História da Cultura e das Artes · 11.° ano Documento de apoio · Escultura em Portugal no século XIX (Módulo 8 – A Cultura da Gare) O Desterrado, António Soares dos Reis, 1872, mármore de Carrara, 178 x 68 x 66,5 cm, Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto 1 2 3 Imagem total e frontal [1] e pormenores da cabeça [2] e mãos [3] [1] Entre o gosto da escultura grega clássica e o seu sereno naturalismo, Soares dos Reis criou esta figura, na brancura do mármore: um jovem bem constituído, belo, nu, sentado num rochedo (cujo desenho ele fez nas praias de Capri), a olhar para as ondas, numa pose de abandono. Com virtuosismo na execução e na modelação, a obra estrutura-se em torno de um eixo vertical realizando duas suaves rotações laterais que criam duas linhas diagonais e divergentes: uma, a dominante, vai do ombro direito à ponta do pé esquerdo; a outra une a cabeça às mãos; estas linhas, aumentando o jogo de cheios e vazios e os contrastes de luz e sombra, acentuam a tensão interior-exterior, físico-espírito. [2] É a cabeça bem como o tronco torcido que dão sentido ao título. As faces mostram-se impenetráveis, imperturbáveis, tendo a direita uma lágrima congelada (posteriormente feita, segundo Diogo de Macedo); os lábios perfeitos são inexpressivos; o olhar está parado e ausente; e os cabelos curtos e encaracolados estão em desalinho. [3] As mãos, com os dedos enclavinhados, estão apoiadas na perna direita acentuando a atitude psicológica da melancolia, do alheamento e da meditação. Numa classificação ambígua pode dizer-se que o Desterrado simboliza o século XIX, ao harmonizar valores realistas (na pormenorização e no domínio anatómico), valores idealistas (na forma canónica do nu e na sua beleza) e valores românticos (na expressividade sofrida). Ana Lídia Pinto · Fernanda Meireles · Manuela Cernadas Cambotas Ideias e Imagens · 11.º ano De sofrimento em sofrimento, de meditação em meditação, a inspiração foi esbarrar-se-lhe na conceção do Desterrado, que os versos [Tristeza do Desterro] de [Alexandre] Herculano auxiliaram em sugestão. Pensando no exílio e no seu natural desalento, a imagem foi-se-lhe desenhando em claridades, lá no âmago […]. Mãos à obra e esboçados os primeiros estudos para a estátua, desenhos para aqui e barros para acolá, toca de erguer a figura em tamanho natural, apurando expressões de conjunto, afinando linhas e volumes, calculando bem todo o jogo dos movimentos, das proporções e dos pormenores, para que o trabalho lhe saísse perfeito das mãos e sujeito ao sentimento inicial. Numa escultura tudo deve falar em harmónico sentido; e assim, não só a máscara duma figura pode impressionar, como as linhas dum torso, o movimento duns rins ou dumas pernas, a posição das mãos e as particularidades de qualquer perfil. Com o Desterrado nada ficou por examinar, afinado nas massas gerais e com minudências técnicas, resultando imagem sem pecado. O Desterrado é, depois disto, um autorretrato da nostalgia e dos desassossegos de Soares dos Reis. A sua sensação saiu-lhe direitinha da alma para os dedos e para o escopro; e como o seu sentir foi latente nas dúvidas e na saudade dum bem que nunca alcançou, a estátua brotou sem tormentos de desordem, inteiriça de expressão e sinceramente comovida. Não é um símbolo; é uma confissão […]. Pacientemente arquitetada em nobreza plástica, sobre um lindo modelo vivo […] [foi] concebida por um espírito de educação clássica ainda atado aos cânones da estatuária antiga. Diogo de Macedo, Soares dos Reis, Uma Vida Dolorosa, Edição da Revista Ocidente, Lisboa, 1943. Questões: Leia as páginas 176 e 177 do Manual, o texto que se segue e responda. • Terra cara da pátria, eu te hei saudado D’entre as dores do exílio. Pelas ondas Do inquieto mar mandei-te o choro Da saudade longínqua… Tristeza do Desterro de Alexandre Herculano (excerto) 1. Descreva as etapas do processo criativo de Soares dos Reis descrito por Diogo de Macedo. 2. Explique a frase de Diogo de Macedo: resultando imagem sem pecado. 3.Faça a leitura técnico-artística ou plástica desta obra. 4.Como lê esta obra quanto à expressividade? 5.Que paralelo é possível estabelecer entre os versos acima transcritos e esta obra de Soares dos Reis? 6.Integre esta obra no contexto histórico-cultural e artístico de Portugal desta época. (Não esquecer que Soares dos Reis esteve em Paris [1867-70], onde artistas como Delacroix, Courbet, Manet, Monet, Daumier, Rodin e Baudelaire também se encontravam, e permaneceu dois anos em Roma, cujos museus e ruínas visitou.) Ana Lídia Pinto · Fernanda Meireles · Manuela Cernadas Cambotas Ideias e Imagens · 11.º ano