente milho-miúdo, arroz, sorgo, inhames e óleo de palma, plantas cultivadas desde tempos antigos 25. Essa agricultura foi-se diversificando com a introdução e gradual adopção das plantas do Novo Mundo, tais como o milho-graúdo e a mandioca, proporcionando maiores e melhores rendimentos 26 . Nos sistemas agrícolas dos Mbundu temos também de contar com a presença de algum gado, sobretudo nas zonas onde não havia mosca tsé-tsé 27. Actividades de recolecção como a caça no interior e a pesca no litoral devem, certamente, ter desempenhado um papel importante 28. Paralelamente, há a considerar a circulação de um conjunto de bens essenciais na vida económica destas populações como o sal, o ferro e o cobre, base de um comércio indígena de longa distância, desenvolvido muito antes do advento da presença portuguesa em Angola 29. Além do sal e dos metais, outros bens como os panos de ráfia e palma e, devido à presença portuguesa nesta época, os panos de origem europeia e asiática, além do álcool, e das armas de fogo e pólvora; conchas e missangas, eram os principais produtos usados pelos Mbundu para transacções comerciais, como adornos pessoais, marcas de estatuto social 24 David Birmingham, Central Africa to 1870, Cambridge, Cambridge University Press, 1981, p.15 Jill Dias, Africa. Nas Vésperas do Mundo Moderno, Edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.136 26 Idem, Ibidem, p.136 27 Beatrix Heintze, " Angola nas garras do tráfico de escravos: As guerras do Ndongo ( 1611-1630 ) " in Revista Internacional de Estudos Africanos, I, Janeiro-Junho 1984, p.p.11-59 28 Beatrix Heintze, Ob.cit., p.11 29 David Birmingham, " Early African Trade in Angola and its hinterland " in Pre-Colonial African Trade, ed. D.Birmingham e R.Gray, 1970, p.p.163-173 25 12 ou emblemas de poder, desempenhando um papel preponderante na sua vida económica e social 30. A maior parte dos Mbundu estava integrada em grupos corporativos parentais ou linhagens cujo chefe exercia um controlo sobre a terra onde habitavam e sobre os seus filhos 31. Este tipo de controle era justificado e legitimado pela terminologia do parentesco, expressão de laços sociais e políticos, tanto no interior dos grupos ou linhagens, como entre si, mesmo quando não exista uma relação de consanguinidade 32. Tal como em outras sociedades do continente africano, entre os Mbundu, as pessoas eram consideradas um recurso de grande valor 33 e o poder do chefe de uma linhagem traduzia-se no número de dependentes que conseguisse agregar à sua volta. Quanto maior o seu séquito, maior a sua força política e também o seu poder económico dado que era a " transacção " dos direitos que exercia sobre os seus filhos e dependentes 34 que lhe proporcionava o acesso aos bens introduzidos pelos europeus, podendo com esses bens adquirir mais dependentes junto de outras linhagens 35. Os Mbundu encontram-se no espaço que constituía, em meados do século XVIII, a área de influência portuguesa situada entre os rios Dande, a norte, e Kwanza, a sul, conhecida e encarada pela corte de Lisboa como " o reino de Angola e suas conquistas " 36. Ocupava as regiões do extinto reino do Ndongo, um estado independente e relativamente poderoso até meados do século XVII, altura em que fora derrotado pelos portugueses com o 30 Jill Dias, Africa. Nas Vésperas do Mundo Moderno, Edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.142 31 Idem, Ibidem, p.130 32 Idem, Ibidem, p.130 33 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988. Em especial ver capítulo 2 The Value of Material Goods and People in African Political Economies p.p.40-70 34 Acerca da questão dos direitos sobre as pessoas nas sociedades africanas ver de Igor Kopytoff e Suzanne Miers " African Slavery as an Institution of Marginality " in Slavery in Africa. Historical and Anthropological Perspectives, Madison, University of Wisconsin Press, 1977, p.p.3-81 35 A expressão " dependentes " engloba um conjunto de indivíduos que podiam ser parentes, clientela ou escravos do chefe de linhagem. Ver Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.42 e ss 36 Idem, Ibidem, p.34 13 auxílio dos povos Imbangala 37, encontrando-se dividido em sobados ( ou comunidades rurais ) cujos chefes ou sobas descendiam da aristocracia do extinto reino do Ndongo 38. Em toda a área de influência portuguesa, que também incluía a sul do Kwanza o presídio de Benguela e seus arredores, a presença das comunidades Luso-Africanas, comunidades nascidas da união entre portugueses e africanas ao longo do século XVII, era uma realidade. Em meados do século XVIII, os Luso-Africanos desempenhavam um importante papel no tráfico atlântico de escravos como agentes dos mercadores de Luanda junto dos potentados africanos do interior fornecedores dos escravos, mercadoria que alimentava o principal negócio do Atlântico Sul 39. Na área exterior à influência portuguesa há a considerar o Império Lunda, situado a leste do rio Kwango; a oeste deste rio, os potentados de Kasanje, do Holo e de Nzinga-Matamba, todos ligados ao mundo português dado que são os seus fornecedores de escravos 40. O reino do Kongo e os potentados Musulu, a norte do Dande; Sonyo, junto ao rio Mbrije e os povos Mubire ou Vili na região do Loango fornecem escravos aos ingleses, franceses e holandeses, concorrentes dos portugueses e daí a difícil relação que têm com a administração de Luanda 41 . 37 Jill Dias, Africa. Nas Vésperas do Mundo Moderno, Edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.121 e também Joseph Miller, " The Imbangala and the Chronology of Early Central African History " in The Journal of African History, Volume 13, nº4, 1972, p.p.549-574 38 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.34 39 Idem, Ibidem, p.245 e ss. Sobre o tema dos Luso-Africanos ver ainda de Jill Dias " Uma Questão de Identidade: Respostas Intelectuais às Transformações Económicas no Seio da Élite Crioula da Angola Portuguesa entre 1870 e 1930 " in Revista Internacional de Estudos Africanos, I, Janeiro-Junho 1984, p.p.61-93 40 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.p.30-33 41 Idem, Ibidem, p.p.35-37 14 Por último, é ainda de referir a Kisama, região de importantes salinas e refúgio de escravos em fuga 42 e, ao sul, os potentados Ovimbundu no planalto de Benguela-Bié 43. A implantação e dimensão da administração portuguesa na zona entre Dande e Kwanza e a forma como procurou sobreviver face a este complexo mapa étnico-político são as questões que nos propomos abordar no próximo capítulo da Parte I da nossa dissertação. 42 43 Idem, Ibidem, p.37 Idem, Ibidem, p.28 15 Capítulo II- O Reino de Angola em Meados do Século XVIII Na sequência dos contactos estabelecidos com o reino do Kongo em finais do século XV 44, os portugueses, mais concretamente os habitantes de São Tomé e Príncipe, começaram a frequentar a costa de Angola à procura de fornecimentos de escravos 45. Nesta época, o principal poder da região era um estado Mbundu conhecido na documentação portuguesa como o reino do Ndongo cujo rei se intitulava Ngola, encontrando-se situado no interior, no planalto de Luanda 46. As origens do reino do Ndongo são pouco conhecidas , embora investigação recente indique que o poder político e espiritual do Ngola residia no seu controlo de dois bens essenciais ao funcionamento da economia das populações da região- os depósitos de ferro junto ao rio Lukala e as rotas do sal da Kisama 47. Os primeiros contactos formais entre Ndongo e Portugal ocorreram em 1520, em resposta a um apelo do Ngola Inene Kiluanji, feito através do rei do Kongo, solicitando o envio de missionários cristãos 48. Com o propósito de divulgar o cristianismo junto do Ngola e seu povo, foram enviados os emissários Manuel Pacheco e Baltasar de Castro. Contudo, pouco se sabe do resultado desta primeira missão oficial portuguesa no Ndongo 49. 44 As caravelas portuguesas chegaram ao estuário do rio Zaire por volta de Maio de 1483, Jill Dias, " As primeiras penetrações portuguesas em Africa " in Portugal no Mundo, Volume I, Lisboa, Alfa, 1989, p.p.281-298 45 Jean-Luc Vellut, Questions Speciales d Histoire de L Afrique, Université Nationale du Zaire- Campus de Lubumbashi, Faculté des Lettres- Département d Histoire, 1972-1973, p.p.57-65 46 David Birmingham, Central Africa to 1870, Cambridge, Cambridge University Press, 1981, p.p.24-39 47 Jill Dias, " As primeiras penetrações portuguesas em Africa " in Portugal no Mundo, Volume I, Lisboa, Alfa, 1989, p.p.281-298 48 Idem, Ibidem, p.p.281-298 49 Monumenta Missionária Africana, I Série- Africa Ocidental ( 1570-1599 ), Volume I, Regimento de Manuel Pacheco e Baltasar de Castro, 16 de Fevereiro de 1520, p.p.431-440 16 Entretanto, os habitantes de São Tomé e Príncipe tinham intensificado os seus contactos com o Ngola, desenvolvendo-se o tráfico de escravos para aquele arquipélago, à revelia do coroa 50. Em 1559 parte de Lisboa uma nova expedição comandada por Paulo Dias de Novais, talvez com a finalidade de negociar com o Ngola uma maior participação da metrópole neste tráfico com o Ndongo. Esta segunda missão acabou por falhar devido à hostilidade do novo Ngola, Ndambi, que entretanto tinha ascendido ao poder, terminando uma fase, relativamente pacífica, de actividade portuguesa em território angolano 51. Quando Paulo Dias de Novais regressou ao Kwanza em 1575 foi como donatário de uma faixa de território junto ao litoral, dando início a uma política completamente nova em relação à Africa Ocidental a sul do Equador. Ao contrário da presença pacífica no Kongo, voltada para a missionação e para os contactos diplomáticos, em Angola assistiu-se a uma política de conquista militar e a uma tentativa de colonização do território 52. A forte oposição do Ngola à presença dos portugueses teve por consequência quase um século de conflitos, acabando o reino do Ndongo por ser derrotado na década de 1670 53 . Os portugueses preservaram o nome " Ngola " para designar a região conquistada que passou a ser conhecida por " reino de Angola " ( uma corruptela de Ngola ) ou ainda por " colónia de Angola " 54. 50 Jill Dias, " As primeiras penetrações portuguesas em Africa " in Portugal no Mundo, Volume I, Lisboa, Alfa, 1989, p.p.281-298 51 Idem, Ibidem, p.p.281-298 52 A carta de doação outorgada a Paulo Dias de Novais pelo rei D.Sebastião em 1571 é clara quanto ao seu principal objectivo: " D.Sebastião etc Aos que esta minha carta virem faço saber que vedo e conssiderando em quanto couem a seruiço de Noso Senhor e tão bem ao meu mandar sogeitar e conquistar o Reyno d Angola " in Monumenta Missionária Africana, I Série- Africa Ocidental ( 15701599 ), Volume III, p.36. É feita a Paulo Dias de Novais uma doação irrevogável de 35 léguas de terra " na costa do dito Reyno de Angola que começará no rio Quanza e agoas vertentes a elle pera o sul e etrara pella terra dentro quanto poderem entrar e for de minha conquista, da qual terra pella dita demarcação lhe asj faço doação e merce de juro e d erdade pera todo o sempre como dito he ", Idem, Ibidem, p.37 53 Jill Dias, Africa. Nas vésperas do mundo moderno, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.121. Os portugueses só conseguiram derrotar o reino do Ndongo devido à aliança estabelecida com os povos Imbangala; sobre este assunto ver Joseph Miller, " The Imbangala and the chronology of early Central African history " in The Journal of African History, Volume 13, nº4, 1972, p.p.549-74 54 José Carlos Venâncio, A economia de Luanda e hinterland no século XVIII- Um estudo de etnologia histórica, Lisboa, 1985, p.p.21-22 17 A) A Administração do Espaço Sob Domínio Português Em meados do século XVIII, o território angolano que estava sob administração portuguesa compreendia duas zonas. A primeira estava delimitada a norte pelo rio Dande, a sul pelo Kwanza, a leste pelo Lukala e a oeste pelo oceano Atlântico. A segunda era a zona de Benguela. Nesta extensão territorial a afirmação do poder político português era extremamente precária permitindo que até ao século XIX coexistissem várias soberanias. A portuguesa, confinada ao litoral e a alguns presídios no interior, a de diversos potentados localizados fora do reino de Angola e, por vezes, hostis ao governo de Luanda e a dos sobados, que reconhecendo o governador português, não permitiam que a sua autoridade se exercesse nos seus domínios 55. Em suma, apenas uma diminuta parcela do território se podia considerar sob jurisdição portuguesa visto que às portas de Luanda e junto aos presídios que circundavam o Kwanza, o domínio era já precário. Apesar desta difícil situação, a manutenção de Angola justificou-se no facto de o tráfico de escravos ter constituído, desde o início da presença portuguesa no território, o fulcro da sua vida económica em estreita ligação com a economia do Brasil. Enquanto fornecedor de mão-de-obre escrava, sustentáculo da economia brasileira dos séculos XVII e XVIII, Angola, assim como outros domínios da costa ocidental africana, foi considerado, na perspectiva da coroa portuguesa, um espaço vital orientado para o desenvolvimento de uma política colonial atlântica protagonizada pelo Brasil 56. 55 Carlos Couto, Os capitães-mores em Angola no século XVIII. Subsídio para o estudo da sua actuação, Luanda, Instituto de Investigação Científica de Angola, 1972, p.103 56 Maria Luísa Esteves, " Para o estudo do tráfico de escravos de Angola ( 1640-1668 ) " in Stvdia, nº50, 1991, p.p.79-95 18 Data de finais do século XVII o início da definição do contorno administrativo do território angolano que, com ligeiras alterações no século seguinte, chegou, quase incólume, ao século XIX 57. Após a fundação da vila de São Paulo de Assumpção de Luanda em 1576, elevada a cidade em 1605 58, seguiu-se a conquista e tentativa de ocupação do interior orientada por três objectivos: procura de metais preciosos, nomeadamente prata que se supunha existir no sertão; difusão do cristianismo, componente essencial em toda a expansão portuguesa; e o comércio de resgate e tráfico de escravos que depressa assumiu uma importância primordial 59. Na convicção de que hipotéticas minas de prata se encontravam na região de Cambambe, a linha natural da penetração portuguesa no sertão foi o curso do rio Kwanza 60 . Perante a constatação da inexistência das minas de prata de Cambambe foi para o tráfico de escravos que se voltaram as atenções. A ocupação militar do território e o alargamento do tráfico de escravos levaram ao aparecimento de povoações e à construção de fortalezas. Além de Luanda, no litoral, foram surgindo no interior, desde finais do século XVI até meados do século XVIII alguns presídios que funcionavam como postos avançados na defesa de Luanda e seu hinterland 61 . Se a doação a Paulo Dias de Novais, feita nos termos das cartas de doação das capitanias brasileiras, representou uma primeira tentativa de delimitação do território, do seu reconhecimento e da exploração dos seus recursos naturais, foi a chegada, em 1592, do primeiro governador-geral que marcou, de facto, o início de uma política colonizadora assumindo-se a metrópole como orientadora exclusiva e única entidade financeira do 57 Carlos Couto, Ob.Cit., p.103 José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.21-22 59 Carlos Couto, Ob.Cit., p.104 60 Carlos Couto, Ob.Cit., p.104 61 Carlos Couto, Ob.Cit., p.104 58 19 processo de conquista militar, processo que se prolongou até finais do século XVII 62. A mesma situação observava-se no século XVIII. O governo e administração do reino de Angola estavam integralmente nas mãos da coroa, representada no terreno pelo governador e capitão-general, nomeado pelo rei por um período de 3 anos 63. Ao embarcarem para Angola, os governadores levavam o seu " regimento ", documento onde constavam os pontos fundamentais a ter em conta no exercício das suas funções 64. O regimento do governo-geral de Angola passado em 26 de Março de 1607 ao governador então nomeado, Manuel Pereira Forjaz, teria sido, porventura, o primeiro organizado em moldes gerais dele constando instruções esclarecedoras da administração pública e da evolução territorial de Angola no início do século XVII 65 . No regimento do governo de Angola outorgado a Aires de Saldanha de Meneses em 1676 encontra-se definida a jurisdição atribuída ao governador enquanto primeiro magistrado do território que se apresenta válida para o século XVIII. No capítulo 43º, ao determinar-se a sua alçada no foro civil e judicial, são-lhe concedidos amplos poderes: " Hey por bem que em quanto servirdes o dito governo tenhães jurisdição no civel e no crime em toda a gente moradora e estante nese reyno e em toda a mais que a elle for (...) e nos cazos crimes vos e o dito ouvidor geral tereis jurisdição ate morte natural incluzive asim nos portugueses como christãos da terra, escravos e gentios em todos os cazos, asim para absolver como para condenar sem apelação e agravo (...) " 66. Era-lhes confiado o governo civil e militar do território assim como a presidência da Junta da Fazenda e da Junta Criminal , instituições criadas 62 Ralph Delgado, História de Angola, s.l., Edição do Banco de Angola, s.d., Volume I, p.p.356-57 Marcelo Caetano, " As reformas pombalinas e post-pombalinas respeitantes ao Ultramar. O novo espírito em que são concebidas " in História da Expansão Portuguesa no Mundo, Volume III, Lisboa, Ática, 1940, p.p.251-260 64 Carlos Couto, Ob.Cit., p.p.170-71 65 Ralph Delgado, Ob.Cit., Volume II, p.11 66 A.H.U., Angola, Códice 544, fl.1-28 v- Regimento do governo de Angola dado a Aires de Saldanha de Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, capítulo 43º 63 20 no âmbito das reformas pombalinas introduzidas para o Brasil e Angola com o objectivo de administrar a fazenda pública e a justiça com maior eficácia 67. A " Junta da Fazenda Real do Reino de Angola " foi estabelecida por carta régia de 18 de Novembro de 1761 68. Era presidida pelo governador assistido pelo ouvidor que assumia o cargo de provedor da fazenda e do juiz de fora como procurador 69 . Contava ainda com a presença de um tesoureiro e de um feitor, ambos nomeados por três anos 70, sendo o feitor ajudado por um escrivão que tinha também o cargo de marcador de escravos 71. Por carta régia de 17 de Novembro de 1761 e na sequência da resolução aprovando a passagem das naus da India pelo porto de Luanda foi criada uma alfândega para despachar as mercadorias descarregadas por essas naus, com um escrivão e um tesoureiro 72. A " Junta Criminal do Reino de Angola " foi instituída por carta régia de 14 de Novembro de 1761 73.Presidida pelo governador e composta pelo ouvidor, juiz de fora, coronel, tenente-coronel e sargento-mor do regimento da guarnição de Luanda, visava resolver as questões judiciais dessa comarca proferindo e executando sumariamente as sentenças, inclusivé a pena de morte 74. O ouvidor-geral era, logo a seguir ao governador e capitão-general, a magistratura mais importante da colónia 75. Dispunha das atribuições que 67 Marcelo Caetano, Ob.Cit., p.p.251-260 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 16- Ofício do governador Sousa Coutinho de 7 de Fevereiro de 1770 69 A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 76- Carta régia para o governador António de Vasconcelos de 18 de Novembro de 1761 70 Idem, Ibidem 71 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 34- Carta do ouvidor e corregedor da comarca de Luanda de 5 de Setembro de 1764 72 A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 5- Ofício do governador António de Vasconcelos de 3 de Abril de 1762 73 A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 74- Carta régia para o governador António de Vasconcelos de 14 de Novembro de 1761 74 Idem, Ibidem 75 Carlos Couto, Ob.Cit., p.168 68 21 pelas Ordenações competiam aos corregedores 76 e, enquanto representante do poder real, não podia ser suspenso das suas funções pelo governador. Essa prerrogativa era sómente apanágio do soberano 77. Numa época em que o munícipio levava uma existência apagada na metrópole, as câmaras municipais das possessões ultramarinas desempenhavam um papel relevante na sua administração e vida social 78. A Câmara Municipal de Luanda teria sido fundada na sequência do estabelecimento de Paulo Dias de Novais no local onde fundou Sâo Paulo de Assumpção de Luanda em 1576 79. O conjunto de oficiais da Câmara compreendia 3 vereadores, 2 juízes ordinários e um procurador. Como oficiais subordinados tinha um secretário e um almotacé 80. Por decreto real de 28 de Setembro de 1662, a Câmara Municipal de Luanda viu ser-lhe atribuído o conjunto de privilégios da cidade do Porto, em reconhecimento do auxílio prestado durante a ocupação holandesa de Luanda e retirada para Massangano 81. Como orgão de poder, a Câmara tinha sempre uma palavra a dizer no que tocava ao governo de Angola. Era chamada a dar o seu parecer junto do governador em determinadas alturas como, por exemplo, na declaração de guerra ou de paz ao rei do Kongo 82. Por vezes podia contribuir para a deposição do governador e assumir o governo do território, tendo acontecido nos anos de 1667 a 1669 83. 76 A.H.U., Angola, Caixa 46, documento 4- Treslado do regimento do ouvidor-geral do reino de Angola de 23 de Junho de 1651, Capítulo 11º: " Tirareis as devassas que os corregedores das comarcas sam obrigados a tirar por bem das ordenações "; Capítulo 13º " cartas de seguro e alvaras de fiança podereis passar (...) nos cazos em que os corregedores das comarcas as passam "; Capítulo 14º " Fareis as audiencias que sam obrigados a fazer os corregedores das comarcas "; e Capítulo 15º " levareis as asignaturas que podem levar os corregedores das comarcas ". 77 Idem, Ibidem, Capítulo 24º " Nam podera o dito governador tirar vos nem suspender vos do dito cargo em quanto eu nam mandar o contrario ". 78 Marcelo Caetano, Ob.Cit., p.p.251-260 79 C.R.Boxer, " The Municipal Council of Luanda " in Portuguese Society in the Tropics ( 1510-1800 ), Madison, The University of Wisconsin Press, 1965, p.p.110-140 80 C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140 81 C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140 82 C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140 83 C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140 22 As funções de presidente do Senado da Câmara Municipal de Luanda pertenciam ao ouvidor-geral. Assim foi determinado pelo rei em 14 de Março de 1706, talvez com a finalidade de evitar conflitos de poderes 84. Contudo, em 1721, por decisão do monarca, a presidência do Senado da Câmara passa para as mãos de um novo magistrado- o juiz-de-fora, em detrimento do ouvidor-geral 85 . Tal deu lugar à existência de conflitos jurisdicionais entre as duas autoridades. É uma realidade que se observa em meados do século XVIII, numa altura em que o problema girava em torno de se saber a quem cabia a fiscalização da vida económica do município. Entendia o Senado da Câmara que se ao ouvidor-geral competia a administração da justiça, à Câmara devia pertencer, em exclusivo, essa alçada 86. Tendo a colónia de Angola por origem a conquista , o seu governo era essencialmente militar. Os governadores eram, normalmente, recrutados entre a nobreza militar portuguesa. A fragilidade do poder português face ao mundo africano, uma constante ao longo do século XVIII, fez com que a componente militar assumisse especial importância apesar das dificuldades que sempre afectaram o frágil e pouco numeroso contigente de Luanda. Por finais do século XVIII, Elias Alexandre da Silva Correia, um sargento-mor de infantaria do Rio de Janeiro, encontrando-se em Luanda afirmava acerca desta questão: " Em nenhuma parte do mundo portugues he mais necessaria a milicia do que em Angola (...) para punir as rebeldias dos certoes, os 84 A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 84 de 1762. Já o regimento do ouvidor-geral do reino de Angola previa tal situação no capítulo 26º " E informar vos heis da maneira em que se governam as cameras e se fazem as eleições dos oficiais dellas e outras mais causas que convem ao seu bom governo ", A.H.U., Angola, Caixa 46, documento 4- Treslado do regimento do ouvidor-geral do reino de Angola de 23 de Junho de 1651. 85 Carlos Couto, Ob.Cit., p.169 86 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 25- Carta do juiz-de-fora João Delgado Xavier de 1 de Dezembro de 1764 e documento 39- Carta do juiz-de-fora João Delgado Xavier de 27 de Novembro de 1764. A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 3- Carta do ouvidor e corregedor Manuel Pinto da Cunha e Sousa de 2 de Janeiro de 1765. 23 inquietadores da republica, os latrocinios das estradas e a insobordinação dos Potentados " 87. A guarnição da cidade de Luanda era formada por um regimento de infantaria com 361 praças; uma companhia de artilharia com 61 e duas companhias de cavalaria, ao todo com 105 praças 88. Quanto a Benguela, a sua guarnição era composta por uma companhia de infantaria com 130 praças e uma de artilharia com 30 89. Em relação a Luanda, segundo um documento da época, nos seus 4 corpos havia " 157 soldados e oficiaes brancos naturaes de Portugal, e da mesma cor 48 naturaes das ilhas dos Asores e Madeira e asim mais 68 deste reyno de Angola e de America 15. Nelle se ve ter 174 praças de mulatos naturaes de Angola e da mesma cor 3 de Portugal e 18 americanos; 44 de negros naturaes deste reyno " 90. O maior número de soldados de origem africana devia-se ao facto de os europeus sentirem grande dificuldade na sua adaptação ao clima de Angola. Grande parte dos efectivos europeus morria ao fim de pouco tempo de permanência no local 91. Referimos, em linhas anteriores, a existência dos presídios no interior do território, funcionando como postos avançados na defesa de Luanda e do seu hinterland. Seguindo o curso do rio Kwanza encontram-se os presídios de Massangano ( fundado em 1583 ), Muxima ( fundado em 1599 ), 87 História de Angola dedicada a Sua Alteza Serenissima o Príncipe Regente Nosso Senhor por Elias Alexandre da Silva Correia, cavaleiro professo na ordem de Christo sargento mor de infantaria de milicias na capital do Rio de Janeiro 1782, Volume I, Lisboa, Colecção dos Clássicos de Expansão Portuguesa no Mundo, 1937, p.p.69-74 88 A.H.U., Angola, Caixa 41, documento 23- Ofício do governador D.António Alvares da Cunha de 17 de Março de 1757 89 BN, Reservados, Códice 8742, fl.218 v -219- Portaria do governador D.Francisco de Sousa Coutinho de 30 de Agosto de 1767 90 A.H.U., Angola, Caixa 41, documento 23- Ofício do governador D.António Alvares da Cunha de 17 de Março de 1757 91 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.p.69-74 24 Cambambe ( 1604 ), Mbaka ( 1614 ) e Pedras de Pungo-a-Ndongo ( 1671 ) 92 . A sul do Kwanza existiam os presídios de São Filipe de Benguela ( fundado em 1617 ) e o de Caconda ( 1682 ) 93. No século XVIII, foram fundados mais dois presídios: São José de Encoje em 1759, com vista á protecção do comércio dos portugueses na região e o de Novo Redondo em 1769, na foz do rio Gunza, para tentar combater o contrabando estrangeiro no litoral 94. Além da função defensiva, os presídios desempenhavam outra importante função, a de captação dos circuitos do tráfico de escravos do interior africano. Assim, junto a cada presídio encontrava-se uma feira 95 .Todos os presídios eram guarnecidos por uma força militar sob comando de um capitão-mor. Em 1773, o então governador e capitão-general, D.António de Lencastre, num ofício para o reino, fornece uma descrição daquilo que consistia a realidade dos presídios: " os taes presidios não consistem mais que em huns pequenos recintos levantados de terra e faxina (...) As guarnições que os defendem he toda de naturaes (...) sofrendo nas horas de sentinella hum cruel tormento dos inumeraveis mosquitos que os ferem e que so o custume pode soportar sem desesperação. Estas guarnições não estão nunca em numero certo pellas continuas mortes e deserções " 96. À frente de cada presídio encontrava-se, portanto, um capitão-mor, em representação da autoridade do governador. De nomeação régia, os capitães-mores eram escolhidos em Lisboa pelo Conselho Ultramarino depois de este analisar as propostas do governador, propostas essas que deviam recair nos " oficiaes das tropas pagas e regulares do reino de Angola, em premio dos seus serviços ou em atenção aos merecimentos que tiverem " 97. 92 Carlos Couto, Ob.Cit., p.105 Carlos Couto, Ob.Cit., p.105 94 Carlos Couto, Ob.Cit., p.105 95 Elias Aexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.p.24-26 96 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 57- Ofício do governador D.António de Lencastre de 31 de Março de 1773 97 A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 77- Determinação régia sobre o provimento das capitanias mores de 19 de Novembro de 1761 93 25 É de salientar que os capitães-mores encontravam-se, geralmente, entre os naturais de Angola, designadamente entre os Luso-Africanos 98, escolhidos entre os moradores e " filhos da terra ", dado que eram esses os que detinham a capacidade de melhor se adaptar ao meio onde iriam exercer as suas funções, de mais facilmente garantir a completa comissão trienal e de terem um conhecimento mais profundo das populações com as quais iriam contactar 99 . Além do capitão-mor, existiam 3 oficiais subalternos: um tenente, um alferes e um ajudante 100. As guarnições dos presídios estariam asseguradas, segundo Elias Alexandre da Silva Correia, por " hua companhia de 60 soldados (...) huns homens paizanos retidos pelos soldos que a fazenda real lhes destribue em fazendas para os contar em soldados quando se revestem da libre militar em occazioes de deligencias do serviso ou do auxilio aos negros em tempo de guerra " 101. O espaço que designamos por colónia de Angola, conhecido em Lisboa por " reino de Angola e suas conquistas " 102, só começou a ver definido o seu contorno geográfico e administrativo em finais do século XVII. No século seguinte, a sua situação não se afigurava fácil. Praticamente confinado à cidade de Luanda, o governador e capitãogeneral dificilmente conseguia fazer sentir a sua influência fora de Luanda 103 . E nos presídios, em teoria uma guarda-avançada na defesa do território, o poder do capitão-mor não ia muito além dos pequenos redutos que os constituiam, diluindo-se no meio dos poderes e instituições africanas. 