O Processo Ensino-Aprendizagem em uma Disciplina de Administração: Percepções de Docentes e Discentes Autoria: Ingrid Winkler, Júlio Cesar Andrade de Abreu, Kátia Santos de Morais, Lindomar Pinto da Silva, José Antônio Gomes de Pinho Resumo Este trabalho propõe discutir o processo de ensino-aprendizagem em uma turma da disciplina Introdução à Administração, ministrada para alunos de diversos cursos que não são de Administração em uma Universidade Federal. São alunos das áreas de Engenharias, Arquivologia, Direito, Nutrição, Ciência da Computação, Economia e Estatística. Constitui-se desta forma uma turma heterogênea em sua própria origem. A discussão tomou como referencial teórico os conceitos de aprendizagem significativa e interação (MOREIRA, 1999) e a utilização de recursos estéticos para o favorecimento da aprendizagem (DAVEL, 2004; FISCHER et al (2005). A dinâmica da disciplina segue uma linha inovadora ao utilizar aulasconferências proferida pelo professor para a turma completa. Subsequentemente, a turma é dividida em quatro grupos menores, ficando as salas sob responsabilidade de monitores. Valendo-se de uma pesquisa survey este artigo analisa a percepção dos alunos sobre este formato de aulas através de métodos quantitativos e qualitativos (discurso do sujeito coletivo). A percepção docente também é qualificada através de relatos dos mesmos. O recorte temporal remete ao segundo semestre de 2008. Conclui-se que esta é uma rica experiência em resultados e em processos, podendo servir de base para novos experimentos e também colaborando com reflexões futuras sobre a necessidade de reformulação do ensino em Administração defendida por alguns autores. Introdução Este trabalho propõe discutir o processo de ensino-aprendizagem em uma turma da disciplina Introdução à Administração, ministrada para alunos de diversos cursos que não são de Administração. São alunos das áreas de Engenharias, Arquivologia, Direito, Nutrição, Ciência da Computação, Economia e Estatística. Constitui-se desta forma uma turma heterogênea em sua própria origem que, ao compartilharem um ambiente de aprendizagem de uma mesma disciplina, são submetidos a uma formação onde é empregada a mesma metodologia, independentemente de seus cursos. O trabalho assim discute a questão ensino-aprendizagem, do ponto de vista dos processos, na turma de 2008.2 da disciplina Introdução à Administração em uma universidade federal, situada na região Nordeste. Como a turma era formada por 119 alunos, dada a quantidade e a já assinalada heterogeneidade da turma, optou-se pelo uso de um processo de ensino diferenciado, visando aprimorar as condições para a aprendizagem. As aulas eram realizadas duas vezes por semana: o primeiro encontro era ministrado pelo professor titular da disciplina numa aula-conferência para toda a turma, enquanto no segundo encontro a turma era dividida em quatro grupos menores de 30 alunos e as atividades eram conduzidas por monitores, alunos de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-graduação desta Universidade. Os assuntos eram expostos e discutidos pelo professor responsável no primeiro encontro em aulas expositivas, num foco mais teórico, e no encontro seguinte, rediscutidos pelos monitores numa abordagem mais prática e interativa, com um foco mais aplicado, utilizando-se para isso outros recursos estéticos além das aulas expositivas, como estudos de casos, filmes, dinâmicas, aprofundamentos e outras discussões. Dada a diversidade de formação do corpo discente, este trabalho propõe uma trilha metodológica que visa contemplar a percepção dos alunos e dos monitores/professor envolvidos nesta experiência. Além da descrição da experiência propriamente dita, o artigo objetiva fazer uma reflexão sobre a mesma e sobre novas experiências de ensino bem como se valer da avaliação feita pelos alunos no sentido de detectar problemas e soluções. 1 Destarte, o trabalho encontra-se organizado da seguinte forma: inicialmente é tecido um referencial teórico sobre processos de ensino aprendizagem; na segunda parte a experiência é detalhadamente descrita (procedimentos, conteúdos, etc.); segue-se com a apresentação da metodologia da pesquisa que foi conduzida para captar a percepção dos discentes para finalmente apresentar a avaliação destes e a percepção dos monitores envolvidos com a experiência. 1. O Processo de Ensino Aprendizagem O Processo de ensino-aprendizagem compreende um conjunto de ações que envolvem pessoas, técnicas e instrumentos cujo objetivo é a construção de um conhecimento para aqueles indivíduos que não o dominam. Trata-se, desta forma, da efetiva construção e não de mera transferência destes conhecimentos para uma platéia ávida por informações. Não se trata efetivamente de um grupo de pessoas sentadas, predispostas a ouvirem, enquanto existe outro indivíduo, provido de saber, iluminado, a quem cabe a tarefa de repassar as informações que atendem às expectativas daqueles indivíduos. Pensar o processo de ensino-aprendizagem exige, portanto, reconhecer que os indivíduos não são repositórios de informações, a exemplo do que pensou Freire (1987) ao se referir ao que qualificou como ensino bancário, em que um indivíduo “deposita” seus conhecimentos na cabeça de outros. Desta forma, pensar o processo de ensino-aprendizagem exige ultrapassar também a idéia de uma aprendizagem baseada no conceito de estímulo, resposta e reforços. É preciso, inclusive, avançar na idéia de um processo construído sob a égide da aprendizagem significativa, mudança conceitual e construtivismo (MOREIRA, 1999). Tal concepção pressupõe que a aprendizagem significativa deve avançar para além das bases construídas que pensavam este processo como algo estático e centrado na figura do professor. É oportuno destacar que ensino e aprendizagem (dois termos comumente empregados como sinônimos) são conceitos distintos. Para Leopoldino, Abreu e Santana (2008) enquanto o ensino está voltado para o trabalho do professor na busca da transmissão de conhecimentos, o conceito de aprendizagem se relaciona mais ao processo de assimilação de conhecimentos por parte daquele que aprende, o que pode vir a ocorrer independentemente de qualquer processo de ensino. O ensino deve obviamente facilitar a aprendizagem, mas não existe necessariamente uma relação direta entre ambos. Um mesmo professor pode lecionar um conteúdo em uma turma e este processo de ensino gerar aprendizagem para alguns alunos e para outros não. Da mesma forma alguns alunos podem desenvolver a aprendizagem fora de um contexto de ensino ou que fora realizado inadequadamente. Telles apud Yonemoto (2004, p. 55) corroboram este ponto de vista: Numa sala existe ensino, que é algo diferente de aprender. Ensino é a transmissão ou apresentação de certas orientações por parte de alguém, no caso, um professor, que facilita a aprendizagem por parte do aluno. O ensino, no entanto, ajuda