São Paulo, 24 de julho de 2013.
Excelentíssima Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
MD. Presidenta da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, DF
Excelentíssima Presidenta,
Vossa Excelência certamente não lerá esta carta, quando muito auxiliares seus
que a atirarão no lixo generoso e mudo onde são recolhidas apreciações divergentes
sobre os rumos de sua política e governo. Sei que Vossa Excelência é fortemente
blindada para que não se dê conta de quaisquer outras opiniões diferentes daquelas
que lhe passam sua assessoria e que, certamente, soam melhor, tal e qual uma doce
canção aos seus ouvidos.
Mas sabemos também, Presidenta, que se Vossa Excelência se desse ao
cansativo, mas produtivo (perdoe-nos a imodéstia) trabalho de correr os olhos neste
documento, haveria de nos chamar ousados e insolentes. Aceitamos os dois
adjetivos. Mas não aceitamos um provável terceiro, o de desrespeitosos. Não
aceitamos por algumas razões.
Primeiro, porque, embora Presidenta do país, a consideramos apenas uma
funcionária
pública
privilegiada
e,
não
obstante
essa
honrosa
distinção, com obrigação de servir melhor e mais eficientemente aos patrícios que
qualquer outra. Embora o cargo que ocupe e as funções que desempenhe
estejam revestidos do mais alto grau de excelência, não menor é a responsabilidade
de Vossa Excelência de desdobrar-se para bem servir nossos anseios, promover nossa
felicidade e garantir nosso futuro. Não queremos ser injustos a ponto de deixar de
reconhecer o seu resoluto esforço, consorciado ao seu talento administrativo e sua
honorabilidade pessoal, de imprimir seriedade ao seu governo e caracterizá-lo como
um tempo de conquistas e êxitos políticos e sociais. Antevimos, como milhões de
brasileiros, essas qualidades e essa vocação em Vossa Excelência, motivos e atributos
que nos levaram a escolher seu nome na disputa presidencial.
Portanto, Excelência, não a colocamos no alto trono da presidência por
pertencer a um gênero sem possibilidades, numa terra de machistas, de bater asas
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
para voos mais altos e ousados. Concedemos-lhe essa honra por confiarmos,
repetimos, na sua competência, na sua capacidade de gestora e na sensibilidade
política de governar para todos, com exemplar isenção e distanciamento de grupos. Se
Vossa Excelência não conseguiu manter-se à distância razoável dos humores e de
visões equivocadas dos inquilinos palacianos, infelizmente conseguiu cavar um fosso
abissal entre Vossa Excelência e nós, brasileiros. E se o “clamor das ruas” mal chegou a
Vossa Excelência como um murmúrio debilitado, este nosso, isolado, talvez nem
consiga vencer a barreira que a segrega dos seus eleitores.
Dito isso à guisa de introdução, permita-nos, respeitosamente, dizer-lhe que
seu governo está eivado de contradições e equívocos, trazendo-nos agora uma difusa,
porém desconfortável, sensação de insegurança e dúvidas na sua capacidade de
governar um país com tamanha complexidade social e política como o nosso.
Vossa Excelência tem ultimamente, e o dizemos com insopitável
tristeza, colecionado fracassos em série. A significativa queda de popularidade
de Vossa Excelência reflete as dificuldades que solapam a confiança do brasileiro no
seu governo e na capacidade de liderança de Vossa Excelência. Estão aí a
deterioração constante do PIB, inflação recalcitrante, enterro precipitado da proposta
de constituinte exclusiva e do plebiscito, intromissão autoritária na autonomia
Universitária com modificação do currículo escolar do médico, as péssimas condições
da saúde, da segurança e ensino públicos, e desconfiança do empresariado e de
outros segmentos sociais, para ficamosr só nesses indicadores.
Agora mesmo Vossa Excelência, a pretexto de revigorar a saúde pública se
apega a uma ideia bizarra e de resultados sabidamente duvidosos, editando a Medida
Provisória nº 621, propondo a importação de médicos. Ora, Vossa Excelência com o
bordão de “Mais Médicos” adota uma providência escapista, ilusória, fugindo ao que
realmente interessa: investir na melhoria da saúde pública brasileira. Vossa Excelência
ilude o cidadão quando centra todo o problema na questão da falta de médicos, o que
é uma inverdade.
Médicos (e bons) nós temos, de modo que, sob quaisquer aspectos que
consideremos, a política de governo de importação de médicos, principalmente para
atendimento à população do interior brasileiro, é um equívoco completo e acabado.
Se vamos investir tanto para pagar honorários a estrangeiros e criar
infraestrutura humana e material que lhes permitam um atendimento satisfatório, por
que não canalizar toda essa dinheirama para aproveitar o nosso médico? Do ponto de
vista econômico, não fará diferença, pois nas condições atuais nenhum médico,
estrangeiro ou brasileiro, disposto a honrar o nome e a profissão, aceitará, por
absoluta falta de condições, exercer seu ofício nas regiões em que o governo
pretende fixá-lo.
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Todos sabemos, Excelência, e seu Ministro da Saúde com muito mais razão
deveria saber, que o correto, ético e produtivo exercício da Medicina requer médicos
com boa formação (não temos razões para crer que os importados sejam melhores
que os nossos), infraestrutura técnica satisfatória, salários dignos, equipe
multidisciplinar de apoio (enfermeiros, técnicos auxiliares, psicólogos, entre outros),
possibilidade de ascensão profissional, e – condições sine quibus non - a empatia, o
conhecimento geográfico, histórico e cultural e da língua, das condições de vida,
aspirações e frustrações, desejos e sonhos do cliente e da comunidade, requisitos que
um estrangeiro, para quem o Brasil é apenas uma fonte de emprego e renda, jamais
terá. É como se Vossa Excelência de dispusesse a iniciar a construção de uma casa
pelo telhado, o que é, claro, uma impossibilidade arquitetônica e física.