98 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.245 e seguintes 99 Carlos Couto, Ob.Cit., p.60 100 A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 82- Ofício do governador António de Vasconcelos de 15 de Novembro de 1762 101 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., p.p.69-74 102 Até 1876, ano em que por decreto de 7 de Dezembro se estabeleceu o governo-geral de Angola, a designação do espaço que compreendia a colónia era " reino de Angola e suas conquistas " e " reino de Benguela e suas conquistas ", Carlos Couto, Ob.Cit., p.p.116-117 103 Joseph Miller, " The significance of drought, disease and famine in the agriculturally marginal zones of west central Africa " in The Journal of African History, Volume 23, nº1, 1982, p.p.17-61 26 B) A Conjuntura Económica: O Tráfico de Escravos Numa conjuntura marcada por problemas económicos no reino, pelo declínio do ouro do Brasil e pela crescente concorrência no Atlântico sul, o ministro do rei D.José, Sebastião de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, procurou executar uma política económica visando proteger o comércio ultramarino e o desenvolvimento industrial do reino. A filosofia económica do Conde de Oeiras assentava no privilégio e no exclusivo denotando uma nítida orientação mercantilista. Assim, foram instituídas companhias monopolistas com a finalidade de dominar importantes ramos da economia portuguesa: o comércio colonial, os vinhos do Alto Douro e a indústria dos lanifícios 104. Na tentativa de fomentar outras produções no Brasil substituindo as exportações de ouro, em declínio nesta época e com a finalidade de salvaguardar aquele território da concorrência estrangeira e do contrabando, foram criadas em 1755 e 1759, respectivamente, as companhias monopolistas do Grâo-Pará e Maranhão e de Pernambuco e Paraíba 105. Apesar de ser encarada como uma zona importante do império português, Angola, tal como os outros domínios africanos, desempenhou um papel secundário no conjunto da política colonial do Conde de Oeiras. Contudo, e enquanto fornecedores de mão-de-obra escrava para o Brasil foram alvo de alguma atenção por parte de Carvalho e Melo que, em 1769, manifestava uma posição clara relativamente à importância desses territórios vitais para a economia brasileira: " Para se comprehenderem os interesses que a Monarchia de Portugal tem na conservação dos Dominios da Africa; basta fazer se huma pequena reflexão na fysica impossibilidade, que haveria de se conservar o Brazil, logo que huma vez viessem a faltar os 104 Jorge Borges de Macedo, A situação económica no tempo de Pombal, 2ª edição, Lisboa, Moraes, 1982, p.p.47 e 58 ( 1ª edição- 1950 ) 105 António Carreira, As companhias pombalinas de Grão-Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba, Lisboa, Presença, 1983 27 referidos Dominios: Vendo se claramente que com elles faltariam ao mesmo tempo os Negros, sem cujo sucessivo transporte cessariam os trabalhos das Minas dos diamantes e do ouro (...) cessaria toda a Agricultura, cessariam todas as fábricas dos Engenhos de Assucar; cessariam os enrolamentos de tabacos, cessariam as matanças de gados silvestres e os curtumes dos couros; cessariam as serranias das preciozas madeiras do Brazil (...) " 106. Desde a sua chegada a Angola os portugueses estabeleceram um relacionamento com as sociedades africanas dominado pelo tráfico de escravos em sintonia com o crescente desenvolvimento das plantações de açúcar no Brasil. Ao conseguirem estabelecer laços económicos com o mundo africano, os portugueses contribuíram para aquilo que Jean-Luc Vellut designou " uma especialização do papel de Angola " fazendo deste pequeno território um " pólo catalisador " de um comércio de longa distância que tinha por base a circulação de homens ( escravos ) e bens de prestígio ( panos, metais, sal, etc ) por via de uma complexa teia de dependências, clientelas e vassalagens, realidades que estruturavam as sociedades africanas 107. Angola funcionava, portanto, como pólo de um comércio de longa distância, alicerçado no sistema de trocas ( pessoas versus bens de prestígio ), intrínseco das sociedades africanas 108, tendo conseguido chamar a si os 106 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 90- Introdução Previa ou Demonstração da ruina em que se acha o Reino de Angola de Julho de 1769 107 Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.65-70 108 Desde os primeiros contactos com a economia atlântica que os povos africanos demonstraram grande interesse em possuir bens de origem europeia, americana ou asiática. Entre eles temos de mencionar os três principais: têxteis, álcool e armas de fogo. Para os chefes africanos afigurava-se de extrema importância o acesso a esses bens dado que eram tidos e interpretados como símbolos de poder. A sua posse implicava a possibilidade de atrair e adquirir mais dependentes, aumentando o seu séquito e, por consequência, o seu poder. O desenvolvimento do tráfico atlântico veio inflacionar, de forma brutal, este processo: da parte do mundo africano a procura aumentou em flecha dado que, com vista à obtenção desses bens, vendiam mais homens, mulheres e crianças, " mercadoria " cada vez mais procurada por parte dos europeus em ligação com a economia do Atlântico sul. É um assunto desenvolvido por Joseph Miller, Way of Death.Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, Capítulo 3º Foreign imports and their uses in the political economy of Western Central Africa, p.p.71-104 28 circuitos de escravos do interior africano, orientando-os na direcção da economia do Atlântico sul 109. Em aparente " contradição " com a crescente monopolização da economia do reino, em relação a Angola foram os princípios do comércio livre que regularam a política económica do Conde de Oeiras 110. Devemos salientar que a faculdade de adquirir escravos livremente no sertão foi uma realidade que marcou os primeiros 100 anos de presença portuguesa em Angola. Como recompensa de feitos militares ou a título de compensação por falta de remunerações, os governadores e outros funcionários administrativos, assim como soldados e missionários podiam livremente adquirir e exportar escravos, sustentando desta forma o fluxo de mão-de-obra para as plantações do Novo Mundo 111. Obviamente, a coroa portuguesa procurou chamar a si este lucrativo negócio. Tal concretizou-se em 1674 , numa altura em que já tinham terminado os conflitos com o reino do Ndongo, com a instituição do " contrato dos direitos dos escravos e marfim do reino de Angola ", submetento a exploração do tráfico a um regime monopolista 112. Contudo, no século XVIII, foram os princípios do comércio livre a regular a política económica do Conde de Oeiras para Angola, servindo, na prática, para condenar e abolir o sistema monopolista do contrato 113. As doutrinas da liberdade de comércio tiveram a sua expressão mais acentuada no Alvará de 11 de Janeiro de 1758 que decretou livre o comércio do sertão 114. Se, por um lado, a liberalização do comércio visou destruir a influência dos contratadores levando à abolição do " contrato " 109 Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.65-70 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.p.571-573 111 Carlos Couto, Ob.Cit., p.194 112 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.p.555-556 113 Idem, Ibidem, p.p.571-573 114 Idem, Ibidem, p.p.573-579 110 29 em 1769 115 ; por outro, esteve intimamente ligada com a abertura do comércio do sertão apenas a determinadas entidades que, na prática, acabaram por controlar, quase em exclusivo, o tráfico. Essas entidades eram as companhias de Pernambuco e Maranhão criadas pelo Conde de Oeiras com o objectivo de facilitar o fornecimento daquelas regiões em escravos 116. A actuação destas novas entidades, a par da progressiva liberalização do acesso ao comércio do sertão impuseram a adopção de medidas fiscalizadoras tendentes a evitar um aumento das dívidas inerentes ao sistema de crédito sobre o qual assentavam as expedições ao interior para obtenção dos escravos, e também evitar uma subida dos preços dos escravos 117. Ao contrário da zona do golfo da Guiné onde a aquisição de escravos funcionava em feitorias no litoral, não havendo contactos muito para além desse espaço, em Angola, os mecanismos do tráfico penetravam profundamente no interior. Os mercadores estabelecidos em Luanda forneciam aos seus agentes ou aviados as mercadorias necessárias para a compra de escravos ( geralmente panos, álcool e armas de fogo ). Na posse destas mercadorias, os agentes partiam para o sertão na direcção dos locais onde os representantes dos sobas e potentados reuniam os escravos. Esses locais onde se davam as transacções eram as feiras que funcionavam, geralmente, junto dos presídios. O funcionamento destas feiras comportava não só a existência de mercados propriamente ditos, mas também armazéns da fazenda real entregues à administração de um almoxarife, onde as mercadorias ficavam depositadas. Além do almoxarife, havia um escrivão a quem competia a escrituração do movimento da feira 118. 115 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 24- Decreto de abolição do contrato dos direitos dos escravos e marfim do reino de Angola de 5 de Agosto de 1769 116 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.p.573-579 117 Idem, Ibidem, p.p.581-590 118 Carlos Couto, Ob.Cit., p.216 30 As feiras tinham, essencialmente, três finalidades: assegurar o fornecimento de escravos aos mercadores de Luanda, evitar que os escravos fossem desviados para a concorrência inglesa e francesa junto ao litoral norte de Luanda; regularizar o comércio e impedir o aumento drástico de dívidas relacionadas com o sistema de crédito 119 . Além das feiras situadas na região Luso-Africana junto aos presídios, existiam outras feiras fora desse espaço também frequentadas pelos agentes de Luanda. Eram as feiras de Kasanje, Holo, Calandula e Bembe 120. Representando uma reorientação no sentido do Atlântico sul de um comércio profundamente enraízado nas sociedades africanas, o tráfico de escravos revelou-se um processo cuja dinâmica foi estimulada e inflacionada pela presença portuguesa no litoral em sintonia com os interesses do mundo africano. Foi o meio de fazer chegar em quantidades elevadas produtos muito desejados pelas hierarquias africanas; para Luanda e para a região Luso-Africana foi o meio de subsistir, enquanto suporte da economia brasileira, e de ir consolidando, muito lentamente, o seu poder e influência. C) A Sociedade Referimos em alíneas anteriores qual a zona que estava dependente administrativamente da cidade de São Paulo de Assumpção de Luanda. Circunscrita a um espaço delimitado a norte pelo rio Dande, a sul pelo Kwanza e a leste pelo rio Lukala, esta zona era habitada por grupos populacionais bastante heterogéneos. Os habitantes africanos desta área eram os Mbundu de língua KiMbundu com zonas de sobreposição com os grupos linguísticos 119 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.p.581-590 120 Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.84-85 31 vizinhos:Kongo, a norte; Lunda, a leste e Ovimbundu, a sul 121. Estavam organizados em comunidades rurais constituindo chefados de base territorial, também designados por sobados, variando de dimensão e poder 122 . Data de 1777 o primeiro levantamento populacional dos sobados 123 que se teria revelado um processo algo díficil, não só devido à falta de párocos nessas regiões que pudessem dar com alguma exactidão o número dos seus habitantes, como devido à desconfiança dos sobas, mostrando receio de que o governo pretendesse, com a iniciativa, retirar-lhes alguns dos seus filhos 124 . E, à guisa de balanço, o governador D.António de Lencastre, responsável pela iniciativa, afirmava, em ofício para o reino " porem eu o não dou por certo nem certifico a Sua Magestade a sua exação " 125 . De acordo com o levantamento, existiam na área de administração portuguesa, em 1777, " 1581 brancos, 3.546 pardos forros, 497 pardos escravos, 426.153 pretos forros e 42.340 pretos escravos " num total de 474.117 habitantes 126. A população de Luanda era constituída por 3 grupos de habitantes: portugueses, luso-africanos e africanos. Em Março de 1773, o governador D.António de Lencastre remetia, junto com um ofício para o reino, um mapa da população de Luanda 127. Por este documento pode-se constatar que o total da população de Luanda, 121 Jill Dias, " Uma questão de identidade: Respostas intelectuais às transformações económicas no seio da élite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930 " in Revista Internacional de Estudos Africanos, I, Janeiro-Junho, 1984, p.p.61-93 122 Idem, Ibidem, p.63 123 O levantamento da população dos sobados feito em 1777 durante o governo de D.António de Lencastre é o primeiro documento desta natureza que se conhece. Em ofício para o reino o próprio governador salienta o carácter inédito da iniciativa e as dificuldades decorrentes desse processo: " Não me foi possivel ate hoje poder cumprir a minha obrigação com a remessa do mapa de todos os moradores e habitantes deste reyno conforme a ordem de S.M. por que a longetude destes certoes e a desconfiança em que pos a todo o gentio esta novidade ", A.H.U., Angola, Caixa 61, documento 81- Ofício do governador D.António de Lencastre de 15 de Julho de 1778 124 Idem, Ibidem 125 Idem, Ibidem 126 Idem, Ibidem 127 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 34- " Mappa das pessoas que rezidem nesta cidade de São Paulo de Assumpção Reyno de Angola nas quaes se não compreendem militares " de 31 de Março de 1773 32 compreendendo as suas freguesias Sé e Nossa Senhora dos Remédios, somava 536 habitantes ( 251 europeus, 138 luso-africanos e 147 africanos ). A este número acrescenta-se 983 escravos pertencentes a esses habitantes 128 . Entre os portugueses temos de incluir, além dos portugueses continentais, os madeirenses e açorianos, assim como brasileiros 129 . A elevada mortalidade entre estes era uma realidade constatada pelo governador D.António de Lencastre, ao enviar para o reino o mapa da população de Luanda: " pelo que respeita aos habitantes brancos creya V.Exª não ser necessario ver se pelos livros das freguesias por que elles são tão poucos e todos conhecidos que em breve espaço se numerão sem faltar hum. O peor he que depois de se me dar estas relações ja alguns incluzos nellas passarão a outra vida, e quando ellas chegarem as maos de V.Exª tera sucedido o mesmo a varios mais, por que este voraz sorvedouro nunca se farta de ingolir gente " 130. Os africanos, na sua maioria escravos, eram o grupo populacional mais representado entre a população luandense de setecentos 131. Quanto aos luso-africanos terão sido o grupo que melhor identificou e caracterizou a colónia de Angola em meados do século XVIII. As suas raízes remontavam aos laços estabelecidos entre os primeiros colonizadores portugueses e mulheres africanas 132 . Ao longo do século XVII, foram chegando a Luanda membros do exército e da administração colonial que se uniam às mulheres locais. Dessas uniões nasceram crianças mestiças que, crescendo na colónia portuguesa sem perder o elo com a cultura 128 Idem, Ibidem, Tal como o próprio mapa indica não foram incluídos os militares que compunham a guarnição de Luanda. O número de habitantes de Luanda seria, portanto, um pouco mais elevado. 129 José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.62-70 130 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 34- Ofício de D.António de Lencastre de 31 de Março de 1773. Sobre o mesmo assunto ver Joseph Miller, " The significance of drough, disease and famine in the agriculturally marginal zones of west central Africa " in The Journal of African History, Volume 23, nº1, 1982, p.p.17-61 131 José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.62-70 132 Jill Dias, " Uma questão de identidade: respostas intelectuais às transformações económicas no seio da élite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930 " in Revista Internacional de Estudos Africanos, I, Janeiro-Junho, 1984, p.63 33 africana, se tornaram figuras importantes no espaço sob domínio português 133 . Estas famílias mestiças formadas no século XVII constituem o núcleoduro do grupo dos luso-africanos. A eles foi-se juntando um fluxo constante de imigração masculina de Portugal continental, ilhas Atlânticas e Brasil que se estabeleciam como comerciantes de escravos, casavam com mulheres mestiças e aproveitando-se das conexões das famílias dessas mulheres, conseguiam ter acesso aos circuitos de comércio do interior, constituindo o seu poderio económico e social com base no tráfico de escravos 134. Os filhos dessas uniões fariam carreira como funcionários da administração colonial, no exército ou ainda como comerciantes 135. Além da miscegenação racial, os luso-africanos eram caracterizados por uma miscegenação cultural. A cultura luso-africana combinava em si elementos da cultura portuguesa e católica com elementos da cultura africana 136. Se, por um lado, podiam assumir comportamentos europeus como o vestir-se à europeia ou falar português, a sua língua materna era o kiMbundu 137. A par disso, as crenças religiosas dos luso-africanos eram uma síntese de ritos pagãos e de catolicismo e o seu espaço doméstico e familiar reflectia uma vivência mais africana do que europeia ( existência de concubinas cujos filhos podiam ter os mesmos direitos dos da esposa principal; predominância do kiMbundu, etc ) 138. A par da conotação racial e cultural, o termo luso-africano identificava um grupo económico, especializado no tráfico de escravos do interior para Luanda e Benguela e dos seus portos para o Brasil 139 . As comunidades luso-africanas encontavam-se em Luanda, Benguela e junto aos presídios do interior. Massangano foi a primeira concentração de luso- 133 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.p.246-251 134 Idem, Ibidem, p.p.246-251 135 Idem, Ibidem, p.p.246-251 136 Idem, Ibidem, p.p.246-251 137 Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.65-70 138 José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.62-70 139 Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.p.246-251 34 africanos reconhecida como vila, com câmara municipal, pelos reis de Portugal em 1676-1677 140. Podemos referir que a sociedade colonial desta época, em Luanda como em todo o território sob administração portuguesa, é marcada pela existência de uma cultura original, a luso-africana, onde elementos sociais e culturais europeus se diluem na cultura africana. Tal assumiu expressão mais vincada na questão linguística: o kiMbundu era de uso geral, o português quase um exclusivo da élite governativa de Luanda apesar de o governador D.António de Lencastre afirmar, em 1773, de forma algo utópica, " não ser conveniente que neste reyno se saibão mais lingoas que a portugueza e latina " 141. D) O Reino de Angola e o Mundo Africano: Uma Relação Precária? Desde finais do século XVI que Angola se tornou oficialmente uma " conquista " da coroa portuguesa, termo que implicou, na prática, a existência de uma situação de carácter bélico. Ou seja, desde o seu início que a presença portuguesa em Angola esteve sempre associada à ideia de ocupação e conquista desse espaço, ideia que teria tido por origem a forte oposição manifestada por parte do poder estabelecido na região: o poder Mbundu do reino do Ndongo. Finalizadas as campanhas contra o Ndongo que determinaram a sua queda na década de 1670 e o início da definição do contorno administrativo da colónia de Angola, que tipo de relacionamento se estabeleceu com os poderes africanos, nomeadamente com os sobas, chefes das comunidades rurais Mbundu? 140 Idem, Ibidem, p.p.246-251 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 11- Ofício de D.António de Lencastre de 3 de Fevereiro de 1773 141 35 Os chefados ou sobados, cujo rei, o Ngola, fora derrotado pelo governo de Luanda foram-se tornando " vassalos " da coroa portuguesa 142. Tendo em consideração que o termo " vassalo " aplicado à realidade angolana nos séculos XVII e XVIII estava muito longe daquele que definiu o relacionamento entre " senhores " e " vassalos " na Europa medieval 143, qual seria o significado deste termo aplicado à realidade africana daquela época? Elias Alexandre da Silva Correia, num testemunho do século XVIII, afirmava que ser vassalo da coroa portuguesa significava: " Pagar lhe o tributo de tantas cabeças annoaes. Não levantar armas em seu damno. Não auxiliar os que se atreverem a isso. Não convocar, aconselhar ou persuadir alguem para o mesmo efeito. Delatar a tempo qualquer agressor que se proponha ofender aos portugueses. Prestar lhes todos os socorros. Conserva los sempre em amizade. Abrir nos seus estados o comercio e protege lo " 144 . O soba, ao tornar-se vassalo, jurava fidelidade e obediência ao rei de Portugal, representado pelo governador e capitão-general, por meio de uma cerimónia, o undamento, através do qual se sujeitava ao cumprimento de determinadas condições 145. Essas condições compreendiam o pagamento de um tributo em escravos, a obrigação de não atacar os portugueses mas sim auxiliá-los em caso de guerra, facilitar o tráfico de escravos nos seus domínios favorecendo os interesses dos portugueses 146 . O baptismo do soba e a autorização da entrada de missionários nas suas terras era um 142 Beatrix Heintze, The Angolan vassal tributes of the 17 th century, in Separata da Revista de História Económica e Social, 6, 1980, p.p.57-78. A incorporação dos sobados na esfera de Luanda foi um processo lento e gradual, desenrolando-se ao longo dos séculos XVII e XVIII. 143 Beatrix Heintze, " Luso-African feudalism in Angola? The Vassal Treaties of the 16 th to 18 th century " in Revista Portuguesa de História, Tomo 18, 1980, p.p.111-131. Neste estudo, a autora demonstra que o uso desta terminologia significou apenas que os portugueses utilizaram os conceitos e categorias que conheciam- os ocidentais- para tentar definir e compreender a nova realidade que enfrentavam e que o uso desta terminologia ( na documentação da época ) assente numa comunicação superficial entre dois mundos distintos entendendo cada um aquilo que os seus conceitos e categorias mentais permitiam, dificulta e, por vezes, impede ao historiador de hoje a compreensão das instituições políticas africanas a um nível mais profundo. 144 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61 145 Beatrix Heintze, " Ngonga a Mwiza: um sobado angolano sob domínio português no século XVII " in Revista Internacional de Estudos Africanos, nº8-9, Janeiro-Dezembro, 1988, p.p.221-234 146 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61 36 aspecto facultativo e utilizado pelo soba como tentativa de obtenção de maiores vantagens por parte do governo de Luanda 147. Ao juramento do soba ficavam também vinculados os seus descendentes, isto é, o sucessor de um soba vassalo que não quisesse ser considerado rebelde tinha de se sujeitar ao undamento 148 . No entanto, é de salientar que a escolha do sucessor de um soba continuava a ser da competência dos makota ( anciãos do grupo ), sem qualquer interferência por parte dos portugueses 149 , da mesma forma que não havia qualquer tipo de interferência destes dentro do governo do sobado 150 . Os portugueses, por sua vez, assumiam como obrigação o auxílio e protecção aos sobas vassalos o que raras vezes se verificava 151. Por definição, o ideal seria trazer os sobas à condição de vassalagem " por meyos brandos, suaves e sem rigor " 152. Porém, a realidade teria sido algo diferente. Normalmente, era na sequência de confrontos com as forças do governo de Luanda que os sobados, em caso de derrota, se tornavam " vassalos " da coroa portuguesa 153. Deduz-se, portanto, que a vassalagem era, de um modo geral, compulsiva dado que sobados e potentados só acabavam por entrar na órbita do governo de Luanda na sequência de uma derrota militar, isto é, quando não tinham outra alternativa possível 154. Os sobas continuavam soberanos nas suas terras, mantendo-se intactas as suas instituições e, na realidade, o governo de Luanda preciava apenas de obter a garantia de não ver os seus presídios atacados ou as suas rotas de comércio prejudicadas. 147 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61 Beatrix Heintze, " Ngonga a Mwiza: um sobado angolano sob domínio português no século XVII " in Revista Internacional de Estudos Africanos, nº8-9, Janeiro-Dezembro, 1988, p.p.221-234 149 Idem, Ibidem, p.p.221-234 150 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61 151 Beatrix Heintze, " Ngonga a Mwiza: um sobado angolano sob domínio português no século XVII " in Revista Internacional de Estudos Africanos, nº8-9, Janeiro-Dezembro, 1988, p.p.221-234 152 A.H.U., Angola, Códice 544- fl.1-28 v, Regimento do governo de Angola dado a Aires de Saldanha de Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, Capítulo 10º 153 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61 154 Beatrix Heintze, " Luso-African Feudalism in Angola? The vassal treaties of the 16 th to 18 th century " in Revista Portuguesa de História, Tomo 18, 1980, p.p.111-131 148 37 O laço estabelecido entre estes dois mundos revelava-se frágil, sujeito a mudanças conjunturais mesmo dentro do " reino de Angola " onde o governo de Luanda tinha o seu poder e influência que, na prática, eram partilhados com as soberanias africanas dada a impossibilidade de a presença portuguesa se afirmar demográfica e militarmente. Fora da região luso-africana, o governo de Luanda nunca conseguiu enfrentar importantes potentados como a Kissama, o Kasanje, o Holo, a Nzinga-Matamba, o Kongo ou os potentados Ovimbundu. Poder-se-à afirmar que a questão do relacionamento entre Luanda e o mundo africano, mesmo dentro das suas fronteiras administrativas, se revela complexa e carecendo de um estudo aprofundado visto que os elementos possiveis de análise e reflexão são escassos, daí poder considerar-se um tema em aberto. 38 PARTE II - D. FRANCISCO DE SOUSA COUTINHO EM ANGOLA: Uma Acção Governativa Condenada ao Fracasso? 39 Capítulo I- D.Francisco de Sousa Coutinho: Notícia Biográfica Apesar de a presente dissertação ter como objecto o governo de Sousa Coutinho em Angola, achámos necessário incluir uma notícia biográfica sobre este governador. D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho nasceu a 28 de Dezembro de 1726 em Vila Viçosa 155, filho segundo de D.Rodrigo de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses, vedor da casa real e de D.Maria Antónia de S.Boaventura Meneses Paim, senhores do morgado de Alva 156. A sua condição de filho segundo te-lo-ia levado a seguir a carreira militar, enquanto o seu irmão, D.Vicente Roque de Sousa Coutinho herdou o morgadio 157. Como militar, D.Francisco de Sousa Coutinho serviu nas guarnições de Bragança, Miranda, Chaves e Almeida 158 . Foi capitão e sargento-mor dos Dragões de Chaves e coronel de infantaria e cavalaria da praça de Almeida 159. Em 1762 servio como coronel de infantaria na guerra contra a Espanha 160. Tendo prestado bons serviços nestas campanhas 161, e talvez como recompensa, Sousa Coutinho foi nomeado, em 17 de Agosto de 1763, governador e capitão-general do reino de Angola 162, com patente passada a 155 Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Livro de Oiro da Nobreza. Apostilas à Resenha das Familias Titulares do Reino de Portugal de João Carlos Fêo Cardoso Castelo Branco Torres e Manuel de Castro Pereira de Mesquita, Volume II, Braga, 1932, p.p.102-103 156 Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103 157 Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume III, p.p.242-243 158 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 31- Carta do governador Sousa Coutinho de 6 de Junho de 1770 159 Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103 160 Gastão de Sousa Dias, D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Administração Pombalina em Angola, Lisboa, Editorial Cosmos- Cadernos Coloniais, nº27, 1936, p.27 161 É o próprio Sousa Coutinho quem o afirma: " Assim na paz como na guerra não fui ociozo e sempre os generais com que servi me honrarão e me confiarão diligencias em que tinhão cuidado ", A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 31- Carta de Sousa Coutinho de 6 de Junho de 1770 162 A.H.U., Angola, caixa 47, documento 10- Nomeação de D.Francisco de Sousa Coutinho no cargo de governador e capitão-general do reino de Angola de 17 de Agosto de 1763 40 6 de Setembro de 1763 163. Em 9 de Setembro desse ano foi-lhe outorgado o título de " membro do Conselho de Sua Magestade " 164. Chegou a Luanda no dia 31 de Maio de 1764, tomando posse como governador e capitão-general do reino de Angola em 6 de Junho 165, cargo exercido durante 8 anos, até Novembro de 1772 166. Depois da permanência em Angola foi nomeado embaixador em Madrid 167, onde faleceu em 1781 168 . Casado com D.Ana Luísa da Silva Teixeira, filha do marechal de campo e governador das armas de Trás-os-Montes, Domingos Teixeira de Andrade 169, teve 4 filhos: D.Rodrigo de Sousa Coutinho que se destacou como ministro do reino, D.José António de Sousa Coutinho, D.Domingos de Sousa Coutinho, embaixador em Londres e D.Francisco Maurício de Sousa Coutinho que chegou a governador e capitão-general do Estado do Pará 170. A actuação de D.Francisco de Sousa Coutinho como governador de Angola de 1764 a 1772 é o tema da Parte II da presente dissertação. Capítulo II- Sousa Coutinho e a Região Luso-Africana 163 A.N.T.T., Chancelaria de D.José, Livro 86, fl.174 v, Patente do governador e capitão-general de Angola, D.Francisco de Sousa Coutinho de 6 de Setembro de 1763 164 A.N.T.T., Chancelaria de D.José, Livro 86, fl.175, Carta do Título do Conselho de Sua Magestade de 9 de Setembro de 1763 165 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 12- Carta do governador Sousa Coutinho de 10 de Junho de 1764 166 Alfredo de Albuquerque Felner, Angola.Apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral sul de Angola, Volume I, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1940, documento 10- Informação do governador Sousa Coutinho de 26 de Novembro de 1772, p.p.188-207 167 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1ª Edição, Lisboa- Rio de Janeiro, Volume XXIX, p.p.855-856 168 Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103 169 Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103 170 Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1ª Edição, Lisboa- Rio de Janeiro, Volume XV, p.166, Volume XI, p.p.964-965 e Volume XXIX, p.856 41 A) Acção Governativa em Luanda Tendo tomado posse do cargo de governador e capitão-general do reino de Angola, D.Francisco de Sousa Coutinho, de acordo com a instrução que recebera do rei, procurou resolver um conjunto de problemas que afectavam a colónia 171. O principal problema que perturbava o governo de Luanda de forma particularmente intensa durante a segunda metade do século XVIII era o da concorrência inglesa e francesa no tráfico de escravos. Em Junho de 1764 e poucos dias após a sua tomada de posse, Sousa Coutinho referia a presença de navios ingleses e franceses no litoral de Cabinda e Loango, a norte de Luanda, onde, segundo as suas palavras, " estas duas nasções meterão ja este ano perto de trinte navios carregados de generos de inteira satisfação dos negros " 172. Sousa Coutinho constatava o quanto era prejudicial ao tráfico português de escravos a concorrência estrangeira nos portos de Cabinda e Loango: " as naçoens que comerceam naqueles portos do norte fazem hua irremediavel brecha ao comercio deste reino, primeiro porque se estendem muito pela costa, depois pelo que atrahem podendo dar as fazendas por menos de metade do preço porque aqui se dão " 173. Em ofícios para o reino, Sousa Coutinho ia dando notícia da presença constante de navios estrangeiros no litoral junto a Luanda e Benguela. No ano de 1767 era mencionada a entrada de um navio inglês no rio Dande 174, assim como de três embarcações, também de nacionalidade 171 A.H.U., Angola, Códice 472, fl.90 v-93 v, Instrução para o governador D.Francisco de Sousa Coutinho de 5 de Janeiro de 1764 172 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 25 de Junho de 1764 173 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 15, Ofício do governador Sousa Coutinho de 17 de Março de 1767 174 Idem, Ibidem 42 inglesa, na costa do Mosulo 175 . Situação idêntica era observada no ano seguinte com a presença de um navio inglês no rio Mbrije 176 e, em Agosto de 1770, com um outro navio inglês a sul do porto de Benguela 177 . A finalidade da arribada desses navios era a aquisição de escravos, aproveitando quer os ingleses quer os franceses a ausência de afirmação do poder do governo de Luanda em áreas mais afastadas como Cabinda e Loango ou ainda a zona litoral entre Luanda e Benguela. Na tentativa de fazer frente a essa situação e sabendo que o sucesso da concorrência estrangeira na região advinha do facto de os ingleses e os franceses terem introduzido, em exclusivo, nas transacções comerciais com os povos africanos produtos muito apreciados por estes, nomeadamente armas de fogo e pólvora, afirmava Sousa Coutinho ser necessário permitir aos comerciantes de Luanda a utilização desses bens nas trocas com os africanos 178. Como fundamento da sua argumentação, Sousa Coutinho referia que a proibição da venda de armas de fogo e pólvora aos africanos só fazia sentido se houvesse maneira de impedir o seu acesso aos portos de Cabinda e Loango e afigurando-se impraticável semelhante cenário, a solução mais plausível seria permitir aos negociantes portugueses e luso-africanos a comercialização de pólvora e armas de fogo, tentando por esse meio fazer frente à concorrência inglesa e francesa 179. Assim, a 12 de Dezembro de 1767 foi promulgado pelo governador um documento, visando regular a venda de armas de fogo e pólvora no sertão 180 . De acordo com esta regulamentação podiam ser transaccionados no sertão, por ano, 200 barris de pólvora e 1500 armas 181. 