a aprender. Não há na literatura um consenso sobre como se dá a aprendizagem (TONET e PAZ, 2006; YONEMOTO, 2004). São conhecidas várias abordagens teóricas que buscam explicar como ocorrem os processos de ensino e aprendizagem, muitas vezes com visões conflitantes. Destacam-se no conjunto de trabalhos as correntes de cunho construtivista e cognitivista, a corrente da aprendizagem significativa de Ausubel e os modelos dos comportamentalistas (AZENHA, 2006; BASTOS, 2004; MOREIRA, 1999). Estas contribuições teóricas enriqueceram o quadro da aprendizagem individual, embora estejam ainda distantes de encerrar as discussões nesta seara (LEOPOLDINO, ABREU e SANTANTA, 2008). A aprendizagem enquanto concepção teórica já foi pensada mais como resultado e menos como um processo. Esta concepção despreza indevidamente a importância do processo 2 como um todo que é fundamental para o próprio resultado. Weick e Westley (2004, p.363), discutindo esta fragilidade de pensar apenas no resultado, descrevem: Aprender enfatiza um verbo de realização. Isso significa que a palavra aprendizagem refere-se tanto a um resultado, quanto a um processo, possui sentido circular, tautológico e obscuro, em vez de revelar a dinâmica do processo e a natureza exata do resultado. Ainda para reforçar dois importantes conceitos já mencionados neste texto, faz-se necessário destacar a “aprendizagem significativa”. Termo cunhado por Ausubel, mas aprimorado por Novak (MOREIRA, 1999, p.11), para quem [...] é um processo por meio do qual uma nova informação se relaciona de maneira substantiva (não-literal) e não-arbitrária, a um aspecto relevante da estrutura cognitiva do indivíduo. Isto é, nesse processo a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento específica, a qual Ausubel chama de conceito subsunçor ou, simplesmente subsunçor, existente na estrutura cognitiva de quem aprende. Assim, do conceito de Ausubel e de Weick e Westley fica clara a necessidade de interação do indivíduo, uma vez que sendo processo exige a interação, e sendo significativa exige a participação do aprendiz com prévios conhecimentos (subsunçores) para que o processo possa ser realizado e o aprendizado alcançado. Nas palavras de Moreira (1999), a aprendizagem significativa se caracteriza pela interação e pelo fato de não ser mecânica. Isto leva de volta à discussão de Freire (1987) na medida em que, ao ser significativa, a aprendizagem não pode ser mecânica, ou funcionar como um repositório “bancário”, precisando ser processual. Outro ponto importante no processo ensino-aprendizagem pode ser colocado pela idéia de que o conhecimento não é atemporal, descontextualizado e dissociado da realidade da comunidade onde se realiza. Logo, para que haja eficácia, é necessário que o processo seja permeado pelas circunstâncias que estão em volta dos indivíduos participantes do processo de aprendizagem. Assim sendo, reforça-se a percepção construída neste trabalho de que o processo de aprendizagem é interativo, situado, contextualizado, processual, contra a idéia já superada que não há importância no processo de ensino, mas apenas no resultado, e que este independe dos elementos neles envolvidos. Diante desta abordagem de que o binômio “ensino-aprendizagem” constitui-se em um verdadeiro processo, e que o contexto é uma variável importante, na atualidade é importante pensá-lo levando em conta as novas ferramentas e processos de ensino disponíveis e já em uso, como os chamados recursos estéticos no ensino-aprendizagem em Administração (DAVEL et al, 2004; FRÓES, 2008). Fischer et al (2006), discorrendo sobre o tema, afirma que no processo de aprendizagem a prática está relacionada com experiências vividas e imaginárias; cognição e emoção. Esta visão reforça a teoria da aprendizagem significativa, onde o uso de subsunçores é fundamental. Ressalte-se que o ensino de Administração tornou-se foco de fortes debates acadêmicos nos últimos anos (AKTOUF, 2000; VERGARA, 2007; BENNIS e O’TOOLE, 2005). Para Fischer (2005), que defende uma ampla reformulação do ensino de Administração no Brasil, é imperativa a mudança da atual estrutura. Tal modificação incluiria a construção e experimentação de modelos de ensino; institucionalização de linhas de pesquisa sobre ensino e aprendizagem em Administração; produção de materiais e textos didáticos; estímulos a experimentações e inovações no ensino presencial e à distância (FISCHER, 2005). Neste sentido, a experiência ora vivenciada na universidade aqui estudada representa uma experimentação que pode contribuir para aprimorar o processo de ensino e aprendizagem de Administração. Rechaçando a prática de uma aprendizagem mecânica e inovando o processo de ensino ao incorporar elementos mais dinâmicos, a experiência aqui analisada pode contribuir para a reflexão nesta rica seara de debates. 3 2. A Experiência: Histórico e Descrição das Atividades A disciplina Introdução à Administração é obrigatória para vários cursos dentro da UFXX, o que constitui uma demanda muito grande e cria dificuldades para a oferta da disciplina por parte da Faculdade de Administração. Para atender a esse quadro seria necessário, a princípio, formar várias turmas e mobilizar diversos professores. Diante dessa preocupação, teve início em 2006 um Projeto Experimental, em que os alunos provenientes de outros cursos de graduação que não da Faculdade de Administração, como Direito, Engenharia, Ciências Contábeis, Arquivologia, Secretariado e Nutrição, dentre outros, são reunidos semestralmente em uma turma única formada por cerca de 100 a 120 alunos. As aulas são ministradas pelo professor responsável pela disciplina com o auxílio de monitores, alunos do Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-graduação. O plano didático dessa turma de Introdução à Administração formada por alunos não administradores é então conduzido da seguinte forma: a cada semana são realizados dois encontros, o primeiro será chamado de aula-conferência, realizado sempre no auditório para a turma completa e, no encontro seguinte, a turma é dividida em quatro grupos menores, com a média de 30 alunos cada, conduzidas pelos monitores no que chamaremos de aulas-monitoria. Os monitores acompanham, obrigatoriamente, todas as aulas-conferência ministradas pelo professor responsável. O conteúdo e o programa da disciplina são definidos pelo professor. Em termos de conteúdo e estratégias didáticas, as aulas-monitorias são definidas em conjunto pelo professor e pelos monitores. Entende-se que, enquanto o objetivo da aula-conferência é abordar os aspectos mais teóricos e estruturais do conteúdo exposto, as aulas dos monitores teriam como objetivo detalhar mais o assunto trabalhado no grande grupo com um foco mais aplicado, trazendo exemplos práticos, através de exercícios em sala e dinâmicas, abrindo-se um espaço favorável à criatividade, interatividade e experimentação. A cada