Suspeitamos que essa iniciativa, certamente capitaneada pelo Ministério da
Saúde, é mais uma daquelas a que se referia Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em Il
Gattopardo: mudar alguma coisa para deixar tudo na mesma. Para o governo de Vossa
Excelência, e especialmente para Sua Excelência, o Ministro da Saúde, é oportuno
jogar nas costas do médico a culpa pelo descaso por que passa a assistência médica no
Brasil. O médico é o elo mais frágil e vulnerável nessa rede de falácias montada para
responsabilizá-lo e desacreditá-lo pelos erros e omissões do ente realmente culpado: o
Estado, que Vossa Excelência representa e comanda.
Por trás dessa política escapista, insinua-se a ideia malsã e perversa de que os
médicos brasileiros são ricos, insensíveis, comodistas e indiferentes aos nossos graves
problemas sociais. Nada mais falso. Nem insensíveis, comodistas e indiferentes, mas
cônscios de suas responsabilidades sociais e permanentemente dispostos a oferecer,
com tem feito frequentemente e sem ônus, seus serviços à população, visando a,
pelo menos, mitigar as graves consequências da inoperância do poder público.
Um exemplo dessa inoperância, Excelência. No dia 07/05/13, o Tribunal de
Contas da União apresentou na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara
Federal, o seguinte e desastroso resultado do Ministério na aplicação do orçamento
destinado à saúde: 9.1 bilhões de reais não foram empenhados e 8.3 bilhões somaram
restos a pagar não processados. Significa, Excelência, que 17.4 bilhões de reais (quase
20% de um total aproximado de 90 bilhões) deixaram de irrigar a saúde brasileira, uma
negligência imperdoável para uma área tão carente. Negligência que Sua Excelência, o
Ministro da Saúde, certamente maquiou para esconder de Vossa Excelência e poupála da realidade, justificando, assim, a adoção de medidas ineficazes como essa de
importação de médicos. Temos evidências de sobra, Excelência, para concluir que
neste cenário de descalabro e inópia em que se encontra a saúde pública brasileira, o
médico está longe de ser o ator principal.
Em recentes entrevistas, médicos, professores e ex-ministro são unânimes,
cada um com suas palavras, em condenar a importação de médicos. Entre eles, o
insuspeito Dráuzio Varella diz que “é demagogia vender a ideia de que mais médicos
vão melhorar a saúde pública (CartaCapital, nº 757, de 17/07/13, pp. 22-28)
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Como
se
tanto
desacerto
não
bastasse,
novamente
Vossa
Excelência, estimulada, creio, pelo seu Ministro da Saúde, desfigura, apequena e
mutila, com vetos, a Lei Nº 12.842 de 10 julho de 2013, do Congresso Nacional, que
dispõe sobre o exercício da Medicina.
Vossa Excelência pode estar certa que praticamente jogou no lixo um projeto
de lei discutido, modificado, melhorado durante 11 anos (desde 2002) nas duas Casas
do Congresso Nacional e com os representantes das 15 profissões da área de saúde.
Não são 11 meses e muito menos 11 dias. Em ordem de grandeza, representa 16% do
tempo de vida média de um brasileiro!
Nesses 11 longos anos, Excelência, o projeto passou por sete Comissões, vinte
e sete audiências públicas e três aprovações por unanimidade das duas Casas.
Representantes das entidades médicas (entre eles, Dr. Edson Andrade e Dr. Roberto
d’Ávila, presidente anterior e atual do CFM; Dr. Eleuses Paiva, Dr. José Luiz do Amaral
e Dr. Florentino Araújo, presidentes passados e atual da AMB; Dr. Geraldo Ferreira
Filho, presidente da FENAM; os CRMs de todos os Estados; o Conselho Brasileiro de
Oftalmologia, pela palavra dos seus presidentes anteriores, Dr. Marcos Ávila, Dr. Suel
Abujamra, Dr. Elisabeto Ribeiro Gonçalves, Dr. Harley Bicas, Dr. Hamilton Moreira, Dr.
Paulo Augusto de Arruda Mello e o atual, Dr. Marco Antônio Rey de Faria),
conversaram, dialogaram, ouviram, cederam, sem nenhuma arrogância, mas com o
espírito que norteia a categoria médica de buscar sempre o consenso, o acordo. Foi
assim, Excelência, que durante esses 11 anos, transcorreram as negociações para
chegarmos à Lei Nº 12.842, de 10/07/13, que Vossa Excelência, numa canetada talvez
embebida no tinteiro do preconceito e da má vontade, desfigura.
Parece-nos, e podemos estar enganados, que o médico foi eleito, pelos
colaboradores que orbitam na prestigiosa proximidade de Vossa Excelência, persona
no grata, raiz de todos os males republicanos, indigno, portanto, de ver honrado os
compromissos assumidos entre o Ministro da Saúde e a categoria
Estarrece-nos, de início, o veto imposto ao inciso I do Art. 4º que excluí das
atividades privativas do médico a “formulação do diagnóstico nosológico e respectiva
prescrição terapêutica”. Quem, Excelência, fará doravante o diagnóstico de doenças e
quem as tratará?
Sabemos que das 82 profissões regulamentadas no Brasil (Martins, SP.
Profissões regulamentadas. Edit. Atlas S.A, São Paulo, 2007, pp. 01-674), 15 pertencem
à área de saúde (Agente comunitário de saúde, Analista clínico-laboratorial, Biólogo e
Biomédico, Enfermeiros, Farmacêutico, Fisioterapeuta e Terapeuta ocupacional,
Fonoaudiólogo, Médico, Médico-veterinário, Nutricionista, Odontologista, Psicólogo,
Técnico em prótese dentária, Técnico em radiologia e Veterinários).
