Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de História
D. Francisco de Sousa Coutinho em Angola: Reinterpretação de um Governo
1764-1772
Dissertação de Ana Madalena Rosa Barros Trigo de Sousa para obtenção do Grau de
Mestre em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa sob orientação da
Professora Doutora Jill Dias
Funchal / Lisboa 1996
1
Introdução 2
Objecto do Trabalho 2
Informação Sobre Bibliografia e Fontes 4
PARTE I - ANGOLA EM MEADOS DO SÉCULO XVIII: 9
A Situação do Território e a Dificuldade da Implantação Portuguesa 9
Capítulo I- Enquadramento Geral: O Espaço e os Homens 10
Capítulo II- O Reino de Angola em Meados do Século XVIII 15
A) A Administração do Espaço Sob Domínio Português 17
B) A Conjuntura Económica: O Tráfico de Escravos 26
C) A Sociedade 31
D) O Reino de Angola e o Mundo Africano: Uma Relação Precária? 35
PARTE II - D. FRANCISCO DE SOUSA COUTINHO EM ANGOLA: 38
Uma Acção Governativa Condenada ao Fracasso? 38
Capítulo I- D.Francisco de Sousa Coutinho: Notícia Biográfica 39
Capítulo II- Sousa Coutinho e a Região Luso-Africana 41
A) Acção Governativa em Luanda 41
B) Relacionamento Com o Mundo Africano 56
Capítulo III- Sousa Coutinho e a tentativa de "fomento industrial": A "Fábrica do Ferro" de Nova
Oeiras 78
A) Estabelecimento e Funcionamento da " Fábrica do Ferro " de Nova Oeiras 1766-1772 78
B) A problemática do trabalho indígena em Nova Oeiras 104
Capítulo IV- Sousa Coutinho e a Colonização do Planalto de Benguela 116
A) Um projecto de colonização? A " Angola Portuguesa " segundo o governador Sousa Coutinho
116
B) A fundação de povoações no planalto de Benguela 120
Conclusão: O Balanço do Governo de Sousa Coutinho em Angola 127
ANEXOS 130
Anexo I: Glossário - Expressões de Origem KiMbundu 131
Anexo II: Funcionalismo em Luanda no Tempo do Governador Sousa Coutinho 134
Anexo III: Capitães-Mores no Tempo do Governador Sousa Coutinho 138
Anexo IV: Sobados Identificados no Tempo do Governador Sousa Coutinho 140
Anexo V: Dembos, Potentados e Reinos no Tempo do Governador Sousa Coutinho 142
Bibliografia 143
I- Fontes Primárias Manuscritas 143
II- Fontes Primárias Impressas 143
III- Fontes Secundárias 144
IV- Estudos e Obras Críticas 145
2
Introdução
Objecto do Trabalho
É propósito deste trabalho contribuir para o desenvolvimento e
aprofundamento da investigação no domínio da história de Angola numa
perspectiva que pretende ressaltar o relacionamento entre os portugueses e
as sociedades africanas durante o período que compreendeu o governo de
D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho em Luanda de 1764 a 1772.
Tem sido aceite de forma passiva considerar o governo de
D.Francisco de Sousa Coutinho como um período crucial na história das
relações entre Portugal e o território que então constituía a colónia de
Angola. Em plena época pombalina e num contexto político-económico em
que a coroa portuguesa pretendia reforçar os seus interesses em Luanda, o
governador Sousa Coutinho, em sintonia com os pressupostos do governo
de Lisboa, teria empreendido uma vasta acção quer no plano político e
administrativo, quer no plano económico e social, numa tentativa de pôr
termo à situação de abandono e desorganização interna que afectava o
território angolano.
Ao questionarmo-nos sobre os problemas que se ofereciam à
presença portuguesa no espaço angolano naquela época, ficou-nos a dúvida
acerca da real dimensão e alcançe da actuação de Sousa Coutinho. Essa
dúvida foi o ponto de partida para o trabalho que nos propusémos efectuar.
Em torno deste estudo foram várias as interrogações que se
ofereceram à nossa análise.
Procurámos saber em que medida é que o governo de Sousa
Coutinho teria sido um período de progresso e avanço; qual ou quais as
iniciativas introduzidas por este governador, o seu grau de originalidade e
real impacto; como se organizava e se tentou implementar o poder
português; como se organizava a vida económica; como se estruturava a
sociedade colonial; qual o relacionamento entre o governo de Luanda e as
3
sociedades africanas. Este conjunto de problemas determinou a elaboração
do presente estudo.
Tendo D.Francisco de Sousa Coutinho ocupado o cargo de
governador e capitão-general de Angola de 1764 a 1772, tomámos estes
anos como limite cronológico. No entanto, gostaríamos de referir que o
período que corresponde à governação em Angola do antecessor de Sousa
Coutinho, D.António de Vasconcelos ( 1758-1764 ), será também
merecedor da nossa atenção, tendo em conta que importa compreender em
que medida é que alguma ou algumas das acções de Sousa Coutinho foram
ou não oriundas da actuação do seu antecessor. Da mesma forma, tornou-se
para nós fundamental perceber qual a linha governativa do seu sucessor,
D.António de Lencastre ( 1772-1779 ) , se de continuidade ou ruptura.
Com a nossa investigação sobre o governo de Sousa Coutinho em
Angola pretendemos responder ao conjunto de questões acima enunciadas,
numa tentativa de compreender o que foi a presença portuguesa naquele
território, tendo em consideração, de um lado, as questões de política,
administração e economia coloniais; do outro, as transformações ocorridas
entre os poderes e as sociedades africanas, procurando corrigir a
perspectiva fortemente eurocêntrica que tem caracterizado em Portugal e
até data recente, os estudos relacionados com a história da presença
portuguesa em Angola.
Informação Sobre Bibliografia e Fontes
É extremamente escassa a bibliografia respeitante ao governo de
Sousa Coutinho em Angola.
4
Da década de trinta até ao início da de setenta deste século, alguns
autores portugueses publicaram estudos referentes ao governo de
D.Francisco de Sousa Coutinho em Angola. No seu conjunto, esta
produção historiográfica, surgida no contexto do Estado Novo visava o
enaltecimento da presença portuguesa em Angola e a sua legitimação junto
das outras nações europeias. Assim, o governo de Sousa Coutinho em
Angola, enquanto objecto de análise, servia os propósitos do poder político
de então dado que era tido como uma época gloriosa do passado imperial,
contribuindo para justificar a actuação portuguesa da altura. O resultado
imediato desta visão da história aplicada ao governo de Sousa Coutinho foi
a adopção de uma perspectiva eurocêntrica em que a exaltação dos feitos
portugueses constituía o único objecto digno de estudo.
A bibliografia sobre o governo de D.Francisco Inocêncio de Sousa
Coutinho teve como autores Gastão de Sousa Dias 1, Maria Teresa Amado
Neves 2 , Jofre Amaral Nogueira 3 , Ralph Delgado 4 e António da Silva
Rego 5.
Em todos os autores encontramos um discurso estruturado em torno
da apologia da figura e do governo de Sousa Coutinho. Escrevendo sobre
os vários aspectos da actuação do governador D.Francisco de Sousa
Coutinho e sem aferir de uma forma exaustiva ou sistemática a sua
originalidade ou real dimensão, Gastão de Sousa Dias, Maria Teresa
Amado Neves, Jofre Amaral Nogueira e Ralph Delgado, procuraram dar
uma imagem idealizada da presença deste governador em Angola 6.
1
Gastão de Sousa Dias, D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Administração Pombalina em
Angola, Lisboa, Editorial Cosmos- Cadernos Coloniais, nº 27, 1936
2
Maria Teresa Amado Neves, " D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho: Aspecto moral da sua acção
em Angola " in I Congresso de História da Expansão Portuguesa no Mundo 4ª Secção- Africa, Lisboa,
Sociedade Nacional de Tipografia, 1938, p.p.120-150
3
Jofre Amaral Nogueira, Angola na época pombalina. O governo de Sousa Coutinho, Lisboa, 1960
4
Ralph Delgado, " O governo de Sousa Coutinho em Angola " in Stvdia, VI, Julho 1960, p.p.19-56; VII,
Janeiro 1961, p.p.49-86; X, Julho 1962, p.p.7-47
5
António da Silva Rego, " A Academia Portuguesa da História e o II Centenário da Fábrica do Ferro de
Nova Oeiras, Angola " in Colectânea de Estudos em Honra do Prof.Doutor Damião Peres, Lisboa,
Academia Portuguesa da História, 1974, p.p.387-398
6
Excepção no caso de António da Silva Rego, Ob.Cit., p.p.387-398. Este autor refere com clareza o
problema do fracasso do empreendimento da fábrica do ferro de Nova Oeiras e com base em
5
Partindo do pressuposto de que o século XVIII teria sido um período
de decadência na história de Angola, pressuposto nunca confirmado, viram
em Sousa Coutinho alguém que conseguira, nas palavras de Ralph Delgado
" sanear o ambiente de maneira a moralizá-lo à europeia " 7. A apologia de
Sousa Coutinho é algo que perpassa ao longo do discurso daqueles autores,
havendo momentos em que se revela particularmente eloquente. Para Ralph
Delgado, D.Francisco de Sousa Coutinho foi " o homem que melhor
compreendeu o admirável futuro reservado a Angola e quem mais
trabalhou a seu favor " 8. Segundo Gastão de Sousa Dias, o governador
Sousa Coutinho " imaginava soldar as pedras de um grandioso império (...)
que desde o princípio do estabelecimento dos portugueses em Angola
constituía uma aspiração instintiva da raça (...) o ideal secular de um povo
por índole criador de nações 9 . Jofre Amaral Nogueira refere Sousa
Coutinho como um " homem íntegro e esclarecido (...) incansavelmente
devotado ao progresso da província " 10. Toda a política de Sousa Coutinho
foi para Amaral Nogueira " uma genial antecipação (...) tendo contribuído
para a grandiosidade da obra nacional em Africa " 11
Tal situação no tocante à bibliografia obrigou-nos a uma renovada
atenção relativamente às fontes primárias com vista a preencher lacunas, a
pesquisar aspectos não tratados; em suma, empreender uma reinterpretação
do governo de Sousa Coutinho em Angola à luz de uma nova perspectiva.
Para a concretização do nosso objectivo, pesquisámos nos principais
arquivos portugueses.
O principal núcleo arquivístico consultado foi o Arquivo Histórico
Ultramarino, repositório de grande parte da documentação relativa à
expansão ultramarina portuguesa onde abundam manuscritos referentes à
documentação. Nos restantes autores, as referências bibliográficas ou documentais, quando existem, são
muito escassas.
7
Ralph Delgado, Ob.Cit., ( X ) p.p.44-45
8
Ralph Delgado, Ob.Cit., ( X ) p.46
9
Gastão de Sousa Dias, Ob.Cit., p.p.61-62
10
Jofre Amaral Nogueira, Ob.Cit., p.p.169-170
11
Jofre Amaral Nogueira, Ob.Cit., p.p.164-166
6
história administrativa, económica, militar, política e social das colónias
portuguesas 12.
A documentação por nós consultada, documentos avulsos nas caixas
de Angola e códices do Conselho Ultramarino, é constituída, no caso dos
códices, quase exclusivamente por correspondência procedente da
Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos e
dirigida aos governadores e outros altos funcionários coloniais em Luanda.
Os códices oferecem uma fonte extremamente útil no seguimento do
processo legislativo colonial aplicado em Angola e das motivações que
guiavam os legisladores em Lisboa.
As caixas de Angola contêm, na sua maioria, correspondência
procedente de Angola e dirigida à Secretaria de Estado dos Negócios da
Marinha e Domínios Ultramarinos, designadamente cartas e ofícios do
governador contendo importante e abundante informação acerca da história
social, económica, política e militar de Angola.
Representando apenas a versão oficial dos acontecimentos e
reflectindo os problemas relacionados com o poder colonial, a
documentação consultada poderá apresentar um outro tipo de limitação
dado que se dedica exclusivamente a assuntos e a acontecimentos que se
reportam a Luanda e ao seu hinterland. Contudo, é preciso não esquecer
que Luanda era capital e sede de governo e o seu hinterland, principal
núcleo económico da colónia, a área que mais preocupava os funcionários
coloniais. Informação sobre outras regiões tais como o planalto de
Benguela, a costa norte ou o Kongo, são muito escassas e espaçadas.
Devemos ainda salientar que, pelo facto de a documentação existente
ser quase maioritáriamente constituída por correspondência dirigida de
Luanda para Lisboa, a informação trocada entre funcionários do governo de
12
José Curto, " A colecção de manuscritos angolanos do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa " in
Revista Internacional de Estudos Africanos, 6-7, Janeiro-Dezembro 1987, p.p.275-306. Este trabalho de
José Curto revelou-se um bom instrumento de trabalho para o início da nossa pesquisa no Arquivo
Histórico Ultramarino.
7
Luanda e os funcionários dos presídios do interior é em muito menor
número. O mesmo se passa em relação à documentação que circulava entre
o governo de Luanda e os chefes africanos.
Além do importante volume de informação contido nos ofícios de
Sousa Coutinho para a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e
Domínios Ultramarinos, conseguimos localizar e analisar, na secção de
Reservados e Manuscritos da Biblioteca Nacional, 3 códices contendo na
sua totalidade correspondência entre o governador e os funcionários dos
presídios do interior, assim como alguma correspondência com os régulos
africanos 13.
Ainda dentro das fontes primárias manuscritas, temos de mencionar
a pesquisa no Arquivo Nacional da Torre do Tombo onde encontrámos
alguns elementos relevantes e complementares dos dados recolhidos no
Arquivo Histórico Ultramarino e no Arquivo Histórico Militar, onde a
documentação consultada relativa ao século XVIII revelou-se escassa mas
bastante significativa 14.
No âmbito das fontes primárias impressas, a consulta da obra
Arquivos de Angola 15 revelou-se de extrema importância dado que contém
alguma documentação do Arquivo Histórico de Angola e do Arquivo
Histórico da Câmara Municipal de Luanda, arquivos que, infelizmente, não
pudémos consultar. Encontrámos ainda documentação com interesse
editada por Alfredo de Albuquerque Felner na obra Angola. Apontamentos
sobre a colonização dos planaltos e litoral do sul de Angola, datada de 1940
16
.
13
José Curto, Ob.Cit., p.290. Não podemos deixar de mencionar a utilidade deste trabalho de José Curto
dado que foi através dele que conseguimos localizar estes 3 códices na secção de Reservados e
Manuscritos da Biblioteca Nacional. Sem ele teria sido, certamente, muito mais difícil, senão mesmo
impossível.
14
Boletim do Arquivo Histórico Militar, 47, 1977, p.p.73-351. Este número contém um catálogo
exaustivo de toda a documentação relativa a Angola que está neste arquivo, do século XVIII ao século
XX.
15
Arquivos de Angola, Luanda, Publicação Oficial Editada pela Repartição Central de Estatística Geral
de 1933 a 1963- I Série nº 1 a 54, II Série nº 1 a 82.
16
Alfredo de Albuquerque Felner, Angola. Apontamentos sobre a colonização do sul de Angola, Lisboa,
Agência Geral do Ultramar, 1940
8
Não podemos terminar esta introdução sem referir que nos faltaram
as fontes para a elaboração da história do governo de Sousa Coutinho em
Angola não baseada exclusivamente na versão oficial e eurocêntrica dos
acontecimentos. Os documentos que analisámos são, na sua esmagadora
maioria, correspondência dos representantes do poder colonial, poder que
se assumia como superior e estando em competição com os poderes locais,
e raramente reflectem, pelo menos de forma explícita a versão africana dos
acontecimentos 17.
Apesar das limitações apontadas, a documentação reunida no
decurso da nossa pesquisa nos arquivos de Lisboa permitiu-nos, no seu
conjunto, tentar caracterizar e compreender a governação de Sousa
Coutinho em Angola, tarefa que dada a sua complexidade, não se esgota
nesta dissertação. Esperamos num futuro próximo poder continuar o estudo
da presença portuguesa em Angola e juntar aos elementos recolhidos em
Lisboa, elementos dos núcleos arquivísticos de Angola, cuja consulta se
impõe para a elaboração de estudos mais completos sobre a história da
presença portuguesa naquele território assim como das sociedades
angolanas.
17
Jan Vansina, Kingdoms of the Savanna, Madison, University of Wiscousin Press, 1966, p.p.3-6 e
Beatrix Heintze, " Written sources, oral traditions and oral traditions as written sources- The steep and
thorny way to early angolan history " in Paideuma, 33, 1987, p.p.263-277. Estes autores colocam o
problema da diversidade das fontes no domínio da história de Africa e da limitação da documentação
escrita, bem como da análise crítica que deve existir aquando da sua leitura.
9
PARTE I - ANGOLA EM
MEADOS DO SÉCULO XVIII:
A Situação do Território e a
Dificuldade da Implantação
Portuguesa
10
Capítulo I- Enquadramento Geral: O Espaço e os
Homens
Situado no Africa Ocidental, a sul do Equador, o território angolano
tem um contorno geográfico característico daquela vasta região do
continente africano. Uma estreita planície costeira eleva-se, suavemente, a
partir do litoral Atlântico, no norte, e mais abruptamente nos seus
segmentos central e meridional até atingir o planalto de Benguela-Bié (
1500-1850 m ) 18; inúmeros rios correndo, geralmente, de leste para oeste,
por entre as vertentes escarpadas dos planaltos do interior, circunstância
que só permite a sua navegação práticamente junto ao litoral Atlântico.
Mesmo os rios de maior dimensão como o Zaire ou o Kwanza só são
navegáveis perto da costa 19. O deserto é a paisagem que marca a região
sul-sudoeste, havendo uma transição gradual para norte, passando por
savana seca com eufórbias, acácias e baobás até savana arborizada. A zona
de Cabinda, ao norte do rio Zaire, é coberta por selva tropical 20 . A
precipitação vai diminuindo de norte para sul. Das chuvas periódicas na
região do Kongo, chega-se a um clima quase desértico junto ao baixo
Kunene 21 . A planície costeira e nomeadamente a região de Luanda é
bastante árida comparada com os planaltos do interior. Ao longo do litoral,
as temperaturas são relativamente moderadas devido à fria corrente
marítima de Benguela 22. O clima no interior, designadamente no planalto
Benguela-Bié é ameno contrastando com o do litoral cujo Inverno, estação
quente, húmida e sem precipitação se revela insalubre, dificultando a
fixação humana 23.
18
Grande Enciclopédia Geográfica, Volume I, Lisboa, Verbo, 1985, p.177
Joseph Miller, Kings and Kinsmen. Early Mbundu States in Angola, Oxford, The Clarendon Press,
1976, p.31
20
Grande Enciclopédia Geográfica, Volume I, Lisboa, Verbo, 1985, p.177
21
Joseph Miller, Kings and Kinsmen. Early Mbundu States in Angola, Oxford, The Clarendon Press,
1976, p.32
22
Idem, Ibidem, p.32
23
Idem, Ibidem, p.32
19
11
Os habitantes do espaço angolano concentram-se nas terras mais
propícias à agricultura, não muito numerosas, situadas geralmente junto aos
rios.
Os grupos Mbundu, população cuja língua é o kiMbundu, ocupam as
regiões banhadas pelo rio Kwanza 24. A sua agricultura baseava-se numa
variedade de safras, principalmente milho-miúdo, arroz, sorgo, inhames e
óleo de palma, plantas cultivadas desde tempos antigos 25. Essa agricultura
foi-se diversificando com a introdução e gradual adopção das plantas do
Novo Mundo, tais como o milho-graúdo e a mandioca, proporcionando
maiores e melhores rendimentos 26 . Nos sistemas agrícolas dos Mbundu
temos também de contar com a presença de algum gado, sobretudo nas
zonas onde não havia mosca tsé-tsé 27.
Actividades de recolecção como a caça no interior e a pesca no
litoral devem, certamente, ter desempenhado um papel importante 28.
Paralelamente, há a considerar a circulação de um conjunto de bens
essenciais na vida económica destas populações como o sal, o ferro e o
cobre, base de um comércio indígena de longa distância, desenvolvido
muito antes do advento da presença portuguesa em Angola 29.
Além do sal e dos metais, outros bens como os panos de ráfia e
palma e, devido à presença portuguesa nesta época, os panos de origem
europeia e asiática, além do álcool, e das armas de fogo e pólvora; conchas
e missangas, eram os principais produtos usados pelos Mbundu para
transacções comerciais, como adornos pessoais, marcas de estatuto social
24
David Birmingham, Central Africa to 1870, Cambridge, Cambridge University Press, 1981, p.15
Jill Dias, Africa. Nas Vésperas do Mundo Moderno, Edição da Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.136
26
Idem, Ibidem, p.136
27
Beatrix Heintze, " Angola nas garras do tráfico de escravos: As guerras do Ndongo ( 1611-1630 ) " in
Revista Internacional de Estudos Africanos, I, Janeiro-Junho 1984, p.p.11-59
28
Beatrix Heintze, Ob.cit., p.11
29
David Birmingham, " Early African Trade in Angola and its hinterland " in Pre-Colonial African Trade,
ed. D.Birmingham e R.Gray, 1970, p.p.163-173
25
12
ou emblemas de poder, desempenhando um papel preponderante na sua
vida económica e social 30.
A maior parte dos Mbundu estava integrada em grupos corporativos
parentais ou linhagens cujo chefe exercia um controlo sobre a terra onde
habitavam e sobre os seus filhos 31. Este tipo de controle era justificado e
legitimado pela terminologia do parentesco, expressão de laços sociais e
políticos, tanto no interior dos grupos ou linhagens, como entre si, mesmo
quando não exista uma relação de consanguinidade 32.
Tal como em outras sociedades do continente africano, entre os
Mbundu, as pessoas eram consideradas um recurso de grande valor 33 e o
poder do chefe de uma linhagem traduzia-se no número de dependentes que
conseguisse agregar à sua volta. Quanto maior o seu séquito, maior a sua
força política e também o seu poder económico dado que era a " transacção
" dos direitos que exercia sobre os seus filhos e dependentes 34 que lhe
proporcionava o acesso aos bens introduzidos pelos europeus, podendo
com esses bens adquirir mais dependentes junto de outras linhagens 35.
Os Mbundu encontram-se no espaço que constituía, em meados do
século XVIII, a área de influência portuguesa situada entre os rios Dande, a
norte, e Kwanza, a sul, conhecida e encarada pela corte de Lisboa como " o
reino de Angola e suas conquistas " 36. Ocupava as regiões do extinto reino
do Ndongo, um estado independente e relativamente poderoso até meados
do século XVII, altura em que fora derrotado pelos portugueses com o
30
Jill Dias, Africa. Nas Vésperas do Mundo Moderno, Edição da Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.142
31
Idem, Ibidem, p.130
32
Idem, Ibidem, p.130
33
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988. Em especial ver capítulo 2 The Value of Material Goods and People in
African Political Economies p.p.40-70
34
Acerca da questão dos direitos sobre as pessoas nas sociedades africanas ver de Igor Kopytoff e
Suzanne Miers " African Slavery as an Institution of Marginality " in Slavery in Africa. Historical and
Anthropological Perspectives, Madison, University of Wisconsin Press, 1977, p.p.3-81
35
A expressão " dependentes " engloba um conjunto de indivíduos que podiam ser parentes, clientela ou
escravos do chefe de linhagem. Ver Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan
Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin University Press, 1988, p.42 e ss
36
Idem, Ibidem, p.34
13
auxílio dos povos Imbangala 37, encontrando-se dividido em sobados ( ou
comunidades rurais ) cujos chefes ou sobas descendiam da aristocracia do
extinto reino do Ndongo 38.
Em toda a área de influência portuguesa, que também incluía a sul do
Kwanza o presídio de Benguela e seus arredores, a presença das
comunidades Luso-Africanas, comunidades nascidas da união entre
portugueses e africanas ao longo do século XVII, era uma realidade. Em
meados do século XVIII, os Luso-Africanos desempenhavam um
importante papel no tráfico atlântico de escravos como agentes dos
mercadores de Luanda junto dos potentados africanos do interior
fornecedores dos escravos, mercadoria que alimentava o principal negócio
do Atlântico Sul 39.
Na área exterior à influência portuguesa há a considerar o Império
Lunda, situado a leste do rio Kwango; a oeste deste rio, os potentados de
Kasanje, do Holo e de Nzinga-Matamba, todos ligados ao mundo português
dado que são os seus fornecedores de escravos 40.
O reino do Kongo e os potentados Musulu, a norte do Dande; Sonyo,
junto ao rio Mbrije e os povos Mubire ou Vili na região do Loango
fornecem escravos aos ingleses, franceses e holandeses, concorrentes dos
portugueses e daí a difícil relação que têm com a administração de Luanda
41
.
37
Jill Dias, Africa. Nas Vésperas do Mundo Moderno, Edição da Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.121 e também Joseph Miller, " The Imbangala
and the Chronology of Early Central African History " in The Journal of African History, Volume 13,
nº4, 1972, p.p.549-574
38
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.34
39
Idem, Ibidem, p.245 e ss. Sobre o tema dos Luso-Africanos ver ainda de Jill Dias " Uma Questão de
Identidade: Respostas Intelectuais às Transformações Económicas no Seio da Élite Crioula da Angola
Portuguesa entre 1870 e 1930 " in Revista Internacional de Estudos Africanos, I, Janeiro-Junho 1984,
p.p.61-93
40
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.p.30-33
41
Idem, Ibidem, p.p.35-37
14
Por último, é ainda de referir a Kisama, região de importantes salinas
e refúgio de escravos em fuga 42 e, ao sul, os potentados Ovimbundu no
planalto de Benguela-Bié 43.
A implantação e dimensão da administração portuguesa na zona
entre Dande e Kwanza e a forma como procurou sobreviver face a este
complexo mapa étnico-político são as questões que nos propomos abordar
no próximo capítulo da Parte I da nossa dissertação.
42
43
Idem, Ibidem, p.37
Idem, Ibidem, p.28
15
Capítulo II- O Reino de Angola em Meados do Século
XVIII
Na sequência dos contactos estabelecidos com o reino do Kongo em
finais do século XV 44, os portugueses, mais concretamente os habitantes
de São Tomé e Príncipe, começaram a frequentar a costa de Angola à
procura de fornecimentos de escravos 45.
Nesta época, o principal poder da região era um estado Mbundu
conhecido na documentação portuguesa como o reino do Ndongo cujo rei
se intitulava Ngola, encontrando-se situado no interior, no planalto de
Luanda 46. As origens do reino do Ndongo são pouco conhecidas , embora
investigação recente indique que o poder político e espiritual do Ngola
residia no seu controlo de dois bens essenciais ao funcionamento da
economia das populações da região- os depósitos de ferro junto ao rio
Lukala e as rotas do sal da Kisama 47.
Os primeiros contactos formais entre Ndongo e Portugal ocorreram
em 1520, em resposta a um apelo do Ngola Inene Kiluanji, feito através do
rei do Kongo, solicitando o envio de missionários cristãos 48.
Com o propósito de divulgar o cristianismo junto do Ngola e seu
povo, foram enviados os emissários Manuel Pacheco e Baltasar de Castro.
Contudo, pouco se sabe do resultado desta primeira missão oficial
portuguesa no Ndongo 49.
44
As caravelas portuguesas chegaram ao estuário do rio Zaire por volta de Maio de 1483, Jill Dias, " As
primeiras penetrações portuguesas em Africa " in Portugal no Mundo, Volume I, Lisboa, Alfa, 1989,
p.p.281-298
45
Jean-Luc Vellut, Questions Speciales d Histoire de L Afrique, Université Nationale du Zaire- Campus
de Lubumbashi, Faculté des Lettres- Département d Histoire, 1972-1973, p.p.57-65
46
David Birmingham, Central Africa to 1870, Cambridge, Cambridge University Press, 1981, p.p.24-39
47
Jill Dias, " As primeiras penetrações portuguesas em Africa " in Portugal no Mundo, Volume I, Lisboa,
Alfa, 1989, p.p.281-298
48
Idem, Ibidem, p.p.281-298
49
Monumenta Missionária Africana, I Série- Africa Ocidental ( 1570-1599 ), Volume I, Regimento de
Manuel Pacheco e Baltasar de Castro, 16 de Fevereiro de 1520, p.p.431-440
16
Entretanto, os habitantes de São Tomé e Príncipe tinham
intensificado os seus contactos com o Ngola, desenvolvendo-se o tráfico de
escravos para aquele arquipélago, à revelia do coroa 50.
Em 1559 parte de Lisboa uma nova expedição comandada por Paulo
Dias de Novais, talvez com a finalidade de negociar com o Ngola uma
maior participação da metrópole neste tráfico com o Ndongo. Esta segunda
missão acabou por falhar devido à hostilidade do novo Ngola, Ndambi, que
entretanto tinha ascendido ao poder, terminando uma fase, relativamente
pacífica, de actividade portuguesa em território angolano 51. Quando Paulo
Dias de Novais regressou ao Kwanza em 1575 foi como donatário de uma
faixa de território junto ao litoral, dando início a uma política
completamente nova em relação à Africa Ocidental a sul do Equador. Ao
contrário da presença pacífica no Kongo, voltada para a missionação e para
os contactos diplomáticos, em Angola assistiu-se a uma política de
conquista militar e a uma tentativa de colonização do território 52.
A forte oposição do Ngola à presença dos portugueses teve por
consequência quase um século de conflitos, acabando o reino do Ndongo
por ser derrotado na década de 1670 53 . Os portugueses preservaram o
nome " Ngola " para designar a região conquistada que passou a ser
conhecida por " reino de Angola " ( uma corruptela de Ngola ) ou ainda por
" colónia de Angola " 54.
50
Jill Dias, " As primeiras penetrações portuguesas em Africa " in Portugal no Mundo, Volume I, Lisboa,
Alfa, 1989, p.p.281-298
51
Idem, Ibidem, p.p.281-298
52
A carta de doação outorgada a Paulo Dias de Novais pelo rei D.Sebastião em 1571 é clara quanto ao
seu principal objectivo: " D.Sebastião etc Aos que esta minha carta virem faço saber que vedo e
conssiderando em quanto couem a seruiço de Noso Senhor e tão bem ao meu mandar sogeitar e
conquistar o Reyno d Angola " in Monumenta Missionária Africana, I Série- Africa Ocidental ( 15701599 ), Volume III, p.36. É feita a Paulo Dias de Novais uma doação irrevogável de 35 léguas de terra "
na costa do dito Reyno de Angola que começará no rio Quanza e agoas vertentes a elle pera o sul e etrara
pella terra dentro quanto poderem entrar e for de minha conquista, da qual terra pella dita demarcação lhe
asj faço doação e merce de juro e d erdade pera todo o sempre como dito he ", Idem, Ibidem, p.37
53
Jill Dias, Africa. Nas vésperas do mundo moderno, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses, 1992, p.121. Os portugueses só conseguiram derrotar o reino do
Ndongo devido à aliança estabelecida com os povos Imbangala; sobre este assunto ver Joseph Miller, "
The Imbangala and the chronology of early Central African history " in The Journal of African History,
Volume 13, nº4, 1972, p.p.549-74
54
José Carlos Venâncio, A economia de Luanda e hinterland no século XVIII- Um estudo de etnologia
histórica, Lisboa, 1985, p.p.21-22
17
A) A Administração do Espaço Sob Domínio Português
Em meados do século XVIII, o território angolano que estava sob
administração portuguesa compreendia duas zonas. A primeira estava
delimitada a norte pelo rio Dande, a sul pelo Kwanza, a leste pelo Lukala e
a oeste pelo oceano Atlântico. A segunda era a zona de Benguela.
Nesta extensão territorial a afirmação do poder político português era
extremamente precária permitindo que até ao século XIX coexistissem
várias soberanias. A portuguesa, confinada ao litoral e a alguns presídios no
interior, a de diversos potentados localizados fora do reino de Angola e, por
vezes, hostis ao governo de Luanda e a dos sobados, que reconhecendo o
governador português, não permitiam que a sua autoridade se exercesse nos
seus domínios 55. Em suma, apenas uma diminuta parcela do território se
podia considerar sob jurisdição portuguesa visto que às portas de Luanda e
junto aos presídios que circundavam o Kwanza, o domínio era já precário.
Apesar desta difícil situação, a manutenção de Angola justificou-se no
facto de o tráfico de escravos ter constituído, desde o início da presença
portuguesa no território, o fulcro da sua vida económica em estreita ligação
com a economia do Brasil. Enquanto fornecedor de mão-de-obre escrava,
sustentáculo da economia brasileira dos séculos XVII e XVIII, Angola,
assim como outros domínios da costa ocidental africana, foi considerado,
na perspectiva da coroa portuguesa, um espaço vital orientado para o
desenvolvimento de uma política colonial atlântica protagonizada pelo
Brasil 56.
55
Carlos Couto, Os capitães-mores em Angola no século XVIII. Subsídio para o estudo da sua actuação,
Luanda, Instituto de Investigação Científica de Angola, 1972, p.103
56
Maria Luísa Esteves, " Para o estudo do tráfico de escravos de Angola ( 1640-1668 ) " in Stvdia, nº50,
1991, p.p.79-95
18
Data de finais do século XVII o início da definição do contorno
administrativo do território angolano que, com ligeiras alterações no século
seguinte, chegou, quase incólume, ao século XIX 57.
Após a fundação da vila de São Paulo de Assumpção de Luanda em
1576, elevada a cidade em 1605 58, seguiu-se a conquista e tentativa de
ocupação do interior orientada por três objectivos: procura de metais
preciosos, nomeadamente prata que se supunha existir no sertão; difusão do
cristianismo, componente essencial em toda a expansão portuguesa; e o
comércio de resgate e tráfico de escravos que depressa assumiu uma
importância primordial 59.
Na convicção de que hipotéticas minas de prata se encontravam na
região de Cambambe, a linha natural da penetração portuguesa no sertão
foi o curso do rio Kwanza 60 . Perante a constatação da inexistência das
minas de prata de Cambambe foi para o tráfico de escravos que se voltaram
as atenções.
A ocupação militar do território e o alargamento do tráfico de
escravos levaram ao aparecimento de povoações e à construção de
fortalezas. Além de Luanda, no litoral, foram surgindo no interior, desde
finais do século XVI até meados do século XVIII alguns presídios que
funcionavam como postos avançados na defesa de Luanda e seu hinterland
61
.
Se a doação a Paulo Dias de Novais, feita nos termos das cartas de
doação das capitanias brasileiras, representou uma primeira tentativa de
delimitação do território, do seu reconhecimento e da exploração dos seus
recursos naturais, foi a chegada, em 1592, do primeiro governador-geral
que marcou, de facto, o início de uma política colonizadora assumindo-se a
metrópole como orientadora exclusiva e única entidade financeira do
57
Carlos Couto, Ob.Cit., p.103
José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.21-22
59
Carlos Couto, Ob.Cit., p.104
60
Carlos Couto, Ob.Cit., p.104
61
Carlos Couto, Ob.Cit., p.104
58
19
processo de conquista militar, processo que se prolongou até finais do
século XVII 62.
A mesma situação observava-se no século XVIII. O governo e
administração do reino de Angola estavam integralmente nas mãos da
coroa, representada no terreno pelo governador e capitão-general, nomeado
pelo rei por um período de 3 anos 63.
Ao embarcarem para Angola, os governadores levavam o seu "
regimento ", documento onde constavam os pontos fundamentais a ter em
conta no exercício das suas funções 64.
O regimento do governo-geral de Angola passado em 26 de Março
de 1607 ao governador então nomeado, Manuel Pereira Forjaz, teria sido,
porventura, o primeiro organizado em moldes gerais dele constando
instruções esclarecedoras da administração pública e da evolução territorial
de Angola no início do século XVII 65 . No regimento do governo de
Angola outorgado a Aires de Saldanha de Meneses em 1676 encontra-se
definida a jurisdição atribuída ao governador enquanto primeiro magistrado
do território que se apresenta válida para o século XVIII. No capítulo 43º,
ao determinar-se a sua alçada no foro civil e judicial, são-lhe concedidos
amplos poderes: " Hey por bem que em quanto servirdes o dito governo
tenhães jurisdição no civel e no crime em toda a gente moradora e estante
nese reyno e em toda a mais que a elle for (...) e nos cazos crimes vos e o
dito ouvidor geral tereis jurisdição ate morte natural incluzive asim nos
portugueses como christãos da terra, escravos e gentios em todos os cazos,
asim para absolver como para condenar sem apelação e agravo (...) " 66.
Era-lhes confiado o governo civil e militar do território assim como a
presidência da Junta da Fazenda e da Junta Criminal , instituições criadas
62
Ralph Delgado, História de Angola, s.l., Edição do Banco de Angola, s.d., Volume I, p.p.356-57
Marcelo Caetano, " As reformas pombalinas e post-pombalinas respeitantes ao Ultramar. O novo
espírito em que são concebidas " in História da Expansão Portuguesa no Mundo, Volume III, Lisboa,
Ática, 1940, p.p.251-260
64
Carlos Couto, Ob.Cit., p.p.170-71
65
Ralph Delgado, Ob.Cit., Volume II, p.11
66
A.H.U., Angola, Códice 544, fl.1-28 v- Regimento do governo de Angola dado a Aires de Saldanha de
Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, capítulo 43º
63
20
no âmbito das reformas pombalinas introduzidas para o Brasil e Angola
com o objectivo de administrar a fazenda pública e a justiça com maior
eficácia 67.
A " Junta da Fazenda Real do Reino de Angola " foi estabelecida por
carta régia de 18 de Novembro de 1761 68. Era presidida pelo governador
assistido pelo ouvidor que assumia o cargo de provedor da fazenda e do
juiz de fora como procurador 69 . Contava ainda com a presença de um
tesoureiro e de um feitor, ambos nomeados por três anos 70, sendo o feitor
ajudado por um escrivão que tinha também o cargo de marcador de
escravos 71.
Por carta régia de 17 de Novembro de 1761 e na sequência da
resolução aprovando a passagem das naus da India pelo porto de Luanda
foi criada uma alfândega para despachar as mercadorias descarregadas por
essas naus, com um escrivão e um tesoureiro 72.
A " Junta Criminal do Reino de Angola " foi instituída por carta
régia de 14 de Novembro de 1761 73.Presidida pelo governador e composta
pelo ouvidor, juiz de fora, coronel, tenente-coronel e sargento-mor do
regimento da guarnição de Luanda, visava resolver as questões judiciais
dessa comarca proferindo e executando sumariamente as sentenças,
inclusivé a pena de morte 74.
O ouvidor-geral era, logo a seguir ao governador e capitão-general, a
magistratura mais importante da colónia 75. Dispunha das atribuições que
67
Marcelo Caetano, Ob.Cit., p.p.251-260
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 16- Ofício do governador Sousa Coutinho de 7 de Fevereiro de
1770
69
A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 76- Carta régia para o governador António de Vasconcelos de
18 de Novembro de 1761
70
Idem, Ibidem
71
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 34- Carta do ouvidor e corregedor da comarca de Luanda de 5
de Setembro de 1764
72
A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 5- Ofício do governador António de Vasconcelos de 3 de Abril
de 1762
73
A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 74- Carta régia para o governador António de Vasconcelos de
14 de Novembro de 1761
74
Idem, Ibidem
75
Carlos Couto, Ob.Cit., p.168
68
21
pelas Ordenações competiam aos corregedores 76 e, enquanto representante
do poder real, não podia ser suspenso das suas funções pelo governador.
Essa prerrogativa era sómente apanágio do soberano 77.
Numa época em que o munícipio levava uma existência apagada na
metrópole, as câmaras municipais das possessões ultramarinas
desempenhavam um papel relevante na sua administração e vida social 78.
A Câmara Municipal de Luanda teria sido fundada na sequência do
estabelecimento de Paulo Dias de Novais no local onde fundou Sâo Paulo
de Assumpção de Luanda em 1576 79. O conjunto de oficiais da Câmara
compreendia 3 vereadores, 2 juízes ordinários e um procurador. Como
oficiais subordinados tinha um secretário e um almotacé 80.
Por decreto real de 28 de Setembro de 1662, a Câmara Municipal de
Luanda viu ser-lhe atribuído o conjunto de privilégios da cidade do Porto,
em reconhecimento do auxílio prestado durante a ocupação holandesa de
Luanda e retirada para Massangano 81.
Como orgão de poder, a Câmara tinha sempre uma palavra a dizer no
que tocava ao governo de Angola. Era chamada a dar o seu parecer junto
do governador em determinadas alturas como, por exemplo, na declaração
de guerra ou de paz ao rei do Kongo 82. Por vezes podia contribuir para a
deposição do governador e assumir o governo do território, tendo
acontecido nos anos de 1667 a 1669 83.
76
A.H.U., Angola, Caixa 46, documento 4- Treslado do regimento do ouvidor-geral do reino de Angola
de 23 de Junho de 1651, Capítulo 11º: " Tirareis as devassas que os corregedores das comarcas sam
obrigados a tirar por bem das ordenações "; Capítulo 13º " cartas de seguro e alvaras de fiança podereis
passar (...) nos cazos em que os corregedores das comarcas as passam "; Capítulo 14º " Fareis as
audiencias que sam obrigados a fazer os corregedores das comarcas "; e Capítulo 15º " levareis as
asignaturas que podem levar os corregedores das comarcas ".
77
Idem, Ibidem, Capítulo 24º " Nam podera o dito governador tirar vos nem suspender vos do dito cargo
em quanto eu nam mandar o contrario ".
78
Marcelo Caetano, Ob.Cit., p.p.251-260
79
C.R.Boxer, " The Municipal Council of Luanda " in Portuguese Society in the Tropics ( 1510-1800 ),
Madison, The University of Wisconsin Press, 1965, p.p.110-140
80
C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140
81
C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140
82
C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140
83
C.R.Boxer, Ob.Cit., p.p.110-140
22
As funções de presidente do Senado da Câmara Municipal de
Luanda pertenciam ao ouvidor-geral. Assim foi determinado pelo rei em 14
de Março de 1706, talvez com a finalidade de evitar conflitos de poderes 84.
Contudo, em 1721, por decisão do monarca, a presidência do Senado
da Câmara passa para as mãos de um novo magistrado- o juiz-de-fora, em
detrimento do ouvidor-geral 85 . Tal deu lugar à existência de conflitos
jurisdicionais entre as duas autoridades.
É uma realidade que se observa em meados do século XVIII, numa
altura em que o problema girava em torno de se saber a quem cabia a
fiscalização da vida económica do município. Entendia o Senado da
Câmara que se ao ouvidor-geral competia a administração da justiça, à
Câmara devia pertencer, em exclusivo, essa alçada 86.
Tendo a colónia de Angola por origem a conquista , o seu governo
era essencialmente militar. Os governadores eram, normalmente,
recrutados entre a nobreza militar portuguesa.
A fragilidade do poder português face ao mundo africano, uma
constante ao longo do século XVIII, fez com que a componente militar
assumisse especial importância apesar das dificuldades que sempre
afectaram o frágil e pouco numeroso contigente de Luanda. Por finais do
século XVIII, Elias Alexandre da Silva Correia, um sargento-mor de
infantaria do Rio de Janeiro, encontrando-se em Luanda afirmava acerca
desta questão: " Em nenhuma parte do mundo portugues he mais necessaria
a milicia do que em Angola (...) para punir as rebeldias dos certoes, os
84
A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 84 de 1762. Já o regimento do ouvidor-geral do reino de Angola
previa tal situação no capítulo 26º " E informar vos heis da maneira em que se governam as cameras e se
fazem as eleições dos oficiais dellas e outras mais causas que convem ao seu bom governo ", A.H.U.,
Angola, Caixa 46, documento 4- Treslado do regimento do ouvidor-geral do reino de Angola de 23 de
Junho de 1651.
85
Carlos Couto, Ob.Cit., p.169
86
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 25- Carta do juiz-de-fora João Delgado Xavier de 1 de
Dezembro de 1764 e documento 39- Carta do juiz-de-fora João Delgado Xavier de 27 de Novembro de
1764.
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 3- Carta do ouvidor e corregedor Manuel Pinto da Cunha e Sousa
de 2 de Janeiro de 1765.
23
inquietadores da republica, os latrocinios das estradas e a insobordinação
dos Potentados " 87.
A guarnição da cidade de Luanda era formada por um regimento de
infantaria com 361 praças; uma companhia de artilharia com 61 e duas
companhias de cavalaria, ao todo com 105 praças 88. Quanto a Benguela, a
sua guarnição era composta por uma companhia de infantaria com 130
praças e uma de artilharia com 30 89.
Em relação a Luanda, segundo um documento da época, nos seus 4
corpos havia " 157 soldados e oficiaes brancos naturaes de Portugal, e da
mesma cor 48 naturaes das ilhas dos Asores e Madeira e asim mais 68
deste reyno de Angola e de America 15. Nelle se ve ter 174 praças de
mulatos naturaes de Angola e da mesma cor 3 de Portugal e 18 americanos;
44 de negros naturaes deste reyno " 90.
O maior número de soldados de origem africana devia-se ao facto de
os europeus sentirem grande dificuldade na sua adaptação ao clima de
Angola. Grande parte dos efectivos europeus morria ao fim de pouco
tempo de permanência no local 91.
Referimos, em linhas anteriores, a existência dos presídios no
interior do território, funcionando como postos avançados na defesa de
Luanda e do seu hinterland.
Seguindo o curso do rio Kwanza encontram-se os presídios de
Massangano ( fundado em 1583 ), Muxima ( fundado em 1599 ),
87
História de Angola dedicada a Sua Alteza Serenissima o Príncipe Regente Nosso Senhor por Elias
Alexandre da Silva Correia, cavaleiro professo na ordem de Christo sargento mor de infantaria de milicias
na capital do Rio de Janeiro 1782, Volume I, Lisboa, Colecção dos Clássicos de Expansão Portuguesa no
Mundo, 1937, p.p.69-74
88
A.H.U., Angola, Caixa 41, documento 23- Ofício do governador D.António Alvares da Cunha de 17 de