semestre, enquanto o professor responsável é, normalmente, o mesmo, um novo grupo de monitores faz parte do projeto. O grupo de monitores de um semestre sempre se comunica com o grupo de monitores do semestre anterior, com o qual troca idéias no sentido de aproveitar o que foi bem sucedido e aprimorar os pontos considerados insatisfatórios. O novo grupo tem ainda a oportunidade de implantar novas idéias e sugestões. Existe uma programação geral para o semestre acompanhada de uma programação para a semana que é acordada entre o professor e os monitores em reuniões realizadas sempre após a aula-conferência. Com relação ao conteúdo da disciplina, seu objetivo é introduzir os alunos na diversidade teórica das Escolas de Administração e agregar conhecimento sobre as áreas funcionais, de modo que o discente possa ter um conhecimento mais básico e geral sobre as distintas teorias da Administração. A escolha dessa abordagem deve-se à referida heterogeneidade dos alunos em relação aos seus cursos de origem, daí a opção por um conteúdo mais básico, generalista e próximo da realidade com exemplos e experiências práticas. Nessa linha de ofertar um conteúdo de caráter mais amplo e diversificado, além das aulas-conferência e das aulas-monitoria, são realizadas também palestras por profissionais atuantes na gestão, formados ou não em Administração, o que funciona também como uma estratégia auxiliar, a fim de despertar maior interesse entre os alunos. Os palestrantes são escolhidos em diversas áreas de atuação, com a proposta de relatar para a turma, a partir de suas experiências profissionais, como se dá a gestão em seus respectivos campos. Como maneira de incentivar a participação dos alunos, são solicitados relatórios individuais sobre cada palestra, onde eles devem evidenciar, em linhas gerais, sua compreensão sobre a temática abordada pelos convidados, bem como estabelecer uma relação entre as escolas teóricas estudadas durante as aulas e as experiências relatadas pelos profissionais gestores. 4 A avaliação da disciplina é constituída por quatro critérios: duas provas, a soma das notas dos relatórios sobre as palestras e uma nota proveniente dos trabalhos passados pelos monitores nas aulas-monitoria. As provas constam, geralmente, de três questões discursivas e três objetivas e são realizadas em grupo de quatro estudantes. Essa dinâmica de avaliação tem como pressuposto que o trabalho na área de Administração é fundamentalmente em grupo, assim, a prova em si já é um momento de trabalho em equipe. Também é realizada, ao final do curso, uma avaliação da disciplina pelos alunos, enfocando suas percepções acerca da atuação do professor responsável e dos quatro monitores, a qual subsidia o presente artigo. 2.1 Caracterização da turma 2008.2 Além dessa dinâmica geral do Projeto Experimental, descrita na seção anterior, a cada semestre as turmas possuem especificidades características a cada grupo. Sendo assim, é importante destacar as características específicas da turma 2008.2, da qual trata este artigo. A turma 2008.2 da disciplina Introdução à Administração foi ministrada pelo professor P, acompanhado pelos monitores I, J, K e L, e era composta por 119 alunos. Os alunos foram divididos em quatro grupos menores. O critério adotado para divisão das turmas foi o de ordem alfabética, não uma divisão geral por curso de origem dos alunos. A opção pela divisão por ordem alfabética levou em consideração o objetivo básico da disciplina, que é fornecer uma visão geral e introdutória da administração, e não ser um curso voltado diretamente para alunos de áreas específicas - apesar do constante esforço do professor e monitores no sentido de aproximar o conteúdo da disciplina da realidade dos estudantes originados das mais diversas áreas. Além disso, uma divisão por cursos dificultaria o desenvolvimento do processo, diante da discrepância entre o número de alunos dos cursos de Direito e Engenharia, que compunham a maioria, em relação a alunos dos cursos de Ciência da Computação ou Estatística, por exemplo, este último com apenas um aluno matriculado. Houve, assim, uma interação deliberada de misturar os alunos vindos dos diferenciados cursos. Do mesmo modo foram definidos os critérios de avaliação. Para evitar grandes distorções entre a avaliação de um docente para outro, o grupo se reunia para fazer a elaboração das avaliações em conjunto, a fim de contemplar questões que englobassem assuntos explorados homogeneamente nas quatro turmas das aulas-monitoria. Posteriormente, eram promovidos também encontros com o professor titular, a fim de se definir os critérios de avaliação. Ao longo do semestre 2008.2 foram realizadas três palestras. A primeira palestrante foi uma nutricionista, que abordou o tema “A atuação do nutricionista no campo da Administração”, seguida por uma Engenheira Civil, que proferiu a palestra “Construção Civil: um desafio para a Administração?” e, por fim, uma psicóloga, especialista em Recursos Humanos, com palestra intitulada “Tendências em Gestão de Pessoas”. Além disso, uma estratégia utilizada na turma, de modo pioneiro na disciplina, foi a criação de uma página na Internet onde foram disponibilizados os slides utilizados pelos monitores, vídeos, textos estudados em sala e as apresentações das palestrantes. Os alunos tinham acesso irrestrito à página, podendo, inclusive, deixar recados, tirar dúvidas ou contribuir com alguma experiência ou indicação de algum material que pudesse contribuir para a dinâmica das aulas. 3. Metodologia da Pesquisa Aplicada A pesquisa se caracteriza por ser uma survey de natureza exploratória, sem pretensão de generalização. A principal variável investigada foi a Avaliação Geral da Disciplina. Em virtude da simplicidade do instrumento produzido e do caráter exploratório da pesquisa, não foi feita validação de face do instrumento. 5 O questionário era composto por dez questões (sete objetivas e três discursivas). Foram submetidas ao tratamento estatístico somente as questões objetivas, as discursivas foram tratadas através da técnica DSC (discurso do sujeito coletivo). As três primeiras se referiam ao perfil do estudante e perguntavam o sexo, a idade e o curso. As demais quatro perguntas buscavam avaliar a experiência de Ensino–Aprendizagem. Foi solicitada a avaliação das aulas-conferência ministradas no auditório, a avaliação das aulas-monitoria conduzidas pelos monitores, a avaliação das palestras realizadas e, por fim, uma avaliação geral da disciplina. Os respondentes deveriam indicar sua opinião através de uma escala de cinco níveis (péssimo, ruim, regular, bom, ótimo). Após a tabulação, os dados foram tratados em software estatístico para a realização das análises quantitativas e ponderação a respeito dos resultados obtidos. Foram aplicados 119 questionários (quantidade de alunos regularmente matriculados na disciplina Introdução à Administração) durante uma das últimas aulas-conferência. Obteve-se 72 questionários respondidos, o que corresponde a 60,5% da população, sendo uma amostra com boa representatividade do universo amostral investigado. Vale observar que, tendo sido o questionário aplicado nos últimos dias de aula, constata-se nesses já um esvaziamento normal por conta de alunos que já estão aprovados na disciplina e preocupados e voltados para outras disciplinas ainda em encerramento. Os resultados obtidos com o tratamento dos dados podem ser visualizados nas seções seguintes. 