É lícito perguntar se Vossa Excelência estará pensando em criar uma profissão,
além da Medicina, para o exercício de atos eminentemente médicos, como
diagnosticar e tratar doenças. Essa pergunta faz sentido, pois nenhuma das profissões
arroladas acima, fora a de médico, tem formação curricular que os habilite a isso.
Estão incapacitados, repito, porque esse não é o objetivo dessas profissões, como,
igualmente, o médico é incompetente para o exercício de atos do âmbito da
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Enfermagem, da Fisioterapia, da Veterinária, da Psicologia, da Odontologia, da
Farmácia, por exemplo.
Por outro lado, essa especificidade profissional não exclui os pontos de
contato, as interfaces com outras profissões e a própria Lei 12.842 de 10/07/13 sábia e
oportunamente se antecipa a essa realidade quando, em seu Art. 3º preceitua “que o
médico integrante da equipe de saúde que assiste o indivíduo ou a coletividade atuará
em mútua colaboração com os demais profissionais de saúde que a compõem”.
Quem vai, Excelência, diagnosticar e tratar, clínica ou cirurgicamente, um
tumor, o diabetes, o descolamento de retina, as doenças degenerativas, as
hemopatias, as corionariopatias, as sequelas de traumas, entre centenas e centenas de
outras?
O decreto Nº 94.406 de 08/06/87 que regulamenta a Lei Nº 7.498 de
25/06/1986, a qual dispõe sobre o exercício da Enfermagem e dá outras providências,
não contempla essas atividades. Igualmente não o fazem a Lei nº 11.350, de 05/10/06,
a Lei nº 6.686, de 11/09/79, a Lei Nº 6.684 de 03/09/79, a Lei Nº 33.820, de 11/09/60,
o DL nº 938, de 13/10/69, a Lei Nº 6.965, de 09/12/81, a Lei Nº 5.517, de 23/10/68, a
Lei Nº 6.583 de 20/10/78, a Lei Nº 4.324 de 14/04/64, a Lei Nº 4.119 de 27/08/62, a
Lei Nº 6.710, de 05/11/79, a Lei Nº 7.304, de 29/10/85 e a Lei Nº 6.885, de 09/12/80,
que regulamentam, respectivamente, as profissões de Agente comunitário, Analista
clínico-laboratorial, Biólogo e Biomédico, Farmacêutico, Fisioterapeuta e Terapeuta
ocupacional, Fonoaudiólogo, Nutricionista, Odontologista, Psicólogo, Técnico em
Prótese dentária, Técnico em Radiologia e Veterinários. Um aspecto digno de nota,
Excelência, é que o Médico é o único profissional, entre os 15 da área da saúde, que
não dispõe, até o momento, de nenhuma lei que regulamente sua profissão!
E ao que tudo indica, de conformidade com o bizarro desejo de Sua Excelência,
o Ministro da Saúde, e da solidariedade de Vossa Excelência a ele, o médico há de
continuar um pária legal, sem abrigo de uma lei que a tantas outras profissões foi
concedido! Mais bizarro ainda é a co-responsabilidade e a co-solidariedade, se
podemos nomear assim, do Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, do
Ministro da Fazenda e da Secretaria-geral da Presidência da República no veto
endossado por Vossa Excelência. Fico imaginando o desmantelo que seria o Ministro
da Pesca opinar em assuntos ligados ao Ministério da Educação e Cultura!
Curioso, Excelência, é a flagrante contradição entre seu veto ao inciso I do Art.
4º e o que preceitua os incisos II e III do mesmo artigo, mantidos por Vossa Excelência.
Neles fica determinado que a indicação e execução da intervenção cirúrgica e
prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios (inciso I) e a indicação da
execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos e
estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias
(inciso III), “são atividades privativas do médico”. Como, Excelência, conciliar essa
incompatibilidade?
Quando Vossa Excelência veta os incisos VIII e IX do art. 4º cria-se um estado de
anomia legal. De igual maneira que no inciso I (vetado) qual o profissional habilitado
pelo conhecimento e a lei para realizar uma artrodese de coluna, de uma articulação
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
com órteses metálicas? Quem se habilita à introdução cirúrgica de uma prótese
coronariana? Ou de uma lente intraocular (prótese) após a cirurgia da catarata
(facectomia)?
As razões dos vetos aos incisos VIII e IX do Art. 4º não se sustentam à luz de
uma análise tecnicamente serena e politicamente isenta. Por quê? Essas supostas
razões afirmam que “os dispositivos impossibilitam a atuação de outros profissionais
que usualmente já prescrevem, confeccionam e acompanham o uso de órteses e
próteses que, por suas especificidades, não requerem indicação médica”. E a
insensatez continua: “Tais competências já estão inclusive reconhecidas pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) e pelas diretrizes curriculares de diversos cursos de graduação na
área de saúde. Trata-se, no caso do inciso VIII, dos calçados ortopédicos, das muletas
axilares, das próteses mamárias, das cadeiras de rodas, dos andadores, das próteses
auditivas, dentre outras. No caso do inciso IX, a Organização Mundial da Saúde e a
Organização Pan-Americana da Saúde já reconhecem o papel de profissionais nãomédicos no atendimento da saúde visual, entendimento que já vem sendo respaldado
no país pelo Superior Tribunal de Justiça. A manutenção do texto teria um impacto
negativo sobre o atendimento à saúde nessas hipóteses”.
O Ministro da Saúde de Vossa Excelência, em apoio ao vetos aos incisos VIII e
IX co Art. 4º, incide em algumas notáveis impropriedades, incompatíveis com o
conhecimento que deveria obrigatoriamente amealhar quem se propõe a coordenar
ações, estratégias e a política de uma área tão sensível como a da saúde pública no
Brasil.
