"Aqueles que forjam a ideologia dominante se dizem e se julgam fora dela: a imprensa se diz 'objetiva',
a religião se diz 'universal', o sistema político se diz 'democrático', a instituição jurídica se diz
'igualitária' e a produção intelectual se diz 'científica'."
Disponível em : http://rfpereira.multiply .com/journal/item/34 (27.10.08)
A ILUSÃO ESPECULAR DE ARLINDO MACHADO
por Rodrigo Fernando Pereira
Nessa última semana, li "A Ilusão Especular", de Arlindo Machado. No último ano venho lendo diversos
livros sobre fotografia, mas poucos me levaram a uma reflexão tão intensa quanto esse. Machado é
professor de comunicação e semiótica na USP e PUC/SP.
Ele propõe, a partir de uma visão marxista, a desconstrução do código fotográfico que, segundo ele, está
impregnado da ideologia burguesa dominante, refletida especialmente na perspectiva central advinda do
Renascimento.
A questão da luta de classes e seu reflexo na fotografia pode ser interessante, mas eu estava
especialmente interessado na desconstrução da fotografia que ele sugere como necessidade para o
eng ajamento e verdadeiro contato com o referente.
O autor explicita, de forma contundente, os diversos meandros da fotografia na sua tentativa de se
manter como fiel representação da realidade, e consequentemente, na manutenção da perspectiva
central como uma representação realista e desprovida de uma ideologia intrínseca. A partir daí, mostra
imagens que obtiveram êxito em se desprender dessas armadilhas, denunciando o próprio mecanismo de
ação do chamado "efeito especular".
Uma das questões centrais é o fato da fotografia, assim como as pinturas renascentistas, permitirem ao
observador colocar-se no lugar do autor, tomando para si aquela perspectiva como real, sem perceber
que seu olhar está preso e dirigido. A descosntrução desse processo implica necessariamente na
denúncia desse movimento, produzindo imagens em que essa "transferência de subjetividade" não possa
ocorrer, ao menos de imediato. Portanto, imagens em que a perspectiva é distorcida, ou que a leitura é
difícil, servem a esse propósito.
De imediato associei essa questão ao que já discuti algumas vezes aqui, a "correção fotográfica". Todos
os manuais de fotografia ensinam, primordialmente, como montar uma ilusão eficaz. A busca por
melhores técnicas e equipamentos nada mais é do que do que a busca pela ilusão mais perfeita. E o
fotógrafo iniciante, em suas primeiras fotos, pode cometer deslizes como um corte de cabeças ou deixar
sua própria sombra aparecer na foto. De pronto, um fotógrafo mais calejado apontará esses erros
"ingênuos". Ora, o que o iniciante fez, nesses casos, foi inocentemente denunciar a própria captura
fotográfica, rompendo com o efeito especular. E o fotógrafo que o corrige, em nome de uma norma
consensual, por vezes não percebe o que está envolvido nesse jogo.
Como finalização, deixo um trecho de uma entrevista do autor ao Jornal da USP, de 2001, que resume
de forma clara a visão do autor sobre a fotografia:
"Fotografia é a mais mal en tendida de todas as mídias modern as. Isso é particularmen te grave se
con siderarmos que ela é a base técnica e conceitual de gran de parte das mídias de nosso tempo
(cinema, vídeo, televisão etc.). No último capítulo de meu livro O Quarto Iconoclasmo, dedicado ao
exame da fotografia, defendo a idéia de que esse meio n ão tem nada de 'espelh o do real'. Ele é um
'texto' como outro qualquer, que se constrói através de uma articulação simples ou sofisticada de seus
elemen tos expressivos. Não há nem mais nem menos 'manipulação' n uma foto (e, por extensão, num
documen tário, numa imagem de telejorn al) do que n um texto jorn alístico, numa pesquisa de sociologia
ou num tratado de filosofia. I sso n ão quer dizer que não exista uma 'verdade', um "fato" do qual
buscamos nos aproximar, seja fotografan do, seja verbalizan do, mas essa aproximação só pode ser
uma con strução, necessariamen te coletiva, que se dá num amplo processo de negociação en tre os
sujeitos sociais."
Referência:
Machado , A . (1984). A Ilu são Especular. São Paulo : Brasiliense.
PENSE GRANDE
por Rodrigo Fernando Pereira
"A fotografia é um objeto", disse-me uma vez a professora Neusa Scaléa. Eu concordo. Fotografias não
ating em sua plenitude até que se possa vê-la impressa, pegá-la com as mãos, colocá-la num álbum ou
emoldurá-la. E eu diria mais: a fotografia deve ser um grande objeto.
O maior dos benefícios da fotografia digital também é um dos maiores problemas. Ao ver imediatamente
a foto que fizemos no lcd da câmera, sabemos como ela ficou, mas é assim que a vemos "nascer": num
quadrarinho pontilhado de cinco centímetros em média, na sua diagonal. Quando se amplia uma foto de
filme num laboratório pessoal, por exemplo, o fotógrafo vê sua foto "nascer" da bandeja de químicos
diretamente no papel, que pode chegar a 30x40cm.
Depois do lcd, vemos nossas fotos na tela do computador, o que é melhor, mas ainda gera distorções. Há
a mania de aproximar demais o zoom e ver todos os detalhes (que não estão lá). As cores podem ser
imprecisas. Para colocá-las na w eb, as reduzimos para um tamanho em que perdem o impacto. Ainda não
se cheg a no que a foto pode ser.
Para a exposição do Itaim-Bibi, imprimimos fotos em 20 x 25. Frequentemente revelo minhas fotos
escolhidas em 15x21. Ainda não é o ideal, mas já muda consideravelmente a forma como vemos nossas
próprias composições. Já fiz alg umas em 38x45 e 20x30. É a partir daí que elas começam a realmente
preencher o seu potencial. Uma foto medíocre no lcd passa a ser média nesse formato; uma boa passa a
ser ótima. Funciona, pode fazer o teste.
Por isso, quando vejo minhas fotos no computador, no lcd da câmera ou até mesmo no visor da minha
câmera de filme, imagino-a impressa em tamanho grande, bem iluminada, com toda sua imponência. Isso
permite julgar melhor se a foto funciona realmente em termos estéticos ou não.
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Disponível em: http://rfpereira.multiply.com/journal/item/34 (27.10.08)