4. Resultados e Discussões: Dada a natureza das questões aplicadas (fechadas e abertas), a percepção dos discentes será apresentada em dois tópicos distintos: em um primeiro momento serão tratadas as questões objetivas, com viés mais quantitativo, em seguida serão apresentadas as percepções captadas pelo viés qualitativo, através de questões discursivas que foram tratadas através do discurso do sujeito coletivo (DSC). 4.1 A Percepção Discente Pelo Viés Quantitativo A seguir são apresentadas análises das percepções dos alunos sobre a dinâmica da disciplina. É demonstrado como os alunos avaliam diversos aspectos didáticos e como ela contribuiu para a formação de cada um. A primeira questão é mostrada no Gráfico 1. Gráfico 1 – Avaliação Percentual das Aulas-Conferência Questão: Qual a sua avaliação das aulas ministradas pelo professor P no auditório? Fonte: Elaborado pelos Autores. Os alunos dos cursos de Engenharia e Arquivologia tendem a avaliar as aulasconferência com menor qualidade do que os alunos dos demais cursos. Tanto que aparecem 6 valores de “regular” e “ruim” apenas nestas graduações. Alunos do curso de Engenharia tendem a uma dispersão maior dos valores avaliados. Ao analisar os resultados dessa questão em relação às demais, é importante observar que, se as aulas-conferência parecem ser menos bem avaliadas do que as aulas-monitoria, pode-se supor que isso se deve à própria dinâmica das aulas conferência - realizadas no auditório para um grande número de estudantes, não permite muitas interações entre professor e alunos, diferentemente do que ocorre nas aulas realizadas pelos monitores. Outro aspecto importante a observar é a diferença das respostas em função do curso a que pertencem os alunos. Os alunos de Nutrição tendem a avaliar mais positivamente as aulas-conferência no auditório do que os alunos de Arquivologia e de Engenharia, por exemplo. No caso de Engenharia, é onde aparece o maior percentual de alunos que avaliam esta questão com maior valor de “regular”. Isso demonstra uma relação entre o curso a que pertencem os alunos e as notas atribuídas ao item avaliado. É importante mencionar ainda que os alunos de Engenharia, em contrapartida, e por conta da avaliação menos positiva, apontam as maiores necessidades de ajustes na forma de ministrar as aulas-conferência. A questão a seguir avalia a percepção dos alunos quanto ao processo de ensino que inclui os monitores, referindo-se à opinião quanto ao nível de contribuição das aulasmonitorias para a melhoria do processo de ensino e, conseqüentemente, do processo de aprendizagem. A questão está representada no Gráfico 2. Gráfico 2 – Avaliação Percentual das Aulas-Monitorias Questão: Qual a sua avaliação das aulas ministradas pelos monitores em grupos menores? Fonte: Elaborado pelos Autores. É possível observar um alto nível de satisfação com as aulas ministradas pelos monitores. Pode-se supor que essa melhor avaliação esteja associada às possibilidades interativas oferecidas pela dinâmica dessas aulas. Nos grupos menores, as aulas são mais direcionadas em termos de aplicação dos conceitos, dinâmica, trabalhos em grupos e permite a participação dos alunos de forma mais intensa em função dos recursos utilizados (DAVEL et al, 2004; FISCHER et al, 2006) . Essa possibilidade está também alinhada com o conceito da aprendizagem significativa na dimensão da integração abordada anteriormente (Moreira, op. cit.). A redução do tamanho da turma permite também aos monitores não só conhecer melhor os alunos como avaliar mais adequadamente as possibilidades e potencialidades dos alunos, principalmente em termos de compreensão da disciplina, tanto individual quanto coletivamente. Isso permite, inclusive, avaliar como os grupos presentes (Engenharia, Direito, Arquivologia, Nutrição) percebem e assimilam os conceitos apresentados. Nesta questão, não há uma diferença significativa entre as percepções dos alunos em função de pertencerem a cursos distintos, tanto que as avaliações positivas ficaram para os 7 cursos com maior número de alunos destacados, com 90% de “bom” e “ótimo” para Engenharia, 93,33% para Arquivologia e 96 % para Nutrição, o que indica uma boa avaliação da forma como a disciplina foi distribuída entre aulas-conferência e aulas-monitoria. A questão a seguir mostra como os alunos avaliam as palestras que fazem parte do processo de ensino da disciplina. Neste processo é mensurado como os alunos percebem a relação entre a disciplina e a prática de cada profissão utilizando conceitos da administração. O objetivo da disciplina neste aspecto é aproximar o conteúdo em sala de aula com a visão prática dos profissionais que ministravam as palestras. Os dados constam do Gráfico 3. Gráfico 3: Avaliação Percentual das Palestras Questão: Qual sua avaliação das palestras (Nutrição, Eng. Civil, Gestão de Pessoas)? Fonte: Elaborado pelos Autores. Uma análise desta questão permite identificar um nível de concordância menor do que nas demais questões. É interessante notar que, mesmo nos casos de estudantes da mesma área ou área próxima do palestrante, não houve, de modo geral, avaliações positivas para tais palestras. Antes de apurar os resultados, havia uma expectativa por parte dos pesquisadores de que alunos de cursos que não foram contemplados por palestras específicas de sua área estariam menos satisfeitos do que os alunos de cursos que foram contemplados. Entretanto, o que se percebe é que, com exceção dos alunos de Direito, que não foram contemplados- o que justificaria seu grau de insatisfação com as palestras- os estudantes apresentaram, em geral, elevados níveis de satisfação. Para os alunos de Nutrição, por exemplo, a soma de respostas “bom” e “ótimo” fica acima de 80%. É nesta questão que primeiro aparece o aumento da avaliação “regular” pelos alunos, mesmo reconhecendo a importância dos relatos passados pelos convidados como visualizações práticas das relações entre o mundo de suas profissões e a administração. As palestras foram concebidas como forma de permitir uma aproximação dos alunos com o “mundo real” de suas profissões e o mundo teórico da disciplina “Introdução a Administração”. O objetivo era mostrar como as diversas profissões se relacionam e utilizam esta disciplina em suas atividades diárias visando mostrar o que é a vida profissional de um administrador e também