Entres essas impropriedades, e em defesa do veto de Vossa Excelência, está a
de afirmar que “os dispositivos (incisos VIII e IX) impossibilitam a atuação de outros
profissionais...”
Ora, Excelência, “profissionais” no nosso entender é aquele “que tem e exerce
uma profissão”. E não existe, no Brasil, nenhum profissional, fora o oftalmologista,
com formação e conhecimento para prescrever “órteses e próteses oftalmológicas”.
E nos perguntamos, Excelência, entre confusos e incrédulos, como Vossa
Excelência, eleita e governando um país em bases estritamente legais, admite
respaldar e dar foros de legalidade a uma ilicitude? Não existe, entre as 15 profissões
da área de saúde, a profissão de optometria, a qual Sua Excelência, o Ministro da
Saúde, teima em acolher, prestigiar e presentear-lhe com uma falsa legalidade.
Não se “impossibilita”, Excelência, uma impossibilidade natural, algo que não
existe. A “profissão de optometrista”, a ser contemplada com o veto de Vossa
Excelência ao inciso IX, não existe legalmente, repitamos, pois ao que saibamos, só o
Congresso Nacional tem a prerrogativa de criar e legitimar profissões. Foi assim, e
sempre o será, com as 15 profissões da área de saúde e com as demais 62 das diversas
áreas. Não obstante a insistência de obter o aval do Congresso Nacional, a optometria
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
não-médica, por entendimento dos nossos Congressistas, teve todos seus projetos
pleiteando a legalização e regulamentação arquivados nas duas Casas: dois em 2005
(dos deputados Mário Assad e Benjamin Maranhão), um em 2009 (da deputada Maria
do Rosário) e outro em 2013 (do deputado Mauro Nacif). É de se admirar que o
Ministro da Saúde, tenha levado a Vossa Excelência uma falácia e que Vossa Excelência
a tenha levado em conta para proferir o veto do inciso IX do Art. 4º.
Vossa Excelência, dando ouvidos a sua notável plêiade de
colaboradores, afirma ainda, nas razões do veto, que “a OMS e a OPAS já reconhecem
o papel de profissionais não médicos no atendimento de saúde visual, entendimento
este que vem sendo respaldado no país pelo Superior Tribunal de Justiça”.
Não é bem assim, Excelência, mas exatamente o contrário do que afirmam o
Ministro da Saúde e Vossa Excelência. Exatamente no dia dia 28 de maio de 2013, há
pouco mais de dois meses, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deliberou, de maneira
definitiva, que, no Brasil, o médico é aquele que examina os pacientes e prescreve as
lentes corretora. Assim, segundo a visão e deliberação do STJ cabe apenas ao médico
examinar e prescrever lentes corretoras (óculos e lentes de contato).
Perguntamos, então Excelência, por que um auxiliar de uma área com tanta
importância política e social deixa conduzir-se levianamente, recolhendo informações
falaciosas para conseguir o aval de Vossa Excelência?
E mais, Excelência: OMS e OPAS são organizações de países em que os
primitivos e toscos artesãos foram reconhecidos no último quartel do século XIX e,
portanto, essas instituições, não obstante o valor intrínseco de cada uma, são
obrigadas a reconhecer e propalar supostas vantagens de uma prática
reconhecidamente nociva à saúde ocular do cidadão.
Ainda nas “razões dos vetos”, Vossa Excelência afirma, sem nenhuma maldade,
“que os dispositivos impossibilitam a atuação de outros profissionais que usualmente
já prescrevem, confeccionam e acompanham o uso de órteses e próteses que, por suas
especificidades, não requerem indicação médica”.
Mas uma vez Sua Excelência, o Ministro da Saúde, deixou que fosse registrado
o óbvio e, nesse óbvio, um flagrante desrespeito às leis brasileiras, pois em nosso país
é terminantemente proibida a “venda casada”, isto é, “quem prescreve não vende e
quem vende não prescreve”. E qual a finalidade de “confeccionar” uma órtese ou
prótese senão vendê-las? Quem confecciona um par de óculos certamente irá vendêlo e nunca soube de médico algum fazer assim. Isso é da competência do óptico
devidamente instalado em sua óptica.
Nem se diga, como é comum ouvir-se, que a Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO) legaliza profissões, pois, em verdade, ela apenas cataloga
“atividades”. Ela apenas funciona como regulador estatístico do mercado de trabalho,
nomeando cerca de 2.500 ocupações com 30.000 sinonímias, aí incluindo todo tipo de
ocupações laborativas, mesmo que informais e sem amparo legal. Portanto, a CBO não
pode eleger o optometrista não-médico como “agente de saúde”, pois essa é apenas
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
uma “atividade” que eles alegam exercer, sem nenhum respaldo legal. Não causaria
constrangimento a Vossa Excelência, repito, admitir em seu governo o concurso de
uma ilegalidade? O inciso IX do art. 4º, na sua redação original, tem o mérito
de validar um ato exercido, historicamente e com a finalidade de resguardar a saúde
pública, pelo médico oftalmologista.
Quanto à aceitação dos optometristas não-médicos por parte de outros países
ou de organismos internacionais (OMS, OPAS, OIT, ONU, UNESCO e IAPB) bem
lembrada pelo Ministro da Saúde, vale trazer à tona o contexto histórico e social em
que essa optometria foi introduzida, aceita e legalizada nos Estados Unidos, por
exemplo.
Vossa Excelência, desobrigada de conhecimentos e informações tão específicos,
poderia, coberta de razões, perguntar por que a optometria não-médica, ilegal no
Brasil, existe nos Estados Unidos da América, um país cientifica e socialmente
avançado, modelo a ser “copiado” pela nações periféricas.