Março de 1757
89
BN, Reservados, Códice 8742, fl.218 v -219- Portaria do governador D.Francisco de Sousa Coutinho
de 30 de Agosto de 1767
90
A.H.U., Angola, Caixa 41, documento 23- Ofício do governador D.António Alvares da Cunha de 17 de
Março de 1757
91
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.p.69-74
24
Cambambe ( 1604 ), Mbaka ( 1614 ) e Pedras de Pungo-a-Ndongo ( 1671 )
92
. A sul do Kwanza existiam os presídios de São Filipe de Benguela (
fundado em 1617 ) e o de Caconda ( 1682 ) 93. No século XVIII, foram
fundados mais dois presídios: São José de Encoje em 1759, com vista á
protecção do comércio dos portugueses na região e o de Novo Redondo em
1769, na foz do rio Gunza, para tentar combater o contrabando estrangeiro
no litoral 94. Além da função defensiva, os presídios desempenhavam outra
importante função, a de captação dos circuitos do tráfico de escravos do
interior africano. Assim, junto a cada presídio encontrava-se uma feira
95
.Todos os presídios eram guarnecidos por uma força militar sob comando
de um capitão-mor.
Em 1773, o então governador e capitão-general, D.António de
Lencastre, num ofício para o reino, fornece uma descrição daquilo que
consistia a realidade dos presídios: " os taes presidios não consistem mais
que em huns pequenos recintos levantados de terra e faxina (...) As
guarnições que os defendem he toda de naturaes (...) sofrendo nas horas de
sentinella hum cruel tormento dos inumeraveis mosquitos que os ferem e
que so o custume pode soportar sem desesperação. Estas guarnições não
estão nunca em numero certo pellas continuas mortes e deserções " 96.
À frente de cada presídio encontrava-se, portanto, um capitão-mor,
em representação da autoridade do governador. De nomeação régia, os
capitães-mores eram escolhidos em Lisboa pelo Conselho Ultramarino
depois de este analisar as propostas do governador, propostas essas que
deviam recair nos " oficiaes das tropas pagas e regulares do reino de
Angola, em premio dos seus serviços ou em atenção aos merecimentos que
tiverem " 97.
92
Carlos Couto, Ob.Cit., p.105
Carlos Couto, Ob.Cit., p.105
94
Carlos Couto, Ob.Cit., p.105
95
Elias Aexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.p.24-26
96
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 57- Ofício do governador D.António de Lencastre de 31 de
Março de 1773
97
A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 77- Determinação régia sobre o provimento das capitanias
mores de 19 de Novembro de 1761
93
25
É de salientar que os capitães-mores encontravam-se, geralmente,
entre os naturais de Angola, designadamente entre os Luso-Africanos 98,
escolhidos entre os moradores e " filhos da terra ", dado que eram esses os
que detinham a capacidade de melhor se adaptar ao meio onde iriam
exercer as suas funções, de mais facilmente garantir a completa comissão
trienal e de terem um conhecimento mais profundo das populações com as
quais iriam contactar 99 . Além do capitão-mor, existiam 3 oficiais
subalternos: um tenente, um alferes e um ajudante 100.
As guarnições dos presídios estariam asseguradas, segundo Elias
Alexandre da Silva Correia, por " hua companhia de 60 soldados (...) huns
homens paizanos retidos pelos soldos que a fazenda real lhes destribue em
fazendas para os contar em soldados quando se revestem da libre militar
em occazioes de deligencias do serviso ou do auxilio aos negros em tempo
de guerra " 101.
O espaço que designamos por colónia de Angola, conhecido em
Lisboa por " reino de Angola e suas conquistas " 102, só começou a ver
definido o seu contorno geográfico e administrativo em finais do século
XVII. No século seguinte, a sua situação não se afigurava fácil.
Praticamente confinado à cidade de Luanda, o governador e capitãogeneral dificilmente conseguia fazer sentir a sua influência fora de Luanda
103
. E nos presídios, em teoria uma guarda-avançada na defesa do território,
o poder do capitão-mor não ia muito além dos pequenos redutos que os
constituiam, diluindo-se no meio dos poderes e instituições africanas.
98
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.245 e seguintes
99
Carlos Couto, Ob.Cit., p.60
100
A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 82- Ofício do governador António de Vasconcelos de 15 de
Novembro de 1762
101
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., p.p.69-74
102
Até 1876, ano em que por decreto de 7 de Dezembro se estabeleceu o governo-geral de Angola, a
designação do espaço que compreendia a colónia era " reino de Angola e suas conquistas " e " reino de
Benguela e suas conquistas ", Carlos Couto, Ob.Cit., p.p.116-117
103
Joseph Miller, " The significance of drought, disease and famine in the agriculturally marginal zones
of west central Africa " in The Journal of African History, Volume 23, nº1, 1982, p.p.17-61
26
B) A Conjuntura Económica: O Tráfico de Escravos
Numa conjuntura marcada por problemas económicos no reino, pelo
declínio do ouro do Brasil e pela crescente concorrência no Atlântico sul, o
ministro do rei D.José, Sebastião de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras,
procurou executar uma política económica visando proteger o comércio
ultramarino e o desenvolvimento industrial do reino.
A filosofia económica do Conde de Oeiras assentava no privilégio e
no exclusivo denotando uma nítida orientação mercantilista. Assim, foram
instituídas companhias monopolistas com a finalidade de dominar
importantes ramos da economia portuguesa: o comércio colonial, os vinhos
do Alto Douro e a indústria dos lanifícios 104.
Na tentativa de fomentar outras produções no Brasil substituindo as
exportações de ouro, em declínio nesta época e com a finalidade de
salvaguardar aquele território da concorrência estrangeira e do
contrabando, foram criadas em 1755 e 1759, respectivamente, as
companhias monopolistas do Grâo-Pará e Maranhão e de Pernambuco e
Paraíba 105.
Apesar de ser encarada como uma zona importante do império
português, Angola, tal como os outros domínios africanos, desempenhou
um papel secundário no conjunto da política colonial do Conde de Oeiras.
Contudo, e enquanto fornecedores de mão-de-obra escrava para o Brasil
foram alvo de alguma atenção por parte de Carvalho e Melo que, em 1769,
manifestava uma posição clara relativamente à importância desses
territórios vitais para a economia brasileira: " Para se comprehenderem os
interesses que a Monarchia de Portugal tem na conservação dos Dominios
da Africa; basta fazer se huma pequena reflexão na fysica impossibilidade,
que haveria de se conservar o Brazil, logo que huma vez viessem a faltar os
104
Jorge Borges de Macedo, A situação económica no tempo de Pombal, 2ª edição, Lisboa, Moraes,
1982, p.p.47 e 58 ( 1ª edição- 1950 )
105
António Carreira, As companhias pombalinas de Grão-Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba,
Lisboa, Presença, 1983
27
referidos Dominios: Vendo se claramente que com elles faltariam ao
mesmo tempo os Negros, sem cujo sucessivo transporte cessariam os
trabalhos das Minas dos diamantes e do ouro (...) cessaria toda a
Agricultura, cessariam todas as fábricas dos Engenhos de Assucar;
cessariam os enrolamentos de tabacos, cessariam as matanças de gados
silvestres e os curtumes dos couros; cessariam as serranias das preciozas
madeiras do Brazil (...) " 106.
Desde a sua chegada a Angola os portugueses estabeleceram um
relacionamento com as sociedades africanas dominado pelo tráfico de
escravos em sintonia com o crescente desenvolvimento das plantações de
açúcar no Brasil.
Ao conseguirem estabelecer laços económicos com o mundo
africano, os portugueses contribuíram para aquilo que Jean-Luc Vellut
designou " uma especialização do papel de Angola " fazendo deste pequeno
território um " pólo catalisador " de um comércio de longa distância que
tinha por base a circulação de homens ( escravos ) e bens de prestígio (
panos, metais, sal, etc ) por via de uma complexa teia de dependências,
clientelas e vassalagens, realidades que estruturavam as sociedades
africanas 107.
Angola funcionava, portanto, como pólo de um comércio de longa
distância, alicerçado no sistema de trocas ( pessoas versus bens de prestígio
), intrínseco das sociedades africanas 108, tendo conseguido chamar a si os
106
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 90- Introdução Previa ou Demonstração da ruina em que se
acha o Reino de Angola de Julho de 1769
107
Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.65-70
108
Desde os primeiros contactos com a economia atlântica que os povos africanos demonstraram grande
interesse em possuir bens de origem europeia, americana ou asiática. Entre eles temos de mencionar os
três principais: têxteis, álcool e armas de fogo. Para os chefes africanos afigurava-se de extrema
importância o acesso a esses bens dado que eram tidos e interpretados como símbolos de poder. A sua
posse implicava a possibilidade de atrair e adquirir mais dependentes, aumentando o seu séquito e, por
consequência, o seu poder. O desenvolvimento do tráfico atlântico veio inflacionar, de forma brutal, este
processo: da parte do mundo africano a procura aumentou em flecha dado que, com vista à obtenção
desses bens, vendiam mais homens, mulheres e crianças, " mercadoria " cada vez mais procurada por
parte dos europeus em ligação com a economia do Atlântico sul. É um assunto desenvolvido por Joseph
Miller, Way of Death.Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison, Wisconsin
University Press, 1988, Capítulo 3º Foreign imports and their uses in the political economy of Western
Central Africa, p.p.71-104
28
circuitos de escravos do interior africano, orientando-os na direcção da
economia do Atlântico sul 109.
Em aparente " contradição " com a crescente monopolização da
economia do reino, em relação a Angola foram os princípios do comércio
livre que regularam a política económica do Conde de Oeiras 110.
Devemos salientar que a faculdade de adquirir escravos livremente
no sertão foi uma realidade que marcou os primeiros 100 anos de presença
portuguesa em Angola. Como recompensa de feitos militares ou a título de
compensação por falta de remunerações, os governadores e outros
funcionários administrativos, assim como soldados e missionários podiam
livremente adquirir e exportar escravos, sustentando desta forma o fluxo de
mão-de-obra para as plantações do Novo Mundo 111.
Obviamente, a coroa portuguesa procurou chamar a si este lucrativo
negócio. Tal concretizou-se em 1674 , numa altura em que já tinham
terminado os conflitos com o reino do Ndongo, com a instituição do "
contrato dos direitos dos escravos e marfim do reino de Angola ",
submetento a exploração do tráfico a um regime monopolista 112.
Contudo, no século XVIII, foram os princípios do comércio livre a
regular a política económica do Conde de Oeiras para Angola, servindo, na
prática, para condenar e abolir o sistema monopolista do contrato 113.
As doutrinas da liberdade de comércio tiveram a sua expressão mais
acentuada no Alvará de 11 de Janeiro de 1758 que decretou livre o
comércio do sertão 114. Se, por um lado, a liberalização do comércio visou
destruir a influência dos contratadores levando à abolição do " contrato "
109
Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.65-70
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.p.571-573
111
Carlos Couto, Ob.Cit., p.194
112
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.p.555-556
113
Idem, Ibidem, p.p.571-573
114
Idem, Ibidem, p.p.573-579
110
29
em 1769 115 ; por outro, esteve intimamente ligada com a abertura do
comércio do sertão apenas a determinadas entidades que, na prática,
acabaram por controlar, quase em exclusivo, o tráfico. Essas entidades
eram as companhias de Pernambuco e Maranhão criadas pelo Conde de
Oeiras com o objectivo de facilitar o fornecimento daquelas regiões em
escravos 116.
A actuação destas novas entidades, a par da progressiva liberalização
do acesso ao comércio do sertão impuseram a adopção de medidas
fiscalizadoras tendentes a evitar um aumento das dívidas inerentes ao
sistema de crédito sobre o qual assentavam as expedições ao interior para
obtenção dos escravos, e também evitar uma subida dos preços dos
escravos 117.
Ao contrário da zona do golfo da Guiné onde a aquisição de escravos
funcionava em feitorias no litoral, não havendo contactos muito para além
desse espaço, em Angola, os mecanismos do tráfico penetravam
profundamente no interior. Os mercadores estabelecidos em Luanda
forneciam aos seus agentes ou aviados as mercadorias necessárias para a
compra de escravos ( geralmente panos, álcool e armas de fogo ). Na posse
destas mercadorias, os agentes partiam para o sertão na direcção dos locais
onde os representantes dos sobas e potentados reuniam os escravos. Esses
locais onde se davam as transacções eram as feiras que funcionavam,
geralmente, junto dos presídios. O funcionamento destas feiras comportava
não só a existência de mercados propriamente ditos, mas também armazéns
da fazenda real entregues à administração de um almoxarife, onde as
mercadorias ficavam depositadas. Além do almoxarife, havia um escrivão a
quem competia a escrituração do movimento da feira 118.
115
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 24- Decreto de abolição do contrato dos direitos dos escravos e
marfim do reino de Angola de 5 de Agosto de 1769
116
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.p.573-579
117
Idem, Ibidem, p.p.581-590
118
Carlos Couto, Ob.Cit., p.216
30
As feiras tinham, essencialmente, três finalidades: assegurar o
fornecimento de escravos aos mercadores de Luanda, evitar que os
escravos fossem desviados para a concorrência inglesa e francesa junto ao
litoral norte de Luanda; regularizar o comércio e impedir o aumento
drástico de dívidas relacionadas com o sistema de crédito 119 . Além das
feiras situadas na região Luso-Africana junto aos presídios, existiam outras
feiras fora desse espaço também frequentadas pelos agentes de Luanda.
Eram as feiras de Kasanje, Holo, Calandula e Bembe 120.
Representando uma reorientação no sentido do Atlântico sul de um
comércio profundamente enraízado nas sociedades africanas, o tráfico de
escravos revelou-se um processo cuja dinâmica foi estimulada e
inflacionada pela presença portuguesa no litoral em sintonia com os
interesses do mundo africano. Foi o meio de fazer chegar em quantidades
elevadas produtos muito desejados pelas hierarquias africanas; para Luanda
e para a região Luso-Africana foi o meio de subsistir, enquanto suporte da
economia brasileira, e de ir consolidando, muito lentamente, o seu poder e
influência.
C) A Sociedade
Referimos em alíneas anteriores qual a zona que estava dependente
administrativamente da cidade de São Paulo de Assumpção de Luanda.
Circunscrita a um espaço delimitado a norte pelo rio Dande, a sul pelo
Kwanza e a leste pelo rio Lukala, esta zona era habitada por grupos
populacionais bastante heterogéneos.
Os habitantes africanos desta área eram os Mbundu de língua
KiMbundu com zonas de sobreposição com os grupos linguísticos
119
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.p.581-590
120
Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.84-85
31
vizinhos:Kongo, a norte; Lunda, a leste e Ovimbundu, a sul 121. Estavam
organizados em comunidades rurais constituindo chefados de base
territorial, também designados por sobados, variando de dimensão e poder
122
.
Data de 1777 o primeiro levantamento populacional dos sobados 123
que se teria revelado um processo algo díficil, não só devido à falta de
párocos nessas regiões que pudessem dar com alguma exactidão o número
dos seus habitantes, como devido à desconfiança dos sobas, mostrando
receio de que o governo pretendesse, com a iniciativa, retirar-lhes alguns
dos seus filhos 124 . E, à guisa de balanço, o governador D.António de
Lencastre, responsável pela iniciativa, afirmava, em ofício para o reino "
porem eu o não dou por certo nem certifico a Sua Magestade a sua exação "
125
. De acordo com o levantamento, existiam na área de administração
portuguesa, em 1777, " 1581 brancos, 3.546 pardos forros, 497 pardos
escravos, 426.153 pretos forros e 42.340 pretos escravos " num total de
474.117 habitantes 126.
A população de Luanda era constituída por 3 grupos de habitantes:
portugueses, luso-africanos e africanos.
Em Março de 1773, o governador D.António de Lencastre remetia,
junto com um ofício para o reino, um mapa da população de Luanda 127.
Por este documento pode-se constatar que o total da população de Luanda,
121
Jill Dias, " Uma questão de identidade: Respostas intelectuais às transformações económicas no seio
da élite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930 " in Revista Internacional de Estudos Africanos,
I, Janeiro-Junho, 1984, p.p.61-93
122
Idem, Ibidem, p.63
123
O levantamento da população dos sobados feito em 1777 durante o governo de D.António de
Lencastre é o primeiro documento desta natureza que se conhece. Em ofício para o reino o próprio
governador salienta o carácter inédito da iniciativa e as dificuldades decorrentes desse processo: " Não me
foi possivel ate hoje poder cumprir a minha obrigação com a remessa do mapa de todos os moradores e
habitantes deste reyno conforme a ordem de S.M. por que a longetude destes certoes e a desconfiança em
que pos a todo o gentio esta novidade ", A.H.U., Angola, Caixa 61, documento 81- Ofício do governador
D.António de Lencastre de 15 de Julho de 1778
124
Idem, Ibidem
125
Idem, Ibidem
126
Idem, Ibidem
127
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 34- " Mappa das pessoas que rezidem nesta cidade de São
Paulo de Assumpção Reyno de Angola nas quaes se não compreendem militares " de 31 de Março de
1773
32
compreendendo as suas freguesias Sé e Nossa Senhora dos Remédios,
somava 536 habitantes ( 251 europeus, 138 luso-africanos e 147 africanos
). A este número acrescenta-se 983 escravos pertencentes a esses habitantes
128
.
Entre os portugueses temos de incluir, além dos portugueses
continentais, os madeirenses e açorianos, assim como brasileiros 129 . A
elevada mortalidade entre estes era uma realidade constatada pelo
governador D.António de Lencastre, ao enviar para o reino o mapa da
população de Luanda: " pelo que respeita aos habitantes brancos creya
V.Exª não ser necessario ver se pelos livros das freguesias por que elles são
tão poucos e todos conhecidos que em breve espaço se numerão sem faltar
hum. O peor he que depois de se me dar estas relações ja alguns incluzos
nellas passarão a outra vida, e quando ellas chegarem as maos de V.Exª tera
sucedido o mesmo a varios mais, por que este voraz sorvedouro nunca se
farta de ingolir gente " 130.
Os africanos, na sua maioria escravos, eram o grupo populacional
mais representado entre a população luandense de setecentos 131.
Quanto aos luso-africanos terão sido o grupo que melhor identificou
e caracterizou a colónia de Angola em meados do século XVIII. As suas
raízes remontavam aos laços estabelecidos entre os primeiros colonizadores
portugueses e mulheres africanas 132 . Ao longo do século XVII, foram
chegando a Luanda membros do exército e da administração colonial que
se uniam às mulheres locais. Dessas uniões nasceram crianças mestiças
que, crescendo na colónia portuguesa sem perder o elo com a cultura
128
Idem, Ibidem, Tal como o próprio mapa indica não foram incluídos os militares que compunham a
guarnição de Luanda. O número de habitantes de Luanda seria, portanto, um pouco mais elevado.
129
José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.62-70
130
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 34- Ofício de D.António de Lencastre de 31 de Março de 1773.
Sobre o mesmo assunto ver Joseph Miller, " The significance of drough, disease and famine in the
agriculturally marginal zones of west central Africa " in The Journal of African History, Volume 23, nº1,
1982, p.p.17-61
131
José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.62-70
132
Jill Dias, " Uma questão de identidade: respostas intelectuais às transformações económicas no seio da
élite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930 " in Revista Internacional de Estudos Africanos, I,
Janeiro-Junho, 1984, p.63
33
africana, se tornaram figuras importantes no espaço sob domínio português
133
. Estas famílias mestiças formadas no século XVII constituem o núcleoduro do grupo dos luso-africanos. A eles foi-se juntando um fluxo
constante de imigração masculina de Portugal continental, ilhas Atlânticas
e Brasil que se estabeleciam como comerciantes de escravos, casavam com
mulheres mestiças e aproveitando-se das conexões das famílias dessas
mulheres, conseguiam ter acesso aos circuitos de comércio do interior,
constituindo o seu poderio económico e social com base no tráfico de
escravos 134. Os filhos dessas uniões fariam carreira como funcionários da
administração colonial, no exército ou ainda como comerciantes 135.
Além da miscegenação racial, os luso-africanos eram caracterizados
por uma miscegenação cultural. A cultura luso-africana combinava em si
elementos da cultura portuguesa e católica com elementos da cultura
africana 136. Se, por um lado, podiam assumir comportamentos europeus
como o vestir-se à europeia ou falar português, a sua língua materna era o
kiMbundu 137. A par disso, as crenças religiosas dos luso-africanos eram
uma síntese de ritos pagãos e de catolicismo e o seu espaço doméstico e
familiar reflectia uma vivência mais africana do que europeia ( existência
de concubinas cujos filhos podiam ter os mesmos direitos dos da esposa
principal; predominância do kiMbundu, etc ) 138.
A par da conotação racial e cultural, o termo luso-africano
identificava um grupo económico, especializado no tráfico de escravos do
interior para Luanda e Benguela e dos seus portos para o Brasil 139 . As
comunidades luso-africanas encontavam-se em Luanda, Benguela e junto
aos presídios do interior. Massangano foi a primeira concentração de luso-
133
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.p.246-251
134
Idem, Ibidem, p.p.246-251
135
Idem, Ibidem, p.p.246-251
136
Idem, Ibidem, p.p.246-251
137
Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.65-70
138
José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.62-70
139
Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830, Madison,
Wisconsin University Press, 1988, p.p.246-251
34
africanos reconhecida como vila, com câmara municipal, pelos reis de
Portugal em 1676-1677 140.
Podemos referir que a sociedade colonial desta época, em Luanda
como em todo o território sob administração portuguesa, é marcada pela
existência de uma cultura original, a luso-africana, onde elementos sociais
e culturais europeus se diluem na cultura africana. Tal assumiu expressão
mais vincada na questão linguística: o kiMbundu era de uso geral, o
português quase um exclusivo da élite governativa de Luanda apesar de o
governador D.António de Lencastre afirmar, em 1773, de forma algo
utópica, " não ser conveniente que neste reyno se saibão mais lingoas que a
portugueza e latina " 141.
D) O Reino de Angola e o Mundo Africano: Uma
Relação Precária?
Desde finais do século XVI que Angola se tornou oficialmente uma
" conquista " da coroa portuguesa, termo que implicou, na prática, a
existência de uma situação de carácter bélico. Ou seja, desde o seu início
que a presença portuguesa em Angola esteve sempre associada à ideia de
ocupação e conquista desse espaço, ideia que teria tido por origem a forte
oposição manifestada por parte do poder estabelecido na região: o poder
Mbundu do reino do Ndongo.
Finalizadas as campanhas contra o Ndongo que determinaram a sua
queda na década de 1670 e o início da definição do contorno administrativo
da colónia de Angola, que tipo de relacionamento se estabeleceu com os
poderes africanos, nomeadamente com os sobas, chefes das comunidades
rurais Mbundu?
140
Idem, Ibidem, p.p.246-251
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 11- Ofício de D.António de Lencastre de 3 de Fevereiro de
1773
141
35
Os chefados ou sobados, cujo rei, o Ngola, fora derrotado pelo
governo de Luanda foram-se tornando " vassalos " da coroa portuguesa 142.
Tendo em consideração que o termo " vassalo " aplicado à realidade
angolana nos séculos XVII e XVIII estava muito longe daquele que definiu
o relacionamento entre " senhores " e " vassalos " na Europa medieval 143,
qual seria o significado deste termo aplicado à realidade africana daquela
época?
Elias Alexandre da Silva Correia, num testemunho do século XVIII,
afirmava que ser vassalo da coroa portuguesa significava: " Pagar lhe o
tributo de tantas cabeças annoaes. Não levantar armas em seu damno. Não
auxiliar os que se atreverem a isso. Não convocar, aconselhar ou persuadir
alguem para o mesmo efeito. Delatar a tempo qualquer agressor que se
proponha ofender aos portugueses. Prestar lhes todos os socorros. Conserva
los sempre em amizade. Abrir nos seus estados o comercio e protege lo "
144
.
O soba, ao tornar-se vassalo, jurava fidelidade e obediência ao rei de
Portugal, representado pelo governador e capitão-general, por meio de uma
cerimónia, o undamento, através do qual se sujeitava ao cumprimento de
determinadas condições 145. Essas condições compreendiam o pagamento
de um tributo em escravos, a obrigação de não atacar os portugueses mas
sim auxiliá-los em caso de guerra, facilitar o tráfico de escravos nos seus
domínios favorecendo os interesses dos portugueses 146 . O baptismo do
soba e a autorização da entrada de missionários nas suas terras era um
142
Beatrix Heintze, The Angolan vassal tributes of the 17 th century, in Separata da Revista de História
Económica e Social, 6, 1980, p.p.57-78. A incorporação dos sobados na esfera de Luanda foi um processo
lento e gradual, desenrolando-se ao longo dos séculos XVII e XVIII.
143
Beatrix Heintze, " Luso-African feudalism in Angola? The Vassal Treaties of the 16 th to 18 th century
" in Revista Portuguesa de História, Tomo 18, 1980, p.p.111-131. Neste estudo, a autora demonstra que o
uso desta terminologia significou apenas que os portugueses utilizaram os conceitos e categorias que
conheciam- os ocidentais- para tentar definir e compreender a nova realidade que enfrentavam e que o
uso desta terminologia ( na documentação da época ) assente numa comunicação superficial entre dois
mundos distintos entendendo cada um aquilo que os seus conceitos e categorias mentais permitiam,
dificulta e, por vezes, impede ao historiador de hoje a compreensão das instituições políticas africanas a
um nível mais profundo.
144
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61
145
Beatrix Heintze, " Ngonga a Mwiza: um sobado angolano sob domínio português no século XVII " in
Revista Internacional de Estudos Africanos, nº8-9, Janeiro-Dezembro, 1988, p.p.221-234
146
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61
36
aspecto facultativo e utilizado pelo soba como tentativa de obtenção de
maiores vantagens por parte do governo de Luanda 147. Ao juramento do
soba ficavam também vinculados os seus descendentes, isto é, o sucessor
de um soba vassalo que não quisesse ser considerado rebelde tinha de se
sujeitar ao undamento 148 . No entanto, é de salientar que a escolha do
sucessor de um soba continuava a ser da competência dos makota ( anciãos
do grupo ), sem qualquer interferência por parte dos portugueses 149 , da
mesma forma que não havia qualquer tipo de interferência destes dentro do
governo do sobado 150 . Os portugueses, por sua vez, assumiam como
obrigação o auxílio e protecção aos sobas vassalos o que raras vezes se
verificava 151.
Por definição, o ideal seria trazer os sobas à condição de vassalagem
" por meyos brandos, suaves e sem rigor " 152. Porém, a realidade teria sido
algo diferente.
Normalmente, era na sequência de confrontos com as forças do
governo de Luanda que os sobados, em caso de derrota, se tornavam "
vassalos " da coroa portuguesa 153. Deduz-se, portanto, que a vassalagem
era, de um modo geral, compulsiva dado que sobados e potentados só
acabavam por entrar na órbita do governo de Luanda na sequência de uma
derrota militar, isto é, quando não tinham outra alternativa possível 154.
Os sobas continuavam soberanos nas suas terras, mantendo-se
intactas as suas instituições e, na realidade, o governo de Luanda preciava
apenas de obter a garantia de não ver os seus presídios atacados ou as suas
rotas de comércio prejudicadas.
147
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61
Beatrix Heintze, " Ngonga a Mwiza: um sobado angolano sob domínio português no século XVII " in
Revista Internacional de Estudos Africanos, nº8-9, Janeiro-Dezembro, 1988, p.p.221-234
149
Idem, Ibidem, p.p.221-234
150
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61
151
Beatrix Heintze, " Ngonga a Mwiza: um sobado angolano sob domínio português no século XVII " in
Revista Internacional de Estudos Africanos, nº8-9, Janeiro-Dezembro, 1988, p.p.221-234
152
A.H.U., Angola, Códice 544- fl.1-28 v, Regimento do governo de Angola dado a Aires de Saldanha de
Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, Capítulo 10º
153
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume II, p.p.48-61
154
Beatrix Heintze, " Luso-African Feudalism in Angola? The vassal treaties of the 16 th to 18 th century
" in Revista Portuguesa de História, Tomo 18, 1980, p.p.111-131
148
37
O laço estabelecido entre estes dois mundos revelava-se frágil,
sujeito a mudanças conjunturais mesmo dentro do " reino de Angola " onde
o governo de Luanda tinha o seu poder e influência que, na prática, eram
partilhados com as soberanias africanas dada a impossibilidade de a
presença portuguesa se afirmar demográfica e militarmente.
Fora da região luso-africana, o governo de Luanda nunca conseguiu
enfrentar importantes potentados como a Kissama, o Kasanje, o Holo, a
Nzinga-Matamba, o Kongo ou os potentados Ovimbundu. Poder-se-à
afirmar que a questão do relacionamento entre Luanda e o mundo africano,
mesmo dentro das suas fronteiras administrativas, se revela complexa e
carecendo de um estudo aprofundado visto que os elementos possiveis de
análise e reflexão são escassos, daí poder considerar-se um tema em aberto.
38
PARTE II - D. FRANCISCO DE
SOUSA COUTINHO EM
ANGOLA:
Uma Acção Governativa
Condenada ao Fracasso?
39
Capítulo I- D.Francisco de Sousa Coutinho: Notícia
Biográfica
Apesar de a presente dissertação ter como objecto o governo de
Sousa Coutinho em Angola, achámos necessário incluir uma notícia
biográfica sobre este governador.
D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho nasceu a 28 de Dezembro
de 1726 em Vila Viçosa 155, filho segundo de D.Rodrigo de Sousa Coutinho
Castelo Branco e Meneses, vedor da casa real e de D.Maria Antónia de
S.Boaventura Meneses Paim, senhores do morgado de Alva 156.
A sua condição de filho segundo te-lo-ia levado a seguir a carreira
militar, enquanto o seu irmão, D.Vicente Roque de Sousa Coutinho herdou
o morgadio 157. Como militar, D.Francisco de Sousa Coutinho serviu nas
guarnições de Bragança, Miranda, Chaves e Almeida 158 . Foi capitão e
sargento-mor dos Dragões de Chaves e coronel de infantaria e cavalaria da
praça de Almeida 159. Em 1762 servio como coronel de infantaria na guerra
contra a Espanha 160.
Tendo prestado bons serviços nestas campanhas 161, e talvez como
recompensa, Sousa Coutinho foi nomeado, em 17 de Agosto de 1763,
governador e capitão-general do reino de Angola 162, com patente passada a
155
Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Livro de Oiro da Nobreza. Apostilas à Resenha
das Familias Titulares do Reino de Portugal de João Carlos Fêo Cardoso Castelo Branco Torres e Manuel
de Castro Pereira de Mesquita, Volume II, Braga, 1932, p.p.102-103
156
Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103
157
Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume III, p.p.242-243
158
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 31- Carta do governador Sousa Coutinho de 6 de Junho de 1770
159
Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103
160
Gastão de Sousa Dias, D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Administração Pombalina em
Angola, Lisboa, Editorial Cosmos- Cadernos Coloniais, nº27, 1936, p.27
161
É o próprio Sousa Coutinho quem o afirma: " Assim na paz como na guerra não fui ociozo e sempre os
generais com que servi me honrarão e me confiarão diligencias em que tinhão cuidado ", A.H.U., Angola,
Caixa 54, documento 31- Carta de Sousa Coutinho de 6 de Junho de 1770
162
A.H.U., Angola, caixa 47, documento 10- Nomeação de D.Francisco de Sousa Coutinho no cargo de
governador e capitão-general do reino de Angola de 17 de Agosto de 1763
40
6 de Setembro de 1763 163. Em 9 de Setembro desse ano foi-lhe outorgado
o título de " membro do Conselho de Sua Magestade " 164.
Chegou a Luanda no dia 31 de Maio de 1764, tomando posse como
governador e capitão-general do reino de Angola em 6 de Junho 165, cargo
exercido durante 8 anos, até Novembro de 1772 166. Depois da permanência
em Angola foi nomeado embaixador em Madrid 167, onde faleceu em 1781
168
.
Casado com D.Ana Luísa da Silva Teixeira, filha do marechal de
campo e governador das armas de Trás-os-Montes, Domingos Teixeira de
Andrade 169, teve 4 filhos: D.Rodrigo de Sousa Coutinho que se destacou
como ministro do reino, D.José António de Sousa Coutinho, D.Domingos
de Sousa Coutinho, embaixador em Londres e D.Francisco Maurício de
Sousa Coutinho que chegou a governador e capitão-general do Estado do
Pará 170.
A actuação de D.Francisco de Sousa Coutinho como governador de
Angola de 1764 a 1772 é o tema da Parte II da presente dissertação.
Capítulo II- Sousa Coutinho e a Região Luso-Africana
163
A.N.T.T., Chancelaria de D.José, Livro 86, fl.174 v, Patente do governador e capitão-general de
Angola, D.Francisco de Sousa Coutinho de 6 de Setembro de 1763
164
A.N.T.T., Chancelaria de D.José, Livro 86, fl.175, Carta do Título do Conselho de Sua Magestade de 9
de Setembro de 1763
165
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 12- Carta do governador Sousa Coutinho de 10 de Junho de
1764
166
Alfredo de Albuquerque Felner, Angola.Apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral sul
de Angola, Volume I, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1940, documento 10- Informação do
governador Sousa Coutinho de 26 de Novembro de 1772, p.p.188-207
167
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1ª Edição, Lisboa- Rio de Janeiro, Volume XXIX,
p.p.855-856
168
Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103
169
Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103
170
Domingos de Araújo Affonso e Ruy Travassos Valdez, Ob.Cit., Volume II, p.p.102-103; Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1ª Edição, Lisboa- Rio de Janeiro, Volume XV, p.166, Volume XI,
p.p.964-965 e Volume XXIX, p.856
41
A) Acção Governativa em Luanda
Tendo tomado posse do cargo de governador e capitão-general do
reino de Angola, D.Francisco de Sousa Coutinho, de acordo com a
instrução que recebera do rei, procurou resolver um conjunto de problemas
que afectavam a colónia 171.
O principal problema que perturbava o governo de Luanda de forma
particularmente intensa durante a segunda metade do século XVIII era o da
concorrência inglesa e francesa no tráfico de escravos.
Em Junho de 1764 e poucos dias após a sua tomada de posse, Sousa
Coutinho referia a presença de navios ingleses e franceses no litoral de
Cabinda e Loango, a norte de Luanda, onde, segundo as suas palavras, "
estas duas nasções meterão ja este ano perto de trinte navios carregados de
generos de inteira satisfação dos negros " 172. Sousa Coutinho constatava o
quanto era prejudicial ao tráfico português de escravos a concorrência
estrangeira nos portos de Cabinda e Loango: " as naçoens que comerceam
naqueles portos do norte fazem hua irremediavel brecha ao comercio deste
reino, primeiro porque se estendem muito pela costa, depois pelo que
atrahem podendo dar as fazendas por menos de metade do preço porque
aqui se dão " 173.
Em ofícios para o reino, Sousa Coutinho ia dando notícia da
presença constante de navios estrangeiros no litoral junto a Luanda e
Benguela. No ano de 1767 era mencionada a entrada de um navio inglês no
rio Dande 174, assim como de três embarcações, também de nacionalidade
171
A.H.U., Angola, Códice 472, fl.90 v-93 v, Instrução para o governador D.Francisco de Sousa
Coutinho de 5 de Janeiro de 1764
172
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 25 de
Junho de 1764
173
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 15, Ofício do governador Sousa Coutinho de 17 de Março de
1767
174
Idem, Ibidem
42
inglesa, na costa do Mosulo 175 . Situação idêntica era observada no ano
seguinte com a presença de um navio inglês no rio Mbrije 176 e, em Agosto
de 1770, com um outro navio inglês a sul do porto de Benguela 177 . A
finalidade da arribada desses navios era a aquisição de escravos,
aproveitando quer os ingleses quer os franceses a ausência de afirmação do
poder do governo de Luanda em áreas mais afastadas como Cabinda e
Loango ou ainda a zona litoral entre Luanda e Benguela.
Na tentativa de fazer frente a essa situação e sabendo que o sucesso
da concorrência estrangeira na região advinha do facto de os ingleses e os
franceses terem introduzido, em exclusivo, nas transacções comerciais com
os povos africanos produtos muito apreciados por estes, nomeadamente
armas de fogo e pólvora, afirmava Sousa Coutinho ser necessário permitir
aos comerciantes de Luanda a utilização desses bens nas trocas com os
africanos 178.
Como fundamento da sua argumentação, Sousa Coutinho referia que
a proibição da venda de armas de fogo e pólvora aos africanos só fazia
sentido se houvesse maneira de impedir o seu acesso aos portos de Cabinda
e Loango e afigurando-se impraticável semelhante cenário, a solução mais
plausível seria permitir aos negociantes portugueses e luso-africanos a
comercialização de pólvora e armas de fogo, tentando por esse meio fazer
frente à concorrência inglesa e francesa 179. Assim, a 12 de Dezembro de
1767 foi promulgado pelo governador um documento, visando regular a
venda de armas de fogo e pólvora no sertão 180 . De acordo com esta
regulamentação podiam ser transaccionados no sertão, por ano, 200 barris
de pólvora e 1500 armas 181.
175
A.H.U., Angola, Caixa 51, documentos 24, 26 e 27, Instruções do governador Sousa Coutinho de 4 de
Maio, 25 de Maio e 26 de Maio de 1767
176
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Março de
1768
177
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 83, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Agosto de
1770
178
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 40, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Junho de
1765
179
Idem, Ibidem
180
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 57, Regulamentação do governador Sousa Coutinho de 12 de
Dezembro de 1767
181
Idem, Ibidem
43
Sousa Coutinho constatava ainda que a frequência dos navios
estrangeiros em Cabinda e Loango prejudicava o comércio das feiras da
região luso-africana dado que os africanos acabavam por levar os escravos
para venda aos portos do norte onde tinham à sua espera géneros
apetecíveis e a preços mais baixos 182. A criação de três novas feiras, em
Gollo, Bembe e em Calandulla assim como o restabelecimento da feira de
Kasanje, representou uma tentativa de resolução deste problema 183.
Na perspectiva do governador, a solução mais adequada com vista à
resolução desta questão passaria pela adopção de duas medidas:
fortificação dos portos de Cabinda e Loango para impedir a arribada dos
navios estrangeiros assim como a afluência de pumbeiros para vender os
seus escravos aos ingleses e franceses 184; maior patrulhamento do litoral
por parte dos portugueses tentando impedir que os estrangeiros navegassem
entre o Cabo Negro e o rio Mbrije 185. Em última instância, Sousa Coutinho
propunha que se colocasse a hipótese de abandonar o comércio de escravos
na costa da Mina, concentrando-se esforços em Angola para impedir de
forma clara e inequívoca a concorrência estrangeira no seu litoral 186.
Tendo por contexto a difícil situação resultante dos problemas da
concorrência estrangeira, Sousa Coutinho procurou regular a actividade
comercial da colónia que sofrera alterações na sequência da promulgação
do alvará de 11 de Janeiro de 1758, decretando o comércio do sertão livre e
franco a todos os que quisessem nele participar.
Com a finalidade de regularizar e apoiar a actividade comercial,
Sousa Coutinho instituiu uma " conferência dos negociantes da praça de
Luanda ", reunindo mensalmente as entidades ligadas ao tráfico de
182
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 27, Ofício do governador Sousa Coutinho de 9 de Maio
1765
183
Idem, Ibidem
184
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2
Setembro de 1765
185
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Agosto
1767
186
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 20, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Março
1770
de
de
de
de
44
escravos- administradores do contrato real, representantes das companhias
do Grão- Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba, além dos principais
negociantes de Luanda 187 . Pelo " Termo da 1ª conferência da junta de
comércio da praça de Luanda " vemos quais os problemas que afectavam
os negociantes 188. Os problemas consistiam na existência de uma taxa para
aquisição de escravos no sertão, medida promulgada pelo anterior
governador, António de Vasconcelos, e considerada contrária aos
princípios da liberdade de comércio; na localização da feira de Mbaka
numa área sem água e sem lenha; na alegada intromissão dos capitãesmores dos presídios no comércio das feiras; e, por último, o problema do
destino a dar aos bens dos comerciantes que faleciam em plena actividade
no sertão 189. Este conjunto de petições foi deferido por Sousa Coutinho
dando-se a anulação da taxa na aquisição de escravos, a transferência da
localização da feira de Mbaka e a promessa, por parte do governador, de
emitir legislação no sentido de proibir a intromissão dos capitães-mores no
comércio do sertão e no sentido de dar aos escrivães das feiras o poder de
zelar pelos bens dos comerciantes que faleciam, impedindo o seu roubo ou
extravio 190.
No ano seguinte, vemos que o principal problema que os negociantes
de Luanda colocavam ao governador se relacionava com a ausência de
garantias e segurança no envio das mercadorias para o sertão, dificuldade
inerente ao sistema de aquisição de escravos, baseado no crédito 191. Face a
este assunto, Sousa Coutinho afirmava que nada podia fazer visto que era
uma matéria da alçada do juízo dos defuntos e ausentes 192.
Relacionada com a falta de segurança no envio de mercadorias para
o interior era a prática dos " reviros " nas relações comerciais: cada
187
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 14- Estabelecimento da conferência dos negociantes da praça
de Luanda de 18 de Junho de 1764
188
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº9, Junho de 1936, p.p.173-174, Termo da Primeira
Conferência da Junta do Comércio da Praça de Luanda de 10 de Julho de 1764
189
Idem, Ibidem
190
Idem, Ibidem
191
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de
Setembro de 1765
192
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 53, Ofício do governador Sousa Coutinho de 31 de Outubro de
1767
45
negociante da praça de Luanda para comprar escravos e dado que a sua
aquisição só era possível no interior do território, tinha de recorrer à
colaboração de um agente, também designado por correspondente, que
ficava encarregue de levar as mercadorias, adiantadas pelo negociante
estabelecido em Luanda, às feiras onde eram trocadas por escravos. Este
processo, o único possivel dado o contexto em que eram feitas as
transacções comerciais, dava origem a irregularidades sendo comum o
desvio ou reviro dos escravos obtidos no sertão para outro negociante, não
respeitando o agente o vínculo inicial com quem lhe confiara as
mercadorias. Tentando regularizar a situação e impedir o alastramento de
pleitos entre negociantes, Sousa Coutinho determinou que " nenhuma pesoa
podesse dar fazendas para o certão a quem devesse a outro, sem expresso
consentimento seu ou real pagamento da divida contrahida e que quando
algum quizesse mudar de correspondente e abonador seria primeiro
obrigado a ajustar as contas e pagar o que devesse, pena de que não o
fazendo assim, ficaria inhabilitado o do sertão para nunca commerciar mais
e os desta cidade não poderão requerer mais habilitaçoens para os seus
constituidos, alem das penas de serem os primeiros degredados e os
segundos excluidos da cobrança do que asim dolosamente vendessem athe
que o primeiro originario credor fosse inteiramente embolçado da sua
divida porque so deste modo se restituiria a boa fe de que depende o
negocio " 193.
Com a promulgação do " Regimento dos escrivães das feiras " em