chamar a atenção para o fato que eles podem vir a ser gestores em suas vidas profissionais. As palestras seguiram esse viés, o de mostrar aos alunos que freqüentar a disciplina Introdução à Administração, apesar de esta não fazer parte do corpo principal de disciplinas técnicas de seus cursos de origem, não deveria ser vista como perda de tempo - há um uso posterior, em suas vidas profissionais, dos conhecimentos adquiridos na disciplina . A análise do nível de concordância das respostas parece indicar que os alunos perceberam a importância delas, embora não tenham ficado totalmente satisfeitos com a 8 forma e conteúdo das mesmas, além do fato de alguns cursos não terem sido contemplados com palestras específicas, conforme citado anteriormente. Uma coisa importante a destacar é que os alunos, apesar do aumento do níveis de insatisfação apresentados acima, percebem a importância da disciplina para a sua formação profissional, conforme mostra as respostas à questão 8, demonstradas no Gráfico 4, que avalia a percepção sobre a disciplina e a importância desta para suas formações profissionais. A maioria dos alunos concorda com essa relação. Gráfico 4: Avaliação Percentual Geral da Disciplina Questão: Qual sua avaliação geral da disciplina de “Introdução à Administração”? Fonte: Elaborado pelos Autores. Esta questão avaliou a percepção dos alunos sobre o nível de satisfação com a disciplina Introdução à Administração. Embora o nível de avaliações se apresente com resultados positivos, há uma redução na satisfação dos alunos, em relação às questões anteriores. De todas as perguntas aplicadas, esta foi a que apresentou os mais baixos índices da opção “ótimo” na avaliação, embora a opção “bom” lidere sobejamente . Entretanto, é importante fazer algumas considerações sobre esta questão, pois ela pode remeter a muitas percepções que merecem discussão. Em primeiro lugar, a questão é bem avaliada pelos alunos, em todos os cursos. Não há uma diferença significativa entre as percepções dos alunos quando avaliadas as diferentes graduações, o que leva a concluir que há certa homogeneidade quanto às percepções gerais dos alunos. Além disso, quando se comparam estes números com relatos dos alunos percebese uma coerência muito forte entre os diversos discursos. Em segundo lugar, há uma relação muito forte entre o grau de satisfação com a disciplina e as falas dos alunos sobre o que a mesma representa para sua formação. Neste particular, é importante constatar que na medida em que os alunos percebem uma relação positiva entre a disciplina e seu conteúdo e impacto em sua formação, eles tendem a demonstrar níveis de concordância maiores com a questão formulada (WEICK e WESTLEY, 2004; MOREIRA, 1999). Isto pode ser verificado a seguir, quando analisamos os relatos dos alunos quando questionados sobre a importância da disciplina para sua formação profissional. Em linhas gerais, a disciplina consegue atender, na percepção dos alunos, aos seus principais objetivos, principalmente o de fornecer uma visão geral sobre os aspectos da administração, e isto pode ser visto na análise feita através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo, apresentada na próxima sessão, 4.2 A Percepção Discente Pelo Viés Qualitativo: O Discurso do Sujeito Coletivo O DSC é uma proposta para organização e tabulação de dados qualitativos fazendo a junção de vários discursos de um grupo de sujeitos para criar um pensamento coletivo. 9 Tal técnica é recente. Surgiu na Universidade de São Paulo (USP) e vem desde o ano 2000 ganhando envergadura através de testes nas mais variadas áreas de pesquisa. A técnica consiste basicamente em 1) selecionar o essencial do conteúdo de cada depoimento; 2) associar estes conteúdos a uma descrição de sentidos; 3) agrupar os depoimentos em categorias; 4) reunir os depoimentos de uma mesma categoria em um discurso único redigido na primeira pessoa do singular (LEFEVRE & LEFEVRE, 2006). Os principais pesquisadores desta técnica no Brasil são Fernando Lefevre e Ana Maria Cavalcanti Lefevre. Segundo os autores, esta técnica vem sendo sistematicamente testada em diversos tipos de pesquisa, confirmando sua eficácia em registrar e expressar opiniões coletivas. O DSC busca criar um “eu ampliado”, pois apesar de dois ou mais sujeitos compartilharem uma mesma idéia, eles respondem de forma distinta uma mesma pergunta. A técnica tenta reconstruir um sujeito coletivo vinculando um discurso ao conteúdo ampliado, sempre na primeira pessoa, representando a pessoa coletiva. (LEFEVRE & LEFEVRE, 2004 e 2006). Para a criação do Sujeito Coletivo, foram realizados os seguintes passos baseados em discursos coletados dos alunos: (1) Inicialmente foram selecionadas algumas ExpressõesChave (E-Ch) de cada discurso (respostas dadas à questão 9 do questionário de pesquisa). Cada expressão-chave, segmentos, contínuos ou descontínuos, de discurso, revela o cerne das respostas; (2) Em seguida se buscou a identificação da Idéia Central (IC) de cada uma das expressões-chave selecionadas no passo anterior. Uma IC é a síntese do conteúdo das E-Ch; (3) Foram identificadas as idéias centrais semelhantes através de códigos de uma categorização (por exemplo, IC-A, IC-B, etc); (4) As expressões-chave ligadas às idéias centrais foram reunidas em um discurso síntese que é o discurso do sujeito coletivo (DSC). O DSC foi aplicado nesta pesquisa para a questão que indagava sobre o formato das aulas (Questão 9 - Qual sua opinião sobre o formato das aulas?). Um primeiro extrato quantitativo sobre a freqüência de Idéias Centrais pode ser observado na Tabela 1. Código IC IC –A IC – B IC – C IC – D IC - E Tabela 1 – Freqüência de Idéias Centrais. Descrição da IC O formato favorece o aprendizado. O formato é improdutivo, principalmente as aulas no auditório O formato é inadequado, o assunto é tratado com superficialidade. O formato possibilita a comparação entre teoria e prática. O formato possibilita a integração, a participação e o debate. Fonte: Elaborado pelos Autores. Freqüência IC 34% 10% 4% 13% 38% O discurso mais representativo, IC-E, afirma que o formato favorece a integração e participação dos alunos. É interessante destacar que a variedade de recursos didáticos foi percebida como algo positivo. É oportuno observar que ao IC-E se segue, de perto, o IC-A, ou seja, os alunos reconhecem que o formato adotado favorece o aprendizado. Vale destacar que a participação nas aulas–conferência foi reconhecida como algo inviável. Tabela 2 – Discurso do Sujeito Coletivo da IC-E IC – E [O formato possibilita a integração, a participação e o debate.] O contato com outras áreas conferiu diversidade às aulas de monitoria, o que possibilitou o compartilhamento de experiências. A participação que era inviável nas aulas de auditório acontecia com mais freqüência nas aulas-monitoria, onde os alunos eram mais assistidos, os encontros mais dinâmicos e