É preciso considerar, repitamos, o panorama histórico que justificou o
surgimento da optometria não-médica como uma profissão separada da Medicina
oftalmológica no século XIX. A optometria começou nos Estados Unidos da América
em seguida ao término da Guerra Civil Americana (1861-1865), embora o
estabelecimento formal do optometrista nesse país só tenha ocorrido 25 anos mais
tarde, em 1890. Duas são as causas que possibilitaram o nascimento e o
desenvolvimento da optometria não-médica americana. Inicialmente, as crescentes
exigências com os cuidados dos olhos decorrentes do fenômeno da acentuada
urbanização (reforçada pela chegada do migrante europeu) que se seguiu ao fim da
Guerra da Secessão. A enorme corrente migratória campo-cidade implicou a
necessidade de generalizar-se a escolarização e possibilitou o rápido processo de
industrialização posterior à Guerra Civil.
Esse enorme contingente humano das cidades, alfabetizado em sua maioria e
cônscio de seus direitos civis, passou a exigir do poder público a assistência para seus
problemas de saúde em geral e dos olhos, em particular. Atente-se para o fato de que
a maioria desses problemas oculares, principalmente as dificuldades visuais, são
menos sentidos no campo, onde as exigências com o refinamento qualitativo e
quantitativo da visão não são tão prementes quanto para o homem alfabetizado da
cidade, crescentemente envolvido com atividades dependentes de uma boa acuidade
visual.
Na época, artífices e artesãos curiosos que confeccionavam toscas lentes de
grau passaram a exercer uma atividade refratométrica rudimentar, mas de indiscutível
alcance social. A essa demanda crescente por qualidade visual, associa-se a insipiência
e incipiência da Oftalmologia no final do século XIX nos Estados Unidos e no
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
mundo. Mesmo nos Estados Unidos, já uma potência emergente no final de 1800, era
notável a carência de médicos e o limitado conhecimento desses poucos profissionais.
Para se ter uma ideia de quão rudimentar era a Oftalmologia, basta lembrar
que nessa época não se distinguia glaucoma de catarata, ambos eram tidos como
sinônimos, embora com fisiopatologia e prognóstico absolutamente diferentes. Só a
partir da invenção do oftalmoscópico por Hermann von Helmholtz (1851, na
Alemanha) é que a semiologia oftalmológica pôde dar um enorme salto qualitativo
com o conhecimento e caracterização de várias e distintas doenças oculares. Entendese, pois, que esses dois fatores – crescente demanda por assistência médicooftalmológica e limitação em número e qualidade de oftalmologistas – consorciaramse para permitir que técnicos em óptica (mais artesãos e menos técnicos) se
dedicassem à tarefa de compensar as ametropias (vícios de refração) e, em especial, os
astigmatismos.
Vários países absorveram o processo americano e utilizam o trabalho dos
optometristas não-médicos para os cuidados primários com a visão. É importante
perceber o que caracteriza culturalmente e socialmente cada um destes países e,
ainda, a maneira como cada um deles lida com a questão da saúde:
 Na Europa: Alemanha, Espanha, Portugal, Itália, Áustria, Holanda e Inglaterra. Nestes
países o nível de acesso da população à informação em geral é muitíssimo maior que
no Brasil, e, portanto as pessoas sabem que estão consultando um técnico e não um
médico. Mesmo assim, a Associação Médica Britânica alerta para o fato de que 35%
dos pacientes que procuram optometristas apresentam afecções não reconhecíveis
pelos mesmos.
 Nova Zelândia e Austrália: com condições de acesso à informação semelhante à
Europa.
 México, Paraguai, Uruguai, Chile, Colômbia e os países da América Central: nenhum
deles assegura constitucionalmente o acesso aos cuidados com a saúde, embora
tenham condições de desigualdade social semelhante às encontradas no Brasil. O
mesmo pode ser dito de algumas regiões da Ásia (Singapura, Taiwan e China) e de
alguns países africanos que adotam a prática da optometria não-médica.
● A Argentina reconheceu os malefícios que a optometria representa e decretou
sua prática ilegal há aproximadamente 15 anos.
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
É importante ressaltar a Vossa Excelência que o Brasil representa o segundo
contingente de oftalmologistas no mundo (atrás apenas dos EUA). Apesar do alarido
que os optometristas não-médicos fazem com relação à ampliação de acesso aos
cuidados com a saúde visual e à redução dos riscos de cegueira que a legalização da
optometria não-médica traria, encontramos nos EUA, berço desta atividade
profissional, nomes reconhecidos internacionalmente posicionando-se contra sua
existência.
Para não cansar Vossa Excelência, queremos lembrar apenas que Edward
Jackson, considerada o Pai da Moderna Oftalmologia Americana tentou não apenas
limitar, mas acabar com a prática da Oftalmologia não-médica em seu país.
Os Decretos ns. 20.931/32 e 24.492/34 proíbem claramente a prática da
optometria por não-médicos, preconizando que aqueles que se dedicarem a este
mister sem a respectiva graduação em Medicina, responderão a processo criminal de
exercício ilegal da Medicina, ex vi do art. 10, do Decreto de 32 e art. 13 do dec. de 34.
Vale lembrar, ainda, que o Decreto n.º 20.931/32, em seu art. 38, estabelece
que os optometristas não-médicos não poderão ter consultório para atender
pacientes, devendo o material ali encontrado ser apreendido para posterior venda em
leilão.
Preceituam os decretos de 32 e 34 que as ópticas não podem ter consultório
(câmara escura) para atendimento de pacientes, tampouco equipamentos que se
destinem à medida da acuidade visual, consoante art. 17 do Decreto de 34.