Setembro de 1764, Sousa Coutinho procurou definir a jurisdição destes
funcionários, representantes do governo de Luanda no local onde se
processavam as trocas de fazendas por escravos- as feiras 194.
Basicamente, o escrivão da feira tinha por missão assegurar a
regularidade da actividade económica da feira evitando qualquer tipo de
desordem, promovendo a paz pública para que o comércio se pudesse
efectuar 195. O problema do falecimento na feira dos correspondentes dos
193
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 52, Ordem do governador Sousa Coutinho de 6 de Agosto de
1765
194
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 35, Regimento dos Escrivães das Feiras de 16 de Setembro de
1764
195
Idem, Ibidem, capítulo 2º
46
negociantes de Luanda era contemplado neste documento: em caso de
morte destes indivíduos devia o escrivão, juntamente com o capitão-mor do
presídio mais próximo do local onde se realizava a feira, inventariar e
guardar os bens que estavam na posse do falecido e remetê-los à entidade
que lhos havia confiado em Luanda 196. Essencial no conjunto de funções
outorgadas ao escrivão da feira era a promoção do bom relacionamento
com os sobados e potentados vizinhos " para que todos vivam em boa fe e
animando o comercio " 197.
Sem dúvida que o governador D.Francisco de Sousa Coutinho
promulgou alguma legislação visando enfrentar a delicada situação por que
atravessava a actividade do tráfico de escravos provocada pelo aumento da
concorrência inglesa e francesa, uma realidade que se manteve até ao final
do século.
Uma descrição da região norte de Luanda, feita em 1773, pelo
capitão da companhia de artilharia de Luanda, António de Sousa
Magalhães, segundo a instrução do então governador D.António de
Lencastre, fornece um quadro particularmente complicado para o tráfico
português de escravos. Segundo António de Sousa Magalhães os portos de
Cabinda, Molembo e Loango eram visitados, com grande frequência, por
navios estrangeiros: " As nações que os frequentão são a francesa, inglesa e
holandeza. Quazi todos os seus navios são grandes e os mayores carregão
seiscentos ate setecentos escravos (...) Ha ocaziões em que se juntam em
Cabinda vinte athe vinte e tres navios, no Mulembo oito athe dez, e no
Loango quatro athe seis (...) não se pode fazer juízo totalmente certo do
numero dos navios que no decurso de hu anno vem negociar consta me
porem que nunca são menos de trinta e cada hu sahe quando ja tem
reduzido a escravos os seus generos (...) Os escravos que os estrangeiros
extrahem todos os anos chegão ao numero de vinte mil (...) a troco dos
ditos escravos introduzem toda a qualidade de fazendas tanto do norte
como da India (...) tambem introduzem muitas armas de fogo, facas,
196
197
Idem, Ibidem, capítulo 5º
Idem, Ibidem, capítulo 6º
47
polvora e agoardente " 198. Um panorama, sem dúvida, bastante difícil para
o comércio português e no qual as medidas de Sousa Coutinho não podiam
ter grande resultado face ao aumento drástico da concorrência estrangeira
em áreas tão próximas de Luanda 199.
Outro aspecto que consta da instrução que Sousa Coutinho recebera
em Lisboa relaciona-se com a averiguação do estado da guarnição de
Luanda 200.
Os problemas que afectavam a guarnição de Luanda eram, em
primeiro lugar, o clima da região, particularmente mortífero e principal
causa do elevado número de baixas entre os recrutas, principalmente entre
os de origem europeia; em segundo, a exiguidade de soldados e oficiais; a
falta de armas e munições assim como os atrasos nos pagamentos aos
soldados da guarnição de Luanda e dos presídios constituíam outras
dificuldades que prejudicavam o seu funcionamento.
De um total de 420 praças que compunham o regimento de Luanda,
metade estava sempre doente ou em convalescença 201. Além do clima e das
doenças provocadas pela passagem da estação húmida que, normalmente,
levava à morte muitas pessoas 202, uma outra causa do elevado número de
baixas entre os soldados relacionava-se com a ausência de uma alimentação
adequada 203.
A falta de soldados e oficiais de origem europeia, os únicos que
Sousa Coutinho considerava competentes, constituía um grave problema
para este governador. Sendo a elevada mortalidade entre eles uma
198
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 17, Descrição da região norte de Luanda de 18 de Março de
1773
199
Cf. Joseph Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730-1830,
Madison, Wisconsin University Press, 1988, capítulo XVII- The Dry Well 1772-1810 , p.p.598-604
200
A.H.U., Angola, Códice 472, fl.90 v- 93 v, Instrução do governador D.Francisco de Sousa Coutinho de
5 de Janeiro de 1764
201
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Junho de
1765
202
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 26, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Junho de
1770
203
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 41, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro
de 1764
48
realidade, obviamente que o seu número era sempre diminuto. Segundo
Sousa Coutinho, se Luanda e Benguela tinham absoluta necessidade de
guarnições compostas, na sua maioria, por soldados e oficiais europeus, os
presídios do interior podiam contentar-se com soldados africanos,
poupando-se os primeiros às dificuldades e perigos da vida do sertão 204.
Na perspectiva do governador, a maior dificuldade que Angola atravessava
era a falta de população branca dado que Sousa Coutinho entendia que só
esta era válida e necessária, ao passo que os africanos seriam um elemento
sem qualquer utilidade: " não ha soldados capazes de defensa e para as
guardas ordinarias tem sido necessario introduzir alguns pequenos
mulatinhos de nenhum uzo, em Benguela não ha quarenta capazes, os
prezidios estam guarnecidos por negros que so contra semelhantes podem
ser uteis " 205. E, uns meses mais tarde afirmava este governador: " que
defença pode ter este reyno, muito principalmente quando quazi todas as
guarniçoens se compoem de negros totalmente, e alguns poucos mulatos,
ambos certamente incapazes de ver hu europeo sem fugir (...) a defensa dos
negros para nada vale " 206.
O exército debatia-se também com a falta de meios para o seu
regular funcionamento.
Além da falta de armas e munições, um problema crónico que Sousa
Coutinho procurava resolver mediante o envio de ofícios para o reino
solicitando o envio desses materiais " porque praças maritimas e certoens
inquietos consomem muito " 207 , era o da falta de fardamentos para os
soldados 208 e de dinheiro para o pagamento da tropa 209.
204
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 72, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de
1770
205
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 26, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Junho de
1770
206
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 72, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de
1770.
Como veremos, no último capítulo da nossa dissertação, Sousa Coutinho acreditava que a preponderância
da população branca em Angola tinha de ser uma realidade, sendo a única forma possivel de assegurar a
manutenção e aumento da presença da coroa portuguesa naquele terrritório, dominando, afastando e/ou
transformando os elementos da cultura das populações africanas.
207
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 45, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Setembro de
1766
208
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 51, Ofício do governador Sousa Coutinho de 11 de Julho de
1770
209
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 43, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Junho de
1765. Os oficiais e soldados de Luanda e Benguela eram pagos em moeda, os dos presídios eram
49
Apesar do panorama de dificuldades que afectava as guarnições de
Luanda e Benguela, asssim com as dos presídios, Sousa Coutinho, talvez
por ser um militar de carreira, procurou pôr alguma ordem na instituição.
Disso foi testemunho uma " Instrução do modo como devem ser dirigidos
os soldados nos seus quartéis " 210 , tentando regularizar a instituição
militar, cuja situação de enfraquecimento era derivada de condicionalismos
de índole estrutural: falta de efectivos, elevada mortalidade entre os
soldados e oficiais quer nas guarnições de Luanda e Benguela, quer nos
presídios, deficiente apoio logístico, sem esquecer a irregularidade no
pagamento dos salários da tropa estacionada em Angola.
De acordo com a sua instrução, Sousa Coutinho teria de ter em
atenção um importante aspecto da vida económica de Luanda- a construção
do terreiro público para venda de farinha e feijão aos seus habitantes.
Num território cujas condições climáticas tornavam a actividade
agrícola particularmente difícil 211, as suas principais culturas, mandioca,
feijão e milho, constituíam os géneros de primeira necessidade com
tendência a escassear em maus anos agrícolas 212 . A actividade agrícola
constituiu uma preocupação para o governo de Luanda, especialmente em
épocas de seca ou de excesso de chuvas que destruíam as colheitas e
remunerados em fazenda, A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 51, Ofício do governador Sousa
Coutinho de 11 de Julho de 1770. Quando as fazendas acabavam, os pagamentos aos soldados e oficiais
dos presídios eram feitos em pedras de sal, A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 26, Ofício do
governador Sousa Coutinho de 9 de Maio de 1769
210
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 41, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro
de 1764
211
Elias Alexandre da Silva Correia, História de Angola Dedicada a Sua Alteza Serenissima o Principe
Regente Nosso Senhor por Elias Alexandre da Silva Correia Cavaleiro Professo na Ordem de Christo
Sargento Mor de Infantaria de Milicias na Capital do Rio de Janeiro 1782, Volume I, Lisboa, Colecção de
Clássicos da Expansão Portuguesa no Mundo, 1937, p.p.109-115. Este autor fornece uma descrição
bastante realista das condições climáticas de Angola: " A terra que acompanha o paralelismo do mar
desde o cabo Padrão athe ao sul de Benguella não he propria para a vegetação das plantas que servem à
nutrição humana, ella he seca esbroenta e incapaz de conservar no seu amago a humidade por muito
tempo (...) a latitude austral desta porção de costa não permite refresco consideravel, com tudo a sabia
providencia do autor da natureza tem estabelecido no tempo de verão o infalivel linitivo de hua viração
constante que sopra a superficie destas aridas areas tão esquentadas pelo sol que escaldão os pes dos
negros nas horas proximas do seu zenith (...) o terreno que se tem descoberto mais proprio para a
vegetação he o das margens dos rios humedecidos pelo transbordamento das cheias e pela pasagem das
agoas, nenhum outro prospera a produção dos vegetaes por consequencia ainda que a industria e a fadiga
fizessem progressos neste clima lhes faltaria o campo do exercicio, as margens do Quanza, do Zenza e do
Dande, pouco terreno oferecem para prodigarem fartura de viveres ao povo de Angola ".
212
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.p.109-115
50
traziam a fome aos habitantes de Angola, obrigando o governo a recorrer à
importação de alimentos do Brasil 213.
Procurou o governador Sousa Coutinho enfrentar este problema de
duas formas: por um lado, recorrendo à promulgação de bandos
determinando a obrigatoriedade do cultivo de terras consideradas
produtivas, por outro, canalizando os alimentos produzidos em zonas mais
periféricas, designadamente Massangano, para Luanda. Mostrando ignorar
os condicionalismos de ordem climática, Sousa Coutinho referia que a
principal causa da não produtividade das terras era a " mizeravel perguiça
dos seus habitantes " 214 e entendia que a resolução desse problema passava
pela determinação da obrigatoriedade do cultivo das terras, nomeadamente
das do Bem Bem ( nos arredores de Luanda ) devendo ser confiscadas
aquelas cujos donos não promovessem o seu cultivo 215. Contudo, dois anos
após a promulgação do referido bando, Sousa Coutinho viu-se obrigado a
reconhecer que o não cultivo das terras do Bem Bem fora consequência da
seca que afectou a região 216 . Também com a finalidade de combater o
problema da falta de alimentos em Luanda, Sousa Coutinho procurou
assegurar o seu abastecimento determinando a circulação de milho, feijão e
mandioca, produzidos em áreas mais periféricas como Massangano para
Luanda 217.
A criação do terreiro de Luanda para a venda de farinha e feijão, um
local para vender, em exclusivo, estes géneros a preços não especulativos
aos seus habitantes foi uma iniciativa concretizada por Sousa Coutinho mas
originária do tempo do seu antecessor António de Vasconcelos.
De facto, foi por lei de 13 de Novembro de 1761 que o rei
determinou a criação do terreiro público de Luanda para a venda dos
213
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 30, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Julho de
1766
214
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 23, Bando do governador Sousa Coutinho de 6 de Abril de
1765
215
Idem, Ibidem
216
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 17, Ofício do governador Sousa Coutinho de 26 de Março de
1767
217
BN, Reservados, Códice 8742, fl.59 v-60 v- Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
de Massangano de 10 de Agosto de 1766
51
cereais produzidos nos árimos 218 em redor da cidade, a preços tabelados e
tentando evitar os monopólios e açambarcamentos de farinha, bem de
primeira necessidade e com tendência a escassear 219.
O projecto não se concretizara com António de Vasconcelos visto
que, segundo este governador, a Câmara Municipal de Luanda não
dispunha de verba para financiar aquele empreendimento além de que este
governador considerava pouco eficaz tentar conservar e armazenar grandes
quantidades de alimentos em qualquer lugar de Luanda devido ao excesso
de humidade do seu clima, um argumento, sem dúvida, bastante realista 220.
Quando Sousa Coutinho fora nomeado governador e capitão-general
do reino de Angola, as instruções da Secretaria de Estado dos Negócios da
Marinha e Domínios Ultramarinos foram dadas no sentido de, rapidamente,
mandar construir e estabelecer o terreiro público de Luanda e ignorar os
problemas levantados pela Câmara Municipal de Luanda 221 . Sousa
Coutinho levou a cabo a iniciativa do estabelecimento do terreiro tentando
superar as dificuldades de índole financeira levantadas pela Câmara,
solicitando a colaboração dos principais lavradores e fabricantes de farinha,
tudo de acordo com a ordem dada por carta régia de 12 de Novembro de
1765.
O bando mandado promulgar pelo governador Sousa Coutinho em
16 de Abril de 1766 determinou a obrigatoriedade da venda de todo o feijão
e farinha produzido nos arredores de Luanda no terreiro, local construído
com a finalidade de concentrar a venda destes géneros, evitando assim o
seu desvio e consequente especulação do preço visto que quando o feijão e
a farinha escasseavam, em períodos de chuvas ou de seca, a fome assolava
218
José Carlos Venâncio, A economia em Luanda e hinterland no século XVIII: um estudo de etnologia
histórica, Lisboa, 1985, p.p.96-103. Segundo este autor " Arimos " eram propriedades privadas situadas
junto aos principais rios do hinterland, o Bengo, o Dande e o Kwanza, cuja produção concentrada em
produtos como a mandioca, o feijão e o milho painço se destinava a ser vendida em Luanda. Os seus
proprietários eram indivíduos Luso-africanos.
219
A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 23, Ofício do governador António de Vasconcelos de 24 de
Abril de 1762
220
Idem, Ibidem
221
A.H.U., Angola, Códice 408, fl.82-85, Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado para o
governador Sousa Coutinho de 5 de Janeiro de 1764
52
os habitantes de Luanda 222 . É de salientar que este problema assumia
dimensões mais amplas visto que as condições ecológicas de Luanda e seus
arredores eram pouco propícias à actividade agrícola. Logo, poder-se-à
afirmar que esta iniciativa de Sousa Couitnho, seguindo atentamente as
instruções régias, estava condicionada por uma realidade impossível de
controlar, principalmente naquela época: o clima e as condições
atmosféricas da região.
Um outro aspecto merecedor da atenção por parte de D.Francisco de
Sousa Coutinho na sua acção governativa em Luanda foi o provimento de
oficiais administrativos, revelando neste campo uma particular
animosidade face aos funcionários de origem africana.
Na opinião de Sousa Coutinho havia em Angola " muito pouca gente
de bons costumes para servir os ofícios " 223.
Tendo sido Sousa Coutinho um defensor da ocupação dos lugares da
administração colonial por portugueses, a sua animosidade face aos
funcionários negros foi uma constante 224. Num ofício para o reino, Sousa
Coutinho revelava o seu particular desagrado pelo facto de a Câmara
Municipal de Massangano ser composta apenas por negros, pessoas que
eram, nas palavras pouco agradáveis de Sousa Coutinho, " as mais
trapaceiras e enredadoras do mundo " 225. Propunha Sousa Coutinho que
fossem abolidas as competências atribuídas ao Senado da Câmara
Municipal de Massangano, passando o seu governo a ser da exclusiva
responsabilidade do capitão-mor, dependendo do governador, tal como nos
outros presídios 226.
A hipótese de extinção da Câmara Municipal de Massangano vinha
do tempo do antecessor de Sousa Coutinho, do governador António de
222
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 63, Bando do governador Sousa Coutinho de 16 de Abril de
1766
223
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 13, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Junho de
1764
224
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 15 de Agosto de
1770
225
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Março de
1765
226
Idem, Ibidem
53
Vasconcelos. Por provisão do governador João Fernandes Vieira fora
criada a Câmara Municipal de Massangano em 18 de Julho de 1658 227. Na
perspectiva de António de Vasconcelos o facto de Massangano ser
governada por uma Câmara Municipal e por um juiz ordinário era algo
impensável dado que representava, além de uma situação privilegiada em
relação aos restantes presídios, um contra-poder face ao governo de Luanda
228
. A coroa, respondendo à argumentação do governador, considerava que
Massangano devia conservar este privilégio não só porque tinha sido o
primeiro presídio a ser fundado pelos portugueses, como fora o seu local de
refúgio quando se dera a invasão de Luanda pelos holandeses, invocando,
portanto, razões de natureza histórica 229 . António de Vasconcelos, não
desistindo da sua argumentação, refere, em novo ofício para o reino, que
era necessário extinguir a Câmara Municipal de Massangano, devendo a
sua jurisdição passar para a alçada do capitão-mor. Interessa salientar que o
principal argumento que António de Vasconcelos invoca tem um teor
racista: " com quanta razão se deve extinguir a camera de Massangano toda
composta de fuscos e negros que aroga a si todo o governo economico e
civil de que procedeu todas as desordens " 230. O mesmo preconceito racial
se manifestou em Sousa Coutinho, de forma inequívoca.
Para Sousa Coutinho, se a " élite " do funcionalismo colonial, ou
seja, indivíduos europeus, devia permanecer em Luanda e Benguela, para
os presídios podiam ir " todos aqueles de que a sua mediocre capacidade
ainda permitia algum pequeno serviço para assim os sepultar honradamente
" 231 , dizendo a Francisco Xavier de Mendonça Furtado que tivera o
cuidado de nomear para os presídios " os inuteis e improprios da actividade
227
A.H.U., Angola, Códice 1481, fl.3 v- 4, Provisão de Criação da Câmara Municipal de Massangano de
18 de Julho de 1658
228
A.H.U., Angola, Caixa 43, documento 90, Ofício do governador António de Vasconcelos de 4 de
Outubro de 1760
229
A.H.U., Angola, Caixa 44, documento 83, Parecer da coroa de Novembro de 1761
230
A.H.U., Angola, Caixa 45, documento 16, Ofício do governador António de Vasconcelos de 7 de Abril
de 1762
231
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 3, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Fevereiro de
1768
54
militar " 232. Em relação ao soldo dos oficiais dos presídios, Sousa Coutinho
achava que por serem negros " qualquer cousa lhes bastava " 233.
A aversão de Sousa Coutinho em relação aos aspectos da cultura
africana presentes no quotidiando de Luanda esteve patente no bando que
mandou lançar em 1765 234.
Este bando tinha por finalidade a proibição de práticas gentílicas
além do incentivo do uso da língua portuguesa em detrimento do
KiMbundu.
Assim, determinava o governador a proibição dos " emtambes ",
ritual relacionado com o enterro dos mortos e que exprimia o sentimento de
luto dos acompanhantes do morto, cuja descrição, fornecida pelo
governador Sousa Coutinho é a seguinte: " fechadas as janelas e Portas,
cubertas as pesoas de muitas baetas negras, circulada a cabeça com hua
especie de corda, chorarem todos em altos e dezagradaveis gritos por
muitos dias e por muitos meses, renovando os choros em certas horas e
recebendo as vezitas na mesma barbara confuzão (...) e o que ainda he mais
escandalozo, acompanharem os corpos à sepultura muitas negras, chorando
e repetindo em confuzas lagrimas as mais torpez e repugnantes acçoens de
lascivia, que caracterizão o merecimento entre os negros, cujo venerado
obzequio do seu chamado Entambe produz muitas desordens inimigas da
pureza, da religião e dos bons costumes " 235. Outra prática em relação à
qual Sousa Coutinho revelava o seu desagrado era a intervenção dos
anunciadores oficiais dos casamentos que eram, nas suas palavras, " figuras
cubertas de peles de Bichos e de guizos que os anunciam ao publico que a
decencia pede se prohibão " 236.
Mostrava-se Sousa Coutinho preocupado com a fraca expressão da
língua portuguesa entre os habitantes de Luanda: " he muito indecente que
232
Idem, Ibidem
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 24, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Julho de
1764
234
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 4, Bando do governador Sousa Coutinho de 9 de Janeiro de
1765
235
Idem, Ibidem
236
Idem, Ibidem
233
55
as familias nobrez e brancas conservam nas suas cazas e na criação dos
seus filhos hua total ignorancia da referida lingoa (...) para haverem de
sustituida com a lingoa ambunda so necesaria no certão (...) recomendo aos
Pays de Familias que procurem quanto lhes for posivel vedar na criação de
seus filhos a lingoa ambunda, que fação como he mais natural e como
sucede em todo o Brazil sujeitar os negros seus escravos à reinante
deichando a para o certão donde he necessaria e para o mutuo uzo dos
negros " 237.
Vemos que para o governador Sousa Coutinho tudo o que denotasse
a presença da cultura africana tinha de ser banido e, ao mesmo tempo,
substituído pela influência portuguesa. Algo quase impossivel num
contexto marcado não só pela pouca expressão do elemento português mas
também pela emergência e afirmação da cultura luso-africana, aquela que
melhor definiu a " Angola portuguesa " no século XVIII.
B) Relacionamento Com o Mundo Africano
Referimos, na primeira parte da nossa dissertação, que no território
que então constituía a colónia ou reino de Angola a afirmação do poder
português sediado em Luanda era, nesta altura, extremamente precária,
permitindo a coexistência de vários poderes. Assim, além da soberania
portuguesa confinada ao litoral e a alguns presídios no interior, temos de ter
em consideração os poderes africanos: os sobados, dentro do território da
colónia de Angola e os potentados, localizados fora desse espaço.
O sobado era um estado ou chefatura, de dimensões variáveis que
unia diversas linhagens relacionadas entre si, sob a autoridade de um único
chefe ou soba 238.
237
Idem, Ibidem
Jill Dias, " Mudanças nos padrões de poder no hinterland de Luanda. O impacto da colonização sobre
os Mbundu ( c. 1845-1920 ) " in Penélope. Fazer e Desfazer a História, nº14, Dezembro 1994, p.47
238
56
O soba era, portanto, uma autoridade africana com a particularidade
de ter uma ligação política com o governo de Luanda conforme nos refere
Elias Alexandre da Silva Correia: " Sova he titulo que equivale ao de
governador cada provincia tem muitos sovas que governão os negros seus
subordinados mas com obediencia ao capitão-mor do respectivo presídio "
239
. Os sobas existentes na área do Kwanza, em meados do século XVIII,
eram os descendentes da aristocracia do extinto reino do Ndongo e que
tinham sido progressivamente incorporados na esfera do governo de
Luanda como vassalos do rei de Portugal.
Fora do território do reino de Angola existiam os potentados, reinos
centralizados cujos reis detinham a suprema autoridade política sobre uma
hierarquia de linhagens subordinadas 240 . Era o caso, por exemplo, da
Nzinga-Matamba, do Holo ou do Kasanje, localizados fora do reino de
Angola, realidades políticas independentes e mantendo um relacionamento
de teor económico com o governo de Luanda.
O sobado tinha uma ligação política com o governo de Luanda,
ligação que iremos analisar no período que compreende o governo de
Sousa Coutinho e na qual a instituição das capitanias-mores desempenhou
um papel importante.
O " Regimento dos Capitães-mores ", documento promulgado por
Sousa Coutinho em 24 de Fevereiro de 1765, fornece alguns elementos
importantes sobre a questão do relacionamento com os sobados situados
em redor dos presídios, assim como com os potentados. Gostaríamos de
sublinhar que apesar de o " Regimento " colocar sobados e potentados no
mesmo plano, tratava-se de duas realidades politicamente diferentes no seu
relacionamento com Luanda, como veremos mais adiante 241.
239
Elias Alexandre da Silva Correia, Ob.Cit., Volume I, p.37
Jill Dias, Ob.Cit., p.47
241
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de Fevereiro de 1765.
Dar um regimento aos capitães-mores não foi uma iniciativa exclusiva do governador Sousa Coutinho. De
facto, até 1765, as fontes setecentistas não revelam a existência de qualquer regimento passado aos
capitães- mores. O único conhecido e citado é o promulgado por Sousa Coutinho, facto que induziu em
erro vários autores ao lhe atribuírem a exclusividade de semelhante medida. Cf. Carlos Couto, Os
Capitãe-mores em Angola no século XVIII. Subsídio para o estudo da sua actuação, Luanda, Instituto de
Investigação Científica de Angola, 1972, p.p.117-118. Refere este autor que antes do diploma de Sousa
Coutinho outros tinham sido redigidos no século XVII, apesar de permanecerem ignorados. Aliás o
240
57
Devia o capitão-mor fomentar o bom relacionamento com os
sobados seus vizinhos e também com os potentados, " para que huns e
outros vivão em paz e segurança " 242 . Um aspecto essencial prendia-se
com o facto de estarem os capitães-mores proibidos de se intrometerem no
governo interno dos sobados ou dos potentados conforme é referido no
artigo 15º do Regimento: " Nas irregularidades que os potentados, sobas
seus vassalos e filhos praticarem no seu governo domestico e ainda na
execução das leis barbaras entre nos reprovadas, se não entremetão os
capitães (...) o embaraço do seu governo teria consequencias muito
prejudiciais " 243.
Todas as decisões sobre a política a adoptar em relação aos sobados
e aos potentados deviam ser presentes, em primeira instância, ao
governador, procurando-se evitar, desta forma, atitudes precipitadas por
parte dos capitães-mores que podessem suscitar situações melindrosas: "
despachos ou cartas que respeitem aos sobas e potentados me serão
primeiro prezentes para que eu possa determinar na forma da sua execução,
evitando os acontecimentos bem ordinarios de comprometer a authoridade
da justiça real e ao mesmo tempo mover hua desobediencia formal que
cauze maiores damnos por hua pequena cauza " 244.
Portanto, pelas disposições citadas do " Regimento " podemos
apontar dois aspectos no relacionamento com os sobados, extensivos aos
potentados:
próprio Sousa Coutinho, no preâmbulo deste documento o confirma: " Havendo a differença dos tempos
em que os senhores governadores deste reino mais antecessores, publicarão varios regimentos para os
capitães-mores ". A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de
Fevereiro de 1765.
242
Idem, Ibidem, Artigo 5º
243
Idem, Ibidem, Artigo 15º. Cf. BN, Reservados, Códice 8742, fl.239 v-240 v, Carta do governador
Sousa Coutinho ao capitão-mor de Muxima de 29 de Outubro de 1767. Advertia Sousa Coutinho este
capitão-mor no sentido de respeitar sempre as regras internas da sucessão de um sobado: " a sucessão de
semelhantes estados entre barbaros he so sugeita ás leys que elles conhecem e observam ".
244
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de Fevereiro de 1765,
Artigo 20º
58
 Em primeiro lugar, a não ingerência por parte do governador na
política interna de sobados e potentados
 Em segundo, o vínculo existente entre ambas as partes seria muito
frágil, derivado da precaridade da afirmação portuguesa no
território, pois só assim se entende o cuidado de Sousa Coutinho
nas questões africanas, claramente com a finalidade de evitar
situações problemáticas que podessem desencadear uma vaga de
hostilidade por parte dos chefes africanos.
Conforme referimos existia um vínculo político entre Luanda e os
sobados, vínculo esse que assumia a sua expressão mais acentuada no
momento da eleição do novo soba. Ou seja, de cada vez que era eleito um
novo soba, este devia ratificar o vínculo existente em relação ao governo de
Luanda estabelecido pelos seus antecessores, num processo designado por "
undamento ". Através do " undamento " era ratificada a aceitação, por parte
do novo soba das duas condições, consideradas essenciais, do ponto de
vista do poder português: por um lado, o baptismo do novo soba e
permissão da entrada de missionários nas suas terras; por outro, promessa
do cumprimento das ordens emanadas pelo governo de Luanda, em termos
de política externa 245.
Em torno das duas condições que implicavam o undamento do novo
soba iremos estruturar a nossa análise, visto que através delas pensamos ser
possivel tentar aferir, em termos mais concretos em relação à teoria exposta
no " Regimento dos Capitães-mores ", a natureza do relacionamento entre o
governo de Luanda e os sobados.
O baptismo do soba e a divulgação do cristianismo nas suas terras
conduz-nos ao problema da cobrança dos dízimos por parte do governo
português e às dificuldades que trazia ao relacionamento entre ambas as
partes.
245
BN, Reservados, Códice 8742, fl.239 v-240 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor de Muxima de 29 de Outubro de 1767
59
Por outro lado, a questão da obrigatoriedade do cumprimento das
determinações de Luanda por parte do soba leva-nos a tentar perceber se
eram ou não os sobas seguidores da política definida por Luanda.
Foi por nós referido, na primeira parte da nossa dissertação, que a
vassalagem do soba era consequência inevitável de uma derrota militar face
às forças portuguesas e seus aliados.
Quando, em 1769, Sousa Coutinho mandou construir o presídio do
Novo Redondo, na foz do rio Gunza, para evitar o contrabando de ingleses
e franceses nesse local deparou com a resistência das populações acabando,
com a fundação do presídio, por submeter alguns poderes locais, trazendo
novos vassalos para a coroa portuguesa 246 . Contudo, essa vassalagem
revelou-se inexistente dado que, numa carta de Sousa Coutinho para o
capitão-mor do Novo Redondo, além de se constatar que essa vassalagem
fora resultado de uma capitulação dos sobas, não se verificava uma
situação de paz no terreno e advertia Sousa Coutinho que os sobas
avassalados " devem ficar de maneira sugeitos que não embarassem o
caminho para Benguela nem seja necessario dentro em pouco tempo formar
outro corpo de tropas para os castigar 247.
Idêntica situação ocorreu com um soba, de nome Delaceya, punido
por não ter obedecido ao capitão-mor de Mbaka 248. Para Sousa Coutinho,
uma desobediência não podia ficar impune daí a necessidade de castigar o
dito soba, contudo, " sem o perigo de que o sova com o seu povo dezertem
"249. É interessante notar que Sousa Coutinho considerava a punição algo
que devia ser executado com cautela, advertindo o capitão-mor de Mbaka,
ainda dentro desta questão com o soba Delaceya, que " procedendo contra
246
BN, Reservados, Códice 8743, fl.13-17, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão mor do
Novo Redondo de 10 de Setembro de 1769
247
Idem, Ibidem
248
BN, Reservados, Códice 8743, fl.72-72 v, Carta do governador Sousa Coutinho para António Anselmo
Duarte de Sequeira de 18 de Novembro de 1769
249
Idem, Ibidem
60
os sovas poderozas deve faze lo por hu modo que lhe evite a rebelião e não
de tropel " 250.
Os conflitos com sobas seriam uma constante, tal como o cuidado
exigido por Sousa Coutinho na resolução deste tipo de problemas ao
aconselhar o capitão-mor do Novo Redondo a sugeitar um soba " com
afagos e com mimos, de forma que ou ele por sy venha a fazer o que nós
queremos, sem guerra e sem as despezas e danos que lhe são consequentes,
mostrando lhe Vm que se por bem não quizer servir o estado o ha de fazer
por mal com perda de sua liberdade e terras " 251
Face a uma tentativa de rebelião por parte do soba Gungu
Amucambo, Sousa Coutinho advertia o capitão-mor de Muxima que
mediante " hua ostentação de poder e de castigo (...) sem de nenhuma
forma mover guerra, componha este negocio de maneira que esses povos
fiquem em paz, em respeito e medo das armas de Sua Magestade " 252.
Se em determinadas circunstâncias Sousa Coutinho entendia que
uma demonstração de força seria suficiente para intimidar um soba rebelde,
noutras entendia que quando um soba não obedecia devia recorrer-se à
força. Assim o determinou ao capitão-mor de Cambambe: " Se os sovas
não obedecerem Vm manda soldados pois eles mesmos procurão o mal
para si " 253.
Os conflitos com o soba de Ballundo motivados pelo não
cumprimento das disposições aceites aquando da sua vassalagem teriam
sido uma realidade, assim como a falta de meios para combatê-lo 254. Numa
carta para o soba de Ballundo, o governador Sousa Coutinho afirmava-lhe:
250
BN, Reservados, Códice 8743, fl.71-72, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Mbaka de 18 de Novembro de 1769
251
BN, Reservados, Códice 8744, fl.195-195 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
do Novo Redondo de 15 de Janeiro de 1772
252
BN, Reservados, Códice 8742, fl.221 v-222, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
de Muxima de 1 de Setembro de 1767
253
BN, Reservados, Códice 8743, fl.165, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Cambambe de 2 de Abril de 1770
254
BN, Reservados, Códice 8742, fl.279-281v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
de Benguela de 21 de Dezembro de 1767
61
" Se obedeceres serey voso amigo e voso protector e se vos conservardes na
vosa [...] serey voso inimigo e destruidor " 255.
Sousa Coutinho, escrevendo ao Padre Querubim de Savona, superior
das missões do Kongo, revelava a sua opinião relativamente ao problema
da guerra em caso de rebelião por parte de sobas considerados vassalos: "
he certo que eu não quero guerra; porem tambem he certo que não poso
nem devo evitar aquelas precizas consequencias dos males que os mesmos
rebeldes se atrahem asi mesmo como inimigos da Religião e do Estado "
256
, mostrando o governador e capitão-general do reino de Angola com
estas palavras que a situação no hinterland de Luanda e Benguela, zonas de
administração portuguesa, estava longe de ser pacífica visto que, da parte
dos sobas, em teoria vassalos da coroa portuguesa, a não aceitação desse
poder seria uma realidade.
A problemática da conversão ao cristianismo das populações
africanas assumiu especial relevo numa vertente importante do
relacionamento entre Luanda e o mundo africano: a cobrança dos dízimos.
Mencionámos que os sobados permaneceram independentes na sua
estrutura interna. O seu governo, a produção de bens alimentares, a
distribuição da terra e da força de trabalho continuavam sob a única e
exclusiva responsabilidade dos chefes e do seu povo 257.
Os portugueses, praticamente desde o estabelecimento do governogeral, utilizaram um meio político para controlar e orientar a economia dos
sobados, conforme as necessidades do governo de Luanda 258. Esse meio
consistiu na cobrança dos dízimos, ou seja, no pagamento de um décimo da
produção agrícola dos sobados e dos territórios em redor de Luanda ( os
árimos ) entroncando-se numa antiga tradição da igreja católica 259.
255
BN, Reservados, Códice 8743, fl.40 v-41 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o soba de
Ballundo de 13 de Outubro de 1769
256
BN, Reservados, Códice 8744, fl.35- 35 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o Superior das
Missões do Kongo e de Ambuilla de 24 de Setembro de 1770
257
José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.105-108
258
José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.105-108
259
José Carlos Venâncio, Ob.Cit., p.p.105-108
62
A cobrança dos dízimos podia incidir sobre duas realidades. Por um
lado, sobre a produção dos territórios em redor de Luanda, ou seja, dos
árimos; por outro, sobre a produção dos sobados do sertão. Existiam,
portanto, os " dízimos da cidade " e os " dízimos do sertão " ou da "
conquista " 260.
A cobrança dos dízimos processou-se, até 1766, por meio de
arrematação válida por um triénio. Sabemos que em 1764 fora arrematada a
cobrança dos dízimos da cidade pela quantia de três contos oitocentos e
sessenta mil reis 261 . Relativamente aos dízimos do sertão, rendeu a sua
arrematação seis contos de reis no ano de 1765 262.
Em 1766, a cobrança dos dízimos da cidade e seu termo sofreu uma
alteração. Por bando de 14 de Novembro desse ano, ordenava o governador
às populações de Luanda e seu termo, ou seja, das jurisdições do Bengo,
Icolo, Golungo e Dande " que toda a pesoa de qualquer qualidade e
condição que seja e que posuir bens de que deva pagar dizimo, va no
precizo termo de trez mezes contados da publicação deste oferecer na
referida provedoria da fazenda real aquele preço annual em que repicta
justo o dizimo que deve pagar pela sua terra, gado ou criação " 263. Vemos,
portanto, que os dízimos da cidade passavam a ser cobrados directamente
pela fazenda real do reino de Angola. O mesmo sucedeu com os dízimos do
sertão nesse mesmo ano 264.
Para lá destes aspectos formais, a questão dos dízimos relaciona-se
com algo mais complexo: a problemática da não aceitação do cristianismo
por parte das populações africanas visto que sendo o dízimo um imposto
260
BN, Reservados, Códice 8743, fl.65- 66 v, Portaria do provedor da fazenda do reino de Angola de 29
de Outubro de 1769
261
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 24, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Julho de
1764
262
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 46, Ofício do governador Sousa Coutinho de 2 de Julho de
1765
263
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 57, Bando do governador Sousa Coutinho de 14 de Novembro
de 1766
264
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 59, Ofício do governador Sousa Coutinho de 26 de Novembro
de 1766
63
pago a Deus só os cristãos é que estariam sujeitos, e quantos cristãos
existiam em Angola?
A difusão do cristianismo, um dos fundamentos da presença
portuguesa em Angola 265, nunca se afigurou um empreendimento fácil de
levar a bom termo, como constatava Sousa Coutinho num ofício para
Martinho de Melo e Castro: " Não he possivel que aqueles negros feros se
custumem aos clerigos do paiz, nem que os deichem entrar nas suas terras,
ou porque os custumes, pela mayor parte lhes nam fassam respeitar o
caracter, ou porque a conformidade da cor lho nam persuade " 266. Ora, a
não aceitação do cristianismo por parte das populações de Angola
significava que estas não eram sujeitas ao sacramento do baptismo, ficando
consequentemente isentas do pagamento de dízimo: " os ditos gentios nam
baptizados não devem pagar os dizimos ", afirmação do governador em
correspondência para o juiz-de-fora da cidade de Benguela 267.
Contudo, perante uma petição de populações locais solicitando a
isenção do pagamento de dízimos invocando, como pretexto, a sua situação
de não baptizados, Sousa Coutinho limitou-se a determinar que todos os
párocos existentes em Angola saíssem das suas freguesias e fossem
baptizar essas pessoas, avisando o Reverendo Cabido nos seguintes termos:
" Vm intimara aos parocos das freguesias e missoes do seu destrito que
nam cobrarão a sua congrua sem hua atestação jurada por eles e por Vm em
que conste não haver algua pesoa nos seus destritos que esteja sem o
baptismo " 268. Sem dúvida que a realidade seria bem mais complexa não se
podendo resolver o problema de forma simplista até porque a escassez de
missionários em Angola era um facto 269.
Por uma carta circular que Sousa Coutinho mandou enviar a todos os
capitães-mores e cabos dos destritos sobre esta matéria, vemos que o
265
Cf. A.H.U., Angola, Códice 544, fl.1-28 v, Regimento do governo de Angola dado a Aires Saldanha
de Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, Capítulo 3º
266
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 62, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de
1771
267
BN, Reservados, Códice 8744, fl.202, Carta do governador Sousa Coutinho para o juiz-de-fora de
Benguela de 28 de Janeiro de 1772
268
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de
Junho de 1765
269
Idem, Ibidem
64
governador exprime uma posição menos drástica: " Sendo os gentios
isentos do pagamento dos dizimos pois que nam reconhecem como sua
Mae a igreja catholica romana deve Vm ordenar aos dizimeiros e
cobradores que athe nova resoluçam de Sua Magestade nam cobrem dizimo
dos ditos gentios " 270. E, num ofício para o marquês de Pombal, Sousa
Coutinho reconhecia estar perante uma " materia muito delicada " 271.
Para Sousa Coutinho, se o problema do não pagamento do dízimo
por parte dos africanos residia no facto de este ser um tributo eclesiástico
pago por cristãos e os africanos não o eram, propunha ao marquês de
Pombal a sua resolução mediante a adopção de uma de duas medidas: ou
através do envio de missionários para o reino de Angola, ou transformando
o pagamento do dízimo num tributo secular, podendo ser extensível à
esmagadora maioria da população luso-africana da região 272.
Não temos notícia da adopção de alguma destas medidas por parte do
marquês de Pombal, tendo ficado o problema em aberto. Contudo, sabemos
que as extorsões feitas por parte dos dizimeiros encarregues da sua
cobrança seriam uma realidade que oprimia baptizados e não-baptizados
provocando conflitos com as populações e levando, por vezes, à deserção
das suas terras 273.
Fora das fronteiras do reino de Angola existiam os potentados, reinos
centralizados como a Nzinga-Matamba ou o Kasanje e, ao contrário dos
sobados, o relacionamento que podiam ter com o governo de Luanda seria
de natureza económica, por exemplo, como fornecedores de escravos aos
comerciantes portugueses e luso-africanos.
Pensamos que o governo de Luanda procuraria gerir o seu
relacionamento com os potentados tentando evitar qualquer tipo de
270
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Carta circular do governador Sousa Coutinho de
4 de Maio de 1772
271
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de
Maio de 1772
272
Idem, Ibidem
273
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.p.409-410, Carta do governador
Sousa Coutinho para o capitão regente do Golungo de 19 de Fevereiro de 1772.
65
problemas com as autoridades 274. Não se deve esquecer que a afirmação do
poder português era precária, o seu exército com poucos efectivos exigindo
o recurso ao recrutamento de empacasseiros em caso de conflito; logo,
empreender uma guerra no sertão era algo a evitar na perspectiva de Sousa
Coutinho: " em Portugal entenderão que fazer a guerra aos negros he hua
acção de pequeno risco e de pequena despeza e na verdade não he asim
porque so o juntar os negros necessarios para ellas e para as conduçoens faz
hu trabalho sem igual, alem de que o perigo he muito mais certo do que nas
guerras da Europa, combatendo negros sem regularidade, evitando
continuas e sucesivas ciladas em montes fechados e serras escabrozas so
conhecidas dos mesmos abitadores, sem caminho nem meyos de faze lo; e
sobretudo combatendo o clima contra nos e fazendo hua guerra tão furioza
quanto não pode haver meios de evita la 275.
Dar uma resposta cabal à questão do tipo de relacionamento
existente entre o governo de Luanda e os potentados é algo díficil devido à
escassez de documentação existente nos arquivos portugueses sobre este
assunto, capaz de nos fornecer elementos de carácter mais definitivo.
Contudo, e dentro do âmbito do nosso estudo, foi-nos possivel
apontar, para o período do governo de Sousa Coutinho, a existência de três
realidades:

Derrota e subordinação de um poder africano, o Mani
Moçosso
 Existência de poderes hostis, a Kisama, o Sonho e o Mosulo; e de
um poder com o qual Luanda tinha um relacionamento de índole
económica, com base no tráfico de escravos e sem o controlar, o
Kasanje
 A " neutralidade " de Sousa Coutinho face ao conflito entre os
potentados Holo e Nzinga-Matamba.
274
Cf. A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 11, Regimento dos capitães-mores de 24 de Fevereiro de
1765, Artigos 5º, 7º, 15º e 20º.
275
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Abril de 1766
66
Data de finais do ano de 1765 o início dos conflitos com os
Moçossos que, segundo Sousa Coutinho, tinham atacado e roubado alguns
negociantes nas feiras da região de Encoje, prejudicando o tráfico de
escravos para a Luanda 276.
Com a ajuda do exército da rainha do Hoando, cujas povoações
também tinham sido atacadas pelos Moçossos 277 , as forças portuguesas
derrotaram este povo, durante o mês de Janeiro de 1766, procurando o
governo de Luanda pôr termo às perturbações no fluxo de escravos da zona
de Encoje para Luanda 278 . Só no final desse ano é que há notícia da
capitulação dos Moçossos devido às difíceis condições que tiveram de
enfrentar, na sequência da derrota inicial dado que foram " obrigados a
errar por montes, sem azilo, sem habitação e sem alimento seguro " 279,
acabando por pedir a paz ao governador de Angola 280. Essencial para a
concretização da vitória das forças de Sousa Coutinho foi a aliança com a
rainha do Hoando e com o Dembo Ambuilla, também inimigos dos
Moçossos, e que auxiliaram, com os seus guerreiros, as tropas portuguesas
281
. Quer a rainha do Hoando, quer o Dembo Ambuilla auxiliaram o
governador Sousa Coutinho devido aos ataques dos Moçossos nas suas
terras tendo existido, portanto, uma comunhão de interesses: para Sousa
Coutinho o objectivo era acabar com os ataques ao presídio e jurisdição de
276
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 72, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Dezembro
de 1765
277
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 60, Carta do governador Sousa Coutinho para a rainha do
Hoando de 28 de Novembro de 1766
278
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 65, Ofício do governador Sousa Coutinho de 4 de Março de
1766.
BN, Reservados, Códice 8742, fl.3 v- 5, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Caconda de 3 de Fevereiro de 1766 onde é mencionada " hua completa victoria e a mais deciziva que ha
perto de hu seculo houve neste sertão contra os Moçossos protegidos pelo rebelde Ambuela ".
Deduzimos, portanto, que a derrota dos Moçossos teria ocorrido algures durante o mês de Janeiro de
1766.
279
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 61, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Encoje de 28 de Novembro de 1766
280
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 65, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Dezembro de
1766.
Vemos que entre a mencionada derrota e a capitulação decorrera quase um ano revelando-se a capitulação
a única solução possível para os Moçossos que estariam a atravessar por um período muito difícil.
281
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 60, Carta do governador Sousa Coutinho para a rainha do
Hoando de 28 de Novembro de 1766
67
Encoje; para aqueles potentados o meio de acabar com as perturbações nos
seus domínios 282.
Data de 1768, ou seja, dois anos após estes eventos o " Acto de
reconhecimento obediencia e vassalagem " do Mani Moçosso, D.André
Muginga Bunga, no qual vemos a submissão deste chefe ao rei de Portugal,
mediante as seguintes claúsulas:
- 1ª Aceitação do baptismo e admissão de missionários nas suas
terras;
- 2ª Aceitação do undamento perante o capitão-mor de Encoje,
passando a estar sob a sua jurisdição;
- 3ª Fixação do seu povo nos territórios determinados pelo
governador não podendo deles sair sem a sua expressa
autorização;
- 4ª Negação de asilo aos desertores do exército português e a
escravos fugidos;
- 5ª Estabelecimento da paz com todos os sobas, dembos e
potentados vizinhos, especialmente com a rainha do Hoando,
entregando-lhe as terras que lhe tinha usurpado;
- 6ª Promessa de não declarar a guerra a algum soba, dembo ou
potentado sem licença do governador de Angola;
- 7ª Promessa de não fazer comércio com ingleses e franceses 283.
Se Sousa Coutinho conseguiu derrotar o Mani Moçosso e o seu
povo, o mesmo nunca aconteceu face à Kisama, ao Sonho e ao Mosulo.
A Kisama, região de importantes salinas situada a sul da zona de
influência portuguesa foi " sempre inimiga do estado não so nas guerras e
depredações que lhe moveo mas no surdo e continuo mal que lhe fas
282
Idem, ibidem
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 74, Acto de reconhecimento, obediencia e vassalagem do Mani
Moçosso de 1768
283
68
abrigando e dando passagem a todos os escravos fugidos de Angola " 284.
De facto, a Kisama sempre movera uma guerrilha contra o governo de
Luanda não só pelos roubos feitos aos comerciantes de escravos como pelo
asilo que dava a escravos em fuga, que nunca mais voltavam para a colónia
de Angola. Segundo Sousa Coutinho, os problemas continuariam enquanto
aquela região não fosse conquistada, advertindo o capitão-mor de
Massangano para não deixar que os pumbeiros se aventurassem naquelas
paragens, admitindo a sua ineficácia em relação ao problema 285.
O clima de tensão com os potentados Sonho e Mosulo revelou-se
aquando a fuga de um grupo de escravos para as terras do Dembo
Manicembo, aliado daqueles potentados.
O conflito entre Luanda e o Dembo Manicembo vinha do tempo do
governador António de Vasconcelos, antecessor de Sousa Coutinho por
motivo da rebelião de um grupo de escravos a bordo de uma embarcação
para o Rio de Janeiro e sua fuga para as terras deste Dembo que os tinha
recolhido 286.
Sousa Coutinho escrevendo ao Dembo Manicembo procura persuadilo a entregar os escravos em fuga, afirmando que se assim o fizesse seria
sempre seu amigo e aliado, evitando-se uma guerra que destruiria o dito
dembo 287. Simultâneamente, escrevera o governador ao Príncipe do Sonho
e ao Mani Mosulo para que convencessem o Dembo Manicembo, seu
vizinho e aliado, a seguir as determinações de Sousa Coutinho 288 . No
entanto, volvidos dois anos o problema mantinha os seus contornos iniciais.
Em Março de 1766, num ofício para Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, Sousa Coutinho assumia que o conflito com o Dembo Manicembo
284
Arquivos de Angola, I Série, Volume IV, nº49, Janeiro de 1939, p.p.173-209, Memória do reino de
Angola de D.Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho de 1773-1775
285
BN, Reservados, Códice 8743, fl.196, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Massangano
286
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 27, Carta do governador Sousa Coutinho para o Dembo
Manicembo de 30 de Julho de 1764
287
Idem, Ibidem
288
Idem, Ibidem, Carta do governador Sousa Coutinho ao Príncipe do Sonho e ao Mani Mosulo de 30 de
Julho de 1764
69
era uma causa perdida " sendo certo que o dito dembo nam entrega os ditos
escravos " 289. E desencadear uma guerra contra este Dembo seria muito
dispendioso e sem qualquer garantia de ser bem sucedida dado que o
Dembo Manicembo era aliado do Príncipe do Sonho, também inimigo de
Luanda, sendo ambos fornecidos de pólvora e armas, em abundância, pelos
comerciantes ingleses e franceses 290 . Para Sousa Coutinho, o Dembo
Manicembo, o príncipe do Sonho e o Mani Mosulo como " soberbos
potentados (...) os mais fortes e assistidos de polvora e bala dos portos
vezinhos em que comerceão os estrangeiros (...) quazi todas as guerras que
com eles tivemos forão mal sucedidas " 291.
Relativamente ao Mani Mosulo, os conflitos com o governo de
Luanda foram uma realidade, designadamente durante o ano de 1767.
Mostrando o seu desagrado pelo facto de ser comum a presença de
embarcações estrangeiras no território do Mani Mosulo, Sousa Coutinho
ameaçava mandar destruir as suas povoações se o Mani não suspendesse de
imediato os contactos comerciais com ingleses e franceses 292.
O Mani Mosulo teria comunicado junto do governador que se tal
acontecia nos seus territórios ele de nada sabia, mostrando Sousa Coutinho
não acreditar na sua versão dos acontecimentos e, de novo, advertindo-o a
cumprir as suas determinações 293. Deduzimos não ter sido o Mani Mosulo
muito receptivo às advertências de Sousa Coutinho dado que este, no início
de Junho desse ano, ameaçava o Mani Mosulo que se não acabasse o
comércio com os estrangeiros " certamente vos não escrevo mais e a
resposta ha de ser com o ferro e com o fogo " 294.
289
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 4, Ofício do governador Sousa Coutinho de 4 de Março de
1766
290
Idem, Ibidem
291
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 7, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Março de
1766
292
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 25, Carta do governador Sousa Coutinho para o Mani Mosulo
de 4 de Maio de 1767
293
BN, Reservados, Códice 8742, fl.184-184 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o Mani Mosulo
de 26 de Maio de 1767
294
BN, Reservados, Códice 8742, fl.193, Carta do governador Sousa Coutinho para o Mani Mosulo de 8
de Junho de 1767
70
Ignoramos o desfecho desta situação de conflituosidade latente com
o Mani Mosulo dado que não se encontraram elementos que nos
permitissem concluir algo a seu respeito, mas poder-se-á afirmar, com
alguma certeza que Sousa Coutinho, dificilmente passaria das palavras aos
actos devido aos condicionalismos estruturais que impediam, nessa altura,
o poder português sediado em Luanda de se expandir e subordinar esses
potentados.
Não podemos deixar de mencionar alguns elementos sobre o
Kasanje, reino com o qual os portugueses mantinham um relacionamento
de carácter económico.
Nesta altura, a autoridade dos reis Imbangala do Kasanje assentava
no seu monopólio sobre o tráfico de escravos com os portugueses,
reforçado pela capacidade que tiveram em confinar esse tráfico a um único
mercado, a feira de Kasanje, talvez a mais importante feira do sertão 295.
A principal característica desta feira era o facto de se tratar de um
mercado dependente de um poder político distinto do de Luanda 296. O jaga
de Kasanje e a sua clientela regulavam as trocas recebendo os bens trazidos
pelos mercadores portugueses e luso-africanos e distribuindo-os pelos
chefes de linhagens, seus súbditos, de quem obtinham os escravos para
serem vendidos aos comerciantes da região luso-africana 297.
Interessa salientar que o jaga de Kasanje era o intermediário
exclusivo entre os mercadores luso-africanos e os chefes de origem Lunda,
habitantes das regiões a leste do rio Kwango, principais fornecedores de
escravos neste período, impedindo qualquer contacto entre ambos 298.
295
Jill Dias, Ob.Cit., p.48
Jean-Luc Vellut, Questions Speciales d Histoire de L Afrique, Université Nationale du Zaire, Campus
de Lubumbashi, Faculté des Lettres- Département d Histoire, 1972-1973, p.p.94-113
297
Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.94-113
298
Jean-Luc Vellut, Ob.Cit., p.p.94-113. Sobre o mesmo assunto ver " Uma Viagem a Casange " in
Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Série 56, nº 1 e 2, Janeiro-Fevereiro 1938, p.p.9-30. Tratase do relato de uma expedição a Kasanje feita pelo sargento Manuel Correia Leitão em 1755-1756,
enviado pelo governador D.António Alvares da Cunha com a finalidade de fazer um reconhecimento da
296
71
O governo de Luanda teria sempre procurado manter um bom
relacionamento com o Kasanje e, nesse aspecto, Sousa Coutinho não
constituiu uma excepção, cuidando na manutenção da presença dos
portugueses e luso-africanos na feira de Kasanje e evitando qualquer tipo
de atritos com o jaga 299.
Pensamos ter sido a posição que Sousa Coutinho adoptou face ao
conflito que estalou entre os potentados Holo e Nzinga-Matamba, a
realidade que melhor definiu a sua forma de actuar face ao mundo africano.
Datam de Maio de 1765 as primeiras notícias relativas ao conflito
entre o Holo e a Nzinga-Matamba tendo por motivo a sucessão deste
último. Esta informação constava no " Tratado de Sujeição, Obediência e
Fidelidade " ao rei de Portugal por parte da rainha Nzinga, D.Ana
Guterres, juntamente com o motivo da sua sujeição, naquele momento: "
Porque a raynha Ginga de Dongo e Matamba D.Anna Guterres mandou por
seus embaixadores (...) a esta cidade de Loanda requerer ao Illmo e Exmo
Dom Francisco Innocencio de Sousa Coutinho governador e Capitam
general deste reyno e suas conquistas que na forma da obrigaçam de
vassalagem em que se constituiu pelo Tratado de 7 de Setembro de 1683; e
por outro de 25 de Outubro de 1744 devia a coroa de Portugal socorre la
em todas as ocasioes em que ella obrigada de alguma guerra reclamase o
socorro necessario à sua segurança e a conservaçam dos seus estados cuja
necesidade mostrava a mesma raynha ser a mais urgente pela opresão que
lhes cauzavão seu sobrinho Caluete Cabande ligado com os Potentados do
Holo para efeito de destruirem a posse em que esteve sempre o dito reino
de Dongo e Matamba de ser governado por femeas com a aprovação e
reconhecimento dos senhores governadores de quem a mesma rainha
recebeo sempre a investidura dos ditos reinos 300.
região. É referido que o jaga de Kasanje não permitia que estrangeiros, entre eles os portugueses e lusoafricanos, atravessassem o rio Kwango estabelecendo contactos directos com os povos Lunda.
299
BN, Reservados, Códice 8742, fl.13 v-14, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Mbaka de 8 de Março de 1766.
300
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, Caixa 703, Copia do Tratado de Sujeição, Obediência e
Fidelidade que fez a rainha Nzinga D.Ana Guterres de 25 de Maio de 1765
72
Vemos, portanto, que D.Ana Guterres pediu auxílio ao governador
de Angola por se sentir ameaçada por um sobrinho que com o apoio do
potentado Holo tinha por finalidade ascender ao poder da NzingaMatamba, pondo fim à preponderância das mulheres nesse reino, como
detentoras do poder político 301.
Sousa Coutinho procurou aproveitar este momento de fragilidade da
rainha Nzinga para retirar contrapartidas comerciais para os portugueses
que visavam beneficiar o acesso dos pumbeiros às regiões mais longínquas
da Matamba e do Kasanje em busca de novos fornecimentos de escravos,
devendo a rainha Nzinga facilitar a circulação desses pumbeiros, não
colocando qualquer tipo de entrave e fornecendo os carregadores
necessários 302.
Interessante foi a atitude do potentado Holo que " sabendo a
resolução da rainha mandaram tambem outros embaixadores requerendo
comercio e escrivão nas suas terras " 303 . E, a 8 de Julho desse ano, o
potentado Holo Marimba Goje assinava o seu " Acto de obediencia,
sujeição e vassalagem ao rei de Portugal " 304. Tal como no caso da rainha
Nzinga, as cláusulas que visavam facilitar a actividade dos pumbeiros na
região foram uma realidade, assim como as que visavam a divulgação do
301
A propósito da questão do acesso de uma mulher ao poder político e chefia de um reino da Africa
Ocidental a sul do Equador ver Joseph Miller, " Nzinga of Matamba in a new perspective " in Journal of
African History, Volume 16, nº2, 1975, p.p.201-216. Neste artigo, Joseph Miller relativamente à rainha
Nzinga D.Ana de Sousa, refere que entre os povos Mbundu o exercício do poder estava reservado
exclusivamente aos homens, tendo, por consequência, D.Ana de Sousa usurpado o título de rei Nzinga
com o apoio dos Imbangala.
Contudo, em pleno século XVIII, uma mulher, D.Ana Guterres é chefe supremo do potentado NzingaMatamba querendo um sobrinho seu pôr termo a algo que seria um hábito naquela região: o poder político
ser dominado por uma mulher. E Miller refere neste seu artigo que na Matamba era costume as mulheres
serem detentoras do poder político " a sixteenth- century kingdom known as Matamba had set an
exceptional precedent among the southern Kongo and northern Mbundu for rule by females (...) The
desintegration of the Ngola Kingdom had created a political vacuum that Nzinga hastened to fill during
the 1630 s by appropriating the residual legitimacy accorded females in the region ". Parecem, portanto,
ter prevalecido as tradições da Matamba no potentado Nzinga-Matamba a ponto de em pleno século
XVIII serem postas em causa de forma tão violenta.
302
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, caixa 703, Cópia do Tratado de Sujeição, Obediência e
Fidelidade que fez a Rainha Nzinga, D.Ana Guterres de 25 de Maio de 1765
303
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de
Julho de 1765
304
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 600, caixa 703, Cópia do Acto de Obediência, Sujeição e
vassalagem do potentado Holo Marimba Goje de 8 de Julho de 1765
73
cristianismo e fixação de missionários nas suas terras procurando, desta
forma, o governo de Luanda retirar benefícios do seu relacionamento com
o Holo 305. Muito curiosa se revelou a 3ª cláusula deste documento: " Que
em quanto a rainha Ginga cumprir de boa fe a livre e segura passagem
pelas suas terras de todos os negociantes e pumbeiros não podera elle dito
potentado fazer lhe guerra nem ainda debaixo do pretexto do sobrinho da
mesma raynha que se acha nas terras dele potentado; porem se ella
embaraçar o comercio ou vedar os caminhos e negar os carregadores
poderam eles livremente fazer lhe a guerra athe conseguir que o caminho
esteja franco e seguro para a devida execuçam das ordens deste governo 306.
Deduz-se que Sousa Coutinho deu liberdade ao Holo para atacar a
rainha Nzinga caso esta não cumprisse as suas obrigações para com a coroa
portuguesa, talvez conhecedor de que seria uma situação inevitável, ficando
assim o Holo encarregue de punir a Nzinga-Matamba sem que o governo
de Luanda tivesse de participar numa guerra do sertão, algo que Sousa
Coutinho entendia que se devia evitar, como se frisou anteriormente.
Em Março de 1767 há notícia de que a rainha Nzinga estaria a
dificultar a passagem de missionários para o potentado Holo 307 ,
determinando o governador ao escrivão das terras de Holo e Nzinga que
devia " partecipa lo ao Holo para que ele faça a guerra como entender que
convem aos seus enteresses, todas e quantas vezes quizer, na firme
inteligência de que o que ajustou comigo o nam embaraça, suposta a
rebeldia da dita raynha e que no tempo de ver se apertado pelas forças da
mesma sera socorrido como fiel vassalo " 308 . Devia ainda aquele
funcionário " aproveitar se das discordias dos dois para que receozo o Holo
do que o tempo pode fazer vindo a necesitar os socorros que pedir se faça
christão e os seus povos e anime o comercio na forma estipulada e a
Raynha mais ou menos ferida das forças daquele potentado, entre nos
305
Idem, Ibidem
Idem, Ibidem
307
BN, Reservados, Códice 8742, fl.161 v-162, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
de Mbaka de 20 de Março de 1767
308
BN, Reservados, Códice 8742, fl.160-161, Carta do governador Sousa Coutinho para o escrivão das
terras de Holo e Nzinga de 20 de Março de 1767
306
74
limites da razão, cumprindo de boa fe o que à mesma convém (...) por cujas
causas não apague Vm de nenhuma forma o fogo que entre os dois se
assender, porque das suas reciprocas irregularidades colhemos hu copiozo e
necesario fructo " 309.
Em Novembro de 1767, Sousa Coutinho mostrava estar apenas
preocupado com a segurança dos presídios de Mbaka e de Pedras de
Pungo-a-Ndongo dado que o conflito entre os dois potentados estaria no
auge: " por que sendo me presentez as grandes perturbações que agora
ocorrem entre a Ginga e o Holo tenho rezoluto deixa los amansar e destruir
pelas suas proprias maons " 310.
O ofício de Sousa Coutinho para Francisco Xavier de Mendonça
Furtado de Dezembro de 1767 revela que a rainha Nzinga, D.Ana Guterres
fora morta, assim como os seus seguidores por um sobrinho seu, aliado do
potentado Holo 311. E, em Fevereiro do ano seguinte, Calluete Cambande, o
sobrinho de D.Ana Guterres que desencadeara este conflito, depois de a ter
morto e subvertido as regras de sucessão do potentado Nzinga-Matamba
com o auxílio do Holo, já como rei Nzinga assinava o seu " Acto de
Sujeiçam, obediencia e Vassalagem a Sua Magestade Fidelissima nas
maons do Illmo e Exmo D.Francisco de Souza Coutinho " 312.
Sousa Coutinho reconhecia D.Calluete Cambande como sucessor de
sua tia no reino Nzinga de Ndongo e Matamba, obtendo da parte de
D.Calluete a promessa da sua conversão ao cristianismo e permissão da
presença de missionários nas suas terras; igualmente a promessa de facilitar
a actividade comercial de negociantes e pumbeiros 313.
Mostrou a coroa portuguesa aprovar a actuação de Sousa Coutinho,
não deixando de sublinhar as vantagens desta guerra para o governo de
309
Idem, Ibidem
BN, Reservados, Códice 8742, fl.248-248 v, Carta do governador Sousa Coutinho para António
Anselmo Duarte de Sequeira de 25 de Novembro de 1767
311
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 58, Ofício do governador Sousa Coutinho de 16 de Dezembro
de 1767
312
Arquivos de Angola, I Série, Volume I, nº4, Novembro de 1935, p.p.189-190, Acto de Sujeição,
Obediência e Vassalagem de D.Calluete Cambande, rei Nzinga, de 25 de Fevereiro de 1768
313
Idem, Ibidem
310
75
Luanda: " a consequencia destas guerras barbaras podera muito bem ser a
destruição dos potentados vizinhos das rayas desse reino, ficando asim
mais seguras dos insultos delles (...) tambem das referidas guerras rezultara
a outra consequencia de se resgatar mayor numero de pretos, não podendo
deixar de haver nellas grande numero de prisioneiros " 314.
Parece indubitável que Sousa Coutinho aproveitando um
incumprimento do acto de obediência da rainha Nzinga, D.Ana Guterres,
permitiu que o potentado Holo a atacasse conseguindo não só desgastar as
duas forças políticas, como arranjar, em consequência desse conflito, novos
fornecimentos de escravos para os portugueses. Ciente da dificuldade de
enfrentar, em caso de guerra, a Nzinga- Matamba ou o Holo, Sousa
Coutinho serviu-se deste último e das ambições de um sobrinho de D.Ana
Guterres para " neutralizar ", durante algum tempo, aqueles dois
potentados.
314
A.H.U., Angola, Códice 408, fl.155-155 v, Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado para o
governador Sousa Coutinho de 6 de Maio de 1768
76
Capítulo III- Sousa Coutinho e a tentativa de "fomento
industrial": A "Fábrica do Ferro" de Nova Oeiras
A) Estabelecimento e Funcionamento da " Fábrica do
Ferro " de Nova Oeiras 1766-1772
O empreendimento da " fábrica do ferro " de Nova Oeiras,
desenvolvido no decurso do governo de D.Francisco de Sousa Coutinho
terá sido, porventura, a realidade mais marcante da sua acção governativa
em Angola. Contudo, a exploração dos recursos minerais de Angola, entre
eles o ferro, era uma ideia que remontava ao século XVII, encontrando-se
presente no regimento do governador Aires de Saldanha de Meneses de 12
de Fevereiro de 1676 315 . Tratar-se-ia, portanto, de algo que todos os
governadores deviam ter em atenção quando iam para Angola tendo Sousa
Coutinho tentado pôr em prática essa determinação.
Gostaríamos de referir, antes de dar início a este capítulo, dois
aspectos que nos permitirão compreender melhor, no decurso da nossa
análise, os termos em que funcionou a " fábrica do ferro ":
 a " fábrica do ferro " procurou aproveitar os conhecimentos e
experiência dos africanos que desde tempos remotos se dedicavam
à extracção e fabrico de objectos de ferro,
 há que ter em consideração que no contexto da realidade angolana
do século XVIII, a expressão " fábrica " que é usada na
documentação da época, significava apenas o acto ou efeito de
fabricar algo e não uma fábrica no sentido moderno e industrial do
termo dado que a produção de ferro em Nova Oeiras assumiu
características meramente artesanais.
315
A.H.U., Angola, Códice 544, fl.1-28 v, Regimento do governo de Angola de Aires de Saldanha de
Meneses de 12 de Fevereiro de 1676, capítulo 12º
77
Em Dezembro de 1765, Sousa Coutinho dava notícia das primeiras
diligências que fizera no sentido de averiguar acerca da existência de
jazidas de minério de ferro no sertão, mais concretamente na região da
Ilamba 316. Constatando que o ferro era produzido e usado pelas populações
africanas no fabrico de instrumentos de lavoura e instrumentos bélicos 317,
Sousa Coutinho enviara à região da Ilamba alguns ferreiros para o
informarem não só acerca da quantidade e qualidade do minério de ferro ali
existente como das condições do local com vista a um eventual
estabelecimento de uma extracção mais sistemática desse minério orientada
e a favor do governo de Luanda 318.
Os resultados dessa averiguação teriam sido, na óptica de Sousa
Coutinho, bastante satisfatórios: " a facilidade da extracção nam pode ser
mayor por que havendo muitos seculos, que os Negros uzam dos mineraes
ainda nam passaram do que a Natureza lhe deu à primeira vista; nos
mesmos sitios ha muitas lenhas comuas e he bastantemente povoado
ficando situado entre o Quanza e o Zenza, por onde comodissimamente
pode ser navegado " 319, surgindo a ideia de criar " hua pequena fabrica "
com a finalidade de prover de ferro os armazéns reais de Angola e Brasil
320
.
Revelou Sousa Coutinho o cuidado de solicitar a aprovação régia
nesta sua iniciativa, se esta não fosse do agrado da coroa, imediatamente a
abandonaria 321 . Em Julho do ano seguinte, uma carta da Secretaria de
Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos dirigida ao
governador Sousa Coutinho informava não só a total aprovação régia pela
iniciativa como dava uma ordem clara no sentido de se prosseguir os
316
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Dezembro
de 1765
317
Idem, Ibidem.
BN, Reservados, Códice 8742, fl.114 v-115, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Mbaka de 4 de Janeiro de 1767
318
A.H.U., Angola, Caixa 49, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Dezembro
de 1765
319
Idem, Ibidem
320
Idem, Ibidem
321
Idem, Ibidem
78
trabalhos na Ilamba, mesmo sem a presença de um mestre ferreiro de
origem europeia que a coroa tentaria contratar e enviar para Angola 322.
Entre Julho e Setembro de 1766 dera-se a primeira fundição de ferro
na Ilamba pelos artífices locais, sob ordem do governador, e seu
encaminhamento para Luanda 323. Esse ferro produzido na Ilamba seria de
muito boa qualidade e nessa altura fala-se no envio para Luanda de 30
quintais por mês 324.
Seguindo as determinações da coroa, Sousa Coutinho ordenava em
Dezembro de 1766 ao capitão-mor do Golungo que devia tratar a questão
do ferro com mais séria e constante aplicação 325 . Temos a informação,
nesta data, que todo o ferro produzido seria remetido para Lisboa, daí o
facto de Sousa Coutinho mostrar a sua procupação e exigir o aumento da
produção de ferro, esperando ter todos os meses uma quantidade
significativa a enviar para Lisboa 326.
Foi nessa altura, ou seja, em Dezembro de 1766, que se deu o
estabelecimento de uma " Real Fábrica do Ferro " no território das jazidas
de ferro entre o rio Lukala e um seu afluente, o Luina 327 que Sousa
Coutinho baptizou com o nome de Nova Oeiras " um grande
estabelecimento fundado no mais belo e fertil terreno desta região " 328, na
perspectiva optimista do governador.
Nesta data e relativamente à " fábrica " podemos apontar, desde já,
os seguintes aspectos:
322
A.H.U., Angola, Códice 408, fl.107 v-fl.110 v, Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado de 21
de Julho de 1766
323
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 28, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Julho de
1766
324
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 44, Carta do corregedor Manuel Pinto da Cunha e Sousa de 1
de Setembro de 1766
325
BN, Reservados, Códice 8742, fl.107 v-108 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor do Golungo de 10 de Dezembro de 1766
326
Idem, Ibidem
327
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Dezembro
de 1766
328
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 16 de Fevereiro de
1767
79
 A " fábrica " era administrada pela fazenda real do reino de
Angola estando, portanto, na posse da coroa 329.
 Era necessário para proporcionar o incremento dos trabalhos de
extracção e fundição, assim como para a sua direcção e
superintendência existir um intendente e, para controlar o
movimento de receitas e despesas, um almoxarife, ambos com
residência no local 330.
 Produziam os ferreiros africanos, naquela altura, entre 40 a 50
quintais de ferro por mês 331.
 Era necessária a presença no local de um ou mais mestres ferreiros
europeus de forma a, aproveitando a natural habilidade dos
africanos, incrementar a produção mediante a divulgação dos
métodos e técnicas de origem europeia 332.
Portanto, fora escolhido o local, entre os rios Lukala e Luina junto às
jazidas de minério, deu-se-lhe um nome, Nova Oeiras e a produção de ferro
feita pelos ferreiros africanos passava a ser enviada para Luanda. Faltava,
segundo o governador, não só estabelecer uma povoação como criar as
necessárias infra-estruturas, possiveis de realizar naquela época e naquele
contexto, para " dar forma de fabrica real ao que erão pequenos trabalhos
volantes " 333.
Em que consistiu a " fábrica " do ferro de Nova Oeiras, estabelecida
no território entre os rios Luina e Lukala? Se Sousa Coutinho afirmava que
era preciso " dar forma de fabrica Real ao que erão pequenos trabalhos
volantes " 334, o que significava, na prática, semelhante afirmação?
329
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Dezembro
de 1766
330
Idem, Ibidem
331
Idem, Ibidem
332
Idem, Ibidem
333
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, " Memoria sobre o estado em que deichei a fabrica de ferro
" por D.Francisco de Sousa Coutinho de 16 de Setembro de 1773
334
Idem, Ibidem
80
O objectivo inicial foi chegar ao local onde se encontravam as
jazidas de ferro, sendo necessário para o efeito abrir caminhos e romper
matos, tendo Sousa Coutinho mandado estabelecer, próximo das jazidas,
uma povoação á qual deu o nome de Nova Oeiras 335.
Foi estabelecida a povoação em Janeiro de 1767, tornando-se
essencial atrair povoadores 336. Tentando resolver este aspecto determinava
o governador ao capitão-mor de Massangano para mandar fixar em Nova
Oeiras " dez soldados cazados e com filhos e alguns mais pobres moradores
dese destrito, que voluntariamente se persuadão deste estabelecimento em
que se lhe devem dar terras para cultivar e todo o auxilio para formar as
suas comodidades " 337. Além dos povoadores de Massangano estava ainda
prevista a vinda de soldados e respectivas famílias de Muxima, Cambambe
e Mbaka, concretamente 10 soldados de cada presídio 338.
Escolhido o local para o estabelecimento da povoação e determinada
a vinda de povoadores assim como de áreas de cultivo, em redor do local,
para o sustento dos mesmos, era necessário construir os edifícios
considerados essenciais ao funcionamento da povoação: igreja, feitoria,
tesouraria, casas de residência do intendente e dos mestres ferreiros a
contratar na Europa, armazéns e casas para fundição do ferro 339 .
Simultâneamente, iam-se explorando as minas de ferro 340, trabalho que se
revelaria bastante difícil: " considerando que nem as forças, nem os
instrumentos dos negros serião bastantes para rasgar a Mina, mando a Vm
seis enxadas do Reyno, seis picaretas, e duas lavancas e mando também os
soldados e payzanos europeos aos quais Vm fara situar nesa nova povoação
e fazendo os trabalhar na abertura da mina pagando lhes por este serviço o
335
Idem, Ibidem
BN, Reservados, Códice 8742, fl.129 v-130 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor de Massangano de 9 de Janeiro de 1767
337
Idem, Ibidem, fl.130
338
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução do governador para o intendente da fábrica do
ferro de Nova Oeiras de 7 de Janeiro de 1767
339
Idem, Ibidem.
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 43, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Agosto de 1769
340
BN, Reservados, Códice 8742, fl.131 v- 132, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
do Golungo de 12 de Janeiro de 1767. Idem, fl.158-159, Carta do governador Sousa Coutinho para o
capitão-mor do Golungo de 17 de Março de 1767
336
81
que eles merecerem nam por dias mas por palmos ou braças de trabalho "
341
. Além das minas, a " fábrica " incorporou os matos em redor para
obtenção de lenha, necessária à fundição do minério de ferro e reunia o
seguinte conjunto de infra-estruturas: um açude para aproveitar a energia
hidráulica fornecida pelas águas do Lukala e do Luina; fornalhas e fornos
de cal, tijolo e telha para fundição do ferro 342.
O estabelecimento da " fábrica do ferro " assim como a criação da
povoação de Nova Oeiras não teria sido um empreendimento fácil.
Escrevendo ao então nomeado Intendente da fábrica do ferro, António
Anselmo Duarte de Sequeira, em Abril de 1767, ou seja, cerca de três
meses após a sua fundação, Sousa Coutinho revelava o seu
descontentamento pela forma como os trabalhos estariam a ser dirigidos 343.
A actuação do intendente não seria muito eficaz dado que, ao enfrentar as
dificuldades inerentes a uma tarefa desta natureza, tentara aligeirar as
determinações do governador no que tocava à localização da povoação e da
" fábrica " além de que passava mais tempo em Luanda do que em Nova
Oeiras onde era suposto estar a dirigir os trabalhos da " fábrica " e da
construção dos edifícios da povoação 344. O conselho de Sousa Coutinho
para António Anselmo Duarte de Sequeira era bastante elucidativo da
realidade que se vivia naquela região: " persuada se Vm que quem
estabelece hua colonia, nam acha Palacios, nem jardins, encontra muitos
espinhos que cortar e muitas pedras que mover, e havendo constancia e
amor ao real serviço logo se chega ao fim por mais asperos que sejão os
caminhos " 345.
341
Idem, Ibidem.
Em 1797, José Alvares Maciel, depois de ter visitado as instalações de Nova Oeiras, descrevia as jazidas
de ferro nestes termos: " A quantidade que ha de minna he imensa e toda à superficie, a configuração
desta he de seixo, a cor exterior he preta e lustroza, e outras de hu pardo ferruginozo, por dentro he de hu
pardo azulado: o seu tisso he composto de pequenos grãos semelhantes aos que aprezenta o aço na sua
fractura (...) ", António da Silva Rego, " A Academia Portuguesa da História e o II Centenário da Fábrica
de Ferro em Nova Oeiras, Angola " in Colectânea de Estudos em Honra do Prof.Doutor Damião Peres,
Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1974, p.p.387-398
342
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 68, Ofício do governador Sousa Coutinho de 3 de Dezembro de
1768 e documento 73, Ofício do governador Sousa Coutinho de 12 de Março de 1768; A.H.U., Angola,
Caixa 53, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 13 de Março de 1769
343
BN, Reservados, Códice 8742, fl.167-168 v, Carta do governador Sousa Coutinho para António
Anselmo Duarte de Sequeira de 10 de Abril de 1767
344
Idem, Ibidem
345
Idem, Ibidem, fl.167 v
82
Vemos que a direcção e supervisão dos trabalhos da " fábrica " assim
como a organização e incremento da povoação cabia a um intendente,
nomeado pelo governador. Segundo Sousa Coutinho este funcionário devia
ser de Portugal, nunca um natural de Angola, estando sempre " debaixo da
imediata dependencia e sogeição do governador " 346. A escolha de Sousa
Coutinho foi António Anselmo Duarte de Sequeira, um militar que se
distinguira, nas campanhas contra os Moçossos, nomeado intendente da "
fábrica do ferro " de Nova Oeiras em 7 de Janeiro de 1767, em simultâneo
com a criação da fábrica e da povoação com o vencimento provisório de
500 reis por mês 347. Para além de António Anselmo Duarte de Sequeira, a
" fábrica do ferro " conheceu mais um intendente durante o governo de
Sousa Coutinho: o tenente Joaquim de Bessa Teixeira, nomeado em 10 de
Setembro de 1771, com o mesmo vencimento e com o mesmo tipo de
funções do seu antecessor- direcção dos trabalhos da " fábrica ", governo
da povoação e seus habitantes 348.
Além do intendente, a " fábrica " contava ainda com a presença de
um almoxarife e de um escrivão. O almoxarife, nomeado por um ano, tinha
por função zelar por toda a receita e despesa relativa à fábrica, assim como
receber e distribuir as fazendas para pagamento dos trabalhadores africanos
em Nova Oeiras 349. Temos conhecimento de que em 20 de Fevereiro de
1767 era nomeado o primeiro almoxarife de Nova Oeiras, Joaquim
Loureiro de Sousa, por um ano mas sem referência ao seu vencimento 350.
Data de 27 de Julho de 1771 a segunda nomeação para o cargo de
almoxarife da fábrica de Nova Oeiras que conseguimos localizar: Caetano
Luís de Carvalho, também por um ano e sem referência ao seu vencimento
346
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 64, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Dezembro
de 1766
347
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Portaria nomeando António Anselmo Duarte de Sequeira no
posto de intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 7 de Janeiro de 1767
348
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 71, Cópia da portaria nomeando intendente da real fábrica do
ferro o tenente Joaquim de Bessa Teixeira de 10 de Setembro de 1771
349
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Ofício do governador Sousa Coutinho de 12 de Março de
1768
350
Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.53-54, Provisão do
governador Sousa Coutinho nomeando Joaquim Loureiro de Sousa no cargo de almoxarife da fábrica do
ferro de Nova Oeiras de 20 de Fevereiro de 1767
83
351
. Devendo prover o registo de tudo o que entrava ou saía da tesouraria da
" fábrica ", o escrivão, tal como o almoxarife era nomeado pelo período de
um ano. Localizámos uma nomeação para este cargo na pessoa de Hipólito
Fernandes Pinto em 6 de Abril de 1770 352.
Pela instrução do governador Sousa Coutinho dada ao intendente
António Anselmo Duarte de Sequeira em 12 de Janeiro de 1767 podemos
constatar quais eram as decisões a tomar e os procedimentos a seguir
relativamente a Nova Oeiras 353. Assim, devia o intendente:
 Estabelecer a povoação de Nova Oeiras, junto às jazidas de ferro,
acompanhado pelos seus colonos, desbravando os matos e abrindo
caminhos 354;
 Determinar o local de construção dos edifícios públicos ( igreja,
feitoria, residência do intendente e dos mestres ferreiros ), além de
dividir os terrenos entre os colonos para que estes se fixassem,
com as suas famílias, cultivando essas terras 355;
 Tratar correctamente a mão-de-obra africana, presente em grande
quantidade no empreendimento, ordenando que sejam bem pagos
e tratados 356;
 Pagar aos negros, por cada quintal de ferro produzido, 2400 reis
em fazendas, divididas em partes iguais entre todos os
trabalhadores. Chegando os mestres ferreiros ao local, o jornal dos
negros passava a ser pago de acordo com o usado na prestação de
serviços nas obras reais 357;
351
Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.143-144, Provisão do
governador Sousa Coutinho nomeando Caetano Luís de Carvalho no cargo de almoxarife da fábrica de
ferro de Nova Oeiras de 27 de Julho de 1771
352
Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.137-138, Provisão do
governador Sousa Coutinho nomeando Hipólito Fernandes Pinto no cargo de escrivão da fábrica do ferro
de Nova Oeiras de 6 de Abril de 1770
353
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução para o intendente da fábrica do ferro de Nova
Oeiras António Anselmo Duarte de Sequeira de 12 de Janeiro de 1767
354
Idem, Ibidem, capítulos 1º a 3º
355
Idem, Ibidem, capítulos 4º e 5º
356
Idem, Ibidem, capítulo 6º
357
Idem, Ibidem, capítulos 7º e 8º
84
 Zelar pela segurança das instalações da feitoria, evitando a
presença de insectos que destruissem as fazendas para o
pagamento do jornal dos negros 358;
 Regular e rentabilizar a utilização de gado no transporte de ferro
da fábrica até ao rio, tornando eficaz o escoamento da produção
359
;
 Vigiar as povoações que forneciam trabalhadores para a fábrica,
zelando para que fiquem pessoas em número suficiente para
cultivar os campos e garantir o sustento desses trabalhadores 360;
 Atrair " com doçura e justiça " futuros habitantes de Nova Oeiras
que se deviam dedicar, apenas, à agricultura ou ao serviço da
fábrica 361;
 Exigir, dos capitães-mores dos presídios junto a Nova Oeiras total
obediência no que tocasse ao serviço da fábrica 362.
A ausência de mestres ferreiros capazes de produzir ferro de acordo
com os métodos europeus, considerados mais eficazes e produtivos,
constituiu o principal problema que afectou o empreendimento durante o
ano de 1767.
Em Julho de 1767, Sousa Coutinho refere que tinha contratado três
mestres ferreiros da Baía; contudo, devido a uma estadia em Benguela
contraíram febres que os vitimaram em 3 dias, não tendo chegado a Nova
Oeiras 363. Só em Abril de 1768 é que seriam contratados os quatro mestres
biscainhos, cuja trágica permanência em Nova Oeiras se encontra bem
documentada.
Jozeph Manoel de Echavarria, Francisco Xavier de Zuloaga,
Francisco de Echanique e Jozeph de Erretolaza, mestres ferreiros oriundos
das regiões da Biscaia e Navarra, estabeleceram, em 30 de Abril de 1768,
as suas condições de aceitação do cargo na fábrica de Nova Oeiras:
358
Idem, Ibidem, capítulo 9º
Idem, Ibidem, capítulo 10º
360
Idem, Ibidem, capítulos 11º a 13º
361
Idem, Ibidem, capítulos 14º e 15º
362
Idem, Ibidem, capítulos 16º e 17º
363
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Julho de
1767
359
85
comprometiam-se a trabalhar na fábrica de Nova Oeiras por um período de
3 anos, contados a partir da sua chegada ao local; comprometiam-se a "
edificar o laboratório e a fábrica ", além de arranjar os instrumentos
necessários aos trabalhos de fundição do ferro; comprometiam-se a ensinar
a sua arte aos ferreiros africanos; o salário de cada um ficava estabelecido
em 2400 reis por dia; as despesas da viagem de ida e volta ficavam a cargo
da coroa 364.
Teriam os mestres biscainhos abalado para Angola nos finais do mês
de Abril de 1768 365 , desembarcando em Luanda a 24 de Outubro 366 e
tendo chegado a Nova Oeiras no dia 14 de Novembro 367.
As sua impressões sobre o local revelar-se-iam favoráveis: " foram
ver o rio Luinha e lhe nam acharão dificuldade algua de vir agua para os
assudes e se occuparão em ver fundir os pretos e de tarde fuy com elles
acima do rio dito e marcarão a pasagem para se entrar ja a limpar para se
encanar a agua em distancia desta fabrica (...) Viram a pedra de ferro e o
carvão e disceram que hua e outra couza estava boa; e acentamos com elles
armarem hua fundição e trabalharem com os folles grandes para os negros
verem a quantidade que rende " 368.
O método de fundição do ferro utilizado pelos mestres biscainhos
seria diferente e menos produtivo daquele que era usado na Alemanha e na
França dado que usava fornos de pequena dimensão ao contrário do que se
passava no norte da Europa onde, naquela época, a fundição do ferro era
feita em fornos de maior dimensão e com o auxílio do " cadinho " ou "
ouvrage " 369 . Segundo Sousa Coutinho, apesar de não ser possível
364
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 15, Condições dos mestres da Biscaia sobre a sua ida para a
fábrica do ferro de Nova Oeiras de 30 de Abril de 1768
365
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 27, Ofício do governador Sousa Coutinho de 22 de Agosto de
1768
366
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro
de 1768
367
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 38, Carta do intendente de Nova Oeiras para o governador
Sousa Coutinho de 15 de Novembro de 1768
368
Idem, Ibidem
369
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Novembro
de 1768
86
introduzir o método de fundição francês ou alemão, ter conseguido pôr a
trabalhar em Nova Oeiras 4 mestres, segundo o método da Biscaia, era já
um feito considerável sendo o aspecto mais importante o da sua divulgação
junto dos ferreiros africanos, habituados a produzir reduzidas quantidades
de ferro com o auxílio de pequenos foles de pele de cabra 370.
Poucos dias após a sua chegada a Nova Oeiras, 2 mestres adoeciam,
mas sem gravidade, segundo o relatório do intendente que mencionava
também ter sido a região afectada por chuvas intensas que estavam a
dificultar os trabalhos da fábrica e a causar danos à povoação cujas casas
eram feitas de barro 371.
Demonstrando, sem dúvida, falta de conhecimento da realidade que
se vivia em Nova Oeiras, Sousa Coutinho revelava-se bastante optimista
em relação à sua iniciativa e, num ofício para Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, mostrava a sua satisfação pela chegada dos mestres a
Nova Oeiras: " espero que dentro de trez ou quatro mezes trabalhe a fabrica
e estejão os negros ensinados a servir se de folez grandes e a fundir como
os mestres (...) Hé bem natural e bem de esperar que quando esta carta
chegar a mao de V Exª esteja a fabrica de todo estabelecida " 372 . O
importante seria produzir, num futuro próximo, ferro em fornos de
dimensões maiores e fornecer, dessa maneira, material para artelharia e
munições 373. Sousa Coutinho afirmava ter sido a iniciativa de Nova Oeiras
construida sobre fundamentos sólidos, sublinhando o seu valor: " se
persuadirá V Exª de que introduzi e segurei no regio erario hu inexaurivel
tezoiro, que adiantado e animado em todos os tempos dara hua
extraordinaria força à monarchia " 374 . Todavia, o desenrolar dos
acontecimentos demonstraria, precisamente, o contrário.
370
Idem, Ibidem
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 47, Carta do intendente de Nova Oeiras para o governador
Sousa Coutinho de 21 de Novembro de 1768
372
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 68, Ofício do governador Sousa Coutinho de 3 de Dezembro de
1768
373
Idem, Ibidem
374
Idem, Ibidem
371
87
Em Dezembro de 1768 morriam três mestres ferreiros: a 6 de
Dezembro, José de Retolaza; a 8 desse mês, Francisco de Zuloaga e no dia
29, Francisco de Echenique 375.
A descrição fornecida pelo governador, em ofício para o reino,
elucida as trágicas circunstâncias que levaram os três mestres à morte: "
Sou infelismente obrigado a dizer a V Exª que as dezordens da vida e da
boca dos quatro mestres fundidores sobre hua monstruoza infecção do
escorbuto da viagem, unidas à malignidade do clima acabão de levar à
sepultura os trez mais inferiores, pasmando e rendendo se à tristeza da
primeira morte de maneira que tão atrevidos erão enquanto bons como
dezesperados e habatidos depois de enfermos, recuzarão os remedios e os
alimentos dizendo que querião morrer e assim o conseguirão " 376 . A
doença, a par de uma alimentação deficiente e de um clima difícil de
suportar ditaram o rápido fim daqueles homens. Pouco tempo depois, a 23
de Janeiro de 1769, morria o último mestre, José Manuel de Echevarria 377.
Sousa Coutinho, ao participar a Francisco Xavier Mendonça Furtado
a morte do último mestre biscainho mostrava ter uma noção mais exacta
das dificuldades que estavam a prejudicar seriamente a sua obra: a longa
distância entre Luanda e Nova Oeiras ( 6 dias de viagem ); o clima da
região que se estava a revelar mortífero para os europeus; a ausência de
artífices e mestres ferreiros que podessem desenvolver a fábrica 378.
Na sequência destes eventos, Sousa Coutinho procurou chamar a si a
direcção da obra, servindo-se dos planos e indicações deixados por José
Manuel de Echevarria 379 . A tentativa de produção de ferro continuava
apesar da ausência dos mestres biscainhos: " os poucos ferreiros brancos
375
Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.101-105, Notícia da
morte dos três mestres da fábrica do ferro de Nova Oeiras de Janeiro de 1769
376
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 8, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Janeiro de
1769
377
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 11, Carta do intendente de Nova Oeiras para o governador
Sousa Coutinho de 25 de Janeiro de 1769
378
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 12, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Fevereiro de
1769
379
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 18, Ofício do governador Sousa Coutinho de 6 de Março de
1769
88
que ha aprenderão bastantemente da unica fundição que fizerão os
biscaynhos e so não conseguirão a forma dos fornos e como destes não
deicharão plantas, sera bem dificil conseguir se sem outros directores
Porem assim mesmo trabalhão continuadamente por aperfeiçoar a fundição,
e por faze la passar aos negros em quantidades uteis " 380. Vemos que os
mestres biscainhos não chegaram sequer a construir o forno de fundição do
ferro e que a produção continuava a ser feita de acordo com as técnicas dos
africanos. Simultâneamente, continuavam as obras de construção de um
edifício, a futura " fábrica " e de um açude, estando Nova Oeiras
desprovida da presença de mestres ferreiros europeus cuja vinda persistia
Sousa Coutinho em solicitar junto da corte 381.
A construção da povoação de Nova Oeiras ficou concluída por volta
de Julho de 1769 382 e, sempre com o objectivo de superar o problema da
ausência de artífices europeus no local, propunha o governador que fossem
degredados para Angola todos os presos das relações de Lisboa, Porto, Rio
de Janeiro e Baía que tivessem o ofício de serralheiro, pedreiro ou
carpinteiro 383.
Em Agosto de 1769, temos notícia de que teriam morrido algumas
pessoas em Nova Oeiras, vítimas de febres, afirmando Sousa Coutinho ter
ficado sem um único pedreiro branco 384 . Cerca de um ano mais tarde
comunicava o governador ao Conde de Oeiras estar " a fabrica do ferro
totalmente concluida e so espera para trabalhar que venhão Mestres e
oficiais dessa corte " 385. A infra- estrutura estaria montava mas faltando,
talvez, o mais importante: os artífices que incrementassem a produção de
ferro para, finalmente, serem satisfeitos os designíos de Sousa Coutinho.
380
Idem, Ibidem
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 21, Ofício do governador Sousa Coutinho de 13 de Março
1769
382
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 43, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Agosto
1769
383
Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro- Outubro 1953, p.p.131-133, Ofício
governador Sousa Coutinho de 30 de Outubro de 1769
384
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 41, Ofício do governador Sousa Coutinho de 1 de Agosto
1769
385
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 46, Ofício do governador Sousa Coutinho de 9 de Julho
1770
381
de
de
do
de
de
89
Uma instrução do governador Sousa Coutinho para o regente da
fábrica de Nova Oeiras, o tenente Joaquim de Bessa Teixeira, dá-nos uma
ideia acerca da sua situação em Agosto de 1770, altura em que estariam
concluídas as suas obras 386.
Nesta fase era necessário, na óptica do governador, ter em
consideração os seguintes aspectos: conservar a povoação em bom estado e
habitada para que quando os mestres chegarem encontrem um local
habitável; concluir as obras do açude e do engenho da fábrica; terminar a
construção da igreja; incentivar os habitantes de Nova Oeiras a se
dedicarem, em exclusivo, à agricultura 387. De facto, as obras da fábrica só
estavam concluídas em Setembro de 1770, continuando a faltar os mestres
e operários especializados 388.
Esse problema seria superado em Outubro desse ano.
O Quadro I representa uma relação de oficiais mecânicos destacados
para Angola.
Quadro I
Relação dos Oficiais Mecânicos que vão destacados para Angola
Nome
António de Almeida
António Luís
António Rodrigues
Carlos Firpo
Francisco Fernandes
Francisco Lourenço
Francisco da Rocha
386
Ofício
Carpinteiro
Torneador de
ferro
Ferreiro
Ferreiro
Ferreiro
Fundidor e
refinador
Pedreiro
Origem
Salário
[reis/dia]
Situação
-
1200
Degredado
-
Castela
Vila de
Avelar
-
1600
-
Degredado
Degredado
"Voluntário porém
obrigado"
Degredado
-
BN, Reservados, Códice 8744, fl.4-6, Ordem do governador Sousa Coutinho para o regente de Nova
Oeiras de 13 de Agosto de 1770
387
Idem, Ibidem
388
BN, Reservados, Códice 8744, fl.32 v-33, Carta do governador Sousa Coutinho para o regente de
Nova Oeiras de 19 de Setembro de 1770
90
João Bento
João Martins
João dos Santos
Joaquim Freire
Joaquim Sabido
José António
José Inácio
José Louza
José da Silva
Julião Miguel
Luís José
Manuel da Cunha
Manuel Ferraz
Ferreiro
Pedreiro
Carpinteiro
Canteiro
Carpinteiro
Carpinteiro
Pedreiro
Torneador de
ferro
Ferreiro
Refinador
Pedro Rogarim
Pedro Simões
Canteiro
Carpinteiro
Fundidor e
modelador
Fundidor e
modelador
Pedreiro
Fundidor e
modelador
Fundidor e
refinador
Carpinteiro
Pedreiro
Fundidor e
refinador
Pedreiro
Refinador
Roque Soares
Ferreiro
Manuel Nunes
Manuel Oliveira
Manuel dos Santos
Manuel Simões
Manuel Tarouca
Manuel Teixeira
Manuel Vaz
-
1600
1600
1600
1600
1200
Degredado
Degredado
Degredado
-
Castela
Vila de
Avelar
Lisboa
-
Degredado
"Voluntário porém
obrigado"
Degredado
"Voluntário porém
obrigado"
"Voluntário porém
obrigado"
Degredado
"Voluntário porém