175 A.H.U., Angola, Caixa 51, documentos 24, 26 e 27, Instruções do governador Sousa Coutinho de 4 de Maio, 25 de Maio e 26 de Maio de 1767 176 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Março de 1768 177 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 83, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Agosto de 1770 178 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 40, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Junho de 1765 179 Idem, Ibidem 180 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 57, Regulamentação do governador Sousa Coutinho de 12 de Dezembro de 1767 181 Idem, Ibidem 43 Sousa Coutinho constatava ainda que a frequência dos navios estrangeiros em Cabinda e Loango prejudicava o comércio das feiras da região luso-africana dado que os africanos acabavam por levar os escravos para venda aos portos do norte onde tinham à sua espera géneros apetecíveis e a preços mais baixos 182. A criação de três novas feiras, em Gollo, Bembe e em Calandulla assim como o restabelecimento da feira de Kasanje, representou uma tentativa de resolução deste problema 183. Na perspectiva do governador, a solução mais adequada com vista à resolução desta questão passaria pela adopção de duas medidas: fortificação dos portos de Cabinda e Loango para impedir a arribada dos navios estrangeiros assim como a afluência de pumbeiros para vender os seus escravos aos ingleses e franceses 184; maior patrulhamento do litoral por parte dos portugueses tentando impedir que os estrangeiros navegassem entre o Cabo Negro e o rio Mbrije 185. Em última instância, Sousa Coutinho propunha que se colocasse a hipótese de abandonar o comércio de escravos na costa da Mina, concentrando-se esforços em Angola para impedir de forma clara e inequívoca a concorrência estrangeira no seu litoral 186. Tendo por contexto a difícil situação resultante dos problemas da concorrência estrangeira, Sousa Coutinho procurou regular a actividade comercial da colónia que sofrera alterações na sequência da promulgação do alvará de 11 de Janeiro de 1758, decretando o comércio do sertão livre e franco a todos os que quisessem nele participar. Com a finalidade de regularizar e apoiar a actividade comercial, Sousa Coutinho instituiu uma " conferência dos negociantes da praça de Luanda ", reunindo mensalmente as entidades ligadas ao tráfico de 182 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 27, Ofício do governador Sousa Coutinho de 9 de Maio 1765 183 Idem, Ibidem 184 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 Setembro de 1765 185 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Agosto 1767 186 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 20, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Março 1770 de de de de 44 escravos- administradores do contrato real, representantes das companhias do Grão- Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba, além dos principais negociantes de Luanda 187 . Pelo " Termo da 1ª conferência da junta de comércio da praça de Luanda " vemos quais os problemas que afectavam os negociantes 188. Os problemas consistiam na existência de uma taxa para aquisição de escravos no sertão, medida promulgada pelo anterior governador, António de Vasconcelos, e considerada contrária aos princípios da liberdade de comércio; na localização da feira de Mbaka numa área sem água e sem lenha; na alegada intromissão dos capitãesmores dos presídios no comércio das feiras; e, por último, o problema do destino a dar aos bens dos comerciantes que faleciam em plena actividade no sertão 189. Este conjunto de petições foi deferido por Sousa Coutinho dando-se a anulação da taxa na aquisição de escravos, a transferência da localização da feira de Mbaka e a promessa, por parte do governador, de emitir legislação no sentido de proibir a intromissão dos capitães-mores no comércio do sertão e no sentido de dar aos escrivães das feiras o poder de zelar pelos bens dos comerciantes que faleciam, impedindo o seu roubo ou extravio 190. No ano seguinte, vemos que o principal problema que os negociantes de Luanda colocavam ao governador se relacionava com a ausência de garantias e segurança no envio das mercadorias para o sertão, dificuldade inerente ao sistema de aquisição de escravos, baseado no crédito 191. Face a este assunto, Sousa Coutinho afirmava que nada podia fazer visto que era uma matéria da alçada do juízo dos defuntos e ausentes 192. Relacionada com a falta de segurança no envio de mercadorias para o interior era a prática dos " reviros " nas relações comerciais: cada 187 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 14- Estabelecimento da conferência dos negociantes da praça de Luanda de 18 de Junho de 1764 188 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº9, Junho de 1936, p.p.173-174, Termo da Primeira Conferência da Junta do Comércio da Praça de Luanda de 10 de Julho de 1764 189 Idem, Ibidem 190 Idem, Ibidem 191 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Setembro de 1765 192 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 53, Ofício do governador Sousa Coutinho de 31 de Outubro de 1767 45 negociante da praça de Luanda para comprar escravos e dado que a sua aquisição só era possível no interior do território, tinha de recorrer à colaboração de um agente, também designado por correspondente, que ficava encarregue de levar as mercadorias, adiantadas pelo negociante estabelecido em Luanda, às feiras onde eram trocadas por escravos. Este processo, o único possivel dado o contexto em que eram feitas as transacções comerciais, dava origem a irregularidades sendo comum o desvio ou reviro dos escravos obtidos no sertão para outro negociante, não respeitando o agente o vínculo inicial com quem lhe confiara as mercadorias. Tentando regularizar a situação e impedir o alastramento de pleitos entre negociantes, Sousa Coutinho determinou que " nenhuma pesoa podesse dar fazendas para o certão a quem devesse a outro, sem expresso consentimento seu ou real pagamento da divida contrahida e que quando algum quizesse mudar de correspondente e abonador seria primeiro obrigado a ajustar as contas e pagar o que devesse, pena de que não o fazendo assim, ficaria inhabilitado o do sertão para nunca commerciar mais e os desta cidade não poderão requerer mais habilitaçoens para os seus constituidos, alem das penas de serem os primeiros degredados e os segundos excluidos da cobrança do que asim dolosamente vendessem athe que o primeiro originario credor fosse inteiramente embolçado da sua divida porque so deste modo se restituiria a boa fe de que depende o negocio " 193. Com a promulgação do " Regimento dos escrivães das feiras " em Setembro de 1764, Sousa Coutinho procurou definir a jurisdição destes funcionários, representantes do governo de Luanda no local onde se processavam as trocas de fazendas por escravos- as feiras 194. Basicamente, o escrivão da feira tinha por missão assegurar a regularidade da actividade económica da feira evitando qualquer tipo de desordem, promovendo a paz pública para que o comércio se pudesse efectuar 195. O problema do falecimento na feira dos correspondentes dos 193 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 52, Ordem do governador Sousa Coutinho de 6 de Agosto de 1765 194 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 35, Regimento dos Escrivães das Feiras de 16 de Setembro de 1764 195 Idem, Ibidem, capítulo 2º 46 negociantes de Luanda era contemplado neste documento: em caso de morte destes indivíduos devia o escrivão, juntamente com o capitão-mor do presídio mais próximo do local onde se realizava a feira, inventariar e guardar os bens que estavam na posse do falecido e remetê-los à entidade que lhos havia confiado em Luanda 196. Essencial no conjunto de funções outorgadas ao escrivão da feira era a promoção do bom relacionamento com os sobados e potentados vizinhos " para que todos vivam em boa fe e animando o comercio " 197. Sem dúvida que o governador D.Francisco de Sousa Coutinho promulgou alguma legislação visando enfrentar a delicada situação por que atravessava a actividade do tráfico de escravos provocada pelo aumento da concorrência inglesa e francesa, uma realidade que se manteve até ao final do século. Uma descrição da região norte de Luanda, feita em 1773, pelo capitão da companhia de artilharia de Luanda, António de Sousa Magalhães, segundo a instrução do então governador D.António de Lencastre, fornece um quadro particularmente complicado para o tráfico português de escravos. Segundo António de Sousa Magalhães os portos de Cabinda, Molembo e Loango eram visitados, com grande frequência, por navios estrangeiros: " As nações que os frequentão são a francesa, inglesa e holandeza. Quazi todos os seus navios são grandes e os mayores carregão seiscentos ate setecentos escravos (...) Ha ocaziões em que se juntam em Cabinda vinte athe vinte e tres navios, no Mulembo oito athe dez, e no Loango quatro athe seis (...) não se pode fazer juízo totalmente certo do numero dos navios que no decurso de hu anno vem negociar consta me porem que nunca são menos de trinta e cada hu sahe quando ja tem reduzido a escravos os seus generos (...) Os escravos que os estrangeiros extrahem todos os anos chegão ao numero de vinte mil (...) a troco dos ditos escravos introduzem toda a qualidade de fazendas tanto do norte como da India (...) tambem introduzem muitas armas de fogo, facas, 196 197 Idem, Ibidem, capítulo 5º Idem, Ibidem, capítulo 6º 47 polvora e agoardente " 198. Um panorama, sem dúvida, bastante difícil para o comércio português e no qual as medidas de Sousa Coutinho não podiam ter grande resultado face ao aumento drástico da concorrência estrangeira em áreas tão próximas de Luanda 199. Outro aspecto que consta da instrução que Sousa Coutinho recebera em Lisboa relaciona-se com a averiguação do estado da guarnição de Luanda 200. Os problemas que afectavam a guarnição de Luanda eram, em primeiro lugar, o clima da região, particularmente mortífero e principal causa do elevado número de baixas entre os recrutas, principalmente entre os de origem europeia; em segundo, a exiguidade de soldados e oficiais; a falta de armas e munições assim como os atrasos nos pagamentos aos soldados da guarnição de Luanda e dos presídios constituíam outras dificuldades que prejudicavam o seu funcionamento. De um total de 420 praças que compunham o regimento de Luanda, metade estava sempre doente ou em convalescença 201. Além do clima e das doenças provocadas pela passagem da estação húmida que, normalmente, levava à morte muitas pessoas 202, uma outra causa do elevado número de baixas entre os soldados relacionava-se com a ausência de uma alimentação adequada 203. A falta de soldados e oficiais de origem europeia, os únicos que Sousa Coutinho considerava competentes, constituía um grave problema para este governador. Sendo a elevada mortalidade entre eles uma 198 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 17, Descrição da região norte de Luanda de 18 de Março de 1773 199 Cf. Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, capítulo XVII- The Dry Well 1772-1810 , p.p.598-604 200 A.H.U., Angola, Códice 472, fl.90 v- 93 v, Instrução do governador D.Francisco de Sousa Coutinho de 5 de Janeiro de 1764 201 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Junho de 1765 202 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 26, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Junho de 1770 203 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 41, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro de 1764 48 realidade, obviamente que o seu número era sempre diminuto. Segundo Sousa Coutinho, se Luanda e Benguela tinham absoluta necessidade de guarnições compostas, na sua maioria, por soldados e oficiais europeus, os presídios do interior podiam contentar-se com soldados africanos, poupando-se os primeiros às dificuldades e perigos da vida do sertão 204. Na perspectiva do governador, a maior dificuldade que Angola atravessava era a falta de população branca dado que Sousa Coutinho entendia que só esta era válida e necessária, ao passo que os africanos seriam um elemento sem qualquer utilidade: " não ha soldados capazes de defensa e para as guardas ordinarias tem sido necessario introduzir alguns pequenos mulatinhos de nenhum uzo, em Benguela não ha quarenta capazes, os prezidios estam guarnecidos por negros que so contra semelhantes podem ser uteis " 205. E, uns meses mais tarde afirmava este governador: " que defença pode ter este reyno, muito principalmente quando quazi todas as guarniçoens se compoem de negros totalmente, e alguns poucos mulatos, ambos certamente incapazes de ver hu europeo sem fugir (...) a defensa dos negros para nada vale " 206. O exército debatia-se também com a falta de meios para o seu regular funcionamento. Além da falta de armas e munições, um problema crónico que Sousa Coutinho procurava resolver mediante o envio de ofícios para o reino solicitando o envio desses materiais " porque praças maritimas e certoens inquietos consomem muito " 207 , era o da falta de fardamentos para os soldados 208 e de dinheiro para o pagamento da tropa 209. 204 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 72, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de 1770 205 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 26, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Junho de 1770 206 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 72, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de 1770. Como veremos, no último capítulo da nossa dissertação, Sousa Coutinho acreditava que a preponderância da população branca em Angola tinha de ser uma realidade, sendo a única forma possivel de assegurar a manutenção e aumento da presença da coroa portuguesa naquele terrritório, dominando, afastando e/ou transformando os elementos da cultura das populações africanas. 207 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 45, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Setembro de 1766 208 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 51, Ofício do governador Sousa Coutinho de 11 de Julho de 1770 209 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 43, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Junho de 1765. Os oficiais e soldados de Luanda e Benguela eram pagos em moeda, os dos presídios eram 49 Apesar do panorama de dificuldades que afectava as guarnições de Luanda e Benguela, asssim com as dos presídios, Sousa Coutinho, talvez por ser um militar de carreira, procurou pôr alguma ordem na instituição. Disso foi testemunho uma " Instrução do modo como devem ser dirigidos os soldados nos seus quartéis " 210 , tentando regularizar a instituição militar, cuja situação de enfraquecimento era derivada de condicionalismos de índole estrutural: falta de efectivos, elevada mortalidade entre os soldados e oficiais quer nas guarnições de Luanda e Benguela, quer nos presídios, deficiente apoio logístico, sem esquecer a irregularidade no pagamento dos salários da tropa estacionada em Angola. De acordo com a sua instrução, Sousa Coutinho teria de ter em atenção um importante aspecto da vida económica de Luanda- a construção do terreiro público para venda de farinha e feijão aos seus habitantes. Num território cujas condições climáticas tornavam a actividade agrícola particularmente difícil 211, as suas principais culturas, mandioca, feijão e milho, constituíam os géneros de primeira necessidade com tendência a escassear em maus anos agrícolas 212 . A actividade agrícola constituiu uma preocupação para o governo de Luanda, especialmente em épocas de seca ou de excesso de chuvas que destruíam as colheitas e remunerados em fazenda, A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 51, Ofício do governador Sousa Coutinho de 11 de Julho de 1770. Quando as fazendas acabavam, os pagamentos aos soldados e oficiais dos presídios eram feitos em pedras de sal, A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 26, Ofício do governador Sousa Coutinho de 9 de Maio de 1769 210 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 41, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro de 1764 211 Elias Alexandre da Silva Correia, História de Angola Dedicada a Sua Alteza Serenissima o Principe Regente Nosso Senhor por Elias Alexandre da Silva Correia Cavaleiro Professo na Ordem de Christo Sargento Mor de Infantaria de Milicias na Capital do Rio de Janeiro 1782, Volume I, Lisboa, Colecção de Clássicos da Expansão Portuguesa no Mundo, 1937, p.p.109-115. Este autor fornece uma descrição bastante realista das condições climáticas de Angola: " A terra que acompanha o paralelismo do mar desde o cabo Padrão athe ao sul de Benguella não he propria para a vegetação das plantas que servem à nutrição humana, ella he seca esbroenta e incapaz de conservar no seu amago a humidade por muito tempo (...) a latitude austral desta porção de costa não permite refresco consideravel, com tudo a sabia providencia do autor da natureza tem estabelecido no tempo de verão o infalivel linitivo de hua viração constante que sopra a superficie destas aridas areas tão esquentadas pelo sol que escaldão os pes dos negros nas horas proximas do seu zenith (...) o terreno que se tem descoberto mais proprio para a vegetação he o das margens dos rios humedecidos pelo transbordamento das cheias e pela pasagem das agoas, nenhum outro prospera a produção dos vegetaes por consequencia ainda que a industria e a fadiga fizessem progressos neste clima lhes faltaria o campo do exercicio, as margens do Quanza, do Zenza e do Dande, pouco terreno oferecem para prodigarem fartura de viveres ao povo de Angola ". 212 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.p.109-115 50 traziam a fome aos habitantes de Angola, obrigando o governo a recorrer à importação de alimentos do Brasil 213. Procurou o governador Sousa Coutinho enfrentar este problema de duas formas: por um lado, recorrendo à promulgação de bandos determinando a obrigatoriedade do cultivo de terras consideradas produtivas, por outro, canalizando os alimentos produzidos em zonas mais periféricas, designadamente Massangano, para Luanda. Mostrando ignorar os condicionalismos de ordem climática, Sousa Coutinho referia que a principal causa da não produtividade das terras era a " mizeravel perguiça dos seus habitantes " 214 e entendia que a resolução desse problema passava pela determinação da obrigatoriedade do cultivo das terras, nomeadamente das do Bem Bem ( nos arredores de Luanda ) devendo ser confiscadas aquelas cujos donos não promovessem o seu cultivo 215. Contudo, dois anos após a promulgação do referido bando, Sousa Coutinho viu-se obrigado a reconhecer que o não cultivo das terras do Bem Bem fora consequência da seca que afectou a região 216 . Também com a finalidade de combater o problema da falta de alimentos em Luanda, Sousa Coutinho procurou assegurar o seu abastecimento determinando a circulação de milho, feijão e mandioca, produzidos em áreas mais periféricas como Massangano para Luanda 217. A criação do terreiro de Luanda para a venda de farinha e feijão, um local para vender, em exclusivo, estes géneros a preços não especulativos aos seus habitantes foi uma iniciativa concretizada por Sousa Coutinho mas originária do tempo do seu antecessor António de Vasconcelos. De facto, foi por lei de 13 de Novembro de 1761 que o rei determinou a criação do terreiro público de Luanda para a venda dos 213 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 30, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Julho de 1766 214 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 23, Bando do governador Sousa Coutinho de 6 de Abril de 1765 215 Idem, Ibidem 216 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 17, Ofício do governador Sousa Coutinho de 26 de Março de 1767 217 BN, Reservados, Códice 8742, fl.59 v-60 v- Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Massangano de 10 de Agosto de 1766 51 cereais produzidos nos árimos 218 em redor da cidade, a preços tabelados e tentando evitar os monopólios e açambarcamentos de farinha, bem de primeira necessidade e com tendência a escassear 219. O projecto não se concretizara com António de Vasconcelos visto que, segundo este governador, a Câmara Municipal de Luanda não dispunha de verba para financiar aquele empreendimento além de que este governador considerava pouco eficaz tentar conservar e armazenar grandes quantidades de alimentos em qualquer lugar de Luanda devido ao excesso de humidade do seu clima, um argumento, sem dúvida, bastante realista 220. Quando Sousa Coutinho fora nomeado governador e capitão-general do reino de Angola, as instruções da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos foram dadas no sentido de, rapidamente, mandar construir e estabelecer o terreiro público de Luanda e ignorar os problemas levantados pela Câmara Municipal de Luanda 221 . Sousa Coutinho levou a cabo a iniciativa do estabelecimento do terreiro tentando superar as dificuldades de índole financeira levantadas pela Câmara, solicitando a colaboração dos principais lavradores e fabricantes de farinha, tudo de acordo com a ordem dada por carta régia de 12 de Novembro de 1765. O bando mandado promulgar pelo governador Sousa Coutinho em 16 de Abril de 1766 determinou a obrigatoriedade da venda de todo o feijão e farinha produzido nos arredores de Luanda no terreiro, local construído com a finalidade de concentrar a venda destes géneros, evitando assim o seu desvio e consequente especulação do preço visto que quando o feijão e a farinha escasseavam, em períodos de chuvas ou de seca, a fome assolava 218 José Carlos Venâncio, A economia em Luanda e hinterland no século XVIII: um estudo de etnologia histórica, Lisboa, 1985, p.p.96-103. Segundo este autor " Arimos " eram propriedades privadas situadas junto aos principais rios do hinterland, o Bengo, o Dande e o Kwanza, cuja produção concentrada em produtos como a mandioca, o feijão e o milho painço se destinava a ser vendida em Luanda. Os seus proprietários eram indivíduos Luso-africanos. 219 A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 23, Ofício do governador António de Vasconcelos de 24 de Abril de 1762 220 Idem, Ibidem 221 A.H.U., Angola, Códice 408, fl.82-85, Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado para o governador Sousa Coutinho de 5 de Janeiro de 1764 52 os habitantes de Luanda 222 . É de salientar que este problema assumia dimensões mais amplas visto que as condições ecológicas de Luanda e seus arredores eram pouco propícias à actividade agrícola. Logo, poder-se-à afirmar que esta iniciativa de Sousa Couitnho, seguindo atentamente as instruções régias, estava condicionada por uma realidade impossível de controlar, principalmente naquela época: o clima e as condições atmosféricas da região. Um outro aspecto merecedor da atenção por parte de D.Francisco de Sousa Coutinho na sua acção governativa em Luanda foi o provimento de oficiais administrativos, revelando neste campo uma particular animosidade face aos funcionários de origem africana. Na opinião de Sousa Coutinho havia em Angola " muito pouca gente de bons costumes para servir os ofícios " 223. Tendo sido Sousa Coutinho um defensor da ocupação dos lugares da administração colonial por portugueses, a sua animosidade face aos funcionários negros foi uma constante 224. Num ofício para o reino, Sousa Coutinho revelava o seu particular desagrado pelo facto de a Câmara Municipal de Massangano ser composta apenas por negros, pessoas que eram, nas palavras pouco agradáveis de Sousa Coutinho, " as mais trapaceiras e enredadoras do mundo " 225. Propunha Sousa Coutinho que fossem abolidas as competências atribuídas ao Senado da Câmara Municipal de Massangano, passando o seu governo a ser da exclusiva responsabilidade do capitão-mor, dependendo do governador, tal como nos outros presídios 226. A hipótese de extinção da Câmara Municipal de Massangano vinha do tempo do antecessor de Sousa Coutinho, do governador António de 222 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 63, Bando do governador Sousa Coutinho de 16 de Abril de 1766 223 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 13, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Junho de 1764 224 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Agosto de 1770 225 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Março de 1765 226 Idem, Ibidem 53 Vasconcelos. Por provisão do governador João Fernandes Vieira fora criada a Câmara Municipal de Massangano em 18 de Julho de 1658 227. Na perspectiva de António de Vasconcelos o facto de Massangano ser governada por uma Câmara Municipal e por um juiz ordinário era algo impensável dado que representava, além de uma situação privilegiada em relação aos restantes presídios, um contra-poder face ao governo de Luanda 228 . A coroa, respondendo à argumentação do governador, considerava que Massangano devia conservar este privilégio não só porque tinha sido o primeiro presídio a ser fundado pelos portugueses, como fora o seu local de refúgio quando se dera a invasão de Luanda pelos holandeses, invocando, portanto, razões de natureza histórica 229 . António de Vasconcelos, não desistindo da sua argumentação, refere, em novo ofício para o reino, que era necessário extinguir a Câmara Municipal de Massangano, devendo a sua jurisdição passar para a alçada do capitão-mor. Interessa salientar que o principal argumento que António de Vasconcelos invoca tem um teor racista: " com quanta razão se deve extinguir a camera de Massangano toda composta de fuscos e negros que aroga a si todo o governo economico e civil de que procedeu todas as desordens " 230. O mesmo preconceito racial se manifestou em Sousa Coutinho, de forma inequívoca. Para Sousa Coutinho, se a " élite " do funcionalismo colonial, ou seja, indivíduos europeus, devia permanecer em Luanda e Benguela, para os presídios podiam ir " todos aqueles de que a sua mediocre capacidade ainda permitia algum pequeno serviço para assim os sepultar honradamente " 231 , dizendo a Francisco Xavier de Mendonça Furtado que tivera o cuidado de nomear para os presídios " os inuteis e improprios da actividade 227 A.H.U., Angola, Códice 1481, fl.3 v- 4, Provisão de Criação da Câmara Municipal de Massangano de 18 de Julho de 1658 228 A.H.U., Angola, Caixa 43, documento 90, Ofício do governador António de Vasconcelos de 4 de Outubro de 1760 229 A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 83, Parecer da coroa de Novembro de 1761 230 A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 16, Ofício do governador António de Vasconcelos de 7 de Abril de 1762 231 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 3, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Fevereiro de 1768 54 militar " 232. Em relação ao soldo dos oficiais dos presídios, Sousa Coutinho achava que por serem negros " qualquer cousa lhes bastava " 233. A aversão de Sousa Coutinho em relação aos aspectos da cultura africana presentes no quotidiando de Luanda esteve patente no bando que mandou lançar em 1765 234. Este bando tinha por finalidade a proibição de práticas gentílicas além do incentivo do uso da língua portuguesa em detrimento do KiMbundu. Assim, determinava o governador a proibição dos " emtambes ", ritual relacionado com o enterro dos mortos e que exprimia o sentimento de luto dos acompanhantes do morto, cuja descrição, fornecida pelo governador Sousa Coutinho é a seguinte: " fechadas as janelas e Portas, cubertas as pesoas de muitas baetas negras, circulada a cabeça com hua especie de corda, chorarem todos em altos e dezagradaveis gritos por muitos dias e por muitos meses, renovando os choros em certas horas e recebendo as vezitas na mesma barbara confuzão (...) e o que ainda he mais escandalozo, acompanharem os corpos à sepultura muitas negras, chorando e repetindo em confuzas lagrimas as mais torpez e repugnantes acçoens de lascivia, que caracterizão o merecimento entre os negros, cujo venerado obzequio do seu chamado Entambe produz muitas desordens inimigas da pureza, da religião e dos bons costumes " 235. Outra prática em relação à qual Sousa Coutinho revelava o seu desagrado era a intervenção dos anunciadores oficiais dos casamentos que eram, nas suas palavras, " figuras cubertas de peles de Bichos e de guizos que os anunciam ao publico que a decencia pede se prohibão " 236. Mostrava-se Sousa Coutinho preocupado com a fraca expressão da língua portuguesa entre os habitantes de Luanda: " he muito indecente que 232 Idem, Ibidem A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 24, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Julho de 1764 234 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 4, Bando do governador Sousa Coutinho de 9 de Janeiro de 1765 235 Idem, Ibidem 236 Idem, Ibidem 233 55 as familias nobrez e brancas conservam nas suas cazas e na criação dos seus filhos hua total ignorancia da referida lingoa (...) para haverem de sustituida com a lingoa ambunda so necesaria no certão (...) recomendo aos Pays de Familias que procurem quanto lhes for posivel vedar na criação de seus filhos a lingoa ambunda, que fação como he mais natural e como sucede em todo o Brazil sujeitar os negros seus escravos à reinante deichando a para o certão donde he necessaria e para o mutuo uzo dos negros " 237. Vemos que para o governador Sousa Coutinho tudo o que denotasse a presença da cultura africana tinha de ser banido e, ao mesmo tempo, substituído pela influência portuguesa. Algo quase impossivel num contexto marcado não só pela pouca expressão do elemento português mas também pela emergência e afirmação da cultura luso-africana, aquela que melhor definiu a " Angola portuguesa " no século XVIII. B) Relacionamento Com o Mundo Africano Referimos, na primeira parte da nossa dissertação, que no território que então constituía a colónia ou reino de Angola a afirmação do poder português sediado em Luanda era, nesta altura, extremamente precária, permitindo a coexistência de vários poderes. Assim, além da soberania portuguesa confinada ao litoral e a alguns presídios no interior, temos de ter em consideração os poderes africanos: os sobados, dentro do território da colónia de Angola e os potentados, localizados fora desse espaço. O sobado era um estado ou chefatura, de dimensões variáveis que unia diversas linhagens relacionadas entre si, sob a autoridade de um único chefe ou soba 238. 237 Idem, Ibidem Jill Dias, " Mudanças nos padrões de poder no hinterland de Luanda. O impacto da colonização sobre os Mbundu ( c. 1845-1920 ) " in Penélope. Fazer e Desfazer a História, nº14, Dezembro 1994, p.47 238 56 O soba era, portanto, uma autoridade africana com a particularidade de ter uma ligação política com o governo de Luanda conforme nos refere Elias Alexandre da Silva Correia: " Sova he titulo que equivale ao de governador cada provincia tem muitos sovas que governão os negros seus subordinados mas com obediencia ao capitão-mor do respectivo presídio " 239 . Os sobas existentes na área do Kwanza, em meados do século XVIII, eram os descendentes da aristocracia do extinto reino do Ndongo e que tinham sido progressivamente incorporados na esfera do governo de Luanda como vassalos do rei de Portugal. Fora do território do reino de Angola existiam os potentados, reinos centralizados cujos reis detinham a suprema autoridade política sobre uma hierarquia de linhagens subordinadas 240 . Era o caso, por exemplo, da Nzinga-Matamba, do Holo ou do Kasanje, localizados fora do reino de Angola, realidades políticas independentes e mantendo um relacionamento de teor económico com o governo de Luanda. O sobado tinha uma ligação política com o governo de Luanda, ligação que iremos analisar no período que compreende o governo de Sousa Coutinho e na qual a instituição das capitanias-mores desempenhou um papel importante. O " Regimento dos Capitães-mores ", documento promulgado por Sousa Coutinho em 24 de Fevereiro de 1765, fornece alguns elementos importantes sobre a questão do relacionamento com os sobados situados em redor dos presídios, assim como com os potentados. Gostaríamos de sublinhar que apesar de o " Regimento " colocar sobados e potentados no mesmo plano, tratava-se de duas realidades politicamente diferentes no seu relacionamento com Luanda, como veremos mais adiante 241. 