É importante consignar que as casas ópticas só podem vender lentes de grau
mediante apresentação de prescrição médica oftalmológica (à época dos decretos
chamados de ‘oculistas’).
A optometria (Refratometria) tem por objetivo primário a medida das
ametropias e, secundariamente, o diagnóstico e tratamento de outras doenças
oculares. Ametropias e doenças oculares estão estreitamente relacionadas. Há
ametropias que são doenças (miopia maligna, por exemplo), como há doenças,
oculares e sistêmicas, que causam ou agravam ametropias (diabetes
mellitus, espasmo ciliar, toxemia gravídica, intoxicação medicamentosa (sulfas,
fenotiazida, arsenicais), síndrome de Horner, homocistinúria, síndrome de Margan, de
Marshall, miastenia grave, botulismo, traumas contusos do globo ocular, sindrome de
Adie, infecções, porfiria, entre tantas outras).
Não podemos, jamais, encarar separadamente ametropias e doenças. Pois as
ametropias são problemas da esfera de competência dos médicos oftalmológicos e
não ergonômicos, como defendem os optometristas não-médicos. Insistir nesse
equívoco, por ignorância ou má-fé, é colocar em risco a saúde ocular do cidadão,
deixando passar ou postergando o diagnóstico e tratamento de doenças não
raramente graves, com alto grau de morbidade ou letalidade.
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
No alvorecer do 3º milênio, insistir na artificialidade dessa dicotomia
(ametropias de um lado, doenças oculares do outro) equivale a passar, insistimos,
atestado de ignorância ou má-fé. Ou de ambas.
Com a consulta e exame de refratometria os médicos diagnosticam quais
doenças estão causando diminuição da visão, podendo ser elas oculares ou sistêmicas.
Dentre as oculares as mais comuns são: astigmatismo, hipermetropia e miopia,
(doenças conhecidas como refrativas), corrigidas por com a utilização de lentes de
grau (óculos e lentes de contato).
Tem-se, ainda, que considerar dentro deste contexto a presbiopia, que é uma
doença refrativa que atinge todos os cidadãos na faixa etária dos 40 anos. Essa é a
idade em que a pessoa costuma apresentar outras afecções que simulam sintomas
das doenças refrativas já citadas. Também não podemos esquecer que é essa faixa
etária em que outras doenças sistêmicas o acometem o indivíduo, provocando baixa
de acuidade visual, de gravidade variável, inclusive levando o paciente à cegueira, não
raramente irreversível. Entre as mais comuns, estão o diabetes melitus, hipertensão
arterial, tumores, infecções, doenças auto-imunes, alterações secundarias ao uso de
medicamentos, hipodisponibilidade hormonal nas mulheres, dentre muitas outras.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), repitamos, reconhece e enquadra as
ametropias como doenças, pois se assim não fora não as teria incluído na sua
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-10).
Assim, a prescrição das lentes corretivas integra o ato médico e é parte
essencial dele, e deve ser executada por profissional habilitado, após a avaliação de
vários parâmetros, por intermédio de uma ou mais consultas e subsidiada, quando
necessário, por exames complementares.
Por sua relevância, ressalte-se que neste processo de avaliação muitas vezes
são constatadas outras patologias oculares ou sistêmicas, não manifestadas nas
queixas básicas do paciente. No Brasil, em especial, é a oportunidade única que o
cidadão tem de ser submetido a exame completo dos olhos e ter o diagnostico
preventivo de possíveis doenças que, se negligenciadas, causam
cegueira
irreversíveis. Ao longo dos últimos anos a Oftalmologia brasileira planejou, organizou
e pôs em prática, de parceria com o poder central, um dos maiores projetos de
Oftalmologia comunitária e prevenção da cegueira, dos quais deveria saber, por dever
funcional, o Ministro da Saúde de Vossa Excelência.
Não nos custa repisar sobre a inconveniência da prática da optometria por nãomédicos e dos perigos da falta de diagnóstico de doenças graves como glaucoma,
diabetes, degenerações retinianas, cardiocoronariopatias, tumores, nefropatias,
hemopatias, doenças do conjuntivo entre outras, decorrentes de exame
perfunctório e incompleto, sem nenhum lastro no conhecimento médico,
se realizados por leigos sem a necessária e indispensável formação médica.
O optometrista não-médico insiste numa falácia: separar a função (visão) da
estrutura (anatomia) do olho. Função e estrutura estão intimamente associados como
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
igualmente estão associados o olho e a economia orgânica. O olho é uma extensão
periférica do sistema nervoso central e a visão, que é o sentido responsável por 85%
da integração do homem ao seu meio, o faz com tamanha relevância por estar
intimamente relacionado a ele. Essa integração é harmônica e atua nos dois sentidos:
o olho influencia o sistema nervoso central e é influenciado por ele.
Aliás, o olho não é um órgão estanque, isolado dos demais componentes da
anatomia humana. Ao contrário, como qualquer estrutura, o olho se ressente de
alterações, às vezes sutis, ocorridas à distância, como, da mesma forma, promove
alterações ou respostas negativas em qualquer dependência do nosso corpo. Para
que tenhamos uma ideia da importância do conhecimento das relações do olho com o
corpo e do corpo com o olho, vale a pena registrar que o globo e seus anexos podem
sediar 3.892 doenças, incluindo afecções próprias do olho, associações sindrômicas e
manifestações oculares de doenças sistêmicas (Conselho Brasileiro de Oftalmologia,
Perfil, gestão 2003/05, p. 15).
Que preparo tem o não-médico para, pelo menos, suspeitar da ocorrência de
uma moléstia ocular em meio a essa gama imensa de doenças? Isso requer uma
formação holística do profissional, por isso antes de sermos oftalmologistas, somos
médicos e aprendemos nas Escolas Médicas todas as disciplinas que tratam dos
diversos sistemas orgânicos, desde sua embriologia, anatomia, histologia, citologia,
farmacologia, fisiologia e fisiopatologia, semiologia e terapêutica.