obrigado "
" Voluntário
porém obrigado "
Degredado
"Voluntário porém
obrigado"
Degredado
" Voluntário
porém obrigado "
Degredado
1600
-
Figueiró dos
Vinhos
Lisboa
-
Vila de
Avelar
Vila de
Avelar
Castela
Vila de
Avelar
Castela
-
-
1600
-
Fonte- A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 101
Oriundos de Portugal continental, de locais como Lisboa, Figueiró
dos Vinhos, Avelar e ainda alguns castelhanos, estes homens estavam
quase todos na situação de degredados. Curioso o facto de alguns serem
voluntários " porem obrigados ", como consta do documento que serviu de
base a este quadro.
Parece-nos evidente que nenhum destes homens iria de ânimo leve
para Angola, enviados para uma empresa não só desconhecida como
supostamente arriscada. É de salientar as palavras que constam do final
desta relação de oficais mecânicos destacados para Angola afirmando, com
crueza, as dificuldades que aqueles homens iriam enfrentar: " por que
91
precizamente hão de adoecer quazi todos e morrer alguns he necessario que
haja quantidade que possa suprir " 389.
Chegaram os mestres e operários a Nova Oeiras em Julho de 1771
dando início, de imediato, à sua actividade 390.
A experiência de fundição levada a cabo pelos mestres portugueses
teria sido bem sucedida, prevalecendo os mesmos objectivos a atingir com
a sua presença no local: incremento da produção de ferro, transmissão do
seu método de fundição aos ferreiros africanos 391. Nessa mesma altura era
comunicado para a corte que um dos mestres fundidores, Manuel Simões,
caíra doente " posuhido de hua tão violenta tristeza que se fez delirante "
392
, acabando por falecer alguns dias mais tarde: " faleceu o fundidor
Manuel Simoens sem frio nem febre foi tal a pena de deichar mulher, filhos
e bens que banzou como hum negro e nam houve meio de salvar lhe a vida
" 393 . Alguns meses mais tarde, falecia outro mestre fundidor, Pedro
Simões, " tambem de aflição de se ver separado da sua família porque
contra toda a expectação do medico que o curava de hua pequena molestia
o acharão morto " 394.
Nesse ano de 1771 há ainda a assinalar as inundações que a fábrica
sofreu em consequência das fortes chuvadas que assolaram a região 395. Os
problemas surgiam, de novo, em Nova Oeiras, pondo em risco os
objectivos de Sousa Coutinho.
389
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 101, Relação dos oficiais mecânicos destacados para Angola de
22 de Outubro de 1770
390
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 52, Ofício do governador Sousa Coutinho de 12 de Agosto de
1771
391
Idem, Ibidem
392
Idem, Ibidem
393
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 61, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Agosto de
1771. Tal como os escravos que diante da situação dramática que era a perda da sua liberdade, a par do
contacto brutal com um mundo que não conheciam, o dos europeus, ficavam banzos, ou seja, desistiam de
viver, o mestre Manuel Simões talvez por sentir que perdera tudo ( família, haveres e mesmo a liberdade )
e em contacto com um meio hostil que era o sertão africano preferiu enfrentar a morte. Pensamos ser este
o sentido da comparação utilizada por Sousa Coutinho.
394
A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 37, Ofício do governador Sousa Coutinho de 8 de Maio de
1772
395
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 32, Ofício do governador Sousa Coutinho de 16 de Maio de
1771
92
Pretendia Sousa Coutinho que a fundição do ferro fosse feita de
acordo com as técnicas usadas em França na época, ou seja, mediante a
utilização de pedras necessárias ao " cadinho " ou " ouvrage ", um método
que acelerava a fundição do metal, dando instrução ao intendente Joaquim
de Bessa Teixeira no sentido de ter a estrutura pronta a funcionar para
quando se enviasse o material para Nova Oeiras, o que ainda não
acontecera 396.
Vemos, portanto, que em finais de 1771 a fábrica estava numa
situação de inactividade devido à falta de pedras necessárias ao " cadinho "
do forno de fundição. Para superar esse problema, Sousa Coutinho mandara
averiguar da sua existência no Brasil e, no caso de aí não existir, pedia,
junto da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios
Ultramarinos que enviasse o material para Luanda dado que existia em
Portugal, concretamente na zona de Figueiró dos Vinhos 397.
Em Maio de 1772, o problema mantinha-se e, consequentemente a
inactividade da fábrica. Sousa Coutinho depois de saber que as pedras para
o " cadinho " não existiam no Brasil, continuou a solicitar, junto da corte, o
seu envio de Portugal para Angola, na tentativa de pôr a funcionar a fábrica
398
.
A fábrica do ferro de Nova Oeiras continuou sem funcionar até 1772,
altura em que Sousa Coutinho fornecia a seguinte descrição sobre a
realidade que se vivia em Nova Oeiras: " Esta concluida a fabrica do ferro
com os trez engenhos principais em termos de trabalhar e so se demora pela
falta de pedras para o cadinho ou ouvrage do forno de fundição ( ... ) fico
esperando as que V EXª ha de mandar, deferindo a representação que lhe
fiz " 399 . Além disso, e na opinião de Sousa Coutinho, devia a corte
396
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº28, Novembro 1937, p.p.305-307, Carta do governador
Sousa Coutinho para o intendente de Nova Oeiras de 23 de Novembro de 1771
397
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 84, Ofício do governador Sousa Coutinho de 29 de Novembro
de 1771
398
A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 37, Ofício do governador Sousa Coutinho de 8 de Maio de
1772
399
A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 54, Ofício do governador Sousa Coutinho de 20 de Julho de
1772
93
providenciar o envio de mestres ferreiros franceses ou alemães
considerados os mais adequados para conseguir aumentar a produção de
ferro em Nova Oeiras 400 . Mesmo sem proporcionar bons resultados à
coroa, Sousa Coutinho não parou de insistir junto de Martinho de Melo e
Castro, no envio de materiais e de mestres que permitissem o crescimento
de um projecto que, na prática, se afigurava cada vez mais sem grande
futuro.
400
Idem, Ibidem
94
Quadro II
Remessa de ferro produzido em Nova Oeiras para Lisboa
Data
Quantidade
Fonte
2.1.1767
16.2.1767
95 quintais, 2
arrobas
32 quintais
17.3.1767
55 quintais
30.7.1767
156 quintais, 2
arrobas
163 quintais, 3
arrobas
A.H.U., Angola, Caixa
51, documento 1
A.H.U., Angola, Caixa
51, documento 8
A.H.U., Angola, Caixa
51, documento 16
A.H.U., Angola, Caixa
51, documento 39
A.H.U., Angola, Caixa
52, documento 73
12.3.1768
Total de ferro enviado; 501 quintais e 7 arrobas
95
Podemos afirmar, com base nos elementos fornecidos pelo Quadro
II, relativo às remessas de ferro de Angola para Lisboa, que só houve
alguma produção em Nova Oeiras nos anos de 1767-1768, ou seja, sem
estar a fábrica edificada o que só aconteceu, como vimos, em 1770. A
última remessa de ferro foi em Março de 1768, não revelando a
documentação posterior a existência de remessas para Lisboa após essa
data. Em 1768 chegavam os mestres biscainhos, cuja trágica e curta estadia
em Nova Oeiras defraudara as expectativas de Sousa Coutinho de ver a
fábrica tornar-se um grande centro de produção de ferro. A partir daí a
fábrica não produziu, revelando-se uma realidade bastante problemática
para o governo de Luanda devido à ausência de mestres ferreiros e de
materiais ( nomeadamente pedras para o " cadinho " que só existiam em
Portugal ) que podessem pôr em funcionamento uma infra-estrutura que
estava apta a funcionar em Setembro de 1770. Esta situação foi um facto
até ao final da permanência de Sousa Coutinho em Angola.
Em suma, todo o ferro produzido e enviado para Lisboa foi da
responsabilidade dos ferreiros africanos a trabalhar em Nova Oeiras, tendo
Sousa Coutinho acabado apenas por estimular a produção tradicional e
artesanal de ferro na região. A " fábrica do ferro " nunca chegou a trabalhar
como tal, nunca produziu ferro de acordo com os métodos e técnicas
europeus visto que os mestres biscainhos morreram logo após a sua
chegada e os mestres portugueses estiveram inactivos devido à falta de
pedras para o " cadinho ".
Quanto custou ao erário régio este empreendimento?
96
Quadro III
Despesa de construção e funcionamento da fábrica de ferro de Nova
Oeiras 1766-1772
Ano
Designação
1766
Fazendas para
jornais comuns
Jornais de
ferreiros
Canoas para
conduções
Custo de uma
safra
Fazendas para
jornais comuns
Jornais de
carpinteiro
Jornais de
ferreiro
Ordenado do
intendente
Remédios para a
botica
Pintura de 6
quadros da
igreja
Canoas para
conduções
Conduções de
ferramentas
Despesa com os
mestres
biscainhos
Despesa de
petrechos
Fazendas para
jornais comuns
Jornais de
carpinteiro
Jornais de
condutores
Jornais de
ferreiro
Ordenado do
boticário
Ordenado do
intendente
1766
1767
1767
1767
1767
1767
1767
1767
1767
1768
1768
1768
1768
1768
1768
1768
1768
1768
1768
Despesa
Observações
601$810
-
78$780
-
10$000
-
35$000
-
1.584$580
-
6$000
-
26$000
-
283$320
-
211$700
-
15$000
-
81$800
-
67$620
-
2.268$015
-
152$900
-
2.014$560
-
112$900
-
16$800
-
167$800
-
10$000
-
746$475
-
97
Quadro III (continuação)
Ano
Designação
1768
Ordenado do
sangrador
Remédios de
botica
Jornais de
carpinteiro
Jornais de
condutor
Jornais de
ferreiro
Jornais de
inspector
Jornais de
pedreiro
Despesa de
carvão
Despesa de
conduções
Despesa com a
igreja
Farinha para
jornais comuns
Fazenda para
jornais comuns
Jornais de
carpinteiro
Jornais de
condutor
Jornais na
feitura da cal
Jornais de
ferreiro
Jornais de
pedreiro
Ordenado do
boticário
Ordenado do
intendente
Ordenado do
sangrador
Sal para jornais
comuns
Farinha para
jornais comuns
Jornais de
carpinteiro
Jornais de
condutor
1768
1768
1768
1768
1768
1768
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
Despesa
Observações
5$000
-
218$095
-
44$850
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
-
1$680
12$200
20$000
42$700
5$250
1.081$844
-
7$200
-
400$680
-
74$040
-
1.088$125
-
8$260
-
195$660
-
81$075
-
441$675
-
37$440
-
486$426
-
9$200
-
5.324$550
-
62$400
1.392$235
6$160
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Quadro III (continuação)
98
Ano
Designação
1769
Jornais na
feitura da cal
Jornais de
ferreiro
Jornais de
inspector
Jornais de
pedreiro
Ordenado do
sangrador
Sal para jornais
comuns
Jornais de
carpinteiro
Jornais na
feitura da cal
Jornais de
pedreiro
Despesa de
botica
Despesa de
conduções
Farinha para
jornais comuns
Feijão jornais
comuns
Jornais de
carpinteiro
Jornais na
feitura da cal
Jornais de
ferreiro
Jornais de
inspector
Jornais de
pedreiro
Sal para jornais
comuns
Despesa de
conduções
Farinha para
jornais comuns
Jornais na
feitura da cal
Jornais de
ferreiro
Jornais de
inspectores
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1769
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
1770
Despesa
412$300
Observações
53$720
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1770
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
-
877$370
-
2.040$682
-
89$700
-
776$580
-
1.069$392
-
196$025
-
167$000
-
692$925
-
8.014$670
-
86$050
185$500
635$090
12$200
1.997$005
10$200
53$500
25$200
183$700
52$400
923$800
54$300
68$000
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
Quadro III (continuação)
99
Ano
Designação
1770
Jornais de
pedreiro
Ordenado do
intendente
Sal para jornais
comuns
Despesa de
botica
Despesa de
conduções
Fazendas para
jornais comuns
Jornais de
carpinteiro
Jornais na
feitura da cal
Jornais de
ferreiro
Jornais de
fundidor
Jornais de
pedreiro
Ordenado do
intendente
Peixe para
jornais comuns
Sal para jornais
comuns
Despesa de
conduções
Jornais de
carpinteiro
Jornais de
pedreiro
Ordenado do
intendente
Peixe para
jornais comuns
Sal para jornais
comuns
Custo de cinco
canoas
Despesa de
botica
Despesa de
conduções
Jornais de
carpinteiro
1770
1770
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1771
1772
1772
1772
1772
Despesa
473$125
Observações
111$500
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
Pago pelo rendimento
de 1771
-
262$100
-
1.000$000
-
40$000
-
223$510
-
65$300
-
127$460
-
116$000
-
393$544
-
174$200
-
10087$123
-
518$082
2.665$230
45$200
36$050
Pago pelo rendimento
de 1772
Pago pelo rendimento
de 1772
Pago pelo rendimento
de 1772
Pago pelo rendimento
de 1772
Pago pelo rendimento
de 1772
Pago pelo rendimento
de 1772
-
26$110
-
74$480
-
444$825
-
607$925
1166$275
185$000
8$000
2144$754
100
Quadro III (conclusão)
Ano
1772
1772
1772
1772
1772
1772
1772
1772
1772
1772
Designação
Jornais na
feitura da cal
Jornais de
ferreiro
Jornais de
fundidor
Jornais de
pedreiro
Ordenado do
intendente
Sal para jornais
comuns
Jornais de
fundidor
Jornais de
pedreiro
Ordenado do
intendente
Sal para jornais
comuns
Despesa
Observações
441$610
-
236$625
-
1.128$100
-
551$980
-
323$333
-
8.009$230
-
605$760
64$200
321$666
472$420
Pago pelo rendimento
de 1773
Pago pelo rendimento
de 1773
Pago pelo rendimento
de 1773
Pago pelo rendimento
de 1773
Total da despesa da construção e funcionamento da fábrica do ferro de
Nova Oeiras; 71.350$931//
Nota Explicativa; O valor que apurámos, resultado da nossa verificação das contas
originais, difere daquele que vem citado no documento que serviu de fonte à elaboração
deste quadro que é 70.833$080.
FONTE; A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28
101
Da análise do Quadro III referente à despesa de construção e
funcionamento da fábrica do ferro de Nova Oeiras entre os anos de 1766 e
1772, constatamos que custou à fazenda real do reino de Angola a quantia
de 71.350$931, uma despesa, sem dúvida, bastante avultada para a época.
Pensamos que o próprio Sousa Coutinho teria acabado por
reconhecer essa realidade. Se em 1767, altura em que as perspectivas face à
empresa de Nova Oeiras se afiguravam optimistas, Sousa Coutinho
afirmava que a fábrica do ferro só podia e devia estar na posse da coroa 401,
já em 1770, depois dos problemas relacionados com a vinda dos mestres
biscainhos e dos sucessivos atrasos nas obras de construção da fábrica,
levantava a hipótese do seu arrendamento a um particular 402 . Uma
mudança de perspectiva justificável pelo facto de não ter o projecto
decorrido como Sousa Coutinho idealizara. As dificuldades no terreno
revelaram-se excessivas: um clima mortífero para os europeus, condições
atmosféricas que prejudicavam a edificação da fábrica, problemas com a
mão-de-obra africana, como veremos na segunda alínea deste capítulo.
O sucessor de Sousa Coutinho não se mostraria benévolo em relação
ao fracasso da experiência de Nova Oeiras. Para D.António de Lencastre a
fábrica do ferro era " hua total quimera (...) não se vendo mais que leza a
real fazenda em hua enormissima despesa e sacrificado o não pequeno
numero de vidas nestes infrutuozos descobrimentos (...) tomei a rezolução
de mandar suspender todo o trabalho que ainda continuava no material
daquela fabrica " 403 . Ficamos ainda com a informação, através de um
401
Dizia Sousa Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado: " eu estou persuadido que o
rendimento deste metal no regio erario se aproximara muito ao do oiro nas minas da America (...) sou
obrigado a pedir humildemente a S.Magestade que em nenhum tempo se entreguem as fabricas a
particulares, nem sayão por algum modo da regia administração porque logo sam perdidas " A.H.U.,
Angola, Caixa 52, documento 73, Ofício do governador Sousa Coutinho de 17 de Fevereiro de 1767
402
Arquivos de Angola, II Série, Volume X, nº39-42, Janeiro-Outubro 1953, p.p.139-142, Ofício do
governador Sousa Coutinho de 23 de Agosto de 1770. Neste ofício refere Sousa Coutinho o pedido feito
pelo negociante Luís de Cantofer no sentido de ficar com a fábrica do ferro por um período de 5 anos,
pagando as despesas feitas pela coroa. Para Sousa Coutinho talvez fosse útil ao rei se este entregasse a
Luís de Cantofer a administração da fábrica do ferro ficando a coroa com os lucros mas sem os
inconvenientes da direcção e gestão de um empreendimento que se estava a revelar bastante complexo.
Ignoramos o desfecho desta situação, contudo, o desenrolar dos acontecimentos até 1772 provam que a
eventual proposta de Luís de Cantofer teria ficado sem efeito.
403
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28, Ofício do governador D.António de Lencastre de 31 de
Março de 1773
102
relatório elaborado por um funcionário da fábrica que entre os anos de
1766 e 1772 faleceram em Nova Oeiras, devido à malignidade do clima, 77
europeus, e que entre os trabalhadores africanos as baixas teriam sido
superiores, falando em " centos delles " mas afirmando que não houvera
tempo para assentar o número " daqueles miseraveis " 404.
A empresa foi, portanto, abandonada. As últimas notícias da fábrica
do ferro de Nova Oeiras, no século XVIII, datam de 1797 e mencionam um
local de difícil acesso cuja obra fora condenada ao esquecimento 405 . E,
concluía o seu autor, José Alvares Maciel, com grande precisão o porquê
deste desfecho: " Ha hu obstaculo insuperavel para a continuação desta
obra. A malignidade do clima he superior a quanto posso dizer " 406, tendo
conseguido pôr termo às ambições de Sousa Coutinho.
B) A problemática do trabalho indígena em Nova Oeiras
O recurso à mão-de-obra africana por parte do poder colonial era
uma prática que remontava ao período do estabelecimento do governo geral
de Angola, ou seja, ao início do século XVII, constituíndo um direito de
conquista exercido pelos portugueses sobre populações derrotadas
militarmente.
A prestação de trabalho por parte das populações africanas
compreendia duas realidades diferentes: por um lado, a prestação de
serviços em Luanda, por outro, a prestação de serviços no âmbito dos
presídios do sertão 407.
404
Idem, Ibidem
António da Silva Rego, Ob.cit., p.395
406
António da Silva Rego, Ob.cit., p.396
407
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Carta do desembargador procurador da fazenda real para o
governador Sousa Coutinho de 25 de Novembro de 1768
405
103
Os serviços na capital englobavam trabalhos de construção e
reparação de edifícios públicos e outras habitações além do transporte em
barcos e canoas de produtos agrícolas e outros bens dos arredores para
Luanda 408. Tratava-se de um serviço remunerado com excepção daquilo
que sucedia em relação aos trabalhadores Mixiluandas ( povo habitante da
ilha de Luanda ), cujo serviço na capital era uma pena imposta pelo poder
português devido ao auxílio prestado aos holandeses durante a sua
permanência em Luanda de 1641 a 1648 409.
Numa portaria do governador Sousa Coutinho de 7 de Dezembro de
1770, promulgada com a finalidade de regularizar as prestações do trabalho
indígena na capital e nos presídios era estipulado o salário a ser pago aos
trabalhadores de Luanda 410. Assim, determinava-se para os africanos que
servissem no mar, fossem Mixiluandas ou marinheiros forros, o salário de
100 reis por dia além de uma quantidade de farinha, peixe e azeite de palma
necessária ao seu sustento diário; para os que servissem nas conduções do
Dande e Kwanza o pagamento de 40 reis por dia e um exeque de farinha
por mês 411.
Relativamente aos presídios, o serviço feito pelos negros foi sempre
de graça e incluía as seguintes tarefas: construção e reparação das
fortalezas e casas adjacentes, condução de artelharia e munições em tempo
de guerra, fazer o serviço postal levando cartas e missivas do governo de
Luanda para os potentados da região 412. Eram serviços não remunerados e
que foram nascendo com a conquista e subordinação do reino do Ndongo,
constando dos autos de undamento dos sobas com o estatuto de obrigação
408
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Carta do governador Sousa Coutinho para o provedor da
fazenda real de 5 de Novembro de 1768
409
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Informação do provedor da fazenda real sobre o jornal dos
negros empregues no serviço real de 30 de Setembro de 1770
410
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Portaria do governador Sousa Coutinho de 7 de Dezembro de
1770
411
Idem, Ibidem
412
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Carta do governador Sousa Coutinho para o provedor da
fazenda real de 5 de Novembro de 1768
104
destes em relação ao rei de Portugal 413. Determinou Sousa Coutinho que o
serviço nos presídios passasse a ser remunerado com o " necessário
sustento " daqueles que o prestavam, ou seja, em mantimentos, sem
especificar a sua natureza e quantidade 414.
Portanto, para o poder colonial o recurso ao trabalho indígena era
considerado um direito de conquista, prova do estatuto de subordinação das
populações africanas em relação ao poder da coroa e quando remunerado
era apenas com o estritamente necessário à subsistência dos trabalhadores.
Dentro desta perspectiva, a utilização da mão-de-obra africana em Nova
Oeiras foi algo comum inserindo-se numa tradição que remontava ao
século XVII.
Conforme referimos na primeira parte deste capítulo, a extracção e
fundição do ferro na região da Ilamba era uma prática muito antiga entre as
suas populações como constatava Sousa Coutinho: " Sempre os negros
trabalharão o ferro das minas da Nova Oeyras e dos outros muitos lugares
do mesmo reino em que os ha (...) e tem tal propenção estes povos para
aquele trabalho, que sobre os muitos fundidores e ferreiros que concervão
nas suas Libatas ou Povoaçoens, tem em grande veneração o seu primeiro
rey porque foi ferreiro " 415 , não deixando de fazer transparecer o seu
espanto e um sentimento de revolta perante algo que denotava a presença
de desenvolvimento entre os africanos: " vemos com dor, que neste centro
da barbaridade e da ignorancia nos excederão em conhecimentos os
mesmos barbaros pois sem meios e sem industria repararão as suas
necessidades e aproveitarão os beneficios do ceo nas prodigiozas minas
deste preciozo e entre todos o mais precizo metal " 416.
Ao mandar estabelecer a fábrica do ferro em Nova Oeiras, Sousa
Coutinho procurou dotá-la de suficiente e competente mão-de-obra,
413
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Portaria do governador Sousa Coutinho de 7 de Dezembro de
1770
414
Idem, Ibidem
415
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, " Memoria sobre o estado em que deichei a fabrica do ferro
" por D.Francisco de Sousa Coutinho de 16 de Setembro de 1773
416
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução do governador Sousa Coutinho para o intendente
da fábrica do ferro de 12 de Janeiro de 1767
105
aproveitando a tradição e experiência africanas no trabalho do ferro.
Tornava-se necessário, por conseguinte, organizar e regularizar essa mãode-obra, um processo que se revelaria não muito difícil mediante o recurso
ao costume da prestação de serviços junto dos presídios por parte dos
sobas, canalizando-o para uma nova realidade criada pelo governo de
Luanda- a fábrica do ferro de Nova Oeiras.
O primeiro passo seria proceder à averiguação junto dos sobados
mais próximos das jazidas de ferro de Nova Oeiras da existência de
ferreiros e fundidores e encaminhá-los para a fábrica. Sousa Coutinho
procurou resolver este aspecto escrevendo aos capitães-mores do Golungo,
Muxima, Mbaka e Cambambe ordenando que procedessem ao
levantamento do número de ferreiros e fundidores existentes nos sobados
das suas jurisdições e remetê-lo para Nova Oeiras 417. Todos os ferreiros e
fundidores identificados como tal deviam ser remetidos para a fábrica do
ferro " e quanto possivel for por sua livre vontade (...) uzando Vm da força
so em ultimo lugar e quando vir que a persuasão não obra nada " 418, um
aviso algo interessante e quase premunitório dos problemas que iriam
acontecer.
Além de ferreiros e fundidores que deviam ser em menor número, foi
reunido em Nova Oeiras um conjunto de homens que trabalhavam não só
na construção da povoação como na construção da estrutura da fábricafornos de fundição, açude, desbravamento da mina, abertura de caminhos,
condução do ferro para o rio para o seu encaminhamento para Luanda 419.
A documentação refere o número de 300 homens a trabalhar em Nova
Oeiras nas tarefas apontadas 420.
417
BN, Reservados, Códice 8742, fl.128 v-129, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
do Golungo de 9 de Janeiro de 1767 e fl.130 v-131, Carta do governador Sousa Coutinho para os
capitães-mores de Muxima, Mbaka e Cambambe de 9 de Janeiro de 1767
418
BN, Reservados, Códice 8742, fl.114 v-115, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
de Mbaka de 4 de Janeiro de 1767
419
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28, Informação sobre a fábrica do ferro de Nova Oeiras de
Março de 1773
420
BN, Reservados, Códice 8743, fl.182 v- 184, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente
da fábrica do ferro de 4 de Maio de 1770
106
O Quadro IV procura dar-nos uma noção do número de homens que
estavam afectos ao serviço da fábrica assim como do local de onde vinham,
designadamente o sobado de origem.
107
Quadro IV
Trabalhadores em Nova Oeiras
Soba
Bango Aquitamba
Bumba Andala
Caboco Cambilo
Cabuto Candalla
Cariata
Gonguembo
Gungue a Quibengue
Itombe a Candongo
Mucengue Anzenza
Muta o Camba
Ngola Anguimbo
Ngola Quiato
Quilombo Quia Catubia
Quingue aquibengue
Quissala qui acaboco
Zambi aqueta
Zumba aquizundu
Jurisdição
Golungo
Golungo
Cambambe
Golungo
Golungo
Golungo
Golungo
Massangano
Golungo
Golungo
Golungo
Massangano
Golungo
Massangano
Massangano
Massangano
Massangano
Total apurado; 310
Fonte; A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28
BN, Reservados, Códice 8742, fl.14 v
BN, Reservados, Códice 8742, fl.16 v
Nº de Trabalhadores
Fornecidos
60
30
40
?
20
40
?
?
40
10
40
?
30
?
?
?
?
108
Trabalhavam em Nova Oeiras 310 homens, número que
conseguimos apurar, sendo a sua maioria proveniente de Massangano e do
Golungo que eram as regiões mais próximas da fábrica. Vemos também
que cada sobado tinha uma quota fixa de trabalhadores a fornecer
mensalmente ao intendente que devia zelar para que esse processo
decorresse de forma pacata e sem violência, o que nem sempre teria
acontecido como veremos um pouco mais adiante 421.
O trabalho da mão-de-obra africana presente em Nova Oeiras era um
trabalho remunerado, tal como acontecia na capital, tendo sido necessário
regular o jornal a ser pago a estes homens de forma a que, na perspectiva
da coroa, " nam faltem a esses mizerais ignorantes os meyos de tirarem do
seu trabalho com que possão viver e de sustentarem as suas familias (...) e
que pela outra parte nam cresçam os jornaes ao excesso de que rezulte nam
fazer conta o genero, assim para o serviço de Sua Magestade como para o
comercio geral do reyno " 422.
Ao mesmo tempo que se foi regulando a presença da mão-de-obra
em Nova Oeiras revelou-se interessante a forma como alguns sobas teriam
reagido face a esta nova realidade que era a fábrica do ferro: aceitariam
fornecer os seus " filhos " ( súbditos ) de graça em troca da isenção do
pagamento do dízimo 423. Esta proposta dos sobas teria sido apresentada,
oficialmente, ao governador Sousa Coutinho em 20 de Julho de 1767 424.
Entendia Sousa Coutinho não ser esta a solução mais adequada para
o problema dado que seria provável que, a curto prazo, os sobas mudassem
de ideias recusando o serviço de graça, propondo o governador que a
isenção do dízimo fosse concedida a par de um salário 425.
421
BN, Reservados, Códice 8744, fl.4- 6, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da
fábrica do ferro de 13 de Agosto de 1770
422
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 15, Carta do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da
Marinha e Domínios Ultramarinos para o governador de Angola de 28 de Abril de 1768
423
BN, Reservados, Códice 8742, fl.169- 170, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da
fábrica do ferro de Nova Oeiras de 14 de Abril de 1767
424
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 27, Ofício do governador Sousa Coutinho de 22 de Agosto de
1768
425
A.H.U., Angola, Caixa 51, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 30 de Julho de
1767
109
Em Abril de 1768, o rei deferia este pedido dos sobas, ordenando ao
governador que tivesse em consideração dois aspectos: por um lado, devia
demarcar, com rigor, o território isento do pagamento do dízimo de forma a
não haver qulquer confusão sobre esta matéria; por outro, ter o cuidado de
deixar nos sobados trabalhadores em número suficiente para o cultivo das
terras e consequente sustento daqueles que estivessem destacados em Nova
Oeiras 426.
Com a finalidade de precaver eventuais problemas causados pela
isenção do pagamento do dízimo dos sobas cujos súbditos estavam
empregues na fábrica, determinou Sousa Coutinho que todos os lavradores
estabelecidos em Nova Oeiras deviam ficar sujeitos ao pagamento desse
tributo 427.
Procurou o governo de Luanda resolver a questão do jornal da mãode-obra empregue em Nova Oeiras. Por deliberação da Junta da Fazenda
Real do Reino de Angola, presidida pelo governador Sousa Coutinho, ficou
acordado o seguinte:
 Aos trabalhadores provenientes dos territórios isentos do
pagamento de dízimo pagar-se-ia, por dia, a quantia de 60 reis em
fazenda, sal e mantimentos 428 ; ( Note-se que a coroa decidira,
talvez por uma questão de princípio, que mesmo aqueles que se
tinham oferecido de graça deviam receber um jornal porque "
nunca fora da intenção de Sua Magestade servir-se de gente pobre
sem lhe pagar estipendio para a sua subsistência " 429 );
426
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 15, Carta do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da
Marinha e Domínios Ultramarinos para o governador de Angola de 28 de Abril de 1768
427
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente da
fábrica do ferro de Nova Oeiras de 31 de Outubro de 1768
428
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Portaria sobre os negros empregues no serviço da fábrica do
ferro de Nova Oeiras de 29 de Outubro de 1768
429
A.H.U., Angola, Caixa 55, documento 6, Informação do provedor da fazenda real sobre o jornal dos
negros empregues no serviço real de 30 de Setembro de 1770
110
 Aos trabalhadores provenientes dos territórios não isentos do
pagamento de dízimo pagar-se-ia um jornal de 80 reis em fazenda,
sal e mantimentos 430;
 Para aqueles que trabalhassem em " forja e com exercicio tao
violento do fogo que exceda o comum " seria pago um adicional
de 10 reis por dia 431.
Para Sousa Coutinho era essencial que os negros fossem bem
tratados conforme referia na instrução para o intendente António Anselmo
Duarte de Sequeira, quando a fábrica fora estabelecida no início de 1767
432
, tendo sido comum este tipo de aviso por parte do governador junto do
intendente 433.
Contudo, na prática, os maus tratos infligidos aos trabalhadores de
Nova Oeiras teriam sido uma constante apesar das recomendações do
governador.
Escrevendo ao capitão José Francisco Pacheco, Sousa Coutinho
afirmava textualmente que " os negros do trabalho se queichão das
pancadas que lhe dão e que por isto dezertam, Vm evite semelhante tirania
" 434 . Não satisfeitos com a situação que lhes era imposta, muitos
trabalhadores fugiam, preferindo voltar para o seu soba ou errar pelo sertão.
Essas deserções teriam sido " em grande numero " 435.
O intendente da fábrica do ferro, Joaquim de Bessa Teixeira,
participava ao governador Sousa Coutinho que as notícias das deserções
não tinham qualquer fundamento tendo sido divulgadas pelos negociantes
430
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 44, Portaria sobre os negros empregues no serviço da fábrica do
ferro de Nova Oeiras de 29 de Outubro de 1768
431
Idem, Ibidem
432
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 73, Instrução do governador Sousa Coutinho para o Intendente
da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 12 de Janeiro de 1767, Capítulo 6º
433
BN, Reservados, Códice 8742, fl.148- 149 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o intendente
da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 18 de Fevereiro de 1767 e fl.182- 182 v, Carta do governador
Sousa Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 25 de Maio de 1767
434
BN, Reservados, Códice 8743, fl.189 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão José
Francisco Pacheco de 14 de Maio de 1770
435
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº28, Novembro 1937, p.329, Carta do governador Sousa
Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 12 de Dezembro de 1771
111
de Mbaka que queriam ter para o seu serviço particular os negros dessas
regiões 436.
Sousa Coutinho face a uma queixa de um soba que afirmava que os
seus filhos tinham sido vítimas de " muitos castigos, insolencias, prisoes e
roubos " em Nova Oeiras 437, ordenou ao intendente que devolvesse esses
homens ao seu soba, reconhecendo, com esta ordem, que algo não iria bem
na fábrica do ferro 438.
Um outro problema relacionava-se com o facto de alguns sobas não
quererem mandar os seus " filhos " para Nova Oeiras, recusando-se a
cumprir a sua obrigação. Foi o caso do soba Caboco Cambilo, da jurisdição
de Cambambe, que em Janeiro de 1772 estava em falta, havia dois meses,
no envio dos 40 homens a que era obrigado 439. Em Maio desse ano, Sousa
Coutinho escrevia ao soba Caboco Cambilo advertindo-o a cumprir o seu
dever, caso contrário ficaria de novo sujeito ao pagamento de dízimo 440.
Procurou Sousa Coutinho junto do capitão-mor do Golungo que este
advertisse os sobas da sua jurisdição no sentido de cumprir a sua obrigação
no envio de trabalhores para Nova Oeiras, avisando-os que " não procurem
pelas suas maos o seu proprio mal, pois estando certo em que hão de fazer
aquele trabalho he melhor que o fasão voluntariamente " 441.
Apesar de a documentação não fornecer elementos abundantes sobre
esta matéria, podemos afirmar, com alguma certeza, que a regulamentação
do trabalho indígena em Nova Oeiras, através do processo de imposição
436
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.p.361-363, Carta do intendente da
fábrica do ferro de Nova Oeiras para o governador Sousa Coutinho de 28 de Dezembro de 1771
437
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.413, Carta do governador Sousa
Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 24 de Fevereiro de 1772
438
Idem, Ibidem
439
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.375, Carta do governador Sousa
Coutinho para o capitão-mor de Cambambe de 10 de Janeiro de 1772
440
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.437, Carta do governador Sousa
Coutinho para o soba Caboco Cambilo de 7 de Maio de 1772
441
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº30-33, Novembro 1937, p.p.409-410, Carta do governador
Sousa Coutinho para o capitão-mor do Golungo de 19 de Fevereiro de 1772
112
junto dos sobados do fornecimento de um número de trabalhadores por
mês, não teria dado bons resultados.
A tentativa de reorganização do esquema de utilização de mão-deobra na fábrica de Nova Oeiras, por parte do governador Sousa Coutinho,
em 1771, é um importante indicador desse facto.
Em Novembro de 1771, Sousa Coutinho avançava, junto do
intendente Joaquim de Bessa Teixeira, uma proposta no sentido de usar a
mão-de-obra africana em novos moldes. A ideia seria a de mandar fixar em
Nova Oeiras " duzentos cazais de muleques de catorze e dezasseis anos
cazados para que os machos aprendão e fação o serviço da fabrica e as
femeas cultivem as terras de que se hão de alimentar (...) como tambem se
bastara pagar hu dia de jornal de cada semana aos machos para se vestirem,
porque desta maneira sera o serviço da fabrica muito mais comodo e se
nam necessitara chamar gentes pela força " 442. Sousa Coutinho reconhecia,
ainda que implicitamente, que o uso da força em relação aos trabalhadores
africanos de Nova Oeiras era uma realidade que não estaria a dar bons
resultados. Esta proposta foi feita formalmente a Martinho de Melo e
Castro em Fevereiro de 1772 443.
Vimos, na primeira parte deste capítulo, que a fábrica do ferro cessou
a sua actividade, sob ordem do governador D.António de Lencastre, porque
não funcionou devido á falta de mestres e operários especializados vindos
da Europa e devido à falta de materiais necessários à fundição do ferro. A
estes dois factores, que condicionaram directamente o insucesso da
empresa de Nova Oeiras podemos acrescentar um terceiro: a mobilização
de mão-de-obra junto dos sobados mais próximos do local, mesmo com a
concessão de isenção do pagamento do dízimo, revelou-se um fracasso com
perdas humanas. Daqueles que não teriam conseguido fugir muitos
morreram no local como testemunha o capitão José Francisco Pacheco em
442
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº28, Novembro 1937, p.323, Carta do governador Sousa
Coutinho para o intendente da fábrica do ferro de Nova Oeiras de 26 de Novembro de 1771
443
A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 14, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Fevereiro de
1772
113
1773: " He bem constante que grande numero de pretos desertarão ou
desampararão as suas antigas povoações e que outros acabarão a vida
lastimozamente nesta fabrica huns de molestias naturaes e outros de mil
desastres como pizados de pedras ou intulhos, afogados nas passagens dos
rios em tempo de cheyas e alguns apanhados do jacareo "444. O trabalho era
muito duro e perigoso, as condições ecológicas hostis, daí o " entranhavel
odio que os ditos pretos conceberam aos trabalhos desta fabrica (...) porque
ja mais acudirão ao dito serviço sem os mandar buscar com violencia " 445.
Um balanço significativo dos perigos que levaram ao fracasso da
empresa. Sousa Coutinho não conseguiu ser bem sucedido no esquema de
mobilização da mão-de-obra apesar do seu enquadramento no âmbito das
prestações do trabalho indígena, tradicionalmente exercidas junto do poder
de Luanda. O factor " mão-de-obra " foi um factor determinante dos maus
resultados da empresa visto que face aos perigos que enfrentavam e aos
maus tratos que sofriam por parte dos funcionários encarregues de vigiar os
trabalhos, muitos homens ou morrerem ou acabaram por fugir voltando às
suas terras ou para qualquer outro local em busca da protecção de um novo
soba.
444
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 28, Informação do capitão José Francisco Pacheco sobre a
fábrica do ferro de Nova Oeiras de Março de 1773
445
Idem, Ibidem
114
Capítulo IV- Sousa Coutinho e a Colonização do
Planalto de Benguela
A) Um projecto de colonização? A " Angola Branca "
segundo o governador Sousa Coutinho
Se o estabelecimento da fábrica do ferro de Nova Oeiras representou,
da parte de Sousa Coutinho, uma tentativa de diversificação da actividade
económica de Angola, retirando-lhe o estatuto de reservatório de mão-deobra escrava para o Brasil, a política de empreender uma colonização
intensiva dos territórios do planalto de Benguela por populações oriundas
de Portugal simbolizou, talvez a sua maior ambição enquanto governador
de Angola.
Será lícito considerar a existência de um projecto de colonização
nesta época, concebido e executado de maneira sistemática por parte da
coroa portuguesa? Pensamos que não. Contudo, encontramos na época de
Sousa Coutinho uma consciência clara, quer da parte deste governador,
quer da parte das autoridades do estado, nomeadamente do conde de
Oeiras, de que a única maneira de assegurar e fortalecer a manutenção da
presença portuguesa em território angolano passava pela adopção de uma
política de fixação de colonos portugueses.
Esta ideia surgia, de forma assaz explícita, num parecer da autoria do
conde de Oeiras relativo à situação do reino de Angola, com data de 20 de
Novembro de 1760, em que a exiguidade de população branca constituía
um problema a resolver 446. Com efeito, constatava o conde de Oeiras que "
se tem quazi extinto naquelle reyno os brancos que a elle foram
transportados morrendo huns de fome e mizeria na cidade e suas
446
A.H.U., Angola, Códice 555, fl.56-57 v, Parecer do conde de Oeiras de 20 de Novembro de 1760
115
vizinhanças acabando outros nos certões fugitivos e vagos e vindo asim a
prevalecer os negros de tal sorte que ainda os poucos brancos que existem
olham para as mulheres da Europa com estranheza preferindo por quase
geral abuzo o consorcio das negras " 447 . Na perspectiva do conde de
Oeiras, enfrentar esta questão implicaria a adopção de duas medidas: em
primeiro lugar, tornava-se necessário encarregar os navios das companhias
do Grão-Pará e Maranhão e de Pernambuco e Paraíba de, nas suas viagens
para Luanda, fazer escala nas cidades de Angra e Ponta Delgada, no
arquipélago dos Açores, para recolher casais de colonos escolhidos com o
propósito de ir povoar Angola; a segunda medida consistia em mandar
condenar ao degredo em Angola as mulheres presas por prática de
prostituição e que tivessem idade inferior a 30 anos 448. Portanto, com a
adopção destas duas medidas pretendia-se não só incrementar o
povoamento de brancos mediante o envio de casais de colonos como
também evitar as uniões de homens brancos com mulheres negras através
do envio de população feminina expressamente para casar com esses
homens.
Esta decisão do conde de Oeiras veio na sequência de um ofício do
governador António de Vasconcelos, de 20 de Janeiro de 1759, onde
afirmava que dos 250 indivíduos que tinham ido para Luanda na sua
companhia, metade tinha falecido num curto espaço de tempo pedindo, ao
mesmo tempo, o envio de 50 homens por ano de forma a poder conservarse, ao menos, o regimento de Luanda 449.
Durante o governo de Sousa Coutinho ficamos com a noção de que
as medidas do conde de Oeiras não tinham sido postas em prática.
Em vários oficios para o reino, Sousa Coutinho refere
constantemente a necessidade de serem enviados casais de colonos para
447
Idem, Ibidem
Idem, Ibidem
449
A.H.U., Angola, Códice 408, fl.45 v-46 v, Ofício do Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e
Domínios Ultramarinos para o governador de Angola de 18 de Novembro de 1761. Foi da leitura deste
documento que tomámos conhecimento do ofício do governador António de Vasconcelos de 20 de
Janeiro de 1759.
448
116
Angola revelando, contudo, não concordar com o facto de Angola ser um
local de degredo. Ou seja, sublinha a necessidade do envio de casais que
deviam, com a sua presença, " melhorar a situaçam actual, povoando o
reyno de modo que possa ter gente de bons costumes " 450, e não aquilo que
vinha sendo habitual que era o envio de degredados, gente, segundo o
governador Sousa Coutinho, " de pessimos costumes (...) mostrando a
experiencia de mais de dois seculos que semelhantes remessas forão
sempre inuteis (...) porque perdida a saude, estimada a ociozidade e
radicados os vicios morrem logo e vem a ser por hu excesso de disgraça,
mais util a sua morte do que a sua vida " 451.
Para Sousa Coutinho se até era vantajoso que os degredados
acabassem por encontrar a morte, só casais de " gentes boas e industriozas
(...) animadas no amor ao trabalho " 452 podiam povoar, servir e defender o
reino de Angola 453 . Sousa Coutinho chega a mencionar o número
necessário para pôr esta ideia em prática: dever-se-ia introduzir em Angola,
de uma só vez, pelo menos 1000 homens ( a maior parte acompanhados da
sua família ) e, regularmente, devia a coroa enviar não menos de 100
homens em cada viagem 454.
O pensamento do governador Sousa Coutinho sobre a colonização de
Angola assentava em dois pressupostos:
 Por um lado, a actividade agrícola entendida como o meio, por
excelência, propício à fixação de colonos e ao desenvolvimento
das suas comunidades;
 Por outro, a miscegenação e os contactos com o mundo africano
como algo a evitar.
450
A.H.U., Angola, Caixa 48, documento 47, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Novembro
de 1764
451
A.H.U., Angola, Caixa 50, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de Agosto de
1766
452
Idem, Ibidem
453
A.H.U., Angola, Caixa 56, documento 76, Ofício do governador Sousa Coutinho de 10 de Outubro de
1772
454
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 39, Ofício do governador Sousa Coutinho de 8 de Junho de
1770
117
Talvez inspirado pela corrente do pensamento fisiocrata 455, era na
actividade agrícola que o governador Sousa Coutinho via " o seguro
fundamento da opulencia dos estados (...) sem o que pertence aos campos
não pode haver população, riqueza, sociedade ou comercio, elle faz toda a
felicidade dos paizes em que reina, converte os terrenos ingratos e estereis
nos frutíferos e uteis " 456. Não desejava Sousa Coutinho que a população
de Angola fosse composta por guerreiros e conquistadores, mas sim por
gente pacífica reunida em aldeias e dedicada à agricultura 457.
O segundo aspecto era a tentativa de evitar a miscegenação
resultante da união entre brancos e negras, revelando uma consciência de
superioridade racial face aos povos africanos.
Vimos, em capítulos anteriores, como esteve patente o desagrado de
Sousa Coutinho face ao prevalecimento da cultura Mbundu em Luanda e
nos presídios, concretamente no de Massangano. Entendia Sousa Coutinho
que se devia evitar não só a união de brancos com negras como o inverso
como revela numa carta ao reverendo vigário da vara de Massangano que
devia tentar impedir " as desordens que athe agora succederam cazando
mulheres brancas com negros " 458, com a finalidade de " se melhorar a cor
nese presidio " 459 . Um outro exemplo significativo das ideias de Sousa
Coutinho revelou-se quando do estabelecimento do presídio do Novo
Redondo, focado em anterior capítulo, em que manifestou o cuidado de
tentar prevenir os contactos entre os soldados ali estacionados e as
mulheres locais. Para tal devia o capitão-mor de Benguela fornecer o
455
A influência dos fisiocratas franceses, principalmente de François de Quesnay e a sua obra Tableau
Économique de 1758 onde são expostas as teorias sobre o primado da agricultura sobre os outros sectores
produtivos de uma nação, manifestou-se no pensamento de Sousa Coutinho. Cf Paul Hazard, O
pensamento Europeu no Século XVIII, Lisboa, Editorial Presença, 1983.
456
A.N.T.T., Ministério do Reino, Maço 605, caixa 703, Ofício do governador Sousa Coutinho de 28 de
Agosto de 1768
457
BN, Reservados, Códice 8743, fl.29 v- 38, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Benguela de 12 de Outubro de 1769
458
BN, Reservados, Códice 8742, fl.242, Carta do governador Sousa Coutinho para o reverendo vigário
da vara de Massangano de 14 de Novembro de 1767
459
Idem, Ibidem
118
presídio do Novo Redondo de mulheres brancas, mesmo degredadas e
independentemente da sua idade 460.
O local escolhido pelo governador Sousa Coutinho para tentar pôr
am prática as suas ideias sobre o primado da agricultura enquanto
actividade económica propícia ao desenvolvimento das comunidades e
sobre a fixação de populações brancas como o único meio de assegurar a
conservação do reino de Angola e suas conquistas foi o planalto de
Benguela, zona de clima ameno e solo mais fértil, por conseguinte, mais
adequada ao estabelecimento de europeus, evitando uma excessiva
mortalidade entre eles.
B) A fundação de povoações no planalto de Benguela
A fundação de povoações na região do planalto de Benguela, sob a
iniciativa do governador Sousa Coutinho, foi um processo que decorreu no
ano de 1769.
Com efeito, no ano de 1769 não só se deu a transferência do presídio
de Caconda como a criação de algumas povoações no sertão de Benguela,
criação essa que teve por finalidade fixar em aldeamentos fiscalizáveis
pelas autoridades de Luanda ou Benguela a população de origem europeia
cujo modo de vida se caracterizava por uma excessiva mobilidade,
consequência das condições impostas pelo acesso ao tráfico de escravos e
do marfim obrigando os comerciantes a percorrer o interior do território.
É interessante notar a componente social que Sousa Coutinho quis
dar à colonização do planalto: as populações que andavam dispersas
deviam ser concentradas em aldeamentos dedicados à agricultura, ao
artesanato e ao comércio numa tentativa de reproduzir uma sociedade à
maneira portuguesa e daí o incentivo ao povoamento por parte de casais
460
BN, Reservados, Códice 8743, fl.29 v- 38, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Benguela de 12 de Outubro de 1769
119
vindos de Portugal, pedido feito por Sousa Coutinho como tivémos
oportunidade de verificar em linhas anteriores.
Na origem das novas povoações estivera a necessidade, segundo
Sousa Coutinho, de pôr termos aos hábitos nómadas e africanizados dos
habitantes de origem europeia cuja presença, ao longo de dois séculos, no
sertão de Benguela não trouxera qualquer tipo de progresso agrícola ou
comercial, afirmando este governador, pelo contrário, que " os tem
destruido e o que ainda he mais que as mesmas gentes se destruirao e
destroem huns aos outros, porque separados como feras sem religião e sem
sociedade são tarde ou cedo vencidos pelos proprios vicios e pela defensa
das tiranias que excitão contra os negros buscando então o remedio de
todos os males que cauzão nas guerras que provocão " 461. Esta situação
tinha de acabar devendo os povos passar a reger-se pelos princípios da
religião cristã e do espírito da vivência em sociedade, encontrando na
agricultura, no artesanato e no comércio o meio de se unir, gerando riqueza
e progresso 462.
Como atingir este objectivo? Segundo Sousa Coutinho, devia o
capitão-mor de Benguela, com o auxílio do ouvidor, proceder a um
levantamento de todos os habitantes de origem portuguesa que andassem
dispersos pelo sertão e, escolhendo os indivíduos com capacidade de
liderança determinar-lhes que tentassem reunir os seus companheiros nos
locais sadios e férteis para aí formar uma povoação que devia ter, no
mínimo, 20 brancos 463 . Ficariam essas novas povoações sujeitas à
capitania-mor de Benguela, devendo ser baptizadas com nomes das terras
de Portugal 464 . Por último, a componente repressiva do processo: todo
aquele que se não sujeitasse a viver em sociedade com os outros brancos
seria preso e remetido para Luanda para servir como soldado 465.
461
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, Bando do governador Sousa Coutinho de 23 de Setembro
de 1768
462
Idem, Ibidem
463
Idem, Ibidem
464
Idem, Ibidem
465
Idem, Ibidem
120
Determinava Sousa Coutinho a toda a população portuguesa dispersa
pelo planalto de Benguela " que vivão em industria, em trabalho e em
proveito (...) manda se lhes que escolhão companheiros que nomeem a
cabeça que deve dirigi los (...) que vivão em sociedade e obediencia e
respeito das leis que trabalhem todos os fructos que a terra lhes pode
fornecer que sejam christãos e bons vassalos " 466.
Podemos constatar, por um lado, o carácter idealista quase irrealista
destas determinações- como seria possível saber, com algum rigor, o
número de indivíduos de origem portuguesa que andavam dispersos num
espaço tão vasto e pouco conhecido como era o planalto de Benguela-, por
outro, o carácter autoritário da postura de Sousa Coutinho, ou seja, tratavase de um processo imposto pelo governo de Luanda: " Este he o espirito
das minhas ordens e estas são as que em quanto S.Magde não mandar o
contrario devem executar sem interpretação dificuldade ou esperança de
iluzão " 467 . Note-se que esta componente autoritária tinha,
necessáriamente, de estar presente dado que se tratava de tentar mudar
hábitos enraízados nas populações de origem portuguesa dispersas e
integradas no espaço africano tendo criado comunidades específicas do
ponto de vista cultural, as comunidades luso-africanas, consequência do
sistema de acesso ao tráfico dos escravos e do marfim cujos fornecimentos,
situados no interior do território, obrigavam os interessados a se
deslocarem e aí permanecerem largos períodos de tempo. Mostrava Sousa
Coutinho a Francisco Xavier de Mendonça Furtado o seu descontentamento
pela forma como o mundo africano " absorvia " os poucos indivíduos
brancos que foram aparecendo ao longo de dois séculos naqueles
territórios: " pois ainda tendo filhos das negras com que vivão
arbitrariamente, como eram cazados sem religião e sem civilidade logo que
morrião os pays se entranhavão pelos sertões seguindos as maes, de que
nasce que sendo mais ou menos povoados aqueles vastissimos paizes por
466
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor de
Benguela de 20 de Novembro de 1768
467
Idem, Ibidem
121
europeus e brasileiros, ja mais houve outros habitantes que não fossem os
que entravão nem o estado tirou algum proveito dos que nascião " 468.
O primeiro passo deste processo mandado desencadear pelo
governador Sousa Coutinho consistiu na transferência do presídio de
Caconda, fundado em 1682 na região de Quilengues, numa zona insalubre,
e que estava na época de Sousa Coutinho reduzido a um só morador 469.
Seguiu-se a sua transferência para a região de Quitata no ano de 1769 470,
processo que decorreu, em concreto, entre os meses de Janeiro e Julho
desse ano, estando à data o presídio de Caconda fortificado e com quartéis,
tesouraria e igreja 471. Para além da transferência do presídio de Caconda,
que povoações foram fundadas e qual a sua localização?
Em Outubro de 1769, Sousa Coutinho comunicava a Francisco
Xavier de Mendonça Furtado que tinha mandado fundar as seguintes
povoações:





Alva Nova, na região de Auyla, paralela ao Cabo Negro,
Sarzedas, na região de Luceque,
Contins, na região de Quitata,
Passo de Sousa, na região de Quipeio,
Linhares, na região de Galangue 472.
Contava cada povoação com a presença de um pároco e de um juiz, o
equivalente à instituição do capitão-mor nos presídios 473. Além do capitãomor de Benguela, também o capitão-mor de Caconda era instruído no
sentido de zelar pelo incremento das novas povoações, devendo apoiar os
468
Alfredo de Albuquerque Felner, Angola. Apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral sul
de Angola, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1940, p.p.160-162, Documento 3, Ofício do governador
Sousa Coutinho de 24 de Novembro de 1768
469
Alfredo de Albuquerque Felner, Ob.Cit., p.p.160-162, Documento 3, Ofício do governador Sousa
Coutinho de 24 de Novembro de 1768
470
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 61, Ofício do governador Sousa Coutinho de 11 de Setembro de
1769
471
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Outubro de
1769
472
Idem, Ibidem
473
Idem, Ibidem
122
seus juízes para que estimulassem as actividades agrícolas junto dos
colonos, principalmente a cultura do trigo 474.
Sousa Coutinho mencionava as vantagens da fundação destas
povoações e o porquê de levar por diante a ideia de colonização daquele
espaço por europeus: " porque a extensão do paiz, a salubridade do ar, a
fertilidade do terreno, a abundancia dos gados, a situação dos seus climas
dentro dos tropicos e a vezinhança dos tezouros dos Rios de Sena,
prometem bem seguramente não so a comutação das fazendas por metais
preciozos mas a descuberta de muitos e novos ramos de comercio e de
industria e me persuado que pode ter muito mais populozas e uteis cidades
que o Brazil " 475 . Para Sousa Coutinho, intimamente ligado ao
estabelecimento das novas povoações esteve a tentativa de se avançar para
leste, em direcção a Moçambique, atingindo a região dos " rios de Sena ",
zona rica em ouro que pensamos tratar-se do Monomotapa, criando ao
longo desse percurso colónias de portugueses que iriam canalizar para
Benguela o comércio dessas áreas do interior africano 476.
Apesar de terem sido criadas as povoações, ficamos com a noção de
que existiam duas dificuldades, logo nesta altura, isto é, em 1769. Sousa
Coutinho continuava a insistir não só no envio de casais de colonos
europeus, prova de que aquelas localidades estariam ainda ( quase )
despovoadas, como sublinhava o problema da ausência de párocos capazes
de fomentar os princípios do cristianismo nesses novos espaços 477.
A documentação consultada não nos fornece elementos concretos
sobre o funcionamento das povoações. Sabemos sómente, que tinham sido
criadas com a finalidade de concentrar as populações brancas que andavam
dispersas pelo sertão de Benguela em aldeamentos dedicados à agricultura,
ao comércio e aos trabalhos mecânicos, ao mesmo tempo que constituiriam
474
BN, Reservados, Códice 8743, fl.109 v-111 v, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitãomor de Caconda de 15 de Dezembro de 1769
475
Idem, Ibidem
476
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.p.383-386, Carta do governador
Sousa Coutinho para o capitão-mor de Caconda de 15 de Janeiro de 1772
477
A.H.U., Angola, Caixa 53, documento 71, Ofício do governador Sousa Coutinho de 18 de Outubro de
1769
123
uma forma de estimular o avanço português para leste em direcção aos "
rios de Sena ".
O processo de formação das povoações não fora fácil. Em 1770
temos notícia de que as povoações de Benguela " se vão edificando não
obstante a falta de gente e alguma opozição que tem encontrado nos negros
" 478. No último ano do governo de Sousa Coutinho sabemos que as novas
povoações corriam perigo devido à hostilidades das populações africanas
estando " expostas às correrias dos Barbaros " 479 e estavam a atravessar
uma fase de problemas internos, sem sabermos ao certo quais, devido ao
facto de os seus habitantes demonstrarem alguma dificuldade em se adaptar
ao " custume da sociedade e do trabalho formados pelos invariaveis
principios da religião e da obediencia " 480.
Conseguiram as povoações consolidar a sua existência?
Apesar de a documentação consultada não se ter revelado abundante,
há dois factores que nos permitirão pôr em causa essa realidade e colocar a
hipótese de que as povoações fundadas no sertão de Benguela não
conseguiram consolidar a sua existência.
 Vimos que Sousa Coutinho participou, no ano de 1769, a sua
fundação e a sua localização. Contudo, da análise da Carta
Geographica da Costa Occidental da Africa, da autoria do
tenente-coronel engenheiro Luís Cândido Pinheiro Furtado, de
1790 481, portanto 21 anos após o estabelecimento das povoações,
vemos que estas não constam daquele que será o mais importante
documento cartográfico sobre Angola de finais do século XVIII,
478
A.H.U., Angola, Caixa 54, documento 10, Ofício do governador Sousa Coutinho de 5 de Fevereiro de
1770
479
Arquivos de Angola, I Série, Volume III, nº29, Novembro 1937, p.p.379-382, Carta do governador
Sousa Coutinho para o capitão-mor de Benguela de 14 de Janeiro de 1772
480
BN, Reservados, Códice 8744, fl.250 v-252, Carta do governador Sousa Coutinho para o capitão-mor
de Benguela de 13 de Junho de 1772
481
Sociedade de Geografia de Lisboa, Secção de Cartografia, nº697, Carta Geographica da Costa
Occidental da Africa Comprehendida entre 5º e 19º de Lat. Sul Mostrando Parte do Congo, e os Reinos de
Angola, Benguella desenhada pelo Tenente Coronel Engenheiro Luís Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado
em 1790
124
onde estão representados , com toda a clareza, não só Luanda e
Benguela como todos os presídios, incluíndo o de Novo Redondo
e o de Caconda na sua nova localização.
 Em segundo lugar, o problema da população. É impossível saber,
para aquela época, o número de habitantes de origem portuguesa
que estavam dispersos pelo vastíssimo sertão de Benguela e a
tarefa de concentrá-los em aldeamentos seria um processo ainda
mais complexo dada a escassez de meios e a dificuldade de se
fazer sentir o poder do governador em locais muitos distantes de
Luanda. Mas, se Sousa Coutinho superou estas duas dificuldades,
algo que a documentação não consegue provar, conseguiu povoar
de brancos as povoações que criou? Pensamos que não. E
afirmamo-lo com base num seu próprio testemunho, de 1773, onde
afirmava que sobre os seus constantes pedidos de casais de
colonos oriundos de Portugal para povoar Benguela nunca tivera "
o gosto de receber a resposta de todos esses officios no meu tempo
" 482.
A colonização, de facto, de Angola revelou-se um processo adiado,
concretizável só a partir de meados do século seguinte e de uma forma nada
pacífica, ao contrário daquilo que Sousa Coutinho idealizara.
482
A.H.U., Angola, Caixa 52, documento 45, Importância de Benguela segundo o governador Sousa
Coutinho de 17 de Setembro de 1773
125
Conclusão: O Balanço do Governo de Sousa Coutinho
em Angola
Procurámos, com o nosso estudo, proceder a uma análise do governo
de D.Francisco de Sousa Coutinho em Angola sob uma perspectiva que nos
permitisse compreender os mecanismos e o porquê da sua actuação como
governador daquele território.
Evitando emitir juízos de valor e encarando com neutralidade esse
momento histórico, pusémos de parte as ideias vinculadas por alguma
historiografia portuguesa deste século que insistiu em ver o governo de
Sousa Coutinho em Angola como uma época gloriosa do passado imperial
em Africa.
Enquanto governador de Angola, Sousa Coutinho esteve longe de se
revelar a figura extraordinária que essa historiografia pretendeu enaltecer,
diríamos apenas que Sousa Coutinho foi um governante cujas capacidades
não foram muito diferentes das de outros governadores de Angola. Isto é,
não podemos considerar a sua actuação como um momento de notório
progresso visto que as suas duas grandes ambições, a fábrica do ferro de
Nova Oeiras e a colonização do planalto de Benguela, fracassaram
totalmente.