239 Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.37 Jill Dias, Ob.Cit., p.47 241 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de Fevereiro de 1765. Dar um regimento aos capitães-mores não foi uma iniciativa exclusiva do governador Sousa Coutinho. De facto, até 1765, as fontes setecentistas não revelam a existência de qualquer regimento passado aos capitães- mores. O único conhecido e citado é o promulgado por Sousa Coutinho, facto que induziu em erro vários autores ao lhe atribuírem a exclusividade de semelhante medida. Cf. Carlos Couto, Os Capitãe-mores em Angola no século XVIII. Subsídio para o estudo da sua actuação, Luanda, Instituto de Investigação Científica de Angola, 1972, p.p.117-118. Refere este autor que antes do diploma de Sousa Coutinho outros tinham sido redigidos no século XVII, apesar de permanecerem ignorados. Aliás o 240 57 Devia o capitão-mor fomentar o bom relacionamento com os sobados seus vizinhos e também com os potentados, " para que huns e outros vivão em paz e segurança " 242 . Um aspecto essencial prendia-se com o facto de estarem os capitães-mores proibidos de se intrometerem no governo interno dos sobados ou dos potentados conforme é referido no artigo 15º do Regimento: " Nas irregularidades que os potentados, sobas seus vassalos e filhos praticarem no seu governo domestico e ainda na execução das leis barbaras entre nos reprovadas, se não entremetão os capitães (...) o embaraço do seu governo teria consequencias muito prejudiciais " 243. Todas as decisões sobre a política a adoptar em relação aos sobados e aos potentados deviam ser presentes, em primeira instância, ao governador, procurando-se evitar, desta forma, atitudes precipitadas por parte dos capitães-mores que podessem suscitar situações melindrosas: " despachos ou cartas que respeitem aos sobas e potentados me serão primeiro prezentes para que eu possa determinar na forma da sua execução, evitando os acontecimentos bem ordinarios de comprometer a authoridade da justiça real e ao mesmo tempo mover hua desobediencia formal que cauze maiores damnos por hua pequena cauza " 244. Portanto, pelas disposições citadas do " Regimento " podemos apontar dois aspectos no relacionamento com os sobados, extensivos aos potentados: próprio Sousa Coutinho, no preâmbulo deste documento o confirma: " Havendo a differença dos tempos em que os senhores governadores deste reino mais antecessores, publicarão varios regimentos para os capitães-mores ". A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de Fevereiro de 1765. 242 Idem, Ibidem, Artigo 5º 243 Idem, Ibidem, Artigo 15º. Cf. BN, Reservados, Códice 8742, fl.239 v-240 v, Carta do governador Sousa Coutinho ao capitão-mor de Muxima de 29 de Outubro de 1767. Advertia Sousa Coutinho este capitão-mor no sentido de respeitar sempre as regras internas da sucessão de um sobado: " a sucessão de semelhantes estados entre barbaros he so sugeita ás leys que elles conhecem e observam ". 244 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de Fevereiro de 1765, Artigo 20º 58 Em primeiro lugar, a não ingerência por parte do governador na política interna de sobados e potentados Em segundo, o vínculo existente entre ambas as partes seria muito frágil, derivado da precaridade da afirmação portuguesa no território, pois só assim se entende o cuidado de Sousa Coutinho nas questões africanas, claramente com a finalidade de evitar situações problemáticas que podessem desencadear uma vaga de hostilidade por parte dos chefes africanos. Conforme referimos existia um vínculo político entre Luanda e os sobados, vínculo esse que assumia a sua expressão mais acentuada no momento da eleição do novo soba. Ou seja, de cada vez que era eleito um novo soba, este devia ratificar o vínculo existente em relação ao governo de Luanda estabelecido pelos seus antecessores, num processo designado por " undamento ". Através do " undamento " era ratificada a aceitação, por parte do novo soba das duas condições, consideradas essenciais, do ponto de vista do poder português: por um lado, o baptismo do novo soba e permissão da entrada de missionários nas suas terras; por outro, promessa do cumprimento das ordens emanadas pelo governo de Luanda, em termos de política externa 245. Em torno das duas condições que implicavam o undamento do novo soba iremos estruturar a nossa análise, visto que através delas pensamos ser possivel tentar aferir, em termos mais concretos em relação à teoria exposta no " Regimento dos Capitães-mores ", a natureza do relacionamento entre o governo de Luanda e os sobados. O baptismo do soba e a divulgação do cristianismo nas suas terras conduz-nos ao problema da cobrança dos dízimos por parte do governo português e às dificuldades que trazia ao relacionamento entre ambas as partes. 245 BN, Reservados, Códice 8742, fl.239 v-240 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor de Muxima de 29 de Outubro de 1767 59 Por outro lado, a questão da obrigatoriedade do cumprimento das determinações de Luanda por parte do soba leva-nos a tentar perceber se eram ou não os sobas seguidores da política definida por Luanda. Foi por nós referido, na primeira parte da nossa dissertação, que a vassalagem do soba era consequência inevitável de uma derrota militar face às forças portuguesas e seus aliados. Quando, em 1769, Sousa Coutinho mandou construir o presídio do Novo Redondo, na foz do rio Gunza, para evitar o contrabando de ingleses e franceses nesse local deparou com a resistência das populações acabando, com a fundação do presídio, por submeter alguns poderes locais, trazendo novos vassalos para a coroa portuguesa 246 . Contudo, essa vassalagem revelou-se inexistente dado que, numa carta de Sousa Coutinho para o capitão-mor do Novo Redondo, além de se constatar que essa vassalagem fora resultado de uma capitulação dos sobas, não se verificava uma situação de paz no terreno e advertia Sousa Coutinho que os sobas avassalados " devem ficar de maneira sugeitos que não embarassem o caminho para Benguela nem seja necessario dentro em pouco tempo formar outro corpo de tropas para os castigar 247. Idêntica situação ocorreu com um soba, de nome Delaceya, punido por não ter obedecido ao capitão-mor de Mbaka 248. Para Sousa Coutinho, uma desobediência não podia ficar impune daí a necessidade de castigar o dito soba, contudo, " sem o perigo de que o sova com o seu povo dezertem "249. É interessante notar que Sousa Coutinho considerava a punição algo que devia ser executado com cautela, advertindo o capitão-mor de Mbaka, ainda dentro desta questão com o soba Delaceya, que " procedendo contra 246 BN, Reservados, Códice 8743, fl.13-17, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão mor do Novo Redondo de 10 de Setembro de 1769 247 Idem, Ibidem 248 BN, Reservados, Códice 8743, fl.72-72 v, Carta do governador Sousa Coutinho para António Anselmo Duarte de Sequeira de 18 de Novembro de 1769 249 Idem, Ibidem 60 os sovas poderozas deve faze lo por hu modo que lhe evite a rebelião e não de tropel " 250. Os conflitos com sobas seriam uma constante, tal como o cuidado exigido por Sousa Coutinho na resolução deste tipo de problemas ao aconselhar o capitão-mor do Novo Redondo a sugeitar um soba " com afagos e com mimos, de forma que ou ele por sy venha a fazer o que nós queremos, sem guerra e sem as despezas e danos que lhe são consequentes, mostrando lhe Vm que se por bem não quizer servir o estado o ha de fazer por mal com perda de sua liberdade e terras " 251 Face a uma tentativa de rebelião por parte do soba Gungu Amucambo, Sousa Coutinho advertia o capitão-mor de Muxima que mediante " hua ostentação de poder e de castigo (...) sem de nenhuma forma mover guerra, componha este negocio de maneira que esses povos fiquem em paz, em respeito e medo das armas de Sua Magestade " 252. Se em determinadas circunstâncias Sousa Coutinho entendia que uma demonstração de força seria suficiente para intimidar um soba rebelde, noutras entendia que quando um soba não obedecia devia recorrer-se à força. Assim o determinou ao capitão-mor de Cambambe: " Se os sovas não obedecerem Vm manda soldados pois eles mesmos procurão o mal para si " 253. Os conflitos com o soba de Ballundo motivados pelo não cumprimento das disposições aceites aquando da sua vassalagem teriam sido uma realidade, assim como a falta de meios para combatê-lo 254. Numa carta para o soba de Ballundo, o governador Sousa Coutinho afirmava-lhe: 250 BN, Reservados, Códice 8743, fl.71-72, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Mbaka de 18 de Novembro de 1769 251 BN, Reservados, Códice 8744, fl.195-195 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor do Novo Redondo de 15 de Janeiro de 1772 252 BN, Reservados, Códice 8742, fl.221 v-222, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Muxima de 1 de Setembro de 1767 253 BN, Reservados, Códice 8743, fl.165, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Cambambe de 2 de Abril de 1770 254 BN, Reservados, Códice 8742, fl.279-281v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Benguela de 21 de Dezembro de 1767 61 " Se obedeceres serey voso amigo e voso protector e se vos conservardes na vosa [...] serey voso inimigo e destruidor " 255. Sousa Coutinho, escrevendo ao Padre Querubim de Savona, superior das missões do Kongo, revelava a sua opinião relativamente ao problema da guerra em caso de rebelião por parte de sobas considerados vassalos: " he certo que eu não quero guerra; porem tambem he certo que não poso nem devo evitar aquelas precizas consequencias dos males que os mesmos rebeldes se atrahem asi mesmo como inimigos da Religião e do Estado " 256 , mostrando o governador e capitão-general do reino de Angola com estas palavras que a situação no hinterland de Luanda e Benguela, zonas de administração portuguesa, estava longe de ser pacífica visto que, da parte dos sobas, em teoria vassalos da coroa portuguesa, a não aceitação desse poder seria uma realidade. A problemática da conversão ao cristianismo das populações africanas assumiu especial relevo numa vertente importante do relacionamento entre Luanda e o mundo africano: a cobrança dos dízimos. Mencionámos que os sobados permaneceram independentes na sua estrutura interna. O seu governo, a produção de bens alimentares, a distribuição da terra e da força de trabalho continuavam sob a única e exclusiva responsabilidade dos chefes e do seu povo 257. Os portugueses, praticamente desde o estabelecimento do governogeral, utilizaram um meio político para controlar e orientar a economia dos sobados, conforme as necessidades do governo de Luanda 258. Esse meio consistiu na cobrança dos dízimos, ou seja, no pagamento de um décimo da produção agrícola dos sobados e dos territórios em redor de Luanda ( os árimos ) entroncando-se numa antiga tradição da igreja católica 259. 255 BN, Reservados, Códice 8743, fl.40 v-41 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o soba de Ballundo de 13 de Outubro de 1769 256 BN, Reservados, Códice 8744, fl.35- 35 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o Superior das Missões do Kongo e de Ambuilla de 24 de Setembro de 1770 257 José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.105-108 258 José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.105-108 259 José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.105-108 62 A cobrança dos dízimos podia incidir sobre duas realidades. Por um lado, sobre a produção dos territórios em redor de Luanda, ou seja, dos árimos; por outro, sobre a produção dos sobados do sertão. Existiam, portanto, os " dízimos da cidade " e os " dízimos do sertão " ou da " conquista " 260. A cobrança dos dízimos processou-se, até 1766, por meio de arrematação válida por um triénio. Sabemos que em 1764 fora arrematada a cobrança dos dízimos da cidade pela quantia de três contos oitocentos e sessenta mil reis 261 . Relativamente aos dízimos do sertão, rendeu a sua arrematação seis contos de reis no ano de 1765 262. Em 1766, a cobrança dos dízimos da cidade e seu termo sofreu uma alteração. Por bando de 14 de Novembro desse ano, ordenava o governador às populações de Luanda e seu termo, ou seja, das jurisdições do Bengo, Icolo, Golungo e Dande " que toda a pesoa de qualquer qualidade e condição que seja e que posuir bens de que deva pagar dizimo, va no precizo termo de trez mezes contados da publicação deste oferecer na referida provedoria da fazenda real aquele preço annual em que repicta justo o dizimo que deve pagar pela sua terra, gado ou criação " 263. Vemos, portanto, que os dízimos da cidade passavam a ser cobrados directamente pela fazenda real do reino de Angola. O mesmo sucedeu com os dízimos do sertão nesse mesmo ano 264. Para lá destes aspectos formais, a questão dos dízimos relaciona-se com algo mais complexo: a problemática da não aceitação do cristianismo por parte das populações africanas visto que sendo o dízimo um imposto 260 BN, Reservados, Códice 8743, fl.65- 66 v, Portaria do provedor da fazenda do reino de Angola de 29 de Outubro de 1769 261 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 24, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Julho de 1764 262 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 46, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Julho de 1765 263 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 57, Bando do governador Sousa Coutinho de 14 de Novembro de 1766 264 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 59, Ofício do governador Sousa Coutinho de 26 de Novembro de 1766 63 pago a Deus só os cristãos é que estariam sujeitos, e quantos cristãos existiam em Angola? A difusão do cristianismo, um dos fundamentos da presença portuguesa em Angola 265, nunca se afigurou um empreendimento fácil de levar a bom termo, como constatava Sousa Coutinho num ofício para Martinho de Melo e Castro: " Não he possivel que aqueles negros feros se custumem aos clerigos do paiz, nem que os deichem entrar nas suas terras, ou porque os custumes, pela mayor parte lhes nam fassam respeitar o caracter, ou porque a conformidade da cor lho nam persuade " 266. Ora, a não aceitação do cristianismo por parte das populações de Angola significava que estas não eram sujeitas ao sacramento do baptismo, ficando consequentemente isentas do pagamento de dízimo: " os ditos gentios nam baptizados não devem pagar os dizimos ", afirmação do governador em correspondência para o juiz-de-fora da cidade de Benguela 267. Contudo, perante uma petição de populações locais solicitando a isenção do pagamento de dízimos invocando, como pretexto, a sua situação de não baptizados, Sousa Coutinho limitou-se a determinar que todos os párocos existentes em Angola saíssem das suas freguesias e fossem baptizar essas pessoas, avisando o Reverendo Cabido nos seguintes termos: " Vm intimara aos parocos das freguesias e missoes do seu destrito que nam cobrarão a sua congrua sem hua atestação jurada por eles e por Vm em que conste não haver algua pesoa nos seus destritos que esteja sem o baptismo " 268. Sem dúvida que a realidade seria bem mais complexa não se podendo resolver o problema de forma simplista até porque a escassez de missionários em Angola era um facto 269. Por uma carta circular que Sousa Coutinho mandou enviar a todos os capitães-mores e cabos dos destritos sobre esta matéria, vemos que o 265 Cf. A.H.U., Angola, Códice 544, fl.1-28 v, Regimento do governo de Angola dado a Aires Saldanha de Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, Capítulo 3º 266 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 62, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de 1771 267 BN, Reservados, Códice 8744, fl.202, Carta do governador Sousa Coutinho para o juiz-de-fora de Benguela de 28 de Janeiro de 1772 268 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Junho de 1765 269 Idem, Ibidem 64 governador exprime uma posição menos drástica: " Sendo os gentios isentos do pagamento dos dizimos pois que nam reconhecem como sua Mae a igreja catholica romana deve Vm ordenar aos dizimeiros e cobradores que athe nova resoluçam de Sua Magestade nam cobrem dizimo dos ditos gentios " 270. E, num ofício para o marquês de Pombal, Sousa Coutinho reconhecia estar perante uma " materia muito delicada " 271. Para Sousa Coutinho, se o problema do não pagamento do dízimo por parte dos africanos residia no facto de este ser um tributo eclesiástico pago por cristãos e os africanos não o eram, propunha ao marquês de Pombal a sua resolução mediante a adopção de uma de duas medidas: ou através do envio de missionários para o reino de Angola, ou transformando o pagamento do dízimo num tributo secular, podendo ser extensível à esmagadora maioria da população luso-africana da região 272. Não temos notícia da adopção de alguma destas medidas por parte do marquês de Pombal, tendo ficado o problema em aberto. Contudo, sabemos que as extorsões feitas por parte dos dizimeiros encarregues da sua cobrança seriam uma realidade que oprimia baptizados e não-baptizados provocando conflitos com as populações e levando, por vezes, à deserção das suas terras 273. Fora das fronteiras do reino de Angola existiam os potentados, reinos centralizados como a Nzinga-Matamba ou o Kasanje e, ao contrário dos sobados, o relacionamento que podiam ter com o governo de Luanda seria de natureza económica, por exemplo, como fornecedores de escravos aos comerciantes portugueses e luso-africanos. Pensamos que o governo de Luanda procuraria gerir o seu relacionamento com os potentados tentando evitar qualquer tipo de 270 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Carta circular do governador Sousa Coutinho de 4 de Maio de 1772 271 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Maio de 1772 272 Idem, Ibidem 273 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.p.409-410, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão regente do Golungo de 19 de Fevereiro de 1772. 65 problemas com as autoridades 274. Não se deve esquecer que a afirmação do poder português era precária, o seu exército com poucos efectivos exigindo o recurso ao recrutamento de empacasseiros em caso de conflito; logo, empreender uma guerra no sertão era algo a evitar na perspectiva de Sousa Coutinho: " em Portugal entenderão que fazer a guerra aos negros he hua acção de pequeno risco e de pequena despeza e na verdade não he asim porque so o juntar os negros necessarios para ellas e para as conduçoens faz hu trabalho sem igual, alem de que o perigo he muito mais certo do que nas guerras da Europa, combatendo negros sem regularidade, evitando continuas e sucesivas ciladas em montes fechados e serras escabrozas so conhecidas dos mesmos abitadores, sem caminho nem meyos de faze lo; e sobretudo combatendo o clima contra nos e fazendo hua guerra tão furioza quanto não pode haver meios de evita la 275. Dar uma resposta cabal à questão do tipo de relacionamento existente entre o governo de Luanda e os potentados é algo díficil devido à escassez de documentação existente nos arquivos portugueses sobre este assunto, capaz de nos fornecer elementos de carácter mais definitivo. Contudo, e dentro do âmbito do nosso estudo, foi-nos possivel apontar, para o período do governo de Sousa Coutinho, a existência de três realidades: Derrota e subordinação de um poder africano, o Mani Moçosso Existência de poderes hostis, a Kisama, o Sonho e o Mosulo; e de um poder com o qual Luanda tinha um relacionamento de índole económica, com base no tráfico de escravos e sem o controlar, o Kasanje A " neutralidade " de Sousa Coutinho face ao conflito entre os potentados Holo e Nzinga-Matamba. 274 Cf. A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de Fevereiro de 1765, Artigos 5º, 7º, 15º e 20º. 275 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Abril de 1766 66 Data de finais do ano de 1765 o início dos conflitos com os Moçossos que, segundo Sousa Coutinho, tinham atacado e roubado alguns negociantes nas feiras da região de Encoje, prejudicando o tráfico de escravos para a Luanda 276. Com a ajuda do exército da rainha do Hoando, cujas povoações também tinham sido atacadas pelos Moçossos 277 , as forças portuguesas derrotaram este povo, durante o mês de Janeiro de 1766, procurando o governo de Luanda pôr termo às perturbações no fluxo de escravos da zona de Encoje para Luanda 278 . Só no final desse ano é que há notícia da capitulação dos Moçossos devido às difíceis condições que tiveram de enfrentar, na sequência da derrota inicial dado que foram " obrigados a errar por montes, sem azilo, sem habitação e sem alimento seguro " 279, acabando por pedir a paz ao governador de Angola 280. Essencial para a concretização da vitória das forças de Sousa Coutinho foi a aliança com a rainha do Hoando e com o Dembo Ambuilla, também inimigos dos Moçossos, e que auxiliaram, com os seus guerreiros, as tropas portuguesas 281 . Quer a rainha do Hoando, quer o Dembo Ambuilla auxiliaram o governador Sousa Coutinho devido aos ataques dos Moçossos nas suas terras tendo existido, portanto, uma comunhão de interesses: para Sousa Coutinho o objectivo era acabar com os ataques ao presídio e jurisdição de 276 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 72, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Dezembro de 1765 277 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 60, Carta do governador Sousa Coutinho para a rainha do Hoando de 28 de Novembro de 1766 278 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 65, Ofício do governador Sousa Coutinho de 4 de Março de 1766. BN, Reservados, Códice 8742, fl.3 v- 5, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Caconda de 3 de Fevereiro de 1766 onde é mencionada " hua completa victoria e a mais deciziva que ha perto de hu seculo houve neste sertão contra os Moçossos protegidos pelo rebelde Ambuela ". Deduzimos, portanto, que a derrota dos Moçossos teria ocorrido algures durante o mês de Janeiro de 1766. 279 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 61, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Encoje de 28 de Novembro de 1766 280 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 65, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Dezembro de 1766. Vemos que entre a mencionada derrota e a capitulação decorrera quase um ano revelando-se a capitulação a única solução possível para os Moçossos que estariam a atravessar por um período muito difícil. 281 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 60, Carta do governador Sousa Coutinho para a rainha do Hoando de 28 de Novembro de 1766 67 Encoje; para aqueles potentados o meio de acabar com as perturbações nos seus domínios 282. Data de 1768, ou seja, dois anos após estes eventos o " Acto de reconhecimento obediencia e vassalagem " do Mani Moçosso, D.André Muginga Bunga, no qual vemos a submissão deste chefe ao rei de Portugal, mediante as seguintes claúsulas: - 1ª Aceitação do baptismo e admissão de missionários nas suas terras; - 2ª Aceitação do undamento perante o capitão-mor de Encoje, passando a estar sob a sua jurisdição; - 3ª Fixação do seu povo nos territórios determinados pelo governador não podendo deles sair sem a sua expressa autorização; - 4ª Negação de asilo aos desertores do exército português e a escravos fugidos; - 5ª Estabelecimento da paz com todos os sobas, dembos e potentados vizinhos, especialmente com a rainha do Hoando, entregando-lhe as terras que lhe tinha usurpado; - 6ª Promessa de não declarar a guerra a algum soba, dembo ou potentado sem licença do governador de Angola; - 7ª Promessa de não fazer comércio com ingleses e franceses 283. Se Sousa Coutinho conseguiu derrotar o Mani Moçosso e o seu povo, o mesmo nunca aconteceu face à Kisama, ao Sonho e ao Mosulo. A Kisama, região de importantes salinas situada a sul da zona de influência portuguesa foi " sempre inimiga do estado não so nas guerras e depredações que lhe moveo mas no surdo e continuo mal que lhe fas 282 Idem, ibidem A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 74, Acto de reconhecimento, obediencia e vassalagem do Mani Moçosso de 1768 283 68 abrigando e dando passagem a todos os escravos fugidos de Angola " 284. De facto, a Kisama sempre movera uma guerrilha contra o governo de Luanda não só pelos roubos feitos aos comerciantes de escravos como pelo asilo que dava a escravos em fuga, que nunca mais voltavam para a colónia de Angola. Segundo Sousa Coutinho, os problemas continuariam enquanto aquela região não fosse conquistada, advertindo o capitão-mor de Massangano para não deixar que os pumbeiros se aventurassem naquelas paragens, admitindo a sua ineficácia em relação ao problema 285. O clima de tensão com os potentados Sonho e Mosulo revelou-se aquando a fuga de um grupo de escravos para as terras do Dembo Manicembo, aliado daqueles potentados. O conflito entre Luanda e o Dembo Manicembo vinha do tempo do governador António de Vasconcelos, antecessor de Sousa Coutinho por motivo da rebelião de um grupo de escravos a bordo de uma embarcação para o Rio de Janeiro e sua fuga para as terras deste Dembo que os tinha recolhido 286. Sousa Coutinho escrevendo ao Dembo Manicembo procura persuadilo a entregar os escravos em fuga, afirmando que se assim o fizesse seria sempre seu amigo e aliado, evitando-se uma guerra que destruiria o dito dembo 287. Simultâneamente, escrevera o governador ao Príncipe do Sonho e ao Mani Mosulo para que convencessem o Dembo Manicembo, seu vizinho e aliado, a seguir as determinações de Sousa Coutinho 288 . No entanto, volvidos dois anos o problema mantinha os seus contornos iniciais. Em Março de 1766, num ofício para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Sousa Coutinho assumia que o conflito com o Dembo Manicembo 284 Arquivos de Angola, I Série, Volume IV, nº49, Janeiro de 1939, p.p.173-209, Memória do reino de Angola de D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho de 1773-1775 285 BN, Reservados, Códice 8743, fl.196, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Massangano 286 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 27, Carta do governador Sousa Coutinho para o Dembo Manicembo de 30 de Julho de 1764 287 Idem, Ibidem 288 Idem, Ibidem, Carta do governador Sousa Coutinho ao Príncipe do Sonho e ao Mani Mosulo de 30 de Julho de 1764 69 era uma causa perdida " sendo certo que o dito dembo nam entrega os ditos escravos " 289. E desencadear uma guerra contra este Dembo seria muito dispendioso e sem qualquer garantia de ser bem sucedida dado que o Dembo Manicembo era aliado do Príncipe do Sonho, também inimigo de Luanda, sendo ambos fornecidos de pólvora e armas, em abundância, pelos comerciantes ingleses e franceses 290 . Para Sousa Coutinho, o Dembo Manicembo, o príncipe do Sonho e o Mani Mosulo como " soberbos potentados (...) os mais fortes e assistidos de polvora e bala dos portos vezinhos em que comerceão os estrangeiros (...) quazi todas as guerras que com eles tivemos forão mal sucedidas " 291. Relativamente ao Mani Mosulo, os conflitos com o governo de Luanda foram uma realidade, designadamente durante o ano de 1767. Mostrando o seu desagrado pelo facto de ser comum a presença de embarcações estrangeiras no território do Mani Mosulo, Sousa Coutinho ameaçava mandar destruir as suas povoações se o Mani não suspendesse de imediato os contactos comerciais com ingleses e franceses 292. O Mani Mosulo teria comunicado junto do governador que se tal acontecia nos seus territórios ele de nada sabia, mostrando Sousa Coutinho não acreditar na sua versão dos acontecimentos e, de novo, advertindo-o a cumprir as suas determinações 293. Deduzimos não ter sido o Mani Mosulo muito receptivo às advertências de Sousa Coutinho dado que este, no início de Junho desse ano, ameaçava o Mani Mosulo que se não acabasse o comércio com os estrangeiros " certamente vos não escrevo mais e a resposta ha de ser com o ferro e com o fogo " 294. 289 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 4, Ofício do governador Sousa Coutinho de 4 de Março de 1766 290 Idem, Ibidem 291 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 7, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Março de 1766 292 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 25, Carta do governador Sousa Coutinho para o Mani Mosulo de 4 de Maio de 1767 293 BN, Reservados, Códice 8742, fl.184-184 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o Mani Mosulo de 26 de Maio de 1767 294 BN, Reservados, Códice 8742, fl.193, Carta do governador Sousa Coutinho para o Mani Mosulo de 8 de Junho de 1767 70 Ignoramos o desfecho desta situação de conflituosidade latente com o Mani Mosulo dado que não se encontraram elementos que nos permitissem concluir algo a seu respeito, mas poder-se-á afirmar, com alguma certeza que Sousa Coutinho, dificilmente passaria das palavras aos actos devido aos condicionalismos estruturais que impediam, nessa altura, o poder português sediado em Luanda de se expandir e subordinar esses potentados. Não podemos deixar de mencionar alguns elementos sobre o Kasanje, reino com o qual os portugueses mantinham um relacionamento de carácter económico. Nesta altura, a autoridade dos reis Imbangala do Kasanje assentava no seu monopólio sobre o tráfico de escravos com os portugueses, reforçado pela capacidade que tiveram em confinar esse tráfico a um único mercado, a feira de Kasanje, talvez a mais importante feira do sertão 295. A principal característica desta feira era o facto de se tratar de um mercado dependente de um poder político distinto do de Luanda 296. O jaga de Kasanje e a sua clientela regulavam as trocas recebendo os bens trazidos pelos mercadores portugueses e luso-africanos e distribuindo-os pelos chefes de linhagens, seus súbditos, de quem obtinham os escravos para serem vendidos aos comerciantes da região luso-africana 297. Interessa salientar que o jaga de Kasanje era o intermediário exclusivo entre os mercadores luso-africanos e os chefes de origem Lunda, habitantes das regiões a leste do rio Kwango, principais fornecedores de escravos neste período, impedindo qualquer contacto entre ambos 298. 295 Jill Dias, Ob.Cit., p.48 Jean-Luc Vellut, Questions Speciales d Histoire de L Afrique, Université Nationale du Zaire, Campus de Lubumbashi, Faculté des Lettres- Département d Histoire, 1972-1973, p.p.94-113 297 Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.94-113 298 Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.94-113. Sobre o mesmo assunto ver " Uma Viagem a Casange " in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 56, nº 1 e 2, Janeiro-Fevereiro 1938, p.p.9-30. Tratase do relato de uma expedição a Kasanje feita pelo sargento Manuel Correia Leitão em 1755-1756, enviado pelo governador D.António Alvares da Cunha com a finalidade de fazer um reconhecimento da 296 71 O governo de Luanda teria sempre procurado manter um bom relacionamento com o Kasanje e, nesse aspecto, Sousa Coutinho não constituiu uma excepção, cuidando na manutenção da presença dos portugueses e luso-africanos na feira de Kasanje e evitando qualquer tipo de atritos com o jaga 299. Pensamos ter sido a posição que Sousa Coutinho adoptou face ao conflito que estalou entre os potentados Holo e Nzinga-Matamba, a realidade que melhor definiu a sua forma de actuar face ao mundo africano. Datam de Maio de 1765 as primeiras notícias relativas ao conflito entre o Holo e a Nzinga-Matamba tendo por motivo a sucessão deste último. Esta informação constava no " Tratado de Sujeição, Obediência e Fidelidade " ao rei de Portugal por parte da rainha Nzinga, D.Ana Guterres, juntamente com o motivo da sua sujeição, naquele momento: " Porque a raynha Ginga de Dongo e Matamba D.Anna Guterres mandou por seus embaixadores (...) a esta cidade de Loanda requerer ao Illmo e Exmo Dom Francisco Innocencio de Sousa Coutinho governador e Capitam general deste reyno e suas conquistas que na forma da obrigaçam de vassalagem em que se constituiu pelo Tratado de 7 de Setembro de 1683; e por outro de 25 de Outubro de 1744 devia a coroa de Portugal socorre la em todas as ocasioes em que ella obrigada de alguma guerra reclamase o socorro necessario à sua segurança e a conservaçam dos seus estados cuja necesidade mostrava a mesma raynha ser a mais urgente pela opresão que lhes cauzavão seu sobrinho Caluete Cabande ligado com os Potentados do Holo para efeito de destruirem a posse em que esteve sempre o dito reino de Dongo e Matamba de ser governado por femeas com a aprovação e reconhecimento dos senhores governadores de quem a mesma rainha recebeo sempre a investidura dos ditos reinos 300. região. É referido que o jaga de Kasanje não permitia que estrangeiros, entre eles os portugueses e lusoafricanos, atravessassem o rio Kwango estabelecendo contactos directos com os povos Lunda. 299 BN, Reservados, Códice 8742, fl.13 v-14, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Mbaka de 8 de Março de 1766. 