Não faz nenhum sentido, Excelência, a recente afirmação do Ministro da
Saúde, para criticar a especialização, de que “nós não queremos médicos que olhem o
paciente em pedaços. Queremos um médico que olhe o paciente como um todo
(CartaCapital, nº 757, de 17/07/13)”. Pura necedade do seu Ministro, Excelência. O
especialista tem uma visão holística do corpo humano e todo ele é capaz, no exercício
de sua especialidade, apontar ou, pelo menos suspeitar, da existência de uma ou mais
daquelas 3.872 doenças a que nos referimos. Agora, não tem justificativa, com o
extraordinário conhecimento e recursos que Ciência e a Medicina colocaram a serviço
do médico, restringir o exercício da Medicina às práticas meramente preventivas. Não
que a Oftalmologia Preventiva seja descartada como prática sem valor médico e social.
Tanto não pensamos assim que a Oftalmologia brasileira é a única no mundo a dedicar,
a cada 2 anos, um Congresso Nacional voltado exclusivamente à Oftalmologia
Preventiva, promovido pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Já estamos no XXIII
Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual. Essa mal
disfarçada insistência em valorizar uma em detrimento da outra pode ter abrigo em
concepções puramente ideológicas, mas é obrigação do Estado oferecer ao cidadão a
chance de se beneficiar, quando necessário, dos dois polos da Medicina
contemporânea.
Acreditamos piamente que todos os avanços da Medicina em conhecimentos e
tecnologias apontam para uma realidade: tanto a Medicina Preventiva como a de alta
complexidade são recursos necessários para evitar ou mitigar os agravos de quaisquer
afecções que acometem o olho e o corpo humano. Igualmente acreditamos que a
Medicina Preventiva, em quaisquer de suas especialidades, para ser praticada com
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
rigor científico e dar os frutos benéficos que dela esperamos, deve ser oficiada por
médicos, titulados com o saber, e não por leigos ou técnicos, carentes de autorização
legal e sem os instrumentos do amplo conhecimento da complexa organização
morfofuncional humana.
Ledo engano achar, não obstante a opinião em contrário dos organismos
internacionais já citados pelo Ministro de Vossa Excelência, que a optometria nãomédica é útil e necessária na política de prevenção das doenças oculares. Insistimos
em repisar: ao contrário, a preocupação capital dos optometristas não-médicos é
muito clara - a “venda casada”, atividade terminantemente proibida no Brasil. Aqui
vigoram dispositivos legais que proíbem a quem receitar (o médico) não vender e a
quem vender (o óptico) não receitar. O optometrista atuará nas duas pontas: “receita”
os óculos e os “vende”, pois é nessa mercancia que reside seu maior lucro.
A propósito, vale lembrar que a opinião oftalmológica internacional está
absolutamente convencida que a solução optométrica é uma falácia, seja do ponto de
vista médico-social, seja do econômico. São esclarecedoras as informações contidas
no respeitado Journal of American Association for Pediatric Ophthalmoly and
Strabismus (Donahue SP. How often are spectacles prescribed to “normal” preschool
children? Vol. 08, de junho/2004).
Esse trabalho nos mostra o seguinte: numa população de pré-escolares, 1,8%
de óculos desnecessários foram receitados pelo oftalmologista pediátrico, 11,7% pelo
oftalmologista generalista e 35,1% pelo optometrista. Uma das conclusões do autor é
que, transportando essas cifras para a população americana, um único exame ocular
antes da entrada na escola poderá custar mais de 200 milhões de dólares/ano em
óculos rigorosamente dispensáveis, isto é, prescritos para crianças nas quais não foi
diagnosticado nenhum fator ambliogênico (fatores causais da baixa de visão).
Perguntamos: significativa parte desse gasto supérfluo não estaria ligada à
prática ilegal e eticamente reprovável da venda casada? Isto é, prescrever óculos
numa ponta e vender na outra? E quem estaria prioritariamente interessado na
abertura desse rendoso caminho ao bolso do consumidor senão os optometristas? E
quem arcaria com tamanho desperdício financeiro? A sociedade, claro.
Existe significativo número de ações “proibindo” os ópticos de venderem
lentes de grau sem receita específica, e, igualmente, proibindo-os de adaptar lentes de
contato e utilizarem-se de equipamentos médico-oftalmológicos, bem como
realizarem exame de vista e anunciarem que hipermetropia, miopia, presbiopia,
astigmatismo não são doenças e podem ser corrigidos somente com a utilização de
“lentes de grau”, atraindo o público para consultas em estabelecimentos comerciais.
Também há precedentes (e Sua Excelência, o Ministro da Saúde, deve conhecêlos muito bem) da prisão em flagrante de ópticos, soi disant optometristas, ou ópticosoptometristas, ou ainda, contactólogos “denunciados pelo Ministério Público e que
foram condenados em processos criminais por exercício ilegal da Medicina”.
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Em apoio à posição da Oftalmologia brasileira, é útil reescrever aqui o
resultado do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, em 28/05/13. O acórdão
demonstra que por unanimidade os ministros consideram válidos e em plena vigência
os Decretos 20.931/32 e 24.492/34 que regulam o exercício da Medicina e
parcialmente inconstitucional (no que diz respeito à família óptico-optometristas e
suas atividades) a Portaria 397/2002 (Classificação Brasileira de Ocupações –CBO) do
Ministério do Trabalho.
Esse diploma legal preceitua em seus artigos 38, 39, 40 e 41 o seguinte: “Art.