Relativamente à sua actuação na região Luso-Africana, as
medidas que Sousa Coutinho adoptou para tentar resolver o problema
agudo da concorrência estrangeira no tráfico de escravos não conseguiram
produzir resultados visíveis. Contudo, não devemos esquecer que o
problema que Sousa Coutinho enfrentava ia muito além daquilo que
qualquer governador podia fazer, ou seja, a concorrência estrangeira estava,
progressivamente, a asfixiar o tráfico controlado por Luanda à medida que
o século avançava sendo impossível inverter semelhante tendência.
126

Concretamente em Luanda, Sousa Coutinho não se revelou
particularmente original. O terreiro público de Luanda para venda da
farinha e feijão não foi uma iniciativa originalmente sua, mas sim do seu
antecessor, António de Vasconcelos. Sousa Coutinho executou o projecto
sem grandes problemas, todavia acabando por colidir com um magno
problema: como desenvolver a agricultura em Luanda e seus arredores num
meio ecológico tão adverso?

Face ao complexo mundo da cultura luso-africana que se
formara, ao longo de dois séculos, na região entre o Dande e o Kwanza,
mostrou Sousa Coutinho o seu profundo desagrado aliado a uma
consciência de superioridade racial por parte dos europeus, negando os
elementos africanos e procurando afastá-los das áreas de poder,
designadamente do alto funcionalismo de Luanda e da Câmara Municipal
de Massangano.