300 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Copia do Tratado de Sujeição, Obediência e Fidelidade que fez a rainha Nzinga D.Ana Guterres de 25 de Maio de 1765 72 Vemos, portanto, que D.Ana Guterres pediu auxílio ao governador de Angola por se sentir ameaçada por um sobrinho que com o apoio do potentado Holo tinha por finalidade ascender ao poder da NzingaMatamba, pondo fim à preponderância das mulheres nesse reino, como detentoras do poder político 301. Sousa Coutinho procurou aproveitar este momento de fragilidade da rainha Nzinga para retirar contrapartidas comerciais para os portugueses que visavam beneficiar o acesso dos pumbeiros às regiões mais longínquas da Matamba e do Kasanje em busca de novos fornecimentos de escravos, devendo a rainha Nzinga facilitar a circulação desses pumbeiros, não colocando qualquer tipo de entrave e fornecendo os carregadores necessários 302. Interessante foi a atitude do potentado Holo que " sabendo a resolução da rainha mandaram tambem outros embaixadores requerendo comercio e escrivão nas suas terras " 303 . E, a 8 de Julho desse ano, o potentado Holo Marimba Goje assinava o seu " Acto de obediencia, sujeição e vassalagem ao rei de Portugal " 304. Tal como no caso da rainha Nzinga, as cláusulas que visavam facilitar a actividade dos pumbeiros na região foram uma realidade, assim como as que visavam a divulgação do 301 A propósito da questão do acesso de uma mulher ao poder político e chefia de um reino da Africa Ocidental a sul do Equador ver Joseph Miller, " Nzinga of Matamba in a new perspective " in Journal of African History, Volume 16, nº2, 1975, p.p.201-216. Neste artigo, Joseph Miller relativamente à rainha Nzinga D.Ana de Sousa, refere que entre os povos Mbundu o exercício do poder estava reservado exclusivamente aos homens, tendo, por consequência, D.Ana de Sousa usurpado o título de rei Nzinga com o apoio dos Imbangala. Contudo, em pleno século XVIII, uma mulher, D.Ana Guterres é chefe supremo do potentado NzingaMatamba querendo um sobrinho seu pôr termo a algo que seria um hábito naquela região: o poder político ser dominado por uma mulher. E Miller refere neste seu artigo que na Matamba era costume as mulheres serem detentoras do poder político " a sixteenth- century kingdom known as Matamba had set an exceptional precedent among the southern Kongo and northern Mbundu for rule by females (...) The desintegration of the Ngola Kingdom had created a political vacuum that Nzinga hastened to fill during the 1630 s by appropriating the residual legitimacy accorded females in the region ". Parecem, portanto, ter prevalecido as tradições da Matamba no potentado Nzinga-Matamba a ponto de em pleno século XVIII serem postas em causa de forma tão violenta. 302 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, caixa 703, Cópia do Tratado de Sujeição, Obediência e Fidelidade que fez a Rainha Nzinga, D.Ana Guterres de 25 de Maio de 1765 303 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Julho de 1765 304 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, caixa 703, Cópia do Acto de Obediência, Sujeição e vassalagem do potentado Holo Marimba Goje de 8 de Julho de 1765 73 cristianismo e fixação de missionários nas suas terras procurando, desta forma, o governo de Luanda retirar benefícios do seu relacionamento com o Holo 305. Muito curiosa se revelou a 3ª cláusula deste documento: " Que em quanto a rainha Ginga cumprir de boa fe a livre e segura passagem pelas suas terras de todos os negociantes e pumbeiros não podera elle dito potentado fazer lhe guerra nem ainda debaixo do pretexto do sobrinho da mesma raynha que se acha nas terras dele potentado; porem se ella embaraçar o comercio ou vedar os caminhos e negar os carregadores poderam eles livremente fazer lhe a guerra athe conseguir que o caminho esteja franco e seguro para a devida execuçam das ordens deste governo 306. Deduz-se que Sousa Coutinho deu liberdade ao Holo para atacar a rainha Nzinga caso esta não cumprisse as suas obrigações para com a coroa portuguesa, talvez conhecedor de que seria uma situação inevitável, ficando assim o Holo encarregue de punir a Nzinga-Matamba sem que o governo de Luanda tivesse de participar numa guerra do sertão, algo que Sousa Coutinho entendia que se devia evitar, como se frisou anteriormente. Em Março de 1767 há notícia de que a rainha Nzinga estaria a dificultar a passagem de missionários para o potentado Holo 307 , determinando o governador ao escrivão das terras de Holo e Nzinga que devia " partecipa lo ao Holo para que ele faça a guerra como entender que convem aos seus enteresses, todas e quantas vezes quizer, na firme inteligência de que o que ajustou comigo o nam embaraça, suposta a rebeldia da dita raynha e que no tempo de ver se apertado pelas forças da mesma sera socorrido como fiel vassalo " 308 . Devia ainda aquele funcionário " aproveitar se das discordias dos dois para que receozo o Holo do que o tempo pode fazer vindo a necesitar os socorros que pedir se faça christão e os seus povos e anime o comercio na forma estipulada e a Raynha mais ou menos ferida das forças daquele potentado, entre nos 305 Idem, Ibidem Idem, Ibidem 307 BN, Reservados, Códice 8742, fl.161 v-162, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Mbaka de 20 de Março de 1767 308 BN, Reservados, Códice 8742, fl.160-161, Carta do governador Sousa Coutinho para o escrivão das terras de Holo e Nzinga de 20 de Março de 1767 306 74 limites da razão, cumprindo de boa fe o que à mesma convém (...) por cujas causas não apague Vm de nenhuma forma o fogo que entre os dois se assender, porque das suas reciprocas irregularidades colhemos hu copiozo e necesario fructo " 309. Em Novembro de 1767, Sousa Coutinho mostrava estar apenas preocupado com a segurança dos presídios de Mbaka e de Pedras de Pungo-a-Ndongo dado que o conflito entre os dois potentados estaria no auge: " por que sendo me presentez as grandes perturbações que agora ocorrem entre a Ginga e o Holo tenho rezoluto deixa los amansar e destruir pelas suas proprias maons " 310. O ofício de Sousa Coutinho para Francisco Xavier de Mendonça Furtado de Dezembro de 1767 revela que a rainha Nzinga, D.Ana Guterres fora morta, assim como os seus seguidores por um sobrinho seu, aliado do potentado Holo 311. E, em Fevereiro do ano seguinte, Calluete Cambande, o sobrinho de D.Ana Guterres que desencadeara este conflito, depois de a ter morto e subvertido as regras de sucessão do potentado Nzinga-Matamba com o auxílio do Holo, já como rei Nzinga assinava o seu " Acto de Sujeiçam, obediencia e Vassalagem a Sua Magestade Fidelissima nas maons do Illmo e Exmo D.Francisco de Souza Coutinho " 312. Sousa Coutinho reconhecia D.Calluete Cambande como sucessor de sua tia no reino Nzinga de Ndongo e Matamba, obtendo da parte de D.Calluete a promessa da sua conversão ao cristianismo e permissão da presença de missionários nas suas terras; igualmente a promessa de facilitar a actividade comercial de negociantes e pumbeiros 313. Mostrou a coroa portuguesa aprovar a actuação de Sousa Coutinho, não deixando de sublinhar as vantagens desta guerra para o governo de 309 Idem, Ibidem BN, Reservados, Códice 8742, fl.248-248 v, Carta do governador Sousa Coutinho para António Anselmo Duarte de Sequeira de 25 de Novembro de 1767 311 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 58, Ofício do governador Sousa Coutinho de 16 de Dezembro de 1767 312 Arquivos de Angola, I Série, Volume I, nº4, Novembro de 1935, p.p.189-190, Acto de Sujeição, Obediência e Vassalagem de D.Calluete Cambande, rei Nzinga, de 25 de Fevereiro de 1768 313 Idem, Ibidem 310 75 Luanda: " a consequencia destas guerras barbaras podera muito bem ser a destruição dos potentados vizinhos das rayas desse reino, ficando asim mais seguras dos insultos delles (...) tambem das referidas guerras rezultara a outra consequencia de se resgatar mayor numero de pretos, não podendo deixar de haver nellas grande numero de prisioneiros " 314. Parece indubitável que Sousa Coutinho aproveitando um incumprimento do acto de obediência da rainha Nzinga, D.Ana Guterres, permitiu que o potentado Holo a atacasse conseguindo não só desgastar as duas forças políticas, como arranjar, em consequência desse conflito, novos fornecimentos de escravos para os portugueses. Ciente da dificuldade de enfrentar, em caso de guerra, a Nzinga- Matamba ou o Holo, Sousa Coutinho serviu-se deste último e das ambições de um sobrinho de D.Ana Guterres para " neutralizar ", durante algum tempo, aqueles dois potentados. 314 A.H.U., Angola, Códice 408, fl.155-155 v, Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado para o governador Sousa Coutinho de 6 de Maio de 1768 76 Capítulo III- Sousa Coutinho e a tentativa de "fomento industrial": A "Fábrica do Ferro" de Nova Oeiras A) Estabelecimento e Funcionamento da " Fábrica do Ferro " de Nova Oeiras 1766-1772 O empreendimento da " fábrica do ferro " de Nova Oeiras, desenvolvido no decurso do governo de D.Francisco de Sousa Coutinho terá sido, porventura, a realidade mais marcante da sua acção governativa em Angola. Contudo, a exploração dos recursos minerais de Angola, entre eles o ferro, era uma ideia que remontava ao século XVII, encontrando-se presente no regimento do governador Aires de Saldanha de Meneses de 12 de Fevereiro de 1676 315 . Tratar-se-ia, portanto, de algo que todos os governadores deviam ter em atenção quando iam para Angola tendo Sousa Coutinho tentado pôr em prática essa determinação. Gostaríamos de referir, antes de dar início a este capítulo, dois aspectos que nos permitirão compreender melhor, no decurso da nossa análise, os termos em que funcionou a " fábrica do ferro ": a " fábrica do ferro " procurou aproveitar os conhecimentos e experiência dos africanos que desde tempos remotos se dedicavam à extracção e fabrico de objectos de ferro, há que ter em consideração que no contexto da realidade angolana do século XVIII, a expressão " fábrica " que é usada na documentação da época, significava apenas o acto ou efeito de fabricar algo e não uma fábrica no sentido moderno e industrial do termo dado que a produção de ferro em Nova Oeiras assumiu características meramente artesanais. 315 A.H.U., Angola, Códice 544, fl.1-28 v, Regimento do governo de Angola de Aires de Saldanha de Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, capítulo 12º 77 Em Dezembro de 1765, Sousa Coutinho dava notícia das primeiras diligências que fizera no sentido de averiguar acerca da existência de jazidas de minério de ferro no sertão, mais concretamente na região da Ilamba 316. Constatando que o ferro era produzido e usado pelas populações africanas no fabrico de instrumentos de lavoura e instrumentos bélicos 317, Sousa Coutinho enviara à região da Ilamba alguns ferreiros para o informarem não só acerca da quantidade e qualidade do minério de ferro ali existente como das condições do local com vista a um eventual estabelecimento de uma extracção mais sistemática desse minério orientada e a favor do governo de Luanda 318. Os resultados dessa averiguação teriam sido, na óptica de Sousa Coutinho, bastante satisfatórios: " a facilidade da extracção nam pode ser mayor por que havendo muitos seculos, que os Negros uzam dos mineraes ainda nam passaram do que a Natureza lhe deu à primeira vista; nos mesmos sitios ha muitas lenhas comuas e he bastantemente povoado ficando situado entre o Quanza e o Zenza, por onde comodissimamente pode ser navegado " 319, surgindo a ideia de criar " hua pequena fabrica " com a finalidade de prover de ferro os armazéns reais de Angola e Brasil 320 . Revelou Sousa Coutinho o cuidado de solicitar a aprovação régia nesta sua iniciativa, se esta não fosse do agrado da coroa, imediatamente a abandonaria 321 . Em Julho do ano seguinte, uma carta da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos dirigida ao governador Sousa Coutinho informava não só a total aprovação régia pela iniciativa como dava uma ordem clara no sentido de se prosseguir os 316 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Dezembro de 1765 317 Idem, Ibidem. BN, Reservados, Códice 8742, fl.114 v-115, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Mbaka de 4 de Janeiro de 1767 318 A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Dezembro de 1765 319 Idem, Ibidem 320 Idem, Ibidem 321 Idem, Ibidem 78 trabalhos na Ilamba, mesmo sem a presença de um mestre ferreiro de origem europeia que a coroa tentaria contratar e enviar para Angola 322. Entre Julho e Setembro de 1766 dera-se a primeira fundição de ferro na Ilamba pelos artífices locais, sob ordem do governador, e seu encaminhamento para Luanda 323. Esse ferro produzido na Ilamba seria de muito boa qualidade e nessa altura fala-se no envio para Luanda de 30 quintais por mês 324. Seguindo as determinações da coroa, Sousa Coutinho ordenava em Dezembro de 1766 ao capitão-mor do Golungo que devia tratar a questão do ferro com mais séria e constante aplicação 325 . Temos a informação, nesta data, que todo o ferro produzido seria remetido para Lisboa, daí o facto de Sousa Coutinho mostrar a sua procupação e exigir o aumento da produção de ferro, esperando ter todos os meses uma quantidade significativa a enviar para Lisboa 326. Foi nessa altura, ou seja, em Dezembro de 1766, que se deu o estabelecimento de uma " Real Fábrica do Ferro " no território das jazidas de ferro entre o rio Lukala e um seu afluente, o Luina 327 que Sousa Coutinho baptizou com o nome de Nova Oeiras " um grande estabelecimento fundado no mais belo e fertil terreno desta região " 328, na perspectiva optimista do governador. Nesta data e relativamente à " fábrica " podemos apontar, desde já, os seguintes aspectos: 322 A.H.U., Angola, Códice 408, fl.107 v-fl.110 v, Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado de 21 de Julho de 1766 323 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 28, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Julho de 1766 324 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 44, Carta do corregedor Manuel Pinto da Cunha e Sousa de 1 de Setembro de 1766 325 BN, Reservados, Códice 8742, fl.107 v-108 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor do Golungo de 10 de Dezembro de 1766 326 Idem, Ibidem 327 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Dezembro de 1766 328 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 16 de Fevereiro de 1767 79 A " fábrica " era administrada pela fazenda real do reino de Angola estando, portanto, na posse da coroa 329. Era necessário para proporcionar o incremento dos trabalhos de extracção e fundição, assim como para a sua direcção e superintendência existir um intendente e, para controlar o movimento de receitas e despesas, um almoxarife, ambos com residência no local 330. Produziam os ferreiros africanos, naquela altura, entre 40 a 50 quintais de ferro por mês 331. Era necessária a presença no local de um ou mais mestres ferreiros europeus de forma a, aproveitando a natural habilidade dos africanos, incrementar a produção mediante a divulgação dos métodos e técnicas de origem europeia 332. Portanto, fora escolhido o local, entre os rios Lukala e Luina junto às jazidas de minério, deu-se-lhe um nome, Nova Oeiras e a produção de ferro feita pelos ferreiros africanos passava a ser enviada para Luanda. Faltava, segundo o governador, não só estabelecer uma povoação como criar as necessárias infra-estruturas, possiveis de realizar naquela época e naquele contexto, para " dar forma de fabrica real ao que erão pequenos trabalhos volantes " 333. Em que consistiu a " fábrica " do ferro de Nova Oeiras, estabelecida no território entre os rios Luina e Lukala? Se Sousa Coutinho afirmava que era preciso " dar forma de fabrica Real ao que erão pequenos trabalhos volantes " 334, o que significava, na prática, semelhante afirmação? 329 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Dezembro de 1766 330 Idem, Ibidem 331 Idem, Ibidem 332 Idem, Ibidem 333 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, " Memoria sobre o estado em que deichei a fabrica de ferro " por D.Francisco de Sousa Coutinho de 16 de Setembro de 1773 334 Idem, Ibidem 80 O objectivo inicial foi chegar ao local onde se encontravam as jazidas de ferro, sendo necessário para o efeito abrir caminhos e romper matos, tendo Sousa Coutinho mandado estabelecer, próximo das jazidas, uma povoação á qual deu o nome de Nova Oeiras 335. Foi estabelecida a povoação em Janeiro de 1767, tornando-se essencial atrair povoadores 336. Tentando resolver este aspecto determinava o governador ao capitão-mor de Massangano para mandar fixar em Nova Oeiras " dez soldados cazados e com filhos e alguns mais pobres moradores dese destrito, que voluntariamente se persuadão deste estabelecimento em que se lhe devem dar terras para cultivar e todo o auxilio para formar as suas comodidades " 337. Além dos povoadores de Massangano estava ainda prevista a vinda de soldados e respectivas famílias de Muxima, Cambambe e Mbaka, concretamente 10 soldados de cada presídio 338. Escolhido o local para o estabelecimento da povoação e determinada a vinda de povoadores assim como de áreas de cultivo, em redor do local, para o sustento dos mesmos, era necessário construir os edifícios considerados essenciais ao funcionamento da povoação: igreja, feitoria, tesouraria, casas de residência do intendente e dos mestres ferreiros a contratar na Europa, armazéns e casas para fundição do ferro 339 . Simultâneamente, iam-se explorando as minas de ferro 340, trabalho que se revelaria bastante difícil: " considerando que nem as forças, nem os instrumentos dos negros serião bastantes para rasgar a Mina, mando a Vm seis enxadas do Reyno, seis picaretas, e duas lavancas e mando também os soldados e payzanos europeos aos quais Vm fara situar nesa nova povoação e fazendo os trabalhar na abertura da mina pagando lhes por este serviço o 335 Idem, Ibidem BN, Reservados, Códice 8742, fl.129 v-130 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor de Massangano de 9 de Janeiro de 1767 337 Idem, Ibidem, fl.130 338 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução do governador para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 7 de Janeiro de 1767 339 Idem, Ibidem. A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 43, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Agosto de 1769 340 BN, Reservados, Códice 8742, fl.131 v- 132, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor do Golungo de 12 de Janeiro de 1767. Idem, fl.158-159, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor do Golungo de 17 de Março de 1767 336 81 que eles merecerem nam por dias mas por palmos ou braças de trabalho " 341 . Além das minas, a " fábrica " incorporou os matos em redor para obtenção de lenha, necessária à fundição do minério de ferro e reunia o seguinte conjunto de infra-estruturas: um açude para aproveitar a energia hidráulica fornecida pelas águas do Lukala e do Luina; fornalhas e fornos de cal, tijolo e telha para fundição do ferro 342. O estabelecimento da " fábrica do ferro " assim como a criação da povoação de Nova Oeiras não teria sido um empreendimento fácil. Escrevendo ao então nomeado Intendente da fábrica do ferro, António Anselmo Duarte de Sequeira, em Abril de 1767, ou seja, cerca de três meses após a sua fundação, Sousa Coutinho revelava o seu descontentamento pela forma como os trabalhos estariam a ser dirigidos 343. A actuação do intendente não seria muito eficaz dado que, ao enfrentar as dificuldades inerentes a uma tarefa desta natureza, tentara aligeirar as determinações do governador no que tocava à localização da povoação e da " fábrica " além de que passava mais tempo em Luanda do que em Nova Oeiras onde era suposto estar a dirigir os trabalhos da " fábrica " e da construção dos edifícios da povoação 344. O conselho de Sousa Coutinho para António Anselmo Duarte de Sequeira era bastante elucidativo da realidade que se vivia naquela região: " persuada se Vm que quem estabelece hua colonia, nam acha Palacios, nem jardins, encontra muitos espinhos que cortar e muitas pedras que mover, e havendo constancia e amor ao real serviço logo se chega ao fim por mais asperos que sejão os caminhos " 345. 341 Idem, Ibidem. Em 1797, José Alvares Maciel, depois de ter visitado as instalações de Nova Oeiras, descrevia as jazidas de ferro nestes termos: " A quantidade que ha de minna he imensa e toda à superficie, a configuração desta he de seixo, a cor exterior he preta e lustroza, e outras de hu pardo ferruginozo, por dentro he de hu pardo azulado: o seu tisso he composto de pequenos grãos semelhantes aos que aprezenta o aço na sua fractura (...) ", António da Silva Rego, " A Academia Portuguesa da História e o II Centenário da Fábrica de Ferro em Nova Oeiras, Angola " in Colectânea de Estudos em Honra do Prof.Doutor Damião Peres, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1974, p.p.387-398 342 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 68, Ofício do governador Sousa Coutinho de 3 de Dezembro de 1768 e documento 73, Ofício do governador Sousa Coutinho de 12 de Março de 1768; A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 13 de Março de 1769 343 BN, Reservados, Códice 8742, fl.167-168 v, Carta do governador Sousa Coutinho para António Anselmo Duarte de Sequeira de 10 de Abril de 1767 344 Idem, Ibidem 345 Idem, Ibidem, fl.167 v 82 Vemos que a direcção e supervisão dos trabalhos da " fábrica " assim como a organização e incremento da povoação cabia a um intendente, nomeado pelo governador. Segundo Sousa Coutinho este funcionário devia ser de Portugal, nunca um natural de Angola, estando sempre " debaixo da imediata dependencia e sogeição do governador " 346. A escolha de Sousa Coutinho foi António Anselmo Duarte de Sequeira, um militar que se distinguira, nas campanhas contra os Moçossos, nomeado intendente da " fábrica do ferro " de Nova Oeiras em 7 de Janeiro de 1767, em simultâneo com a criação da fábrica e da povoação com o vencimento provisório de 500 reis por mês 347. Para além de António Anselmo Duarte de Sequeira, a " fábrica do ferro " conheceu mais um intendente durante o governo de Sousa Coutinho: o tenente Joaquim de Bessa Teixeira, nomeado em 10 de Setembro de 1771, com o mesmo vencimento e com o mesmo tipo de funções do seu antecessor- direcção dos trabalhos da " fábrica ", governo da povoação e seus habitantes 348. Além do intendente, a " fábrica " contava ainda com a presença de um almoxarife e de um escrivão. O almoxarife, nomeado por um ano, tinha por função zelar por toda a receita e despesa relativa à fábrica, assim como receber e distribuir as fazendas para pagamento dos trabalhadores africanos em Nova Oeiras 349. Temos conhecimento de que em 20 de Fevereiro de 1767 era nomeado o primeiro almoxarife de Nova Oeiras, Joaquim Loureiro de Sousa, por um ano mas sem referência ao seu vencimento 350. Data de 27 de Julho de 1771 a segunda nomeação para o cargo de almoxarife da fábrica de Nova Oeiras que conseguimos localizar: Caetano Luís de Carvalho, também por um ano e sem referência ao seu vencimento 346 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Dezembro de 1766 347 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Portaria nomeando António Anselmo Duarte de Sequeira no posto de intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 7 de Janeiro de 1767 348 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 71, Cópia da portaria nomeando intendente da real fábrica do ferro o tenente Joaquim de Bessa Teixeira de 10 de Setembro de 1771 349 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Ofício do governador Sousa Coutinho de 12 de Março de 1768 350 Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.53-54, Provisão do governador Sousa Coutinho nomeando Joaquim Loureiro de Sousa no cargo de almoxarife da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 20 de Fevereiro de 1767 83 351 . Devendo prover o registo de tudo o que entrava ou saía da tesouraria da " fábrica ", o escrivão, tal como o almoxarife era nomeado pelo período de um ano. Localizámos uma nomeação para este cargo na pessoa de Hipólito Fernandes Pinto em 6 de Abril de 1770 352. Pela instrução do governador Sousa Coutinho dada ao intendente António Anselmo Duarte de Sequeira em 12 de Janeiro de 1767 podemos constatar quais eram as decisões a tomar e os procedimentos a seguir relativamente a Nova Oeiras 353. Assim, devia o intendente: Estabelecer a povoação de Nova Oeiras, junto às jazidas de ferro, acompanhado pelos seus colonos, desbravando os matos e abrindo caminhos 354; Determinar o local de construção dos edifícios públicos ( igreja, feitoria, residência do intendente e dos mestres ferreiros ), além de dividir os terrenos entre os colonos para que estes se fixassem, com as suas famílias, cultivando essas terras 355; Tratar correctamente a mão-de-obra africana, presente em grande quantidade no empreendimento, ordenando que sejam bem pagos e tratados 356; Pagar aos negros, por cada quintal de ferro produzido, 2400 reis em fazendas, divididas em partes iguais entre todos os trabalhadores. Chegando os mestres ferreiros ao local, o jornal dos negros passava a ser pago de acordo com o usado na prestação de serviços nas obras reais 357; 351 Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.143-144, Provisão do governador Sousa Coutinho nomeando Caetano Luís de Carvalho no cargo de almoxarife da fábrica de ferro de Nova Oeiras de 27 de Julho de 1771 352 Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.137-138, Provisão do governador Sousa Coutinho nomeando Hipólito Fernandes Pinto no cargo de escrivão da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 6 de Abril de 1770 353 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras António Anselmo Duarte de Sequeira de 12 de Janeiro de 1767 354 Idem, Ibidem, capítulos 1º a 3º 355 Idem, Ibidem, capítulos 4º e 5º 356 Idem, Ibidem, capítulo 6º 357 Idem, Ibidem, capítulos 7º e 8º 84 Zelar pela segurança das instalações da feitoria, evitando a presença de insectos que destruissem as fazendas para o pagamento do jornal dos negros 358; Regular e rentabilizar a utilização de gado no transporte de ferro da fábrica até ao rio, tornando eficaz o escoamento da produção 359 ; Vigiar as povoações que forneciam trabalhadores para a fábrica, zelando para que fiquem pessoas em número suficiente para cultivar os campos e garantir o sustento desses trabalhadores 360; Atrair " com doçura e justiça " futuros habitantes de Nova Oeiras que se deviam dedicar, apenas, à agricultura ou ao serviço da fábrica 361; Exigir, dos capitães-mores dos presídios junto a Nova Oeiras total obediência no que tocasse ao serviço da fábrica 362. A ausência de mestres ferreiros capazes de produzir ferro de acordo com os métodos europeus, considerados mais eficazes e produtivos, constituiu o principal problema que afectou o empreendimento durante o ano de 1767. Em Julho de 1767, Sousa Coutinho refere que tinha contratado três mestres ferreiros da Baía; contudo, devido a uma estadia em Benguela contraíram febres que os vitimaram em 3 dias, não tendo chegado a Nova Oeiras 363. Só em Abril de 1768 é que seriam contratados os quatro mestres biscainhos, cuja trágica permanência em Nova Oeiras se encontra bem documentada. Jozeph Manoel de Echavarria, Francisco Xavier de Zuloaga, Francisco de Echanique e Jozeph de Erretolaza, mestres ferreiros oriundos das regiões da Biscaia e Navarra, estabeleceram, em 30 de Abril de 1768, as suas condições de aceitação do cargo na fábrica de Nova Oeiras: 358 Idem, Ibidem, capítulo 9º Idem, Ibidem, capítulo 10º 360 Idem, Ibidem, capítulos 11º a 13º 361 Idem, Ibidem, capítulos 14º e 15º 362 Idem, Ibidem, capítulos 16º e 17º 363 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Julho de 1767 359 85 comprometiam-se a trabalhar na fábrica de Nova Oeiras por um período de 3 anos, contados a partir da sua chegada ao local; comprometiam-se a " edificar o laboratório e a fábrica ", além de arranjar os instrumentos necessários aos trabalhos de fundição do ferro; comprometiam-se a ensinar a sua arte aos ferreiros africanos; o salário de cada um ficava estabelecido em 2400 reis por dia; as despesas da viagem de ida e volta ficavam a cargo da coroa 364. Teriam os mestres biscainhos abalado para Angola nos finais do mês de Abril de 1768 365 , desembarcando em Luanda a 24 de Outubro 366 e tendo chegado a Nova Oeiras no dia 14 de Novembro 367. As sua impressões sobre o local revelar-se-iam favoráveis: " foram ver o rio Luinha e lhe nam acharão dificuldade algua de vir agua para os assudes e se occuparão em ver fundir os pretos e de tarde fuy com elles acima do rio dito e marcarão a pasagem para se entrar ja a limpar para se encanar a agua em distancia desta fabrica (...) Viram a pedra de ferro e o carvão e disceram que hua e outra couza estava boa; e acentamos com elles armarem hua fundição e trabalharem com os folles grandes para os negros verem a quantidade que rende " 368. O método de fundição do ferro utilizado pelos mestres biscainhos seria diferente e menos produtivo daquele que era usado na Alemanha e na França dado que usava fornos de pequena dimensão ao contrário do que se passava no norte da Europa onde, naquela época, a fundição do ferro era feita em fornos de maior dimensão e com o auxílio do " cadinho " ou " ouvrage " 369 . Segundo Sousa Coutinho, apesar de não ser possível 364 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 15, Condições dos mestres da Biscaia sobre a sua ida para a fábrica do ferro de Nova Oeiras de 30 de Abril de 1768 365 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 27, Ofício do governador Sousa Coutinho de 22 de Agosto de 1768 366 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro de 1768 367 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 38, Carta do intendente de Nova Oeiras para o governador Sousa Coutinho de 15 de Novembro de 1768 368 Idem, Ibidem 369 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro de 1768 86 introduzir o método de fundição francês ou alemão, ter conseguido pôr a trabalhar em Nova Oeiras 4 mestres, segundo o método da Biscaia, era já um feito considerável sendo o aspecto mais importante o da sua divulgação junto dos ferreiros africanos, habituados a produzir reduzidas quantidades de ferro com o auxílio de pequenos foles de pele de cabra 370. Poucos dias após a sua chegada a Nova Oeiras, 2 mestres adoeciam, mas sem gravidade, segundo o relatório do intendente que mencionava também ter sido a região afectada por chuvas intensas que estavam a dificultar os trabalhos da fábrica e a causar danos à povoação cujas casas eram feitas de barro 371. Demonstrando, sem dúvida, falta de conhecimento da realidade que se vivia em Nova Oeiras, Sousa Coutinho revelava-se bastante optimista em relação à sua iniciativa e, num ofício para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, mostrava a sua satisfação pela chegada dos mestres a Nova Oeiras: " espero que dentro de trez ou quatro mezes trabalhe a fabrica e estejão os negros ensinados a servir se de folez grandes e a fundir como os mestres (...) Hé bem natural e bem de esperar que quando esta carta chegar a mao de V Exª esteja a fabrica de todo estabelecida " 372 . O importante seria produzir, num futuro próximo, ferro em fornos de dimensões maiores e fornecer, dessa maneira, material para artelharia e munições 373. Sousa Coutinho afirmava ter sido a iniciativa de Nova Oeiras construida sobre fundamentos sólidos, sublinhando o seu valor: " se persuadirá V Exª de que introduzi e segurei no regio erario hu inexaurivel tezoiro, que adiantado e animado em todos os tempos dara hua extraordinaria força à monarchia " 374 . Todavia, o desenrolar dos acontecimentos demonstraria, precisamente, o contrário. 