as dúvidas perfeitamente sanadas. Fonte: Elaborado pelos Autores. O discurso IC-A destaca o dinamismo das aulas monitoria. Isso demonstra que os debates e o espaço de participação criados nessas aulas favoreceram a aprendizagem dos alunos (WEICK 10 e WESTLEY, 2004) . Em cada debate, cada aluno faz uso dos subsunçores (MOREIRA, 1999) que possui para fundamentar seus argumentos, quando isso é somado à uma grande pluralidade de formações é possivelmente criada uma condição mais propícia para a aprendizagem. Tabela 3 – Freqüência de Idéias Centrais IC-A. IC – A [O formato favorece o aprendizado.] O formato adotado favorece a aprendizagem uma vez que o conteúdo abordado no auditório era esmiuçado nas aulas de monitoria. Isso facilitou o rendimento do conteúdo e o aproveitamento das informações, pois o estudante fica mais próximo do professor/monitor. As aulas em pequenos grupos eram mais dinâmicas e reforçavam o que fora debatido no auditório. Fonte: Elaborado pelos Autores. O discurso IC-D destaca a ligação entre teoria e prática proporcionado por este formato. O uso de diversos recursos estéticos (vídeos, estudos de caso, etc.) faz com que as aulasmonitoria sejam um contraponto com viés mais prático às aulas-conferências. Isto também é destacado pelo discurso dos alunos como algo positivo, reforçando a importância da inserção de novas alternativas e métodos no processo de ensino-aprendizagem, conforme destacam Davel et al (2004) e Vergara, 2007). Tabela 4 – Discurso do Sujeito Coletivo da IC-D IC – D [O formato possibilita a comparação entre teoria e prática.] As aulas ministradas no auditório apresentam abordagens mais gerais e panorâmicas sobre a teoria administrativa. Já as aulas nos grupos menores intensificam os aspectos práticos dos conteúdos debatidos no auditório através de cases, vídeos, etc. É possível realizar um paralelo muito interessante entre teoria e prática deste modo. Fonte: Elaborado pelos Autores. 4.3 Percepção dos Monitores e do Professor Responsável da Disciplina Conforme exposto anteriormente, foram envolvidos nesta experiência, além do docente titular da disciplina, quatro monitores, alunos do programa de pós-graduação em Administração da universidade federal em estudo. A seguir serão apresentados os relatos do professor responsável e dos monitores sobre esta experiência, destacando suas percepções, conflitos e fatos marcantes vivenciados nas aulas-monitoria. Os monitores serão designados pelas letras I, J, K e L. 4.3.1 Percepção do Professor P O professor destaca que, em termos gerais, o grande desafio é a definição do conteúdo da disciplina devido à grande diversidade de cursos dos quais se originam os alunos da turma. De antemão, sabe que seria impossível definir um conteúdo que contentasse todos os discentes presentes na sala. O Professor P foi o segundo professor responsável pela disciplina a inserir-se na sistemática de ensino adotada no Projeto Experimental. No início, valendo-se da experiência do professor pioneiro (Professor C), baseou-se naquele trabalho para formulação do seu programa de ensino. No entanto, após alguns semestres, percebeu-se a necessidade de mudanças e adequações que foram promovidas. Mais especificamente, o programa da disciplina estava assentado no livro de Gareth Morgan (1996), Imagem das Organizações. O professor P, entretanto, entendeu que o conteúdo do livro era um tanto avançado para alunos de outras áreas, que não têm contato quase algum com o campo da Administração, e cuja chance de conhecer as teorias da área estava nesta disciplina. Com o passar do tempo, o professor percebeu também a necessidade de introduzir as palestras de gestores profissionais. 11 Com relação às atividades desenvolvidas pelos monitores, o professor esclarece que o novo grupo de monitores formado a cada semestre “não sai do zero”, mas se aproveita da experiência do grupo de monitores do semestre anterior. O professor acompanha esses movimentos, mas prefere dar um espaço para que, juntamente, os monitores possam exercer sua responsabilidade e criatividade. O professor destaca que a aula-conferência, como o próprio nome diz, torna-se mais formal, mas isto não quer dizer que não seja interativa, o é, mas, evidentemente, dentro do que se pode entender por interatividade em um grande grupo. Neste quesito merece ser revelado que a aula-conferência não seguiu, a exemplo das aulas-monitoria, um modelo rígido baseado no distanciamento entre o professor e os alunos. Pelo contrário, o professor procurou sempre mobilizar e motivar a turma a expor suas experiências, principalmente aqueles que já trabalham ou estagiam. Nesse sentido, a interatividade, a proximidade maior entre discente e docente, acaba sendo praticada mesmo é nas aulas dos monitores, as aulas-monitoria. O professor tem consciência de que, em um grande e plural, não pode contentar “gregos e troianos” e aceita as críticas feitas, mas, também, pondera que sem a aula-conferência não teria a aula-monitoria, dentro da sistemática adotada. . 4.3.2 Percepção do Monitor I Tanto em relação aos alunos (diferentes cursos de origem, idade, período em que estão na faculdade) quanto aos docentes (diferentes formações, níveis de experiência didática), a característica que permeou todo o processo é a heterogeneidade. Esse é o aspecto que, se por um lado confere ao processo grande quantidade de desafios, por outro lado também oferece a oportunidade de uso de uma ampla gama de soluções para superá-los. As conseqüências dessa heterogeneidade dos cursos formação dos alunos podem ser diretamente observadas em suas posturas em sala – alunos de Arquivologia (provenientes, em sua maioria, de famílias de baixa renda e, consequentemente, com formação média educacional menos sólida do que a dos alunos da maioria dos cursos de uma universidade federal), por exemplo, relutavam em participar dos debates promovidos nas aulas-monitoria, intimidados talvez pela grande diferença de capacidade discursiva que tinham com relação aos formandos de Direito. Esse constrangimento chegou a ser verbalizado privadamente na ocasião em que foram entregues as notas da primeira prova: como a avaliação adotou como parâmetro a melhor prova, e as demais notas foram dadas comparativamente àquela, os alunos de Arquivologia argumentaram que o nível de profundidade de suas respostas não poderia ser comparada à profundidade das respostas dos demais alunos, especialmente os de Direito. Uma estratégia inicialmente proposta para promover maior integração entre os alunos das diferentes áreas era que, nas atividades em equipe, os grupos fossem também formados a partir da divisão alfabética pela lista de chamada. Houve, entretanto, muita resistência por parte dos alunos, de forma que os grupos foram então formados espontaneamente, o que possibilitou uma aglutinação dos alunos em grupos de acordo com seu curso. A partir disso, nas provas e demais atividades