No relacionamento com o mundo africano destacou-se a
maneira como Sousa Coutinho se posicionou no conflito que opôs os
potentados Holo e Nzinga-Matamba. Denotando uma particular habilidade
em retirar dividendos de um conflito cujo início não sabemos até que ponto
foi da sua responsabilidade , Sousa Coutinho mostrou, também, com a sua
actuação quanto era frágil o poder português sediado em Luanda dado que,
não conseguindo enfrentar aqueles dois potentados, viu na guerra entre eles
um meio de os enfraquecer e de estimular novos fornecimentos de
escravos. Apesar de ter saído vitorioso do conflito com o Mani Moçosso,
de nada serviu a Sousa Coutinho as ameaças feitas ao Dembo Manicembo,
ao Sonho e ao Mosulo, revelando-se estes potentados um importante
obstáculo às ambições dos portugueses nas regiões a norte de Luanda.
Igualmente difícil se revelou o relacionamento como os sobas residentes no
território que compreendia a colónia de Angola.

Para Sousa Coutinho era essencial tirar a Angola o estatuto de
reservatório de mão-de-obra escrava para o Brasil. Tal seria possível
mediante uma diversificação da sua actividade económica e da adopção de
uma política de colonização intensiva do território angolano. Surgiram,
127
neste contexto, a fábrica do ferro de Nova Oeiras e as povoações
portuguesas do planalto de Benguela, iniciativas que denotaram a ambição
de Sousa Coutinho e que foram um fracasso. As razões deste fracasso
foram de natureza estrutural: o meio ecológico africano, mortífero para os
europeus, concretamente na região da Ilamba onde fora estabelecida a
fábrica do ferro de Nova Oeiras, revelou-se o grande obstáculo a esta
iniciativa de Sousa Coutinho que quis fazer de Angola um centro produtor
e fornecedor de ferro para a metrópole e para o Brasil; quanto às povoações
de Benguela a dificuldade de mudar os hábitos africanizados dos seus
habitantes de origem portuguesa e a total falta de apoio por parte da coroa
no sentido de promover o envio de colonos para aquelas áreas ditaram o
fracasso da experiência.
Estas iniciativas de Sousa Coutinho, sem dúvida originais para a
época em que foram concebidas e postas em prática, acabaram por ser
destruídas por condicionalismos estruturais sendo desprezadas e
condenadas ao esquecimento por um sucessor, D.António de Lencastre,
que sintetizava junto de Martinho de Melo e Castro, de forma cruel, a
riqueza e validade de Angola enquanto espaço propício à exploração por
parte dos portugueses: " Conceda me V.Exª a licença para dizer lhe com
sinceridade que as unicas minas permanentes e exauriveis que ha neste
reyno e que so fazem a solida e verdadeira riqueza de Angola são os
ventres das negras e os dentes dos elefantes e o mais Senhor tudo he riso "
483
.
483
A.H.U., Angola, Caixa 57, documento 32, Ofício do governador D.António de Lencastre de 31 de
Março de 1773
128
ANEXOS
129
Anexo I: Glossário - Expressões de Origem KiMbundu
Nota Explicativa- O glossário que se apresenta tem por finalidade dar a
conhecer ao leitor um conjunto de expressões de origem KiMbundu que
foram usadas ao longo do texto e o facto de serem pouco conhecidas, de
um modo geral, levou-nos à elaboração desta pequena listagem com vista a
uma melhor compreensão das mesmas.

Árimo - Campo cultivado nos arredores de Luanda.

Aviado - Indivíduo que no sertão vendia fazendas a troco de
escravos por conta dos comerciantes de Luanda.

Bando - Proclamação para se dar a conhecer publicamente as
determinações do governador.

Dembo- Chefe supremo de um conjunto de chefes vassalos,
situado nas terras fronteiriças entre os Mbundu e o Kongo. O seu poder
residia nos lucros que retiravam do comércio com os ingleses e franceses
na região a norte de Luanda.

Diário - Fazenda com que se efectuavam os pagamentos dos
soldos das guarnições dos presídios.

Dízimo - Imposto eclesiástico pago pelas populações às
autoridades portuguesas. Denominou-se, nos primeiros tempos da
conquista, tributo dos sobas ou tributo de vassalagem.

Empacasseiros - Caçadores de empacassos, ou seja, do boi
selvagem. Devido ao seu profundo conhecimento do território e à sua fácil
adaptação ao meio ecológico, foram largamente utilizados pelo governo de
Luanda nas campanhas do sertão e no serviço postal.
130

Entambe - Conjunto de ritos, cânticos e danças com que os
africanos celebravam as exéquias.

Macota - Ancião e conselheiro do soba.

Potentado - Reino centralizado cujo rei detém a suprema
autoridade política sobre uma hierarquia de linhagens subordinadas.

Pumbeiro - Vocábulo proveniente de pumbo que designa feira
sertaneja. Negociante africano, agente dos comerciantes de Luanda que se
imcumbia de efectuar as trocas de fazendas por escravos no sertão.

Quilamba - Capitão das tropas de empacasseiros.

Reviro - Acção pela qual um devedor, geralmente aviado,
remete a outrém os escravos adquiridos no sertão com a fazenda do seu
credor na capital.

africana.
Soba - Autoridade tradicional. Chefe supremo de uma tribo

Sobado - Pequeno estado ou chefatura que unia diversas
linhagens relacionadas entre si sob a autoridade de um único chefe.

Undamento - Cerimónia pela qual um soba vassalo era
confirmado no governo da sua tribo pelo governador por ocasião da sua
eleição ou sucessão.
FONTE:
- António de Oliveira Cadornega, História Geral das Guerras Angolanas,
1680, Edição anotada e corrigida por José Matias Delgado, Tomo I, Lisboa,
Agência Geral do Ultramar, 1972, p.p.611, 613, 616, 620
131
- Carlos Couto, Os Capitães-Mores em Angola no Século XVIII. Subsídio
para o Estudo da sua Actuação, Luanda, Instituto de Investigação Científica
de Angola, 1972, p.p.279-282
- Jill Dias, " Mudanças nos Padrões de Poder no Hinterland de Luanda. O
Impacto da Colonização sobre os Mbundu ( 1845-1920 ) " in Penélope.
Fazer e Desfazer a História, 14, Dezembro 1994, p.p.47 e 49
132
Anexo II: Funcionalismo em Luanda no Tempo do
Governador Sousa Coutinho
Nota Explicativa; O presente quadro visa fornecer uma listagem de indivíduos que ocupavam os
principais cargos na administração colonial, mostrando como era normal um titular de um cargo
administrativo ter ocupado um lugar na Câmara Municipal e, simultâneamente, estar ligado à Conferência
dos Negociantes, principal orgão regulador das actividades relacionadas com o tráfico de escravos. É uma
pequena amostra relativa apenas ao período do governo de Sousa Coutinho, uma pista para investigações
futuras sobre a história administrativa em Angola.
Lugar na
Administração
Lugar na
Câmara
Municipal
Assento na
Conferência
dos
Negociantes
Escrivão da
Ouvidoria
-
-
-
Vereador
-
Secretário de
Estado em 1765
Vereador em
1760
Negociante em
1764
António Pinto
Falcão
-
Vereador
-
António da Silva
Guimarães
-
Vereador
-
António de Sousa
Portela
-
-
Negociante
Bento José de
Almeida Lobo
-
Vereador
-
Bento Pinheiro
Falcão
-
-
Bernardo Nunes
Portela
-
Escrivão do
Senado da
Câmara
Vereador
Bernardo da Silva
Rebelo
-
Vereador
-
Nome
Amaro Gomes da
Cruz
André Pinto
Delgado
António de Campos
Rego
-
Fonte
A.H.U., Angola,
cx.48,
doc.41,29.11.1764
A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.39,27.11.1764
-A.H.U.,
Angola,cx.43,
doc.937.10.1760
-A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.14,18.6.1764
-A.H.U.,
Angola,cx.49,
doc.55,9.8.1765
A.H.U.,
Angola,cx.55,
doc.45,29.7.1771
A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.39,27.11.1764
A.H.U.,
Angola,cx.51,
doc.57,12.12.1767
A.H.U.,
Angola,cx.43,
doc.93,7.10.1760
A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.33,9.8.1764
A.H.U.,
Angola,cx.55,
doc.45,29.7.1771
A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.39,27.11.1764
133
Anexo II (continuação)
Lugar na
Administração
Lugar na
Câmara
Municipal
Assento na
Conferência
dos
Negociantes
Custódio Simões da
Silva
-
Vereador em
1764
Negociante em
1764
Feliciano Correia
Maia
-
Vereador em
1764
Negociante em
1764
Francisco António
Ribeiro
Escrivão da
Alfândega em 1770
-
Negociante em
1767
-
Vereador
-
Ouvidor geral
-
-
Francisco dos
Santos
-
-
Negociante
Gabriel Moreira
Rangel
-
Vereador
-
Juiz de Fora em 1763
Juiz Presidente
do Senado da
Câmara em
1764
-
Feitor da Fazenda
Real em 1764
Vereador em
1768
-
Juiz da Alfândega em
1770
Vereador em
1768
-
Nome
Francisco Barros da
Silva
Francisco José
Pereira Barbosa
João Delgado
Xavier
João Rodrigues de
Sousa
José Coelho de
Carvalho
Anexo II (continuação)
Fonte
-A.H.U., Angola,
cx.48,
doc.14,18.6.1764
-A.H.U., Angola,
cx.48,
doc.39,27.11.1764
-A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.14,18.6.1764
-A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.39,27.11.1764
-A.H.U., Angola,
cx.51,
doc.57,12.12.1767
-A.H.U.,
Angola,cx.54,
doc.11,5.2.1770
A.H.U.,
Angola,cx.43,
doc.93,7.10.1760
A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.39,27.11.1764
A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.14.18.6.1764
A.H.U.,
Angola,cx.55,
doc.45,29.7.1771
-A.H.U.,
Angola,cx.47,
doc.42,6.11.1763
-A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.25,1.12.1764
-A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.41,1.12.1764
-BN, Reservados,
Cód.8742, fl.28889, doc.de 1.1.1768
-BN, Reservados,
Cód.8742, fl.28889, doc.de 1.1.1768
-A.H.U.,
Angola,cx.54,
doc.11,5.2.1770
134
Lugar na
Administração
Lugar na
Câmara
Municipal
Assento na
Conferência
dos
Negociantes
José Lopes
Bandeira
-
-
Negociante
José da Fonseca
Monteiro
-
Vereador
-
José Plácido
Correia de Brito
Escrivão da Fazenda
Real
-
-
Manuel Gouveia
-
Vereador
-
Manuel Antunes de
Abreu
-
Vereador em
1768
Negociante em
1767
Manuel Cardoso da
Silva
-
Vereador em
1768
Negociante e
Administrador da
Companhia do
Grão-Pará e
Maranhão em
1764
Manuel da Costa
Pinheiro
-
-
Negociante
Manuel Pinto da
Cunha e Sousa
Ouvidor Geral,
Provedor da Fazenda
Real e Corregedor
-
-
Manuel Rodrigues
da Silva
- Tesoureiro da
alfândega em 1766
- Feitor da junta da
fazenda real em 1771
-
-
Nome
Anexo II (conclusão)
Fonte
A.H.U.,
Angola,cx.51,
doc.57,12.12.1767
A.H.U.,
Angola,cx.48,
doc.39,27.11.1764
A.H.U.,
Angola,cx.49,
doc.46,2.7.1765
BN, Reservados,
Cód.8742, fl.28889, doc. de
1.1.1768
-A.H.U., Angola,
cx 51, doc. 57.,
12.12.1767
-B.N., Reservados,
cód.8742, fl.28889, doc. de
1.1.1768
- A.H.U., Angola,
cx. 48, doc. 41,
1.12.1764
-B.N., Reservados,
cód.8742, fl.28889, doc. de
1.1.1768
-A.H.U., Angola,
cx. 51, doc. 57,
12.12.1767
-A.H.U., Angola,
cx.48, doc.41,
1.12.1764
-A.H.U., Angola,
cx.51, doc.45,
12.8.1767
-A.H.U.,
Angola,cx.50,
doc.47,5.9.1766
-A.H.U.,
Angola,cx.55,
doc.33,23.5.1771
135
Lugar na
Administração
Lugar na
Câmara
Municipal
Assento na
Conferência
dos
Negociantes
Matias da Costa
-
-
Negociante
Raimundo Jalama
-
-
Negociante e
administrador da
companhia do
Grão-Pará e
Maranhão
Nome
Pedro Matoso de
Andrade
Pedro Nolasco
Ferreira de Andrade
Thomé da Silva
Coutinho
-
Vereador
-
Escrivão da feitoria
real
-
-
-
Vereador em
1760
Negociante em
1764
Fonte
-A.H.U., Angola,
cx.51, doc.57,
12.12.1767
A.H.U.,Angola,
cx.48,
doc.14,18.6.1764
A.H.U.,Angola,
cx48,
doc.41,1.12.1764
A.H.U.,Angola,
cx.43,
doc.93,7.10.1760
A.H.U.,Angola,
cx.48,
doc.41,1.12.1764
A.H.U.,Angola,
cx.43,
doc.93,7.10.1760
A.H.U.,Angola,
cx.48,
doc.14,18.6.1764
136
Anexo III: Capitães-Mores no Tempo do Governador
Sousa Coutinho
Capitania
Titular
Data em
que
Exercia o
Cargo
Fonte
Bengo
Domingos Gonçalves
Soeiro
17.3.1767
BN, Reservados,Cód.8742,
fl.160
Benguela
31.1.1766
Benguela
Caconda
Apolinário Francisco de
Carvalho
José Vieira de Araújo
José Vieira de Araújo
Caconda
Francisco José da Silva
7.6.1766
Caconda
Manuel Ferreira dos
Santos
João Baptista da Silva
28.4.1768
BN, Reservados,Cód.8742, fl.13
A.H.U., Angola,cx.52, doc.4
BN, Reservados,Cód.8742,
fl.3v-5
BN, Reservados,Cód.8742, fl.37
v
A.H.U., Angola,cx.52, doc.11
Caconda
Caconda
Caconda
Cambambe
Cambambe
Cambambe
Cambambe
Cuanza
Dande
Dande
Dande
Encoge
Encoge
Encoge
Golungo
Golungo
Massangano
Massangano
Massangano
José António Rigueira
Francisco Matoso de
Andrade e Câmara
Domingos José da
Esperança
Francisco Pires de
Andrade
António Machado da
Costa
José Thomaz Vaz Vieira
12.4.1766
3.2.1766
15.12.1769
24.8.1770
7.8.1772
16.11.1767
BN, Reservados,Cód.8743,
fl.109 v-111v
A.H.U., Angola,cx.54, doc.78
A.H.U.,Angola,cx.56, doc.61
8.12.1767
BN, Reservados,Cód.8742,
fl.243v
A.H.U., Angola,cx.52, doc.3
28.4.1768
A.H.U., Angola,cx.52, doc.11
10.2.1772
Francisco Alves de
Sousa
Manuel Aguiar
10.9.1770
Martinho Teixeira de
Mendonça
José Cardoso de Meneses
20.11.1769
Paio de Araújo
Francisco Alves
Rodrigues
Feliciano Pinto da Costa
Viana
João Baynes
8.12.1767
28.4.1768
Arquivos de Angola, I Série,
vol.III, 28, p.p.317-319
BN, Reservados,Cód.8744,
fl.21v-22
BN, Reservados,Cód.8742,
fl.217V-218v
BN, Reservados,Cód.8743,
fl.73-73 v
Arquivos de Angola, I
Série,Vol.III, 29, p.369
A.H.U., Angola, cx.52, doc.3
A.H.U., Angola,cx.52, doc.11
24.8.1770
A.H.U., Angola,cx.54, doc.78
8.3.1766
António Gonçalves
Soeiro
Pedro Matoso de
Andrade
João dos Santos Xavier
José Thomaz Vaz Vieira
11.7.1770
BN, Reservados,Cód.8742, fl.14
v-16 v
BN, Reservados,Cód.8743,
fl.221v-222
A.H.U., Angola,cx.52, doc.11
30.8.1767
6.1.1772
28.4.1768
30.11.1768
10.1.1770
A.H.U., Angola,cx.52, doc.56
BN, Reservados,Cód.8743,
fl.114-115v
137
Anexo III (conclusão)
Capitania
Mbaka
Mbaka
Mbaka
Mbaka
Mbaka
Mbaka
Muxima
Muxima
Novo
Redondo
Novo
Redondo
Novo
Redondo
Pedras de
Pungo a
Ndongo
Pedras de
Pungo a
Ndongo
Pedras de
Pungo a
Ndongo
Titular
Data em
que
Exercia o
Cargo
Fonte
António Manuel Lisboa
Francisco Matoso de
Andrade
José de Sousa
26.1.1765
Julho 1766
A.H.U., Angola,cx.49, doc.7
A.H.U., Angola,cx.50, doc.27
14.9.1766
Manuel Ferreira dos
Santos
Francisco Xavier de
Andrade
Feliciano Pinto da Costa
8.12.1767
BN, Reservados, cód. 8742, fl.
73v - 74
A.H.U., Angola,cx.52, doc.3
28.4.1768
A.H.U., Angola,cx.52, doc.11
25.2.1770
António João de
Meneses
José Rodrigues
José Rodrigues
8.6.1766
13.1.1769
10.9.1769
Manuel Dias Leite
4.3.1770
António Rodrigues do
Vale
Manuel Monteiro
25.2.1771
28.4.1768
BN,
Reservados,Cód.8743,
fl.148 v-149v
BN, Reservados,Cód.8742, fl.37
v-38
A.H.U., Angola,cx.53, doc.4
BN,
Reservados,Cód.8743,
fl.13-17
BN, Reservados,Cód.8743,
fl.153v-154
BN, Reservados, Cód.8744,
fl.85-85 v
A.H.U., Angola,cx.52, doc.11
António João de
Meneses
13.1.1769
A.H.U., Angola,cx.53, doc.4
Francisco José da Silva
25.11.1771
BN,
Reservados,Cód.8744,
fl.178-178v
138
Anexo IV: Sobados Identificados no Tempo do
Governador Sousa Coutinho
Nota Explicativa; O presente quadro pretende fornecer uma listagem dos sobas identificados e
localizados durante o governo de Sousa Coutinho, cujas referências, por vezes muito escassas foram
encontradas no decurso da nossa pesquisa. Os nomes dos sobas são escritos tal qual como vêm
mencionados nas fontes. Idêntica situação relativamente ao Anexo V sobre os potentados.
Jurisdição
Sobado
Benguela
Andoila
Benguela
Anha danda
Caconda
Quitata
Cambambe
Cambambe
Caboco Cambilo
Gama Golla
Cambambe
Lunga Rihango
Cambambe
Quioza Quiangola
Dande
Capexi
Dande
Golungo
Golungo
Golungo
Quitungo
Bango Aquitamba
Bumba Andala
Cabutu Candalla
Golungo
Golungo
Golungo
Golungo
Golungo
Golungo
Golungo
Cariata
Gola Guimbe
Gonguembo
Mucengue Anzenza
Muta o Camba
Ngola Anguimbo
Quilombo
Quia
Catubia
Qungue a Quibengue
Golungo
Golungo
Massangano
Massangano
Massangano
Massangano
Massangano
Massangano
Massangano
Massangano
Zumba a Quizundu
Cabacassa Caytombe
Cabuto Candala
Canhangue Cambuxi
Itombe a Candongo
Massexi
Ambu
elengue
Ngola Quiato
Quimbi
Quingue Aquibengue
Fonte
BN, Reservados,Cód.8744, fl.250 v-252, doc. de
13.6.1772
BN, Reservados,Cód.8742, fl.137 v-138 v, doc. de
30.1.1767
BN, Reservados, Cód.8743, fl.45 v-49-v, doc. De
14.10.1769
A.H.U., Angola,cx.57, doc.28, Março de 1773
Arquivos de Angola, I Série, III, nº30-33, p.p.407408, doc. de 10.2.1772
Arquivos de Angola,I Série, III, nº30-33,
p.p.407-408, doc. de 10.2.1772
Arquivos de Angola, I Série, III, Nº30-33, p.p.407408, doc. de 10.2.1772
Arquivos de Angola,I Série, III, nº29, p.369, doc. de
6.1.1772
A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773
A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773
A.H.U., Angola,cx.57, doc.28, Março de 1773
BN, Reservados, Cód.8742, fl.14 v, doc. de
8.3.1766
A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773
BN, Reservados,Cód.8742, fl.16 v, doc. de 8.3.1766
A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773
A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773
A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773
A.H.U., Angola, cx.57, doc.28, Março de 1773
A.H.U., Angola,cx.57, doc.28, Março de 1773
BN, Reservados, Cód.8742, fl.14 v, doc. de
8.3.1766
BN, Reservados,Cód.8742, fl.14 v, doc. de 8.3.1766
A.H.U., Angola,cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola,cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola,cx.55, doc.6 de 31.10.1770
139
Anexo IV (conclusão)
Jurisdição
Sobado
Massangano
Massangano
Mbaka
Zambi Aqueta
Zumba Aquizunze
Delaceya
Mbaka
Dalla Tando
Mbaka
Dambi Aquiza
Mabka
Gonga Muiza
Mbaka
Huiadala
Muxima
Muxima
Muxima
Muxima
Novo Redondo
Bele Acuma
Caculo Cahango
Quonzo Quiadundu
Ucusso Agonga
Gunza Cabolo
Novo Redondo
Lumbo
Pedras de Pungo
a Ndongo
Pedras de Pungo
a Ndongo
Pedras de Pungo
a Ndongo
Pedras de Pungo
a Ndongo
Bumba Acatanda
Muta Quita
Palanga a Zonze
Qunza Bambi
Fonte
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 31.10.1770
BN, Reservados, Cód.8743, fl.71-72, doc.
18.11.1769
BN, Reservados, Cód.8742, fl.114 v-115, doc.
4.1.1767
BN, Reservados, Cód.8742, fl.114 v-115, doc.
4.1.1767
BN, Reservados,Cód.8744, fl.26 v-28 v, doc.
15.9.1770
BN, Reservados, Cód.8742, fl.114 v-115, doc.
4.1.1767
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 12.10.1770
BN, Reservados, Cód.8743, fl.29 v-38, doc.
12.10.1769
BN, Reservados, Cód.8743, fl.17-21 v, doc.
10.9.1769
BN, Reservados, Cód.8743, fl.172 v-173 v, doc.
24.4.1770
A.H.U., Angola, cx.55, doc.6 de 10.11.1770
de
de
de
de
de
de
de
de
BN, Reservados, Cód.8743, fl.69 v-70 v, doc. de
16.11.1769
BN, Reservados, Cód.8743, fl.136 v-137 v, doc. de
12.2.1770
140
Anexo V: Dembos, Potentados e Reinos no Tempo do
Governador Sousa Coutinho
Entidade
Política
Nome
Fonte
Dembo
Ambuela
Dembo
Ambuela
Dembo
Ambuila
Dembo Caculo
Cacahenda
Dembo
Manicembo
D.António Mucanjanga
BN, Reservados,Cód.8744, fl.113 v-114, doc. de
17.4.1771
Arquivos de Angola, I Série, Vol.III, 29, p.p.353-55,
doc. de 24.12.1771
A.H.U., Angola, cx.50, doc.60 de 28.11.1766
Potentado
Holo
Potentado
Moçosso
Potentado
Mosulo
Potentado do
Sonho
Rei de
Cabinda
Rainha do
Hoando
Rei do Kongo
Rei do Loango
Rei de
Molembo
Rainha
NzingaMatamba
Rei NzingaMatamba
Marimba Goge
D.Manuel Afonso da
Silva
D.Francisco Afonso
Álvares
D.Paulo Sebastião
Francisco
-
D.André Muginga
Bunga
D.António Afonso da
Silva
-
A.H.U., Angola, cx.45, doc.42 de 12.6.1762
- A.H.U., Angola, cx.48, doc.27 de 30.7.1764 e de
4.8.1764
- A.H.U., Angola, cx.50, doc.4 de 4.3.1766
ANTT, Ministério do Reino, Maço 600, cx.703,
doc.de 8.7.1765 e de 2.9.1765
A.H.U., Angola, cx.50, doc.60 de 28.11.1766
-
A.H.U., Angola, cx.48, doc.27 de 30.7.1764; cx.51,
doc. 24 e 25 de 4.51767
A.H.U., Angola, cx.48, doc.27 de 30.7.1764; cx.50,
doc.4 de 4.3.1766; cx.51, doc.33 de 29.7.1767
A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773
D.Brites Afonso da
Silva
-
A.H.U., Angola, cx.50, doc.60 de 28.11.1766 e
doc.61 de 28.11.1766
A.H.U., Angola, cx.48, doc.36 de 9.9.1764
A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773
A.H.U., Angola, cx.57, doc.17 de 18.3.1773
D.Ana Guterres
ANTT, Ministério do Reino, Maço 600, cx.703, doc.
de 25.5.1765 e de 1.7.1765
D.Caluete Cabande
- ANTT, Ministério do Reino, Maço 600, cx.703,
doc. de 25.5.1765
- Arquivos de Angola, I Série, Vol.I, 4, p.p.189-190,
doc. de 25.2.1768
141
Bibliografia
I- Fontes Primárias Manuscritas
- Arquivo Histórico Militar, 2ª Divisão- Ultramar Português, 2ª
Secção- Angola, Caixa 1
- Arquivo Histórico Ultramarino, Angola, Caixas 41, 42, 43, 44, 45,
46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 60, 61, 62;
Códices 407, 408, 472, 544, 555, 1481
- Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Ministério do Reino, Maço
600- Caixa 703, Maço 605- Caixa 708
- Biblioteca Nacional de Lisboa, Reservados, Códices 8742, 8743,
8744
II- Fontes Primárias Impressas
- Arquivos de Angola, Luanda, Publicação Oficial Editada pela
Repartição Central de Estatística Geral:
I Série- Volume 1: nº3 Outubro 1935; nº4 Novembro 1935; nº6
Março 1936; Volume 2: nº9 Junho 1936; Volume 3: nº28 Novembro 1937,
nº29 Novembro 1937, nº30-33 Novembro 1937; Volume 4: nº49 Janeiro
1939
II Série- Volume 10: nº39-42 Janeiro-Outubro 1953
142
- BRÁSIO, Padre António: Monumenta Missionária Africana, I
Série, Africa Ocidental ( 1570-1599 ), Lisboa, Agência Geral do Ultramar,
1953
- DIAS, Gastão de Sousa: " Uma viagem a Cassange nos meados do
século XVIII " in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 56, nº1-2,
1938, p.p.3-30
- FELNER, Alfredo de Albuquerque: Angola. Apontamentos Sobre a
Colonização dos Planaltos e Litoral Sul de Angola, Volume I, Lisboa,
Agência Geral das Colónias, 1940
III- Fontes Secundárias
- AFFONSO, Domingos de Araújo; VALDEZ, Ruy Travassos: Livro
de Oiro da Nobreza. Apostilas à Resenha das Famílias Titulares do Reino
de Portugal de João Carlos Fêo Cardoso Castelo Branco e Torres e Manuel
de Castro Pereira de Mesquita, Braga, 1932
- CADORNEGA, António de Oliveira: História Geral das Guerras
Angolanas 1680, Edição anotada e corrigida por José Matias Delgado,
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- CORREIA, Elias Alexandre da Silva: História de Angola Dedicada
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