370 Idem, Ibidem A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 47, Carta do intendente de Nova Oeiras para o governador Sousa Coutinho de 21 de Novembro de 1768 372 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 68, Ofício do governador Sousa Coutinho de 3 de Dezembro de 1768 373 Idem, Ibidem 374 Idem, Ibidem 371 87 Em Dezembro de 1768 morriam três mestres ferreiros: a 6 de Dezembro, José de Retolaza; a 8 desse mês, Francisco de Zuloaga e no dia 29, Francisco de Echenique 375. A descrição fornecida pelo governador, em ofício para o reino, elucida as trágicas circunstâncias que levaram os três mestres à morte: " Sou infelismente obrigado a dizer a V Exª que as dezordens da vida e da boca dos quatro mestres fundidores sobre hua monstruoza infecção do escorbuto da viagem, unidas à malignidade do clima acabão de levar à sepultura os trez mais inferiores, pasmando e rendendo se à tristeza da primeira morte de maneira que tão atrevidos erão enquanto bons como dezesperados e habatidos depois de enfermos, recuzarão os remedios e os alimentos dizendo que querião morrer e assim o conseguirão " 376 . A doença, a par de uma alimentação deficiente e de um clima difícil de suportar ditaram o rápido fim daqueles homens. Pouco tempo depois, a 23 de Janeiro de 1769, morria o último mestre, José Manuel de Echevarria 377. Sousa Coutinho, ao participar a Francisco Xavier Mendonça Furtado a morte do último mestre biscainho mostrava ter uma noção mais exacta das dificuldades que estavam a prejudicar seriamente a sua obra: a longa distância entre Luanda e Nova Oeiras ( 6 dias de viagem ); o clima da região que se estava a revelar mortífero para os europeus; a ausência de artífices e mestres ferreiros que podessem desenvolver a fábrica 378. Na sequência destes eventos, Sousa Coutinho procurou chamar a si a direcção da obra, servindo-se dos planos e indicações deixados por José Manuel de Echevarria 379 . A tentativa de produção de ferro continuava apesar da ausência dos mestres biscainhos: " os poucos ferreiros brancos 375 Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.101-105, Notícia da morte dos três mestres da fábrica do ferro de Nova Oeiras de Janeiro de 1769 376 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Janeiro de 1769 377 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 11, Carta do intendente de Nova Oeiras para o governador Sousa Coutinho de 25 de Janeiro de 1769 378 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 12, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Fevereiro de 1769 379 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 18, Ofício do governador Sousa Coutinho de 6 de Março de 1769 88 que ha aprenderão bastantemente da unica fundição que fizerão os biscaynhos e so não conseguirão a forma dos fornos e como destes não deicharão plantas, sera bem dificil conseguir se sem outros directores Porem assim mesmo trabalhão continuadamente por aperfeiçoar a fundição, e por faze la passar aos negros em quantidades uteis " 380. Vemos que os mestres biscainhos não chegaram sequer a construir o forno de fundição do ferro e que a produção continuava a ser feita de acordo com as técnicas dos africanos. Simultâneamente, continuavam as obras de construção de um edifício, a futura " fábrica " e de um açude, estando Nova Oeiras desprovida da presença de mestres ferreiros europeus cuja vinda persistia Sousa Coutinho em solicitar junto da corte 381. A construção da povoação de Nova Oeiras ficou concluída por volta de Julho de 1769 382 e, sempre com o objectivo de superar o problema da ausência de artífices europeus no local, propunha o governador que fossem degredados para Angola todos os presos das relações de Lisboa, Porto, Rio de Janeiro e Baía que tivessem o ofício de serralheiro, pedreiro ou carpinteiro 383. Em Agosto de 1769, temos notícia de que teriam morrido algumas pessoas em Nova Oeiras, vítimas de febres, afirmando Sousa Coutinho ter ficado sem um único pedreiro branco 384 . Cerca de um ano mais tarde comunicava o governador ao Conde de Oeiras estar " a fabrica do ferro totalmente concluida e so espera para trabalhar que venhão Mestres e oficiais dessa corte " 385. A infra- estrutura estaria montava mas faltando, talvez, o mais importante: os artífices que incrementassem a produção de ferro para, finalmente, serem satisfeitos os designíos de Sousa Coutinho. 380 Idem, Ibidem A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 13 de Março 1769 382 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 43, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Agosto 1769 383 Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro- Outubro 1953, p.p.131-133, Ofício governador Sousa Coutinho de 30 de Outubro de 1769 384 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 41, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Agosto 1769 385 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 46, Ofício do governador Sousa Coutinho de 9 de Julho 1770 381 de de do de de 89 Uma instrução do governador Sousa Coutinho para o regente da fábrica de Nova Oeiras, o tenente Joaquim de Bessa Teixeira, dá-nos uma ideia acerca da sua situação em Agosto de 1770, altura em que estariam concluídas as suas obras 386. Nesta fase era necessário, na óptica do governador, ter em consideração os seguintes aspectos: conservar a povoação em bom estado e habitada para que quando os mestres chegarem encontrem um local habitável; concluir as obras do açude e do engenho da fábrica; terminar a construção da igreja; incentivar os habitantes de Nova Oeiras a se dedicarem, em exclusivo, à agricultura 387. De facto, as obras da fábrica só estavam concluídas em Setembro de 1770, continuando a faltar os mestres e operários especializados 388. Esse problema seria superado em Outubro desse ano. O Quadro I representa uma relação de oficiais mecânicos destacados para Angola. Quadro I Relação dos Oficiais Mecânicos que vão destacados para Angola Nome António de Almeida António Luís António Rodrigues Carlos Firpo Francisco Fernandes Francisco Lourenço Francisco da Rocha 386 Ofício Carpinteiro Torneador de ferro Ferreiro Ferreiro Ferreiro Fundidor e refinador Pedreiro Origem Salário [reis/dia] Situação - 1200 Degredado - Castela Vila de Avelar - 1600 - Degredado Degredado "Voluntário porém obrigado" Degredado - BN, Reservados, Códice 8744, fl.4-6, Ordem do governador Sousa Coutinho para o regente de Nova Oeiras de 13 de Agosto de 1770 387 Idem, Ibidem 388 BN, Reservados, Códice 8744, fl.32 v-33, Carta do governador Sousa Coutinho para o regente de Nova Oeiras de 19 de Setembro de 1770 90 João Bento João Martins João dos Santos Joaquim Freire Joaquim Sabido José António José Inácio José Louza José da Silva Julião Miguel Luís José Manuel da Cunha Manuel Ferraz Ferreiro Pedreiro Carpinteiro Canteiro Carpinteiro Carpinteiro Pedreiro Torneador de ferro Ferreiro Refinador Pedro Rogarim Pedro Simões Canteiro Carpinteiro Fundidor e modelador Fundidor e modelador Pedreiro Fundidor e modelador Fundidor e refinador Carpinteiro Pedreiro Fundidor e refinador Pedreiro Refinador Roque Soares Ferreiro Manuel Nunes Manuel Oliveira Manuel dos Santos Manuel Simões Manuel Tarouca Manuel Teixeira Manuel Vaz - 1600 1600 1600 1600 1200 Degredado Degredado Degredado - Castela Vila de Avelar Lisboa - Degredado "Voluntário porém obrigado" Degredado "Voluntário porém obrigado" "Voluntário porém obrigado" Degredado "Voluntário porém obrigado " " Voluntário porém obrigado " Degredado "Voluntário porém obrigado" Degredado " Voluntário porém obrigado " Degredado 1600 - Figueiró dos Vinhos Lisboa - Vila de Avelar Vila de Avelar Castela Vila de Avelar Castela - - 1600 - Fonte- A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 101 Oriundos de Portugal continental, de locais como Lisboa, Figueiró dos Vinhos, Avelar e ainda alguns castelhanos, estes homens estavam quase todos na situação de degredados. Curioso o facto de alguns serem voluntários " porem obrigados ", como consta do documento que serviu de base a este quadro. Parece-nos evidente que nenhum destes homens iria de ânimo leve para Angola, enviados para uma empresa não só desconhecida como supostamente arriscada. É de salientar as palavras que constam do final desta relação de oficais mecânicos destacados para Angola afirmando, com crueza, as dificuldades que aqueles homens iriam enfrentar: " por que 91 precizamente hão de adoecer quazi todos e morrer alguns he necessario que haja quantidade que possa suprir " 389. Chegaram os mestres e operários a Nova Oeiras em Julho de 1771 dando início, de imediato, à sua actividade 390. A experiência de fundição levada a cabo pelos mestres portugueses teria sido bem sucedida, prevalecendo os mesmos objectivos a atingir com a sua presença no local: incremento da produção de ferro, transmissão do seu método de fundição aos ferreiros africanos 391. Nessa mesma altura era comunicado para a corte que um dos mestres fundidores, Manuel Simões, caíra doente " posuhido de hua tão violenta tristeza que se fez delirante " 392 , acabando por falecer alguns dias mais tarde: " faleceu o fundidor Manuel Simoens sem frio nem febre foi tal a pena de deichar mulher, filhos e bens que banzou como hum negro e nam houve meio de salvar lhe a vida " 393 . Alguns meses mais tarde, falecia outro mestre fundidor, Pedro Simões, " tambem de aflição de se ver separado da sua família porque contra toda a expectação do medico que o curava de hua pequena molestia o acharão morto " 394. Nesse ano de 1771 há ainda a assinalar as inundações que a fábrica sofreu em consequência das fortes chuvadas que assolaram a região 395. Os problemas surgiam, de novo, em Nova Oeiras, pondo em risco os objectivos de Sousa Coutinho. 389 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 101, Relação dos oficiais mecânicos destacados para Angola de 22 de Outubro de 1770 390 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 52, Ofício do governador Sousa Coutinho de 12 de Agosto de 1771 391 Idem, Ibidem 392 Idem, Ibidem 393 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 61, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de 1771. Tal como os escravos que diante da situação dramática que era a perda da sua liberdade, a par do contacto brutal com um mundo que não conheciam, o dos europeus, ficavam banzos, ou seja, desistiam de viver, o mestre Manuel Simões talvez por sentir que perdera tudo ( família, haveres e mesmo a liberdade ) e em contacto com um meio hostil que era o sertão africano preferiu enfrentar a morte. Pensamos ser este o sentido da comparação utilizada por Sousa Coutinho. 394 A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 37, Ofício do governador Sousa Coutinho de 8 de Maio de 1772 395 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 32, Ofício do governador Sousa Coutinho de 16 de Maio de 1771 92 Pretendia Sousa Coutinho que a fundição do ferro fosse feita de acordo com as técnicas usadas em França na época, ou seja, mediante a utilização de pedras necessárias ao " cadinho " ou " ouvrage ", um método que acelerava a fundição do metal, dando instrução ao intendente Joaquim de Bessa Teixeira no sentido de ter a estrutura pronta a funcionar para quando se enviasse o material para Nova Oeiras, o que ainda não acontecera 396. Vemos, portanto, que em finais de 1771 a fábrica estava numa situação de inactividade devido à falta de pedras necessárias ao " cadinho " do forno de fundição. Para superar esse problema, Sousa Coutinho mandara averiguar da sua existência no Brasil e, no caso de aí não existir, pedia, junto da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos que enviasse o material para Luanda dado que existia em Portugal, concretamente na zona de Figueiró dos Vinhos 397. Em Maio de 1772, o problema mantinha-se e, consequentemente a inactividade da fábrica. Sousa Coutinho depois de saber que as pedras para o " cadinho " não existiam no Brasil, continuou a solicitar, junto da corte, o seu envio de Portugal para Angola, na tentativa de pôr a funcionar a fábrica 398 . A fábrica do ferro de Nova Oeiras continuou sem funcionar até 1772, altura em que Sousa Coutinho fornecia a seguinte descrição sobre a realidade que se vivia em Nova Oeiras: " Esta concluida a fabrica do ferro com os trez engenhos principais em termos de trabalhar e so se demora pela falta de pedras para o cadinho ou ouvrage do forno de fundição ( ... ) fico esperando as que V EXª ha de mandar, deferindo a representação que lhe fiz " 399 . Além disso, e na opinião de Sousa Coutinho, devia a corte 396 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº28, Novembro 1937, p.p.305-307, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente de Nova Oeiras de 23 de Novembro de 1771 397 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 84, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Novembro de 1771 398 A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 37, Ofício do governador Sousa Coutinho de 8 de Maio de 1772 399 A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 54, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Julho de 1772 93 providenciar o envio de mestres ferreiros franceses ou alemães considerados os mais adequados para conseguir aumentar a produção de ferro em Nova Oeiras 400 . Mesmo sem proporcionar bons resultados à coroa, Sousa Coutinho não parou de insistir junto de Martinho de Melo e Castro, no envio de materiais e de mestres que permitissem o crescimento de um projecto que, na prática, se afigurava cada vez mais sem grande futuro. 400 Idem, Ibidem 94 Quadro II Remessa de ferro produzido em Nova Oeiras para Lisboa Data Quantidade Fonte 2.1.1767 16.2.1767 95 quintais, 2 arrobas 32 quintais 17.3.1767 55 quintais 30.7.1767 156 quintais, 2 arrobas 163 quintais, 3 arrobas A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 1 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 8 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 16 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 39 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73 12.3.1768 Total de ferro enviado; 501 quintais e 7 arrobas 95 Podemos afirmar, com base nos elementos fornecidos pelo Quadro II, relativo às remessas de ferro de Angola para Lisboa, que só houve alguma produção em Nova Oeiras nos anos de 1767-1768, ou seja, sem estar a fábrica edificada o que só aconteceu, como vimos, em 1770. A última remessa de ferro foi em Março de 1768, não revelando a documentação posterior a existência de remessas para Lisboa após essa data. Em 1768 chegavam os mestres biscainhos, cuja trágica e curta estadia em Nova Oeiras defraudara as expectativas de Sousa Coutinho de ver a fábrica tornar-se um grande centro de produção de ferro. A partir daí a fábrica não produziu, revelando-se uma realidade bastante problemática para o governo de Luanda devido à ausência de mestres ferreiros e de materiais ( nomeadamente pedras para o " cadinho " que só existiam em Portugal ) que podessem pôr em funcionamento uma infra-estrutura que estava apta a funcionar em Setembro de 1770. Esta situação foi um facto até ao final da permanência de Sousa Coutinho em Angola. Em suma, todo o ferro produzido e enviado para Lisboa foi da responsabilidade dos ferreiros africanos a trabalhar em Nova Oeiras, tendo Sousa Coutinho acabado apenas por estimular a produção tradicional e artesanal de ferro na região. A " fábrica do ferro " nunca chegou a trabalhar como tal, nunca produziu ferro de acordo com os métodos e técnicas europeus visto que os mestres biscainhos morreram logo após a sua chegada e os mestres portugueses estiveram inactivos devido à falta de pedras para o " cadinho ". Quanto custou ao erário régio este empreendimento? 96 Quadro III Despesa de construção e funcionamento da fábrica de ferro de Nova Oeiras 1766-1772 Ano Designação 1766 Fazendas para jornais comuns Jornais de ferreiros Canoas para conduções Custo de uma safra Fazendas para jornais comuns Jornais de carpinteiro Jornais de ferreiro Ordenado do intendente Remédios para a botica Pintura de 6 quadros da igreja Canoas para conduções Conduções de ferramentas Despesa com os mestres biscainhos Despesa de petrechos Fazendas para jornais comuns Jornais de carpinteiro Jornais de condutores Jornais de ferreiro Ordenado do boticário Ordenado do intendente 1766 1767 1767 1767 1767 1767 1767 1767 1767 1768 1768 1768 1768 1768 1768 1768 1768 1768 1768 Despesa Observações 601$810 - 78$780 - 10$000 - 35$000 - 1.584$580 - 6$000 - 26$000 - 283$320 - 211$700 - 15$000 - 81$800 - 67$620 - 2.268$015 - 152$900 - 2.014$560 - 112$900 - 16$800 - 167$800 - 10$000 - 746$475 - 97 Quadro III (continuação) Ano Designação 1768 Ordenado do sangrador Remédios de botica Jornais de carpinteiro Jornais de condutor Jornais de ferreiro Jornais de inspector Jornais de pedreiro Despesa de carvão Despesa de conduções Despesa com a igreja Farinha para jornais comuns Fazenda para jornais comuns Jornais de carpinteiro Jornais de condutor Jornais na feitura da cal Jornais de ferreiro Jornais de pedreiro Ordenado do boticário Ordenado do intendente Ordenado do sangrador Sal para jornais comuns Farinha para jornais comuns Jornais de carpinteiro Jornais de condutor 1768 1768 1768 1768 1768 1768 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 Despesa Observações 5$000 - 218$095 - 44$850 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 - 1$680 12$200 20$000 42$700 5$250 1.081$844 - 7$200 - 400$680 - 74$040 - 1.088$125 - 8$260 - 195$660 - 81$075 - 441$675 - 37$440 - 486$426 - 9$200 - 5.324$550 - 62$400 1.392$235 6$160 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Quadro III (continuação) 98 Ano Designação 1769 Jornais na feitura da cal Jornais de ferreiro Jornais de inspector Jornais de pedreiro Ordenado do sangrador Sal para jornais comuns Jornais de carpinteiro Jornais na feitura da cal Jornais de pedreiro Despesa de botica Despesa de conduções Farinha para jornais comuns Feijão jornais comuns Jornais de carpinteiro Jornais na feitura da cal Jornais de ferreiro Jornais de inspector Jornais de pedreiro Sal para jornais comuns Despesa de conduções Farinha para jornais comuns Jornais na feitura da cal Jornais de ferreiro Jornais de inspectores 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1769 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 1770 Despesa 412$300 Observações 53$720 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1770 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 - 877$370 - 2.040$682 - 89$700 - 776$580 - 1.069$392 - 196$025 - 167$000 - 692$925 - 8.014$670 - 86$050 185$500 635$090 12$200 1.997$005 10$200 53$500 25$200 183$700 52$400 923$800 54$300 68$000 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 Quadro III (continuação) 99 Ano Designação 1770 Jornais de pedreiro Ordenado do intendente Sal para jornais comuns Despesa de botica Despesa de conduções Fazendas para jornais comuns Jornais de carpinteiro Jornais na feitura da cal Jornais de ferreiro Jornais de fundidor Jornais de pedreiro Ordenado do intendente Peixe para jornais comuns Sal para jornais comuns Despesa de conduções Jornais de carpinteiro Jornais de pedreiro Ordenado do intendente Peixe para jornais comuns Sal para jornais comuns Custo de cinco canoas Despesa de botica Despesa de conduções Jornais de carpinteiro 1770 1770 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1771 1772 1772 1772 1772 Despesa 473$125 Observações 111$500 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 Pago pelo rendimento de 1771 - 262$100 - 1.000$000 - 40$000 - 223$510 - 65$300 - 127$460 - 116$000 - 393$544 - 174$200 - 10087$123 - 518$082 2.665$230 45$200 36$050 Pago pelo rendimento de 1772 Pago pelo rendimento de 1772 Pago pelo rendimento de 1772 Pago pelo rendimento de 1772 Pago pelo rendimento de 1772 Pago pelo rendimento de 1772 - 26$110 - 74$480 - 444$825 - 607$925 1166$275 185$000 8$000 2144$754 100 Quadro III (conclusão) Ano 1772 1772 1772 1772 1772 1772 1772 1772 1772 1772 Designação Jornais na feitura da cal Jornais de ferreiro Jornais de fundidor Jornais de pedreiro Ordenado do intendente Sal para jornais comuns Jornais de fundidor Jornais de pedreiro Ordenado do intendente Sal para jornais comuns Despesa Observações 441$610 - 236$625 - 1.128$100 - 551$980 - 323$333 - 8.009$230 - 605$760 64$200 321$666 472$420 Pago pelo rendimento de 1773 Pago pelo rendimento de 1773 Pago pelo rendimento de 1773 Pago pelo rendimento de 1773 Total da despesa da construção e funcionamento da fábrica do ferro de Nova Oeiras; 71.350$931// Nota Explicativa; O valor que apurámos, resultado da nossa verificação das contas originais, difere daquele que vem citado no documento que serviu de fonte à elaboração deste quadro que é 70.833$080. FONTE; A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28 101 Da análise do Quadro III referente à despesa de construção e funcionamento da fábrica do ferro de Nova Oeiras entre os anos de 1766 e 1772, constatamos que custou à fazenda real do reino de Angola a quantia de 71.350$931, uma despesa, sem dúvida, bastante avultada para a época. Pensamos que o próprio Sousa Coutinho teria acabado por reconhecer essa realidade. Se em 1767, altura em que as perspectivas face à empresa de Nova Oeiras se afiguravam optimistas, Sousa Coutinho afirmava que a fábrica do ferro só podia e devia estar na posse da coroa 401, já em 1770, depois dos problemas relacionados com a vinda dos mestres biscainhos e dos sucessivos atrasos nas obras de construção da fábrica, levantava a hipótese do seu arrendamento a um particular 402 . Uma mudança de perspectiva justificável pelo facto de não ter o projecto decorrido como Sousa Coutinho idealizara. As dificuldades no terreno revelaram-se excessivas: um clima mortífero para os europeus, condições atmosféricas que prejudicavam a edificação da fábrica, problemas com a mão-de-obra africana, como veremos na segunda alínea deste capítulo. O sucessor de Sousa Coutinho não se mostraria benévolo em relação ao fracasso da experiência de Nova Oeiras. Para D.António de Lencastre a fábrica do ferro era " hua total quimera (...) não se vendo mais que leza a real fazenda em hua enormissima despesa e sacrificado o não pequeno numero de vidas nestes infrutuozos descobrimentos (...) tomei a rezolução de mandar suspender todo o trabalho que ainda continuava no material daquela fabrica " 403 . Ficamos ainda com a informação, através de um 401 Dizia Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado: " eu estou persuadido que o rendimento deste metal no regio erario se aproximara muito ao do oiro nas minas da America (...) sou obrigado a pedir humildemente a S.Magestade que em nenhum tempo se entreguem as fabricas a particulares, nem sayão por algum modo da regia administração porque logo sam perdidas " A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Ofício do governador Sousa Coutinho de 17 de Fevereiro de 1767 402 Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.139-142, Ofício do governador Sousa Coutinho de 23 de Agosto de 1770. Neste ofício refere Sousa Coutinho o pedido feito pelo negociante Luís de Cantofer no sentido de ficar com a fábrica do ferro por um período de 5 anos, pagando as despesas feitas pela coroa. Para Sousa Coutinho talvez fosse útil ao rei se este entregasse a Luís de Cantofer a administração da fábrica do ferro ficando a coroa com os lucros mas sem os inconvenientes da direcção e gestão de um empreendimento que se estava a revelar bastante complexo. Ignoramos o desfecho desta situação, contudo, o desenrolar dos acontecimentos até 1772 provam que a eventual proposta de Luís de Cantofer teria ficado sem efeito. 403 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28, Ofício do governador D.António de Lencastre de 31 de Março de 1773 102 relatório elaborado por um funcionário da fábrica que entre os anos de 1766 e 1772 faleceram em Nova Oeiras, devido à malignidade do clima, 77 europeus, e que entre os trabalhadores africanos as baixas teriam sido superiores, falando em " centos delles " mas afirmando que não houvera tempo para assentar o número " daqueles miseraveis " 404. A empresa foi, portanto, abandonada. As últimas notícias da fábrica do ferro de Nova Oeiras, no século XVIII, datam de 1797 e mencionam um local de difícil acesso cuja obra fora condenada ao esquecimento 405 . E, concluía o seu autor, José Alvares Maciel, com grande precisão o porquê deste desfecho: " Ha hu obstaculo insuperavel para a continuação desta obra. A malignidade do clima he superior a quanto posso dizer " 406, tendo conseguido pôr termo às ambições de Sousa Coutinho. B) A problemática do trabalho indígena em Nova Oeiras O recurso à mão-de-obra africana por parte do poder colonial era uma prática que remontava ao período do estabelecimento do governo geral de Angola, ou seja, ao início do século XVII, constituíndo um direito de conquista exercido pelos portugueses sobre populações derrotadas militarmente. A prestação de trabalho por parte das populações africanas compreendia duas realidades diferentes: por um lado, a prestação de serviços em Luanda, por outro, a prestação de serviços no âmbito dos presídios do sertão 407. 404 Idem, Ibidem António da Silva Rego, Ob.cit., p.395 406 António da Silva Rego, Ob.cit., p.396 407 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Carta do desembargador procurador da fazenda real para o governador Sousa Coutinho de 25 de Novembro de 1768 405 103 Os serviços na capital englobavam trabalhos de construção e reparação de edifícios públicos e outras habitações além do transporte em barcos e canoas de produtos agrícolas e outros bens dos arredores para Luanda 408. Tratava-se de um serviço remunerado com excepção daquilo que sucedia em relação aos trabalhadores Mixiluandas ( povo habitante da ilha de Luanda ), cujo serviço na capital era uma pena imposta pelo poder português devido ao auxílio prestado aos holandeses durante a sua permanência em Luanda de 1641 a 1648 409. Numa portaria do governador Sousa Coutinho de 7 de Dezembro de 1770, promulgada com a finalidade de regularizar as prestações do trabalho indígena na capital e nos presídios era estipulado o salário a ser pago aos trabalhadores de Luanda 410. Assim, determinava-se para os africanos que servissem no mar, fossem Mixiluandas ou marinheiros forros, o salário de 100 reis por dia além de uma quantidade de farinha, peixe e azeite de palma necessária ao seu sustento diário; para os que servissem nas conduções do Dande e Kwanza o pagamento de 40 reis por dia e um exeque de farinha por mês 411. Relativamente aos presídios, o serviço feito pelos negros foi sempre de graça e incluía as seguintes tarefas: construção e reparação das fortalezas e casas adjacentes, condução de artelharia e munições em tempo de guerra, fazer o serviço postal levando cartas e missivas do governo de Luanda para os potentados da região 412. Eram serviços não remunerados e que foram nascendo com a conquista e subordinação do reino do Ndongo, constando dos autos de undamento dos sobas com o estatuto de obrigação 408 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Carta do governador Sousa Coutinho para o provedor da fazenda real de 5 de Novembro de 1768 409 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Informação do provedor da fazenda real sobre o jornal dos negros empregues no serviço real de 30 de Setembro de 1770 410 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Portaria do governador Sousa Coutinho de 7 de Dezembro de 1770 411 Idem, Ibidem 412 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Carta do governador Sousa Coutinho para o provedor da fazenda real de 5 de Novembro de 1768 104 destes em relação ao rei de Portugal 413. Determinou Sousa Coutinho que o serviço nos presídios passasse a ser remunerado com o " necessário sustento " daqueles que o prestavam, ou seja, em mantimentos, sem especificar a sua natureza e quantidade 414. Portanto, para o poder colonial o recurso ao trabalho indígena era considerado um direito de conquista, prova do estatuto de subordinação das populações africanas em relação ao poder da coroa e quando remunerado era apenas com o estritamente necessário à subsistência dos trabalhadores. Dentro desta perspectiva, a utilização da mão-de-obra africana em Nova Oeiras foi algo comum inserindo-se numa tradição que remontava ao século XVII. Conforme referimos na primeira parte deste capítulo, a extracção e fundição do ferro na região da Ilamba era uma prática muito antiga entre as suas populações como constatava Sousa Coutinho: " Sempre os negros trabalharão o ferro das minas da Nova Oeyras e dos outros muitos lugares do mesmo reino em que os ha (...) e tem tal propenção estes povos para aquele trabalho, que sobre os muitos fundidores e ferreiros que concervão nas suas Libatas ou Povoaçoens, tem em grande veneração o seu primeiro rey porque foi ferreiro " 415 , não deixando de fazer transparecer o seu espanto e um sentimento de revolta perante algo que denotava a presença de desenvolvimento entre os africanos: " vemos com dor, que neste centro da barbaridade e da ignorancia nos excederão em conhecimentos os mesmos barbaros pois sem meios e sem industria repararão as suas necessidades e aproveitarão os beneficios do ceo nas prodigiozas minas deste preciozo e entre todos o mais precizo metal " 416. Ao mandar estabelecer a fábrica do ferro em Nova Oeiras, Sousa Coutinho procurou dotá-la de suficiente e competente mão-de-obra, 413 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Portaria do governador Sousa Coutinho de 7 de Dezembro de 1770 414 Idem, Ibidem 415 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, " Memoria sobre o estado em que deichei a fabrica do ferro " por D.Francisco de Sousa Coutinho de 16 de Setembro de 1773 416 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de 12 de Janeiro de 1767 105 aproveitando a tradição e experiência africanas no trabalho do ferro. Tornava-se necessário, por conseguinte, organizar e regularizar essa mãode-obra, um processo que se revelaria não muito difícil mediante o recurso ao costume da prestação de serviços junto dos presídios por parte dos sobas, canalizando-o para uma nova realidade criada pelo governo de Luanda- a fábrica do ferro de Nova Oeiras. O primeiro passo seria proceder à averiguação junto dos sobados mais próximos das jazidas de ferro de Nova Oeiras da existência de ferreiros e fundidores e encaminhá-los para a fábrica. Sousa Coutinho procurou resolver este aspecto escrevendo aos capitães-mores do Golungo, Muxima, Mbaka e Cambambe ordenando que procedessem ao levantamento do número de ferreiros e fundidores existentes nos sobados das suas jurisdições e remetê-lo para Nova Oeiras 417. Todos os ferreiros e fundidores identificados como tal deviam ser remetidos para a fábrica do ferro " e quanto possivel for por sua livre vontade (...) uzando Vm da força so em ultimo lugar e quando vir que a persuasão não obra nada " 418, um aviso algo interessante e quase premunitório dos problemas que iriam acontecer. Além de ferreiros e fundidores que deviam ser em menor número, foi reunido em Nova Oeiras um conjunto de homens que trabalhavam não só na construção da povoação como na construção da estrutura da fábricafornos de fundição, açude, desbravamento da mina, abertura de caminhos, condução do ferro para o rio para o seu encaminhamento para Luanda 419. A documentação refere o número de 300 homens a trabalhar em Nova Oeiras nas tarefas apontadas 420. 417 BN, Reservados, Códice 8742, fl.128 v-129, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor do Golungo de 9 de Janeiro de 1767 e fl.130 v-131, Carta do governador Sousa Coutinho para os capitães-mores de Muxima, Mbaka e Cambambe de 9 de Janeiro de 1767 418 BN, Reservados, Códice 8742, fl.114 v-115, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Mbaka de 4 de Janeiro de 1767 419 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28, Informação sobre a fábrica do ferro de Nova Oeiras de Março de 1773 420 BN, Reservados, Códice 8743, fl.182 v- 184, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de 4 de Maio de 1770 106 O Quadro IV procura dar-nos uma noção do número de homens que estavam afectos ao serviço da fábrica assim como do local de onde vinham, designadamente o sobado de origem. 107 Quadro IV Trabalhadores em Nova Oeiras Soba Bango Aquitamba Bumba Andala Caboco Cambilo Cabuto Candalla Cariata Gonguembo Gungue a Quibengue Itombe a Candongo Mucengue Anzenza Muta o Camba Ngola Anguimbo Ngola Quiato Quilombo Quia Catubia Quingue aquibengue Quissala qui acaboco Zambi aqueta Zumba aquizundu Jurisdição Golungo Golungo Cambambe Golungo Golungo Golungo Golungo Massangano Golungo Golungo Golungo Massangano Golungo Massangano Massangano Massangano Massangano Total apurado; 310 Fonte; A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28 BN, Reservados, Códice 8742, fl.14 v BN, Reservados, Códice 8742, fl.16 v Nº de Trabalhadores Fornecidos 60 30 40 ? 20 40 ? ? 40 10 40 ? 30 ? ? ? ? 