em equipe, os grupos formados por alunos dispersos oriundos de vários cursos comportavam-se de forma diferente dos alunos pertencentes aos grupos mais homogêneos: debatiam menos, eram mais tímidos e interagiam menos. Havia, entretanto, nos grupos heterogêneos uma divisão mais igualitária das “tarefas” de cada aluno, enquanto nos grupos homogêneos havia mais especialização na divisão de tarefas, combinação de deveres, numa perspectiva, já que estamos falando de teorias da Administração, mais taylorista. É importante destacar que, se a variação de recursos pedagógicos visava favorecer a aprendizagem pelos discentes, permitiram, por outro lado, que também os docentes tivessem também um intenso aprendizado durante o processo. Ao acompanhar as aulas conferência ministradas no auditório, por exemplo, observavam de que forma o professor responsável fazia uso de sua ampla experiência didática para ministrar aulas em condições adversas. Os 12 monitores beneficiaram-se, ainda, da intensa troca de conhecimentos que acontece quando cinco docentes com formação tão diversa reúnem-se para planejar a melhor abordagem para determinado conteúdo, o recurso estético mais adequado ou para comparar, depois das aulas, o resultado das ações planejadas nas diferentes turmas (o que funcionou bem, o que precisa ser revisto, as diferenças de resultado em função do perfil de cada turma, e de cada monitor etc). Foi, assim, uma rica experiência que contribuiu muito para o aperfeiçoamento da minha formação como professora. 4.3.3 Percepção do Monitor J De minha experiência na monitoria vários episódios podem destacar com relevo quão grande é o desafio de ensinar em condições de alta heterogeneidade. Recordo-me que em certa ocasião estávamos debatendo o modelo taylorista de administração e comparando-o com a contemporaneidade. Era um dos primeiros encontros. Os alunos não se conheciam e nem me conheciam. Todos estavam muito acanhados, o que era normal naquelas condições. Busquei instigar ao máximo o debate e fizemos um grande círculo com as carteiras para melhorar as condições de troca de experiências. Aos poucos comecei a perceber alguns retornos. Inicialmente um aluno do curso de engenharia disse que o modelo taylorista era atual, necessário e praticado ainda nos dias de hoje. Percebi a expressão de espanto de alguns. Tínhamos acabado de ver um fragmento de vídeo que criticava a forma como as pessoas eram tratadas nos moldes tayloristas. Em seguida outro aluno de Engenharia corroborou com o companheiro e foi além: os objetivos da empresa devem estar acima de tudo e devemos deixar de lado o “romantismo”, pois sabemos muito bem que “é assim que as coisas funcionam”. Pois bem, este foi o estopim para o debate ficar mais acalorado. Um estudante de economia reagiu indignado! Ele afirmava que o empregador apenas explorava as pessoas e que os trabalhadores não deveriam se “submeter” aos maus tratos impostos pelo “sistema capitalista”. Os estudantes de engenharia contra-atacavam. O economista que estava sozinho resistia, quando em dado momento um estudante de direito tomou parte do debate. Segundo ele esta relação (empregador X empregado) deveria ser observada pela ótica da legislação trabalhista. Ele citou situações de assédio moral, cláusulas da CLT e outras legislações tentando demonstrar como a teoria taylorista deveria ser enquadrada sob sua ótica. Este episódio foi extremamente rico, pois evidenciou como os alunos fazem uso de diferentes subsunçores (conhecimentos prévios) para a assimilação do conhecimento, para o processo de aprendizagem. Alguns alunos me cercaram com perguntas sobre qual das visões era a correta. Tentei demonstrar que as diferentes visões ali expostas não se encaixavam simplesmente nos rótulos de certo e errado. Ao tomarmos consciência de diferentes visões sobre um mesmo tema podemos compará-las com a nossa visão que está inserida em um contexto em uma realidade. A riqueza desta experiência fugia destes rótulos. Seria muito simples rotular uma dada informação e deixá-la livre de um contexto, de uma história, de uma realidade e depois cobrar isso em uma prova escrita. Porém debatemos neste dia que quando conhecemos visões diferentes das nossas podemos nos questionar e tomarmos uma postura mais crítica sobre nossas ações. Era curioso como a tão criticada “aprendizagem bancária” estava tão vivamente presente naquele momento. Os alunos me pareciam tão acostumados com os formatos mecânicos de ensino e ao mesmo tempo tão fascinantemente desconfortáveis com aquela situação de confronto de idéias que repeti várias vezes debates neste formato. Ao final da monitoria alguns alunos me disseram que a experiência foi muito rica, pois eles não tinham oportunidade de debates daquela natureza em seus cursos. 4.3.4 Percepção do Monitor K A experiência como monitora da disciplina Introdução à Administração foi para mim algo desafiador e gratificante. Desafiador, sobretudo ao se constituir numa experiência onde 13 eu deveria ter a habilidade de, juntamente com os demais monitores e o professor P, contribuir para que aqueles alunos de origens tão diversificadas enxergassem na Administração uma relação com cada uma de suas profissões, inclusive vendo ali possibilidades futuras de inserção no mercado, no campo da gestão em suas respectivas áreas. Gratificante pela forma como, ao longo do processo, fui percebendo um maior envolvimento dos alunos e sua compreensão quanto à importância da disciplina para ampliar suas visões sobre as áreas nas quais se inseriam. Mais particularmente sobre o contato com os alunos em sala de aula, quero destacar um ponto que considero de total relevância para minha vivência enquanto docente: a necessária flexibilidade na forma de enxergar o universo dos alunos. Digo isso diante das visíveis disparidades entre o nível de conhecimento apresentado pelos alunos de Direito e de Arquivologia, pegando aqui dois pólos extremos. Enquanto os primeiros apresentavam maior facilidade de argumentação e escrita, o que é motivado pelo seu próprio curso, alguns alunos de Arquivologia me passavam certo sentimento de inferioridade em relação ao restante da turma, o que fica latente na forma como interagiam em sala de aula, sempre muito tímidos, com voz baixa e evitando manifestações. O mesmo não se pode dizer, no entanto, de seu interesse em superar essa “deficiência” na compreensão dos conteúdos. Era comum, por exemplo, aos finais das aulas-monitoria, um grupo de alunos de Arquivologia me procurar para tirar dúvidas, ou pedir indicações de leituras, além de colocarem, somente naquele momento, seus pontos de vista sobre abordagens discutidas durante a aula. Essa necessária flexibilidade me acompanhou também, na medida do possível, durante a correção das provas, onde eu me policiava a não me ater somente às avaliações dos alunos de Direito - que apresentavam pontuações mais altas- como parâmetro para a correção das provas de alunos de Arquivologia. Mesmo deixando claro para estes as lacunas que eu observava, tentava fazer isso de modo a não desestimulá-los. Ao final da monitoria me foi especialmente gratificante sentir o retorno positivo dos alunos, independentemente do curso, quanto à sua satisfação com as aulas, discussões, encaminhamento das dinâmicas e atividades em grupo. Por fim, o que tiro dessa experiência é a reflexão sobre como a diversidade pode ser rica, podendo ser trabalhada de infinitas formas e permitindo que concepções de mundo baseadas referências distintas possam se somar para a construção da aqui defendida aprendizagem significativa. 