108 Trabalhavam em Nova Oeiras 310 homens, número que conseguimos apurar, sendo a sua maioria proveniente de Massangano e do Golungo que eram as regiões mais próximas da fábrica. Vemos também que cada sobado tinha uma quota fixa de trabalhadores a fornecer mensalmente ao intendente que devia zelar para que esse processo decorresse de forma pacata e sem violência, o que nem sempre teria acontecido como veremos um pouco mais adiante 421. O trabalho da mão-de-obra africana presente em Nova Oeiras era um trabalho remunerado, tal como acontecia na capital, tendo sido necessário regular o jornal a ser pago a estes homens de forma a que, na perspectiva da coroa, " nam faltem a esses mizerais ignorantes os meyos de tirarem do seu trabalho com que possão viver e de sustentarem as suas familias (...) e que pela outra parte nam cresçam os jornaes ao excesso de que rezulte nam fazer conta o genero, assim para o serviço de Sua Magestade como para o comercio geral do reyno " 422. Ao mesmo tempo que se foi regulando a presença da mão-de-obra em Nova Oeiras revelou-se interessante a forma como alguns sobas teriam reagido face a esta nova realidade que era a fábrica do ferro: aceitariam fornecer os seus " filhos " ( súbditos ) de graça em troca da isenção do pagamento do dízimo 423. Esta proposta dos sobas teria sido apresentada, oficialmente, ao governador Sousa Coutinho em 20 de Julho de 1767 424. Entendia Sousa Coutinho não ser esta a solução mais adequada para o problema dado que seria provável que, a curto prazo, os sobas mudassem de ideias recusando o serviço de graça, propondo o governador que a isenção do dízimo fosse concedida a par de um salário 425. 421 BN, Reservados, Códice 8744, fl.4- 6, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de 13 de Agosto de 1770 422 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 15, Carta do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos para o governador de Angola de 28 de Abril de 1768 423 BN, Reservados, Códice 8742, fl.169- 170, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 14 de Abril de 1767 424 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 27, Ofício do governador Sousa Coutinho de 22 de Agosto de 1768 425 A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Julho de 1767 109 Em Abril de 1768, o rei deferia este pedido dos sobas, ordenando ao governador que tivesse em consideração dois aspectos: por um lado, devia demarcar, com rigor, o território isento do pagamento do dízimo de forma a não haver qulquer confusão sobre esta matéria; por outro, ter o cuidado de deixar nos sobados trabalhadores em número suficiente para o cultivo das terras e consequente sustento daqueles que estivessem destacados em Nova Oeiras 426. Com a finalidade de precaver eventuais problemas causados pela isenção do pagamento do dízimo dos sobas cujos súbditos estavam empregues na fábrica, determinou Sousa Coutinho que todos os lavradores estabelecidos em Nova Oeiras deviam ficar sujeitos ao pagamento desse tributo 427. Procurou o governo de Luanda resolver a questão do jornal da mãode-obra empregue em Nova Oeiras. Por deliberação da Junta da Fazenda Real do Reino de Angola, presidida pelo governador Sousa Coutinho, ficou acordado o seguinte: Aos trabalhadores provenientes dos territórios isentos do pagamento de dízimo pagar-se-ia, por dia, a quantia de 60 reis em fazenda, sal e mantimentos 428 ; ( Note-se que a coroa decidira, talvez por uma questão de princípio, que mesmo aqueles que se tinham oferecido de graça deviam receber um jornal porque " nunca fora da intenção de Sua Magestade servir-se de gente pobre sem lhe pagar estipendio para a sua subsistência " 429 ); 426 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 15, Carta do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos para o governador de Angola de 28 de Abril de 1768 427 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 31 de Outubro de 1768 428 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Portaria sobre os negros empregues no serviço da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 29 de Outubro de 1768 429 A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Informação do provedor da fazenda real sobre o jornal dos negros empregues no serviço real de 30 de Setembro de 1770 110 Aos trabalhadores provenientes dos territórios não isentos do pagamento de dízimo pagar-se-ia um jornal de 80 reis em fazenda, sal e mantimentos 430; Para aqueles que trabalhassem em " forja e com exercicio tao violento do fogo que exceda o comum " seria pago um adicional de 10 reis por dia 431. Para Sousa Coutinho era essencial que os negros fossem bem tratados conforme referia na instrução para o intendente António Anselmo Duarte de Sequeira, quando a fábrica fora estabelecida no início de 1767 432 , tendo sido comum este tipo de aviso por parte do governador junto do intendente 433. Contudo, na prática, os maus tratos infligidos aos trabalhadores de Nova Oeiras teriam sido uma constante apesar das recomendações do governador. Escrevendo ao capitão José Francisco Pacheco, Sousa Coutinho afirmava textualmente que " os negros do trabalho se queichão das pancadas que lhe dão e que por isto dezertam, Vm evite semelhante tirania " 434 . Não satisfeitos com a situação que lhes era imposta, muitos trabalhadores fugiam, preferindo voltar para o seu soba ou errar pelo sertão. Essas deserções teriam sido " em grande numero " 435. O intendente da fábrica do ferro, Joaquim de Bessa Teixeira, participava ao governador Sousa Coutinho que as notícias das deserções não tinham qualquer fundamento tendo sido divulgadas pelos negociantes 430 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Portaria sobre os negros empregues no serviço da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 29 de Outubro de 1768 431 Idem, Ibidem 432 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução do governador Sousa Coutinho para o Intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 12 de Janeiro de 1767, Capítulo 6º 433 BN, Reservados, Códice 8742, fl.148- 149 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 18 de Fevereiro de 1767 e fl.182- 182 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 25 de Maio de 1767 434 BN, Reservados, Códice 8743, fl.189 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão José Francisco Pacheco de 14 de Maio de 1770 435 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº28, Novembro 1937, p.329, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 12 de Dezembro de 1771 111 de Mbaka que queriam ter para o seu serviço particular os negros dessas regiões 436. Sousa Coutinho face a uma queixa de um soba que afirmava que os seus filhos tinham sido vítimas de " muitos castigos, insolencias, prisoes e roubos " em Nova Oeiras 437, ordenou ao intendente que devolvesse esses homens ao seu soba, reconhecendo, com esta ordem, que algo não iria bem na fábrica do ferro 438. Um outro problema relacionava-se com o facto de alguns sobas não quererem mandar os seus " filhos " para Nova Oeiras, recusando-se a cumprir a sua obrigação. Foi o caso do soba Caboco Cambilo, da jurisdição de Cambambe, que em Janeiro de 1772 estava em falta, havia dois meses, no envio dos 40 homens a que era obrigado 439. Em Maio desse ano, Sousa Coutinho escrevia ao soba Caboco Cambilo advertindo-o a cumprir o seu dever, caso contrário ficaria de novo sujeito ao pagamento de dízimo 440. Procurou Sousa Coutinho junto do capitão-mor do Golungo que este advertisse os sobas da sua jurisdição no sentido de cumprir a sua obrigação no envio de trabalhores para Nova Oeiras, avisando-os que " não procurem pelas suas maos o seu proprio mal, pois estando certo em que hão de fazer aquele trabalho he melhor que o fasão voluntariamente " 441. Apesar de a documentação não fornecer elementos abundantes sobre esta matéria, podemos afirmar, com alguma certeza, que a regulamentação do trabalho indígena em Nova Oeiras, através do processo de imposição 436 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.p.361-363, Carta do intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras para o governador Sousa Coutinho de 28 de Dezembro de 1771 437 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.413, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 24 de Fevereiro de 1772 438 Idem, Ibidem 439 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.375, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Cambambe de 10 de Janeiro de 1772 440 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.437, Carta do governador Sousa Coutinho para o soba Caboco Cambilo de 7 de Maio de 1772 441 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.p.409-410, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor do Golungo de 19 de Fevereiro de 1772 112 junto dos sobados do fornecimento de um número de trabalhadores por mês, não teria dado bons resultados. A tentativa de reorganização do esquema de utilização de mão-deobra na fábrica de Nova Oeiras, por parte do governador Sousa Coutinho, em 1771, é um importante indicador desse facto. Em Novembro de 1771, Sousa Coutinho avançava, junto do intendente Joaquim de Bessa Teixeira, uma proposta no sentido de usar a mão-de-obra africana em novos moldes. A ideia seria a de mandar fixar em Nova Oeiras " duzentos cazais de muleques de catorze e dezasseis anos cazados para que os machos aprendão e fação o serviço da fabrica e as femeas cultivem as terras de que se hão de alimentar (...) como tambem se bastara pagar hu dia de jornal de cada semana aos machos para se vestirem, porque desta maneira sera o serviço da fabrica muito mais comodo e se nam necessitara chamar gentes pela força " 442. Sousa Coutinho reconhecia, ainda que implicitamente, que o uso da força em relação aos trabalhadores africanos de Nova Oeiras era uma realidade que não estaria a dar bons resultados. Esta proposta foi feita formalmente a Martinho de Melo e Castro em Fevereiro de 1772 443. Vimos, na primeira parte deste capítulo, que a fábrica do ferro cessou a sua actividade, sob ordem do governador D.António de Lencastre, porque não funcionou devido á falta de mestres e operários especializados vindos da Europa e devido à falta de materiais necessários à fundição do ferro. A estes dois factores, que condicionaram directamente o insucesso da empresa de Nova Oeiras podemos acrescentar um terceiro: a mobilização de mão-de-obra junto dos sobados mais próximos do local, mesmo com a concessão de isenção do pagamento do dízimo, revelou-se um fracasso com perdas humanas. Daqueles que não teriam conseguido fugir muitos morreram no local como testemunha o capitão José Francisco Pacheco em 442 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº28, Novembro 1937, p.323, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 26 de Novembro de 1771 443 A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 14, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Fevereiro de 1772 113 1773: " He bem constante que grande numero de pretos desertarão ou desampararão as suas antigas povoações e que outros acabarão a vida lastimozamente nesta fabrica huns de molestias naturaes e outros de mil desastres como pizados de pedras ou intulhos, afogados nas passagens dos rios em tempo de cheyas e alguns apanhados do jacareo "444. O trabalho era muito duro e perigoso, as condições ecológicas hostis, daí o " entranhavel odio que os ditos pretos conceberam aos trabalhos desta fabrica (...) porque ja mais acudirão ao dito serviço sem os mandar buscar com violencia " 445. Um balanço significativo dos perigos que levaram ao fracasso da empresa. Sousa Coutinho não conseguiu ser bem sucedido no esquema de mobilização da mão-de-obra apesar do seu enquadramento no âmbito das prestações do trabalho indígena, tradicionalmente exercidas junto do poder de Luanda. O factor " mão-de-obra " foi um factor determinante dos maus resultados da empresa visto que face aos perigos que enfrentavam e aos maus tratos que sofriam por parte dos funcionários encarregues de vigiar os trabalhos, muitos homens ou morrerem ou acabaram por fugir voltando às suas terras ou para qualquer outro local em busca da protecção de um novo soba. 444 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28, Informação do capitão José Francisco Pacheco sobre a fábrica do ferro de Nova Oeiras de Março de 1773 445 Idem, Ibidem 114 Capítulo IV- Sousa Coutinho e a Colonização do Planalto de Benguela A) Um projecto de colonização? A " Angola Branca " segundo o governador Sousa Coutinho Se o estabelecimento da fábrica do ferro de Nova Oeiras representou, da parte de Sousa Coutinho, uma tentativa de diversificação da actividade económica de Angola, retirando-lhe o estatuto de reservatório de mão-deobra escrava para o Brasil, a política de empreender uma colonização intensiva dos territórios do planalto de Benguela por populações oriundas de Portugal simbolizou, talvez a sua maior ambição enquanto governador de Angola. Será lícito considerar a existência de um projecto de colonização nesta época, concebido e executado de maneira sistemática por parte da coroa portuguesa? Pensamos que não. Contudo, encontramos na época de Sousa Coutinho uma consciência clara, quer da parte deste governador, quer da parte das autoridades do estado, nomeadamente do conde de Oeiras, de que a única maneira de assegurar e fortalecer a manutenção da presença portuguesa em território angolano passava pela adopção de uma política de fixação de colonos portugueses. Esta ideia surgia, de forma assaz explícita, num parecer da autoria do conde de Oeiras relativo à situação do reino de Angola, com data de 20 de Novembro de 1760, em que a exiguidade de população branca constituía um problema a resolver 446. Com efeito, constatava o conde de Oeiras que " se tem quazi extinto naquelle reyno os brancos que a elle foram transportados morrendo huns de fome e mizeria na cidade e suas 446 A.H.U., Angola, Códice 555, fl.56-57 v, Parecer do conde de Oeiras de 20 de Novembro de 1760 115 vizinhanças acabando outros nos certões fugitivos e vagos e vindo asim a prevalecer os negros de tal sorte que ainda os poucos brancos que existem olham para as mulheres da Europa com estranheza preferindo por quase geral abuzo o consorcio das negras " 447 . Na perspectiva do conde de Oeiras, enfrentar esta questão implicaria a adopção de duas medidas: em primeiro lugar, tornava-se necessário encarregar os navios das companhias do Grão-Pará e Maranhão e de Pernambuco e Paraíba de, nas suas viagens para Luanda, fazer escala nas cidades de Angra e Ponta Delgada, no arquipélago dos Açores, para recolher casais de colonos escolhidos com o propósito de ir povoar Angola; a segunda medida consistia em mandar condenar ao degredo em Angola as mulheres presas por prática de prostituição e que tivessem idade inferior a 30 anos 448. Portanto, com a adopção destas duas medidas pretendia-se não só incrementar o povoamento de brancos mediante o envio de casais de colonos como também evitar as uniões de homens brancos com mulheres negras através do envio de população feminina expressamente para casar com esses homens. Esta decisão do conde de Oeiras veio na sequência de um ofício do governador António de Vasconcelos, de 20 de Janeiro de 1759, onde afirmava que dos 250 indivíduos que tinham ido para Luanda na sua companhia, metade tinha falecido num curto espaço de tempo pedindo, ao mesmo tempo, o envio de 50 homens por ano de forma a poder conservarse, ao menos, o regimento de Luanda 449. Durante o governo de Sousa Coutinho ficamos com a noção de que as medidas do conde de Oeiras não tinham sido postas em prática. Em vários oficios para o reino, Sousa Coutinho refere constantemente a necessidade de serem enviados casais de colonos para 447 Idem, Ibidem Idem, Ibidem 449 A.H.U., Angola, Códice 408, fl.45 v-46 v, Ofício do Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos para o governador de Angola de 18 de Novembro de 1761. Foi da leitura deste documento que tomámos conhecimento do ofício do governador António de Vasconcelos de 20 de Janeiro de 1759. 448 116 Angola revelando, contudo, não concordar com o facto de Angola ser um local de degredo. Ou seja, sublinha a necessidade do envio de casais que deviam, com a sua presença, " melhorar a situaçam actual, povoando o reyno de modo que possa ter gente de bons costumes " 450, e não aquilo que vinha sendo habitual que era o envio de degredados, gente, segundo o governador Sousa Coutinho, " de pessimos costumes (...) mostrando a experiencia de mais de dois seculos que semelhantes remessas forão sempre inuteis (...) porque perdida a saude, estimada a ociozidade e radicados os vicios morrem logo e vem a ser por hu excesso de disgraça, mais util a sua morte do que a sua vida " 451. Para Sousa Coutinho se até era vantajoso que os degredados acabassem por encontrar a morte, só casais de " gentes boas e industriozas (...) animadas no amor ao trabalho " 452 podiam povoar, servir e defender o reino de Angola 453 . Sousa Coutinho chega a mencionar o número necessário para pôr esta ideia em prática: dever-se-ia introduzir em Angola, de uma só vez, pelo menos 1000 homens ( a maior parte acompanhados da sua família ) e, regularmente, devia a coroa enviar não menos de 100 homens em cada viagem 454. O pensamento do governador Sousa Coutinho sobre a colonização de Angola assentava em dois pressupostos: Por um lado, a actividade agrícola entendida como o meio, por excelência, propício à fixação de colonos e ao desenvolvimento das suas comunidades; Por outro, a miscegenação e os contactos com o mundo africano como algo a evitar. 450 A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 47, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Novembro de 1764 451 A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Agosto de 1766 452 Idem, Ibidem 453 A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 76, Ofício do governador Sousa Coutinho de 10 de Outubro de 1772 454 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 8 de Junho de 1770 117 Talvez inspirado pela corrente do pensamento fisiocrata 455, era na actividade agrícola que o governador Sousa Coutinho via " o seguro fundamento da opulencia dos estados (...) sem o que pertence aos campos não pode haver população, riqueza, sociedade ou comercio, elle faz toda a felicidade dos paizes em que reina, converte os terrenos ingratos e estereis nos frutíferos e uteis " 456. Não desejava Sousa Coutinho que a população de Angola fosse composta por guerreiros e conquistadores, mas sim por gente pacífica reunida em aldeias e dedicada à agricultura 457. O segundo aspecto era a tentativa de evitar a miscegenação resultante da união entre brancos e negras, revelando uma consciência de superioridade racial face aos povos africanos. Vimos, em capítulos anteriores, como esteve patente o desagrado de Sousa Coutinho face ao prevalecimento da cultura Mbundu em Luanda e nos presídios, concretamente no de Massangano. Entendia Sousa Coutinho que se devia evitar não só a união de brancos com negras como o inverso como revela numa carta ao reverendo vigário da vara de Massangano que devia tentar impedir " as desordens que athe agora succederam cazando mulheres brancas com negros " 458, com a finalidade de " se melhorar a cor nese presidio " 459 . Um outro exemplo significativo das ideias de Sousa Coutinho revelou-se quando do estabelecimento do presídio do Novo Redondo, focado em anterior capítulo, em que manifestou o cuidado de tentar prevenir os contactos entre os soldados ali estacionados e as mulheres locais. Para tal devia o capitão-mor de Benguela fornecer o 455 A influência dos fisiocratas franceses, principalmente de François de Quesnay e a sua obra Tableau Économique de 1758 onde são expostas as teorias sobre o primado da agricultura sobre os outros sectores produtivos de uma nação, manifestou-se no pensamento de Sousa Coutinho. Cf Paul Hazard, O pensamento Europeu no Século XVIII, Lisboa, Editorial Presença, 1983. 456 A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 605, caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Agosto de 1768 457 BN, Reservados, Códice 8743, fl.29 v- 38, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Benguela de 12 de Outubro de 1769 458 BN, Reservados, Códice 8742, fl.242, Carta do governador Sousa Coutinho para o reverendo vigário da vara de Massangano de 14 de Novembro de 1767 459 Idem, Ibidem 118 presídio do Novo Redondo de mulheres brancas, mesmo degredadas e independentemente da sua idade 460. O local escolhido pelo governador Sousa Coutinho para tentar pôr am prática as suas ideias sobre o primado da agricultura enquanto actividade económica propícia ao desenvolvimento das comunidades e sobre a fixação de populações brancas como o único meio de assegurar a conservação do reino de Angola e suas conquistas foi o planalto de Benguela, zona de clima ameno e solo mais fértil, por conseguinte, mais adequada ao estabelecimento de europeus, evitando uma excessiva mortalidade entre eles. B) A fundação de povoações no planalto de Benguela A fundação de povoações na região do planalto de Benguela, sob a iniciativa do governador Sousa Coutinho, foi um processo que decorreu no ano de 1769. Com efeito, no ano de 1769 não só se deu a transferência do presídio de Caconda como a criação de algumas povoações no sertão de Benguela, criação essa que teve por finalidade fixar em aldeamentos fiscalizáveis pelas autoridades de Luanda ou Benguela a população de origem europeia cujo modo de vida se caracterizava por uma excessiva mobilidade, consequência das condições impostas pelo acesso ao tráfico de escravos e do marfim obrigando os comerciantes a percorrer o interior do território. É interessante notar a componente social que Sousa Coutinho quis dar à colonização do planalto: as populações que andavam dispersas deviam ser concentradas em aldeamentos dedicados à agricultura, ao artesanato e ao comércio numa tentativa de reproduzir uma sociedade à maneira portuguesa e daí o incentivo ao povoamento por parte de casais 460 BN, Reservados, Códice 8743, fl.29 v- 38, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Benguela de 12 de Outubro de 1769 119 vindos de Portugal, pedido feito por Sousa Coutinho como tivémos oportunidade de verificar em linhas anteriores. Na origem das novas povoações estivera a necessidade, segundo Sousa Coutinho, de pôr termos aos hábitos nómadas e africanizados dos habitantes de origem europeia cuja presença, ao longo de dois séculos, no sertão de Benguela não trouxera qualquer tipo de progresso agrícola ou comercial, afirmando este governador, pelo contrário, que " os tem destruido e o que ainda he mais que as mesmas gentes se destruirao e destroem huns aos outros, porque separados como feras sem religião e sem sociedade são tarde ou cedo vencidos pelos proprios vicios e pela defensa das tiranias que excitão contra os negros buscando então o remedio de todos os males que cauzão nas guerras que provocão " 461. Esta situação tinha de acabar devendo os povos passar a reger-se pelos princípios da religião cristã e do espírito da vivência em sociedade, encontrando na agricultura, no artesanato e no comércio o meio de se unir, gerando riqueza e progresso 462. Como atingir este objectivo? Segundo Sousa Coutinho, devia o capitão-mor de Benguela, com o auxílio do ouvidor, proceder a um levantamento de todos os habitantes de origem portuguesa que andassem dispersos pelo sertão e, escolhendo os indivíduos com capacidade de liderança determinar-lhes que tentassem reunir os seus companheiros nos locais sadios e férteis para aí formar uma povoação que devia ter, no mínimo, 20 brancos 463 . Ficariam essas novas povoações sujeitas à capitania-mor de Benguela, devendo ser baptizadas com nomes das terras de Portugal 464 . Por último, a componente repressiva do processo: todo aquele que se não sujeitasse a viver em sociedade com os outros brancos seria preso e remetido para Luanda para servir como soldado 465. 461 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, Bando do governador Sousa Coutinho de 23 de Setembro de 1768 462 Idem, Ibidem 463 Idem, Ibidem 464 Idem, Ibidem 465 Idem, Ibidem 120 Determinava Sousa Coutinho a toda a população portuguesa dispersa pelo planalto de Benguela " que vivão em industria, em trabalho e em proveito (...) manda se lhes que escolhão companheiros que nomeem a cabeça que deve dirigi los (...) que vivão em sociedade e obediencia e respeito das leis que trabalhem todos os fructos que a terra lhes pode fornecer que sejam christãos e bons vassalos " 466. Podemos constatar, por um lado, o carácter idealista quase irrealista destas determinações- como seria possível saber, com algum rigor, o número de indivíduos de origem portuguesa que andavam dispersos num espaço tão vasto e pouco conhecido como era o planalto de Benguela-, por outro, o carácter autoritário da postura de Sousa Coutinho, ou seja, tratavase de um processo imposto pelo governo de Luanda: " Este he o espirito das minhas ordens e estas são as que em quanto S.Magde não mandar o contrario devem executar sem interpretação dificuldade ou esperança de iluzão " 467 . Note-se que esta componente autoritária tinha, necessáriamente, de estar presente dado que se tratava de tentar mudar hábitos enraízados nas populações de origem portuguesa dispersas e integradas no espaço africano tendo criado comunidades específicas do ponto de vista cultural, as comunidades luso-africanas, consequência do sistema de acesso ao tráfico dos escravos e do marfim cujos fornecimentos, situados no interior do território, obrigavam os interessados a se deslocarem e aí permanecerem largos períodos de tempo. Mostrava Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado o seu descontentamento pela forma como o mundo africano " absorvia " os poucos indivíduos brancos que foram aparecendo ao longo de dois séculos naqueles territórios: " pois ainda tendo filhos das negras com que vivão arbitrariamente, como eram cazados sem religião e sem civilidade logo que morrião os pays se entranhavão pelos sertões seguindos as maes, de que nasce que sendo mais ou menos povoados aqueles vastissimos paizes por 466 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Benguela de 20 de Novembro de 1768 467 Idem, Ibidem 121 europeus e brasileiros, ja mais houve outros habitantes que não fossem os que entravão nem o estado tirou algum proveito dos que nascião " 468. O primeiro passo deste processo mandado desencadear pelo governador Sousa Coutinho consistiu na transferência do presídio de Caconda, fundado em 1682 na região de Quilengues, numa zona insalubre, e que estava na época de Sousa Coutinho reduzido a um só morador 469. Seguiu-se a sua transferência para a região de Quitata no ano de 1769 470, processo que decorreu, em concreto, entre os meses de Janeiro e Julho desse ano, estando à data o presídio de Caconda fortificado e com quartéis, tesouraria e igreja 471. Para além da transferência do presídio de Caconda, que povoações foram fundadas e qual a sua localização? Em Outubro de 1769, Sousa Coutinho comunicava a Francisco Xavier de Mendonça Furtado que tinha mandado fundar as seguintes povoações: Alva Nova, na região de Auyla, paralela ao Cabo Negro, Sarzedas, na região de Luceque, Contins, na região de Quitata, Passo de Sousa, na região de Quipeio, Linhares, na região de Galangue 472. Contava cada povoação com a presença de um pároco e de um juiz, o equivalente à instituição do capitão-mor nos presídios 473. Além do capitãomor de Benguela, também o capitão-mor de Caconda era instruído no sentido de zelar pelo incremento das novas povoações, devendo apoiar os 468 Alfredo de Albuquerque Felner, Angola. Apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral sul de Angola, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1940, p.p.160-162, Documento 3, Ofício do governador Sousa Coutinho de 24 de Novembro de 1768 469 Alfredo de Albuquerque Felner, Ob.Cit., p.p.160-162, Documento 3, Ofício do governador Sousa Coutinho de 24 de Novembro de 1768 470 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 61, Ofício do governador Sousa Coutinho de 11 de Setembro de 1769 471 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Outubro de 1769 472 Idem, Ibidem 473 Idem, Ibidem 122 seus juízes para que estimulassem as actividades agrícolas junto dos colonos, principalmente a cultura do trigo 474. Sousa Coutinho mencionava as vantagens da fundação destas povoações e o porquê de levar por diante a ideia de colonização daquele espaço por europeus: " porque a extensão do paiz, a salubridade do ar, a fertilidade do terreno, a abundancia dos gados, a situação dos seus climas dentro dos tropicos e a vezinhança dos tezouros dos Rios de Sena, prometem bem seguramente não so a comutação das fazendas por metais preciozos mas a descuberta de muitos e novos ramos de comercio e de industria e me persuado que pode ter muito mais populozas e uteis cidades que o Brazil " 475 . Para Sousa Coutinho, intimamente ligado ao estabelecimento das novas povoações esteve a tentativa de se avançar para leste, em direcção a Moçambique, atingindo a região dos " rios de Sena ", zona rica em ouro que pensamos tratar-se do Monomotapa, criando ao longo desse percurso colónias de portugueses que iriam canalizar para Benguela o comércio dessas áreas do interior africano 476. Apesar de terem sido criadas as povoações, ficamos com a noção de que existiam duas dificuldades, logo nesta altura, isto é, em 1769. Sousa Coutinho continuava a insistir não só no envio de casais de colonos europeus, prova de que aquelas localidades estariam ainda ( quase ) despovoadas, como sublinhava o problema da ausência de párocos capazes de fomentar os princípios do cristianismo nesses novos espaços 477. A documentação consultada não nos fornece elementos concretos sobre o funcionamento das povoações. Sabemos sómente, que tinham sido criadas com a finalidade de concentrar as populações brancas que andavam dispersas pelo sertão de Benguela em aldeamentos dedicados à agricultura, ao comércio e aos trabalhos mecânicos, ao mesmo tempo que constituiriam 474 BN, Reservados, Códice 8743, fl.109 v-111 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor de Caconda de 15 de Dezembro de 1769 475 Idem, Ibidem 476 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.p.383-386, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Caconda de 15 de Janeiro de 1772 477 A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Outubro de 1769 123 uma forma de estimular o avanço português para leste em direcção aos " rios de Sena ". O processo de formação das povoações não fora fácil. Em 1770 temos notícia de que as povoações de Benguela " se vão edificando não obstante a falta de gente e alguma opozição que tem encontrado nos negros " 478. No último ano do governo de Sousa Coutinho sabemos que as novas povoações corriam perigo devido à hostilidades das populações africanas estando " expostas às correrias dos Barbaros " 479 e estavam a atravessar uma fase de problemas internos, sem sabermos ao certo quais, devido ao facto de os seus habitantes demonstrarem alguma dificuldade em se adaptar ao " custume da sociedade e do trabalho formados pelos invariaveis principios da religião e da obediencia " 480. Conseguiram as povoações consolidar a sua existência? Apesar de a documentação consultada não se ter revelado abundante, há dois factores que nos permitirão pôr em causa essa realidade e colocar a hipótese de que as povoações fundadas no sertão de Benguela não conseguiram consolidar a sua existência. Vimos que Sousa Coutinho participou, no ano de 1769, a sua fundação e a sua localização. Contudo, da análise da Carta Geographica da Costa Occidental da Africa, da autoria do tenente-coronel engenheiro Luís Cândido Pinheiro Furtado, de 1790 481, portanto 21 anos após o estabelecimento das povoações, vemos que estas não constam daquele que será o mais importante documento cartográfico sobre Angola de finais do século XVIII, 478 A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 10, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Fevereiro de 1770 479 Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.p.379-382, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Benguela de 14 de Janeiro de 1772 480 BN, Reservados, Códice 8744, fl.250 v-252, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de Benguela de 13 de Junho de 1772 481 Sociedade de Geografia de Lisboa, Secção de Cartografia, nº697, Carta Geographica da Costa Occidental da Africa Comprehendida entre 5º e 19º de Lat. Sul Mostrando Parte do Congo, e os Reinos de Angola, Benguella desenhada pelo Tenente Coronel Engenheiro Luís Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado em 1790 124 onde estão representados , com toda a clareza, não só Luanda e Benguela como todos os presídios, incluíndo o de Novo Redondo e o de Caconda na sua nova localização. Em segundo lugar, o problema da população. É impossível saber, para aquela época, o número de habitantes de origem portuguesa que estavam dispersos pelo vastíssimo sertão de Benguela e a tarefa de concentrá-los em aldeamentos seria um processo ainda mais complexo dada a escassez de meios e a dificuldade de se fazer sentir o poder do governador em locais muitos distantes de Luanda. Mas, se Sousa Coutinho superou estas duas dificuldades, algo que a documentação não consegue provar, conseguiu povoar de brancos as povoações que criou? Pensamos que não. E afirmamo-lo com base num seu próprio testemunho, de 1773, onde afirmava que sobre os seus constantes pedidos de casais de colonos oriundos de Portugal para povoar Benguela nunca tivera " o gosto de receber a resposta de todos esses officios no meu tempo " 482. A colonização, de facto, de Angola revelou-se um processo adiado, concretizável só a partir de meados do século seguinte e de uma forma nada pacífica, ao contrário daquilo que Sousa Coutinho idealizara. 482 A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, Importância de Benguela segundo o governador Sousa Coutinho de 17 de Setembro de 1773 125 Conclusão: O Balanço do Governo de Sousa Coutinho em Angola Procurámos, com o nosso estudo, proceder a uma análise do governo de D.Francisco de Sousa Coutinho em Angola sob uma perspectiva que nos permitisse compreender os mecanismos e o porquê da sua actuação como governador daquele território. Evitando emitir juízos de valor e encarando com neutralidade esse momento histórico, pusémos de parte as ideias vinculadas por alguma historiografia portuguesa deste século que insistiu em ver o governo de Sousa Coutinho em Angola como uma época gloriosa do passado imperial em Africa. Enquanto governador de Angola, Sousa Coutinho esteve longe de se revelar a figura extraordinária que essa historiografia pretendeu enaltecer, diríamos apenas que Sousa Coutinho foi um governante cujas capacidades não foram muito diferentes das de outros governadores de Angola. Isto é, não podemos considerar a sua actuação como um momento de notório progresso visto que as suas duas grandes ambições, a fábrica do ferro de Nova Oeiras e a colonização do planalto de Benguela, fracassaram totalmente. Relativamente à sua actuação na região Luso-Africana, as medidas que Sousa Coutinho adoptou para tentar resolver o problema agudo da concorrência estrangeira no tráfico de escravos não conseguiram produzir resultados visíveis. Contudo, não devemos esquecer que o problema que Sousa Coutinho enfrentava ia muito além daquilo que qualquer governador podia fazer, ou seja, a concorrência estrangeira estava, progressivamente, a asfixiar o tráfico controlado por Luanda à medida que o século avançava sendo impossível inverter semelhante tendência. 126 Concretamente em Luanda, Sousa Coutinho não se revelou particularmente original. O terreiro público de Luanda para venda da farinha e feijão não foi uma iniciativa originalmente sua, mas sim do seu antecessor, António de Vasconcelos. Sousa Coutinho executou o projecto sem grandes problemas, todavia acabando por colidir com um magno problema: como desenvolver a agricultura em Luanda e seus arredores num meio ecológico tão adverso? Face ao complexo mundo da cultura luso-africana que se formara, ao longo de dois séculos, na região entre o Dande e o Kwanza, mostrou Sousa Coutinho o seu profundo desagrado aliado a uma consciência de superioridade racial por parte dos europeus, negando os elementos africanos e procurando afastá-los das áreas de poder, designadamente do alto funcionalismo de Luanda e da Câmara Municipal de Massangano. No relacionamento com o mundo africano destacou-se a maneira como Sousa Coutinho se posicionou no conflito que opôs os potentados Holo e Nzinga-Matamba. Denotando uma particular habilidade em retirar dividendos de um conflito cujo início não sabemos até que ponto foi da sua responsabilidade , Sousa Coutinho mostrou, também, com a sua actuação quanto era frágil o poder português sediado em Luanda dado que, não conseguindo enfrentar aqueles dois potentados, viu na guerra entre eles um meio de os enfraquecer e de estimular novos fornecimentos de escravos. Apesar de ter saído vitorioso do conflito com o Mani Moçosso, de nada serviu a Sousa Coutinho as ameaças feitas ao Dembo Manicembo, ao Sonho e ao Mosulo, revelando-se estes potentados um importante obstáculo às ambições dos portugueses nas regiões a norte de Luanda. Igualmente difícil se revelou o relacionamento como os sobas residentes no território que compreendia a colónia de Angola. Para Sousa Coutinho era essencial tirar a Angola o estatuto de reservatório de mão-de-obra escrava para o Brasil. Tal seria possível mediante uma diversificação da sua actividade económica e da adopção de uma política de colonização intensiva do território angolano. Surgiram, 127 neste contexto, a fábrica do ferro de Nova Oeiras e as povoações portuguesas do planalto de Benguela, iniciativas que denotaram a ambição de Sousa Coutinho e que foram um fracasso. As razões deste fracasso foram de natureza estrutural: o meio ecológico africano, mortífero para os europeus, concretamente na região da Ilamba onde fora estabelecida a fábrica do ferro de Nova Oeiras, revelou-se o grande obstáculo a esta iniciativa de Sousa Coutinho que quis fazer de Angola um centro produtor e fornecedor de ferro para a metrópole e para o Brasil; quanto às povoações de Benguela a dificuldade de mudar os hábitos africanizados dos seus habitantes de origem portuguesa e a total falta de apoio por parte da coroa no sentido de promover o envio de colonos para aquelas áreas ditaram o fracasso da experiência. Estas iniciativas de Sousa Coutinho, sem dúvida originais para a época em que foram concebidas e postas em prática, acabaram por ser destruídas por condicionalismos estruturais sendo desprezadas e condenadas ao esquecimento por um sucessor, D.António de Lencastre, que sintetizava junto de Martinho de Melo e Castro, de forma cruel, a riqueza e validade de Angola enquanto espaço propício à exploração por parte dos portugueses: " Conceda me V.Exª a licença para dizer lhe com sinceridade que as unicas minas permanentes e exauriveis que ha neste reyno e que so fazem a solida e verdadeira riqueza de Angola são os ventres das negras e os dentes dos elefantes e o mais Senhor tudo he riso " 483 . 483 A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 32, Ofício do governador D.António de Lencastre de 31 de Março de 1773 128 ANEXOS 129 Anexo I: Glossário - Expressões de Origem KiMbundu Nota Explicativa- O glossário que se apresenta tem por finalidade dar a conhecer ao leitor um conjunto de expressões de origem KiMbundu que foram usadas ao longo do texto e o facto de serem pouco conhecidas, de um modo geral, levou-nos à elaboração desta pequena listagem com vista a uma melhor compreensão das mesmas. Árimo - Campo cultivado nos arredores de Luanda. Aviado - Indivíduo que no sertão vendia fazendas a troco de escravos por conta dos comerciantes de Luanda. Bando - Proclamação para se dar a conhecer publicamente as determinações do governador. Dembo- Chefe supremo de um conjunto de chefes vassalos, situado nas terras fronteiriças entre os Mbundu e o Kongo. O seu poder residia nos lucros que retiravam do comércio com os ingleses e franceses na região a norte de Luanda. Diário - Fazenda com que se efectuavam os pagamentos dos soldos das guarnições dos presídios. Dízimo - Imposto eclesiástico pago pelas populações às autoridades portuguesas. Denominou-se, nos primeiros tempos da conquista, tributo dos sobas ou tributo de vassalagem. Empacasseiros - Caçadores de empacassos, ou seja, do boi selvagem. Devido ao seu profundo conhecimento do território e à sua fácil adaptação ao meio ecológico, foram largamente utilizados pelo governo de Luanda nas campanhas do sertão e no serviço postal. 130 Entambe - Conjunto de ritos, cânticos e danças com que os africanos celebravam as exéquias. Macota - Ancião e conselheiro do soba. Potentado - Reino centralizado cujo rei detém a suprema autoridade política sobre uma hierarquia de linhagens subordinadas. Pumbeiro - Vocábulo proveniente de pumbo que designa feira sertaneja. Negociante africano, agente dos comerciantes de Luanda que se imcumbia de efectuar as trocas de fazendas por escravos no sertão. Quilamba - Capitão das tropas de empacasseiros. Reviro - Acção pela qual um devedor, geralmente aviado, remete a outrém os escravos adquiridos no sertão com a fazenda do seu credor na capital. africana. Soba - Autoridade tradicional. Chefe supremo de uma tribo Sobado - Pequeno estado ou chefatura que unia diversas linhagens relacionadas entre si sob a autoridade de um único chefe. Undamento - Cerimónia pela qual um soba vassalo era confirmado no governo da sua tribo pelo governador por ocasião da sua eleição ou sucessão. FONTE: - António de Oliveira Cadornega, História Geral das Guerras Angolanas, 1680, Edição anotada e corrigida por José Matias Delgado, Tomo I, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1972, p.p.611, 613, 616, 620 131 - Carlos Couto, Os Capitães-Mores em Angola no Século XVIII. Subsídio para o Estudo da sua Actuação, Luanda, Instituto de Investigação Científica de Angola, 1972, p.p.279-282 - Jill Dias, " Mudanças nos Padrões de Poder no Hinterland de Luanda. O Impacto da Colonização sobre os Mbundu ( 1845-1920 ) " in Penélope. Fazer e Desfazer a História, 14, Dezembro 1994, p.p.47 e 49 132 Anexo II: Funcionalismo em Luanda no Tempo do Governador Sousa Coutinho Nota Explicativa; O presente quadro visa fornecer uma listagem de indivíduos que ocupavam os principais cargos na administração colonial, mostrando como era normal um titular de um cargo administrativo ter ocupado um lugar na Câmara Municipal e, simultâneamente, estar ligado à Conferência dos Negociantes, principal orgão regulador das actividades relacionadas com o tráfico de escravos. É uma pequena amostra relativa apenas ao período do governo de Sousa Coutinho, uma pista para investigações futuras sobre a história administrativa em Angola. Lugar na Administração Lugar na Câmara Municipal Assento na Conferência dos Negociantes Escrivão da Ouvidoria - - - Vereador - Secretário de Estado em 1765 Vereador em 1760 Negociante em 1764 António Pinto Falcão - Vereador - António da Silva Guimarães - Vereador - António de Sousa Portela - - Negociante Bento José de Almeida Lobo - Vereador - Bento Pinheiro Falcão - - Bernardo Nunes Portela - Escrivão do Senado da Câmara Vereador Bernardo da Silva Rebelo - Vereador - Nome Amaro Gomes da Cruz André Pinto Delgado António de Campos Rego - Fonte A.H.U., Angola, cx.48, doc.41,29.11.1764 A.H.U., Angola,cx.48, doc.39,27.11.1764 -A.H.U., Angola,cx.43, doc.937.10.1760 -A.H.U., Angola,cx.48, doc.14,18.6.1764 -A.H.U., Angola,cx.49, doc.55,9.8.1765 A.H.U., Angola,cx.55, doc.45,29.7.1771 A.H.U., Angola,cx.48, doc.39,27.11.1764 A.H.U., Angola,cx.51, doc.57,12.12.1767 A.H.U., Angola,cx.43, doc.93,7.10.1760 A.H.U., Angola,cx.48, doc.33,9.8.1764 A.H.U., Angola,cx.55, doc.45,29.7.1771 A.H.U., Angola,cx.48, doc.39,27.11.1764 133 Anexo II (continuação) Lugar na Administração Lugar na Câmara Municipal Assento na Conferência dos Negociantes Custódio Simões da Silva - Vereador em 1764 Negociante em 1764 Feliciano Correia Maia - Vereador em 1764 Negociante em 1764 Francisco António Ribeiro Escrivão da Alfândega em 1770 - Negociante em 1767 - Vereador - Ouvidor geral - - Francisco dos Santos - - Negociante Gabriel Moreira Rangel - Vereador - Juiz de Fora em 1763 Juiz Presidente do Senado da Câmara em 1764 - Feitor da Fazenda Real em 1764 Vereador em 1768 - Juiz da Alfândega em 1770 Vereador em 1768 - Nome Francisco Barros da Silva Francisco José Pereira Barbosa João Delgado Xavier João Rodrigues de Sousa José Coelho de Carvalho Anexo II (continuação) Fonte -A.H.U., Angola, cx.48, doc.14,18.6.1764 -A.H.U., Angola, cx.48, doc.39,27.11.1764 -A.H.U., Angola,cx.48, doc.14,18.6.1764 -A.H.U., Angola,cx.48, doc.39,27.11.1764 -A.H.U., Angola, cx.51, doc.57,12.12.1767 -A.H.U., Angola,cx.54, doc.11,5.2.1770 A.H.U., Angola,cx.43, doc.93,7.10.1760 A.H.U., Angola,cx.48, doc.39,27.11.1764 A.H.U., Angola,cx.48, doc.14.18.6.1764 A.H.U., Angola,cx.55, doc.45,29.7.1771 -A.H.U., Angola,cx.47, doc.42,6.11.1763 -A.H.U., Angola,cx.48, doc.25,1.12.1764 -A.H.U., Angola,cx.48, doc.41,1.12.1764 -BN, Reservados, Cód.8742, fl.28889, doc.de 1.1.1768 -BN, Reservados, Cód.8742, fl.28889, doc.de 1.1.1768 -A.H.U., Angola,cx.54, doc.11,5.2.1770 134 Lugar na Administração Lugar na Câmara Municipal Assento na Conferência dos Negociantes José Lopes Bandeira - - Negociante José da Fonseca Monteiro - Vereador - José Plácido Correia de Brito Escrivão da Fazenda Real - - Manuel Gouveia - Vereador - Manuel Antunes de Abreu - Vereador em 1768 Negociante em 1767 Manuel Cardoso da Silva - Vereador em 1768 Negociante e Administrador da Companhia do Grão-Pará e Maranhão em 1764 Manuel da Costa Pinheiro - - Negociante Manuel Pinto da Cunha e Sousa Ouvidor Geral, Provedor da Fazenda Real e Corregedor - - Manuel Rodrigues da Silva - Tesoureiro da alfândega em 1766 - Feitor da junta da fazenda real em 1771 - - Nome Anexo II (conclusão) Fonte A.H.U., Angola,cx.51, doc.57,12.12.1767 A.H.U., Angola,cx.48, doc.39,27.11.1764 A.H.U., Angola,cx.49, doc.46,2.7.1765 BN, Reservados, Cód.8742, fl.28889, doc. de 1.1.1768 -A.H.U., Angola, cx 51, doc. 57., 12.12.1767 -B.N., Reservados, cód.8742, fl.28889, doc. de 1.1.1768 - A.H.U., Angola, cx. 48, doc. 41, 1.12.1764 -B.N., Reservados, cód.8742, fl.28889, doc. de 1.1.1768 -A.H.U., Angola, cx. 51, doc. 57, 12.12.1767 -A.H.U., Angola, cx.48, doc.41, 1.12.1764 -A.H.U., Angola, cx.51, doc.45, 12.8.1767 -A.H.U., Angola,cx.50, doc.47,5.9.1766 -A.H.U., Angola,cx.55, doc.33,23.5.1771 135 Lugar na Administração Lugar na Câmara Municipal Assento na Conferência dos Negociantes Matias da Costa - - Negociante Raimundo Jalama - - Negociante e administrador da companhia do Grão-Pará e Maranhão Nome Pedro Matoso de Andrade Pedro Nolasco Ferreira de Andrade Thomé da Silva Coutinho - Vereador - Escrivão da feitoria real - - - Vereador em 1760 Negociante em 1764 Fonte -A.H.U., Angola, cx.51, doc.57, 12.12.1767 A.H.U.,Angola, cx.48, doc.14,18.6.1764 A.H.U.,Angola, cx48, doc.41,1.12.1764 A.H.U.,Angola, cx.43, doc.93,7.10.1760 A.H.U.,Angola, cx.48, doc.41,1.12.1764 A.H.U.,Angola, cx.43, doc.93,7.10.1760 A.H.U.,Angola, cx.48, doc.14,18.6.1764 136 Anexo III: Capitães-Mores no Tempo do Governador Sousa Coutinho Capitania Titular Data em que Exercia o Cargo Fonte Bengo Domingos Gonçalves Soeiro 17.3.1767 BN, Reservados,Cód.8742, fl.160 Benguela 31.1.1766 Benguela Caconda Apolinário Francisco de Carvalho José Vieira de Araújo José Vieira de Araújo Caconda Francisco José da Silva 7.6.1766 Caconda Manuel Ferreira dos Santos João Baptista da Silva 28.4.1768 BN, Reservados,Cód.8742, fl.13 A.H.U., Angola,cx.52, doc.4 BN, Reservados,Cód.8742, fl.3v-5 BN, Reservados,Cód.8742, fl.37 v A.H.U., Angola,cx.52, doc.11 Caconda Caconda Caconda Cambambe Cambambe Cambambe Cambambe Cuanza Dande Dande Dande Encoge Encoge Encoge Golungo Golungo Massangano Massangano Massangano José António Rigueira Francisco Matoso de Andrade e Câmara Domingos José da Esperança Francisco Pires de Andrade António Machado da Costa José Thomaz Vaz Vieira 12.4.1766 3.2.1766 15.12.1769 24.8.1770 7.8.1772 16.11.1767 BN, Reservados,Cód.8743, fl.109 v-111v A.H.U., Angola,cx.54, doc.78 A.H.U.,Angola,cx.56, doc.61 8.12.1767 BN, Reservados,Cód.8742, fl.243v A.H.U., Angola,cx.52, doc.3 28.4.1768 A.H.U., Angola,cx.52, doc.11 10.2.1772 Francisco Alves de Sousa Manuel Aguiar 10.9.1770 Martinho Teixeira de Mendonça José Cardoso de Meneses 20.11.1769 Paio de Araújo Francisco Alves Rodrigues Feliciano Pinto da Costa Viana João Baynes 8.12.1767 28.4.1768 Arquivos de Angola, I Série, vol.III, 28, p.p.317-319 BN, Reservados,Cód.8744, fl.21v-22 BN, Reservados,Cód.8742, fl.217V-218v BN, Reservados,Cód.8743, fl.73-73 v Arquivos de Angola, I Série,Vol.III, 29, p.369 A.H.U., Angola, cx.52, doc.3 A.H.U., Angola,cx.52, doc.11 24.8.1770 A.H.U., Angola,cx.54, doc.78 8.3.1766 António Gonçalves Soeiro Pedro Matoso de Andrade João dos Santos Xavier José Thomaz Vaz Vieira 11.7.1770 BN, Reservados,Cód.8742, fl.14 v-16 v BN, Reservados,Cód.8743, fl.221v-222 A.H.U., Angola,cx.52, doc.11 30.8.1767 6.1.1772 28.4.1768 30.11.1768 10.1.1770 A.H.U., Angola,cx.52, doc.56 BN, Reservados,Cód.8743, fl.114-115v 137 Anexo III (conclusão) Capitania Mbaka Mbaka Mbaka Mbaka Mbaka Mbaka Muxima Muxima Novo Redondo Novo Redondo Novo Redondo Pedras de Pungo a Ndongo Pedras de Pungo a Ndongo Pedras de Pungo a Ndongo Titular Data em que Exercia o Cargo Fonte António Manuel Lisboa Francisco Matoso de Andrade José de Sousa 26.1.1765 Julho 1766 A.H.U., Angola,cx.49, doc.7 A.H.U., Angola,cx.50, doc.27 14.9.1766 Manuel Ferreira dos Santos Francisco Xavier de Andrade Feliciano Pinto da Costa 8.12.1767 BN, Reservados, cód. 8742, fl. 73v - 74 A.H.U., Angola,cx.52, doc.3 28.4.1768 A.H.U., Angola,cx.52, doc.11 25.2.1770 António João de Meneses José Rodrigues José Rodrigues 8.6.1766 13.1.1769 10.9.1769 Manuel Dias Leite 4.3.1770 António Rodrigues do Vale Manuel Monteiro 25.2.1771 28.4.1768 BN, Reservados,Cód.8743, fl.148 v-149v BN, Reservados,Cód.8742, fl.37 v-38 A.H.U., Angola,cx.53, doc.4 BN, Reservados,Cód.8743, fl.13-17 BN, Reservados,Cód.8743, fl.153v-154 BN, Reservados, Cód.8744, fl.85-85 v A.H.U., Angola,cx.52, doc.11 António João de Meneses 13.1.1769 A.H.U., Angola,cx.53, doc.4 Francisco José da Silva 25.11.1771 BN, Reservados,Cód.8744, fl.178-178v 138 Anexo IV: Sobados Identificados no Tempo do Governador Sousa Coutinho Nota Explicativa; O presente quadro pretende fornecer uma listagem dos sobas identificados e localizados durante o governo de Sousa Coutinho, cujas referências, por vezes muito escassas foram encontradas no decurso da nossa pesquisa. Os nomes dos sobas são escritos tal qual como vêm mencionados nas fontes. Idêntica situação relativamente ao Anexo V sobre os potentados. Jurisdição Sobado Benguela Andoila Benguela Anha danda Caconda Quitata Cambambe Cambambe Caboco Cambilo Gama Golla Cambambe Lunga Rihango Cambambe Quioza Quiangola Dande Capexi Dande Golungo Golungo Golungo Quitungo Bango Aquitamba Bumba Andala Cabutu Candalla Golungo Golungo Golungo Golungo Golungo Golungo Golungo Cariata Gola Guimbe Gonguembo Mucengue Anzenza Muta o Camba Ngola Anguimbo Quilombo Quia Catubia Qungue a Quibengue Golungo Golungo Massangano Massangano Massangano Massangano Massangano Massangano Massangano Massangano Zumba a Quizundu Cabacassa Caytombe Cabuto Candala Canhangue Cambuxi Itombe a Candongo Massexi Ambu elengue Ngola Quiato Quimbi Quingue Aquibengue Fonte BN, Reservados,Cód.8744, fl.250 v-252, doc. de 13.6.1772 BN, Reservados,Cód.8742, fl.137 v-138 v, doc. de 30.1.1767 BN, Reservados, Cód.8743, fl.45 v-49-v, doc. De 14.10.1769 A.H.U., Angola,cx.57, doc.28, Março de 1773 Arquivos de Angola, I Série, III, nº30-33, p.p.407408, doc. de 10.2.1772 Arquivos de Angola,I Série, III, nº30-33, p.p.407-408, doc. de 10.2.1772 Arquivos de Angola, I Série, III, Nº30-33, p.p.407408, doc. de 10.2.1772 Arquivos de Angola,I Série, III, nº29, p.369, doc. de 6.1.1772 A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773 A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773 A.H.U., Angola,cx.57, doc.28, Março de 1773 BN, Reservados, Cód.8742, fl.14 v, doc. de 8.3.1766 A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773 BN, Reservados,Cód.8742, fl.16 v, doc. de 8.3.1766 A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773 A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773 A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773 A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773 A.H.U., Angola,cx.57, doc.28, Março de 1773 BN, Reservados, Cód.8742, fl.14 v, doc. de 8.3.1766 BN, Reservados,Cód.8742, fl.14 v, doc. de 8.3.1766 A.H.U., Angola,cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola,cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola,cx.55, doc.6 de 31.10.1770 139 Anexo IV (conclusão) Jurisdição Sobado Massangano Massangano Mbaka Zambi Aqueta Zumba Aquizunze Delaceya Mbaka Dalla Tando Mbaka Dambi Aquiza Mabka Gonga Muiza Mbaka Huiadala Muxima Muxima Muxima Muxima Novo Redondo Bele Acuma Caculo Cahango Quonzo Quiadundu Ucusso Agonga Gunza Cabolo Novo Redondo Lumbo Pedras de Pungo a Ndongo Pedras de Pungo a Ndongo Pedras de Pungo a Ndongo Pedras de Pungo a Ndongo Bumba Acatanda Muta Quita Palanga a Zonze Qunza Bambi Fonte A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770 BN, Reservados, Cód.8743, fl.71-72, doc. 18.11.1769 BN, Reservados, Cód.8742, fl.114 v-115, doc. 4.1.1767 BN, Reservados, Cód.8742, fl.114 v-115, doc. 4.1.1767 BN, Reservados,Cód.8744, fl.26 v-28 v, doc. 15.9.1770 BN, Reservados, Cód.8742, fl.114 v-115, doc. 4.1.1767 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770 BN, Reservados, Cód.8743, fl.29 v-38, doc. 12.10.1769 BN, Reservados, Cód.8743, fl.17-21 v, doc. 10.9.1769 BN, Reservados, Cód.8743, fl.172 v-173 v, doc. 24.4.1770 A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 10.11.1770 de de de de de de de de BN, Reservados, Cód.8743, fl.69 v-70 v, doc. de 16.11.1769 BN, Reservados, Cód.8743, fl.136 v-137 v, doc. de 12.2.1770 140 Anexo V: Dembos, Potentados e Reinos no Tempo do Governador Sousa Coutinho Entidade Política Nome Fonte Dembo Ambuela Dembo Ambuela Dembo Ambuila Dembo Caculo Cacahenda Dembo Manicembo D.António Mucanjanga BN, Reservados,Cód.8744, fl.113 v-114, doc. de 17.4.1771 Arquivos de Angola, I Série, Vol.III, 29, p.p.353-55, doc. de 24.12.1771 A.H.U., Angola, cx.50, doc.60 de 28.11.1766 Potentado Holo Potentado Moçosso Potentado Mosulo Potentado do Sonho Rei de Cabinda Rainha do Hoando Rei do Kongo Rei do Loango Rei de Molembo Rainha NzingaMatamba Rei NzingaMatamba Marimba Goge D.Manuel Afonso da Silva D.Francisco Afonso Álvares D.Paulo Sebastião Francisco - D.André Muginga Bunga D.António Afonso da Silva - A.H.U., Angola, cx.45, doc.42 de 12.6.1762 - A.H.U., Angola, cx.48, doc.27 de 30.7.1764 e de 4.8.1764 - A.H.U., Angola, cx.50, doc.4 de 4.3.1766 ANTT, Ministério do Reino, Maço 600, cx.703, doc.de 8.7.1765 e de 2.9.1765 A.H.U., Angola, cx.50, doc.60 de 28.11.1766 - A.H.U., Angola, cx.48, doc.27 de 30.7.1764; cx.51, doc. 24 e 25 de 4.51767 A.H.U., Angola, cx.48, doc.27 de 30.7.1764; cx.50, doc.4 de 4.3.1766; cx.51, doc.33 de 29.7.1767 A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773 D.Brites Afonso da Silva - A.H.U., Angola, cx.50, doc.60 de 28.11.1766 e doc.61 de 28.11.1766 A.H.U., Angola, cx.48, doc.36 de 9.9.1764 A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773 A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773 D.Ana Guterres ANTT, Ministério do Reino, Maço 600, cx.703, doc. de 25.5.1765 e de 1.7.1765 D.Caluete Cabande - ANTT, Ministério do Reino, Maço 600, cx.703, doc. de 25.5.1765 - Arquivos de Angola, I Série, Vol.I, 4, p.p.189-190, doc. de 25.2.1768 141 Bibliografia I- Fontes Primárias Manuscritas - Arquivo Histórico Militar, 2ª Divisão- Ultramar Português, 2ª Secção- Angola, Caixa 1 - Arquivo Histórico Ultramarino, Angola, Caixas 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 60, 61, 62; Códices 407, 408, 472, 544, 555, 1481 - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Ministério do Reino, Maço 600- Caixa 703, Maço 605- Caixa 708 - Biblioteca Nacional de Lisboa, Reservados, Códices 8742, 8743, 8744 II- Fontes Primárias Impressas - Arquivos de Angola, Luanda, Publicação Oficial Editada pela Repartição Central de Estatística Geral: I Série- Volume 1: nº3 Outubro 1935; nº4 Novembro 1935; nº6 Março 1936; Volume 2: nº9 Junho 1936; Volume 3: nº28 Novembro 1937, nº29 Novembro 1937, nº30-33 Novembro 1937; Volume 4: nº49 Janeiro 1939 II Série- Volume 10: nº39-42 Janeiro-Outubro 1953 142 - BRÁSIO, Padre António: Monumenta Missionária Africana, I Série, Africa Ocidental ( 1570-1599 ), Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1953 - DIAS, Gastão de Sousa: " Uma viagem a Cassange nos meados do século XVIII " in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 56, nº1-2, 1938, p.p.3-30 - FELNER, Alfredo de Albuquerque: Angola. Apontamentos Sobre a Colonização dos Planaltos e Litoral Sul de Angola, Volume I, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1940 III- Fontes Secundárias - AFFONSO, Domingos de Araújo; VALDEZ, Ruy Travassos: Livro de Oiro da Nobreza. Apostilas à Resenha das Famílias Titulares do Reino de Portugal de João Carlos Fêo Cardoso Castelo Branco e Torres e Manuel de Castro Pereira de Mesquita, Braga, 1932 - CADORNEGA, António de Oliveira: História Geral das Guerras Angolanas 1680, Edição anotada e corrigida por José Matias Delgado, Tomo I e II, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1972 - CORREIA, Elias Alexandre da Silva: História de Angola Dedicada a Sua Alteza Sereníssima o Príncipe Regente Nosso Senhor por Elias Alexandre da Silva Correa Cavaleiro Professo na Ordem de Christo Sargento Mor de Infantaria de Milícias na Capital do Rio de Janeiro 1782, Volumes I e II, Lisboa, Colecção dos Clássicos da Expansão Portuguesa no Mundo, 1937 - SILVA, Inocêncio Francisco da : Diccionário Bibliográphico Portuguez, Lisboa, Imprensa Nacional, 1859 143 IV- Estudos e Obras Críticas - BIRMINGHAM, David: Trade and Conflict in Angola. The Mbundu and their Neighbours under the Influence of the Portuguese 14831790, Oxford, Clarendon Press, 1966 - ,-----------------, " Early African Trade in Angola and its Hinterland " in Pre- Colonial African Trade, Editores D.Birmingham e R.Gray, Londres, 1970, p.p.163-173 - ,-----------------, Central Africa to 1870, Cambridge, Cambridge University Press, 1981 - ,------------------, " Society and Economy before AD 1400 " in History of Central Africa, Editores D.Birmingham e P.Martin, Londres, 1983, Volume I, p.p.1-29 - BOXER, Charles: Relações Raciais no Império Colonial Português 1415-1825, Porto, Afrontamento, 1977 ( 1ª Edição 1963 ) - ,------------------, " The Municipal Council of Luanda " in Portuguese Society in the Tropics ( 1510-1800 ), Madison, Wisconsin University Press, 1965, p.p.110-140 - CAETANO, Marcelo: " As Reformas Pombalinas e PostPombalinas respeitantes ao Ultramar " in História da Expansão Portuguesa no Mundo, Volume III, Lisboa, Ática, 1940, p.p.251-260 - CARREIRA, António: As Companhias Pombalinas de Grão-Pará, Maranhão e Paraíba, Lisboa, Presença, 1983 144 - COUTO, Carlos: Os Capitães-Mores em Angola no Século XVIII. Subsídio para o Estudo da sua Actuação, Luanda, Instituto de Investigação Científica de Angola, 1972 - CURTO, José: " A Colecção de Manuscritos Angolanos do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa: Para um Guia de Trabalho " in Revista Internacional de Estudos Africanos, 6-7, Janeiro-Dezembro 1987, p.p.275-306 - DELGADO, Ralph: " O Governo de Sousa Coutinho em Angola " in Stvdia, VI, Julho 1960, p.p.19-56; VII, Janeiro 1961, p.p.49-86; X, Julho 1962, p.p.7-47 - ,------------------, História de Angola, s.l., Edição do Banco de Angola, s.d. - DIAS, Gastão de Sousa: D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Administração Pombalina em Angola, Lisboa, Editorial Cosmos- Cadernos Coloniais, nº27, 1936 - DIAS, Jill: " Uma Questão de Identidade: Respostas Intelectuais às Transformações Económicas no Seio da Élite Crioula da Angola Portuguesa entre 1870 e 1930 " in Revista Internacional de Estudos Africanos, 1, Janeiro-Junho 1984, p.p.61-93 - ,------------------, " As Primeiras Penetrações Portuguesas em Africa " in Portugal no Mundo, Direcção de Luís de Albuquerque, Volume I, Lisboa, Alfa, 1989, p.p.281-298 - ,------------------, África. Nas Vésperas do Mundo Moderno, Lisboa, Edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992 145 - ,------------------, " Mudanças nos Padrões de Poder no Hinterland de Luanda. O Impacto da Colonização sobre os Mbundu ( 1845-1920 ) " in Penélope. Fazer e Desfazer a História, 14, Dezembro 1994, p.p.43-91 - ESTEVES, Maria Luísa: " Para o Estudo do Tráfico de Escravos em Angola (1640-1668) " in Stvdia, 50, 1991, p.p.79-95 - Grande Enciclopédia Geográfica, Volume I, Lisboa, Verbo, 1985 - Grande Enciclopédia Portugueza e Brasileira, Lisboa- Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d. - HAZARD, Paul: O Pensamento Europeu no Século XVIII, Lisboa, Presença, 1983 - HEINTZE, Beatrix: " Luso-African Feudalism in Angola? The Vassal Treaties of the 16 th to 18 th Century " in Revista Portuguesa de História, Tomo 18, 1980, p.p.111-131 - ,------------------, The Angolan Vassal Tributes of the 17 th Century in Separata da Revista de História Económica e Social, 6, 1980, p.p.57-78 - ,------------------, " Angola nas Garras do Tráfico de Escravos: As Guerras do Ndongo ( 1611-1630 ) " in Revista Internacional de Estudos Africanos, 1, Janeiro-Junho 1984, p.p.11-59 - ,-------------------, " Written Sources, Oral Traditions and Oral Traditions as Written Sources- The Steep and Thorny Way to Early Angolan History " in Paideuma, 33, 1987, p.p.263-277 - ,---------------------, " Ngonga a Mwiza: Um Sobado Angolano sob o Domínio Português no Século XVII " in Revista Internacional de Estudos Africanos, 8-9, Janeiro-Dezembro 1988, p.p.221-234 146 - KOPYTOFF, Igor e MIERS, Suzanne: " African Slavery as an Institution of Marginality " in Slavery in Africa. Historical and Anthropological Perspectives, Madison, Wisconsin University Press, 1977, p.p.3-81 - LOBATO, Alexandre: " A Política Ultramarina Portuguesa no Século XVIII " in Ultramar, 30, 1967, p.p.81-113 - LOPO, Júlio de Castro: Governadores-Gerais e outras Entidades de Função Governativa da Província de Angola 1575-1964. Lista Cronológica, Luanda, Centro de Informação e Turismo de Angola, 1964 - MACEDO, Jorge Borges de: A Situação Económica no Tempo de Pombal, 2ª Edição, Lisboa, Moraes, 1982, ( 1ª Edição-1950 ) - MILLER, Joseph: " The Imbangala and the Chronology of Early Central African History " in The Journal of African History, Volume 13, nº4, 1972, p.p.549-574 - ,---------------------, " Nzinga of Matamba in a New Perspective " in Journal of African History, Volume 16, nº2, 1975, p.p.201-216 - ,---------------------, Kings and Kinsmen. Early Mbundu States in Angola, Oxford, Clarendon Press, 1976 - ,----------------------, " The Significance of Drought, Disease and Famine in the Agriculturally Marginal Zones of West Central Africa " in The Journal of African History, Volume 23, nº1, 1982, p.p.17-61 - ,-----------------------, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988 - NEVES, Maria Teresa Amado: " D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho- Aspecto Moral da sua Acção em Angola " in Congresso da 147 História da Expansão Portuguesa no Mundo, Lisboa, Sociedade Nacional de Tipografia, 1938, p.p.120-150 - NOGUEIRA, Jofre Amaral: Angola na Época Pombalina. O Governo de Sousa Coutinho, Lisboa, 1960 - REGO, António da Silva: O Ultramar Português no Século XVIII (1700-1833), Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1967 - ,------------------------, " A Academia Portuguesa da História e o II Centenário da Fábrica do Ferro de Nova Oeiras, Angola " in Colectânea de Estudos em Honra do Professor Doutor Damião Peres, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1974, p.p.387-398 - THORNTON, John: Africa and the Africans in the Making of the Atlantic World 1400-1680, Cambridge, Cambridge University Press, 1992 - VANSINA, Jan: Kingdoms of the Savanna, Madison, Wisconsin University Press, 1966 - ,-------------------------, " L Homme, les Forêts et le Passé en Afrique " in Annales ESC, nº6, Novembro-Dezembro 1985, p.p.1307-1334 - VELLUT, Jean-Luc: Questions Speciales d Histoire de L Afrique, Université Nacionale du Zaire- Campus de Lubumbashi, Faculté des Lettres- Département d Histoire, 1972-1973 - VENÂNCIO, José Carlos: A Economia de Luanda e Hinterland no Século XVIII- Um Estudo de Etnologia Histórica, Lisboa, 1985 148