4.3.5 Percepção do Monitor L A experiência como monitor da disciplina Introdução à Administração para alunos de cursos diferentes que não administração proporcionou uma vivência diferente uma vez que o grupo patrocina discussões sempre baseadas nas experiências de suas próprias disciplinaschave. Alunos de direito discutem os temas de administração pensando em adequá-los aos conceitos da ciência jurídica. Da mesma forma, os alunos dos cursos de economia, engenharia, arquivologia, engenharias e estatística. Neste sentido, as discussões ganham contornos bastante diferentes do que ocorrem com as turmas formadas apenas por alunos de administração. Um exemplo bastante interessante é a ênfase que os alunos de engenharia dão para os temas voltados para controle de processos e pessoas, como as teorias de Taylor, Fayol e Weber, enquanto que temas menos voltados para controles são, em certa medida, desprezados para estes alunos. Esta constatação está alinhada com a discussão da aprendizagem significativa, pois conhecimentos anteriores dos “engenheiros” permitem interagir de maneira mais intensa com temas ligados aos princípios da própria formação. Além disso, dentro da mesma abordagem de Ausubel e Novak (Moreira, 1999), as interações e dinamismo eram freqüentes à medida que os temas estavam mais ligados a cada um dos cursos especificamente. 14 5. Conclusão e limitações Este trabalho propôs uma discussão acerca do processo de ensino-aprendizagem da disciplina Introdução à Administração para alunos de outras áreas, de uma universidade federal no Nordeste do país. Estabelecendo relações entre os resultados da pesquisa e a abordagem teórica defendida, algumas considerações merecem ser assinaladas. A primeira delas diz respeito à noção de ensino-aprendizagem como processo e não como estímulo para um dado resultado (WEICK e WESTLEY, 2004. O trabalho de monitoria desenvolvido ao longo do semestre constituiu-se em permanente construção através do acompanhamento pelo professor responsável das atividades realizadas pelos monitores nas aulas-monitoria. O objetivo era conferir coerência entre as dinâmicas das quatro turmas, a fim de evitar grandes distorções entre elas. Do mesmo modo, o próprio esforço em envolver os alunos nas discussões e atividades durante as aulas-monitoria partiu do pressuposto de construção da disciplina por meio da interação de todo o grupo (MOREIRA, 1999; WEICK e WESTLET, 2004). Um segundo ponto diz respeito ao uso de subsunçores, essencial para o processo de ensino-aprendizagem, como foi anteriormente colocado. Importante lembrar que, além da heterogeneidade em relação aos cursos de origem, havia a referida variedade de períodos em que os alunos estavam em seus cursos, havendo na turma tanto alunos de primeiro quanto do quinto semestre, que conviviam ainda com formandos, o que parece ter influenciado também o processo. Nesse contexto, parece condizente supor que alunos em níveis mais avançados da graduação carreguem um quadro referencial mais amplo, e, por conseguinte, tenham maiores condições de ativar subsunçores, favorecendo sua aprendizagem individual, e, consequentemente, interferindo mais nas abordagens em grupo (MOREIRA, 1999). Uma terceira questão, ainda relacionando a experiência estudada com o processo de ensino-aprendizagem, gira em torno da noção de conhecimento não como algo atemporal, mas contextualizado. Uma referência a essa idéia por ser feita através das palestras realizadas, em que os estudantes tinham a oportunidade de verificar a aplicação da Administração em realidades profissionais específicas, próximas às realidades de alguns deles. Além disso, a própria dinâmica das aulas-monitoria buscava favorecer essa noção, abordando-se o quadro teórico da disciplina sempre através de casos próximos prática dos alunos, a fim de despertar maior interesse e promover maior interatividade, propiciando uma construção coletiva. Da análise deste processo, fica a constatação da viabilidade de considerar no processo de ensino-aprendizagem os conceitos inicialmente tratados no capítulo do referencial teórico. Os alunos se interessavam mais quando as discussões em sala estavam mais fortemente ligadas a temas de suas áreas. Isso remete ao conceito de aprendizagem significativa, com suas dimensões de interação e subsunçores (MOREIRA, 1995). Quanto mais próximo de seus conhecimentos, mais atrativo se torna o tema a ser discutido. Da mesma forma, os alunos ao interagirem de forma intensa com os temas, reforçaram a necessidade de vencer o tradicional modelo de “educação bancária” já devidamente criticado por Freire (1987), coisa que inclusive foi comentado por alguns alunos: falta um processo mais interativo de ensino em nossas aulas, nos nossos cursos de origem. Além disso, a experiência revelou uma maior necessidade de estímulo em relação aos estudantes do curso de Arquivologia, tendo em vista questões anteriormente abordadas, exigindo maior sensibilidade dos próprios monitores Outro fator importante a destacar é que, ao buscar uma variação de recursos pedagógicos visando favorecer a aprendizagem pelos discentes, promove-se também um intenso aprendizado aos docentes envolvidos no processo. Os docentes beneficiam-se, assim, 15 da troca de conhecimentos entre professores com diversas formações e nível de experiência pedagógica, constituindo uma rica oportunidade de aperfeiçoamento didático para eles (FISCHER, 2005). Por fim, a experiência mostra-se como rica em resultados e em processos, podendo servir de base para monitores de turmas posteriores, através da atenção às possíveis falhas, bem como para aprimoramento de pontos positivamente explorados. Além disso, trata-se de um material a ser explorado em reflexões futuras sobre a necessidade de reformulação do ensino em Administração defendida por alguns autores. Referências Bibliográficas AKTOUF, O. Administración y pedagogia. Editora Universidad EAFIT, Medellín, 2000. AZENHA, M. G. Construtivismo – De Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo, Ática. 2006. BASTOS, A. V. B. Cognição nas Organizações de Trabalho. In: José Carlos Zanelli; Jairo Eduardo Borges Andrade; Antonio Virgilio Bittencourt Bastos. (Org.). 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