38 - É terminantemente proibido aos enfermeiros, massagistas, optometristas e
ortopedistas a instalação de consultórios para atender clientes, devendo o material
aí encontrado ser apreendido e remetido para o depósito público, onde será vendido
judicialmente a requerimento da Procuradoria dos Feitos da Saúde Pública e a quem
a autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do Leilão judicial será
recolhido ao Tesouro, pelo mesmo processo que as multas sanitárias.” (grifo)
Como se vê os soi disant optometristas não podem ter consultório ou
equipamentos para atender pacientes/consumidores, devendo o material ali
encontrado ser apreendido e remetido ao depósito público para posterior venda em
leilão.
Ineludivelmente, quis o legislador de então proibir a atividade dos
optometristas não-médicos, tanto é assim que os proibiu de se instalarem em casas
ópticas, as quais não podem possuir equipamentos de uso médico-oftalmológico,
especialmente aqueles que se destinam à medida da acuidade visual, ou outros que se
prestem a realização de quaisquer testes e exames de visão.
Os dois decretos de 32 e 34 estão, portanto, em pleno vigor. Em 1990, o
Conselho Brasileiro de Oftalmologia promoveu a Ação direta de
inconstitucionalidade do Art. 4º do Dec. 99.678/90 (ADIN Nº 533-2, relatada pelo
ministro Carlos Veloso), e o Supremo Tribunal Federal acolheu a Liminar requerida
para suspender a eficácia do artigo objeto da ADIN 533-2. São palavras do relator
daquela ação direta, ao final de seu decisum: “do exposto, defiro, ad referendum do
Plenário, a medida cautelar, pelo que suspendo a eficácia do art. 4 º do Decreto n.º
99.678, de 08.XI.90, no ponto em que o mesmo revoga os decretos ns. 20.931, de
11.01.32, e 24.4492, 28.06.34. comunique-se e requisitem-se informações ao
Excelentíssimo Senhor Presidente da República (RI, ART. 170, Parágrafo 2 º ).
Publique-se”.
Não nos compete aqui, Excelência, discutir em detalhes o alcance das leis de
1932 e 1934, as quais dão total apoio à prática corrente de que o exame oftalmológico,
incluindo a prescrição de óculos ou lentes de contato, é ato eminentemente médico e
deve ser executado por médicos oftalmologistas.
Para terminar, vale mencionar um argumento usado à exaustão pelo intitulados
optometristas: é que essas leis de 32 e 34 são leis velhas, caducas, de oitenta anos
e que, portando, não devem mais ter efeito nenhum nos dias de hoje. Aqui, a nosso
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
ver, há um equívoco ou uma esperteza, pois o que dita a real eficácia de uma lei não é
sua idade. Assim, faz parte do senso comum a certeza de que nenhuma lei é
necessariamente ruim porque é velha, mas nenhuma lei envelhece se não for boa.
O legislador daquela época sabiamente redigiu essas leis como que
antecipando os problemas que seriam criados pela afoiteza e insensatez do que viria a
ser chamado, indevidamente, de optometristas, isto é, leigos suficientemente
presunçosos para quererem ocupar um espaço e desempenhar uma atividade que são,
pela lei e pelo saber, exclusivos do médico oftalmologista.
Não se trata de apego ao corporativismo, repetidamente apregoado pelos
“optometristas” não-médicos. Trata-se, antes e exclusivamente, de assegurar,
defender e promover a saúde ocular do cidadão brasileiro, uma disposição
autenticamente vocacional e ética do oftalmologista brasileiro.
Outro veto, Excelência, carregado de estranheza, diz respeito ao inciso I do Art.
5º, que reza sobre ”atos privativos de médico”. Vossa Excelência exclui da prerrogativa
médica exclusiva a “direção e chefia de serviços médicos”.
Curioso, Excelência, a parcialidade e a má vontade com que a categoria médica
é tratada por Vossa Excelência e seu Ministro da Saúde quando examinamos o que
preconiza a lei que regulamenta a atividade de outras profissões. Vejamos, para evitar
que nos alonguemos mais do que já o fizemos, apenas o caso do Enfermeiro e do
Fisioterapeuta e Terapeuta ocupacional. A lei 7.498 de 15/06/86 que regulamenta a
profissão do Enfermeiro, preceitua na letra “a”, do inciso I do Art. 11 que “cabe
privativamente ao enfermeiro a direção de órgão de enfermagem integrante da
estrutura básica da instituição de saúde, pública e privada, e chefia de serviço e de
unidade de enfermagem. Quanto à Fisioterapia e Terapia Ocupacional, o DL nº 948, de
13/10/69, no seu inciso I do Art. 5º prescreve que cabe a eles “dirigir serviços em
órgãos e estabelecimentos públicos ou particulares, ou assessorá-los tecnicamente”.
Já mostramos a Vossa Excelência a excepcional evolução da Medicina e da
Oftalmologia, hoje suficientemente complexas para ficar por conta de leigos. O nosso
cidadão, mulheres, homens e crianças brasileiros precisam de assistência médica
pronta e de qualidade e é para isso que o as entidades médicas (Conselho Federal de
Medicina, Associação Médica Brasileira, Federação Nacional dos Médicos, Conselhos
Regionais de Medicina e Conselho Brasileiro de Oftalmologia) vêm se batendo ao
longo de tantos anos, buscando a compreensão e colaboração das nossas autoridades
governamentais para essa grande e humanitária tarefa de resguardar e promover a
saúde ocular do nosso povo.
A Lei 12.842, de 10/07/13, é instrumento fundamental para que os propósitos e
o trabalho do médico possam ser realizados com segurança e tranquilidade com
vistas ao bem-estar do cidadão brasileiro. Resguardar sua integridade é ato louvável
de Vossa Excelência, suficientemente talentosa para escolher o certo e o sensato
entre palavras e argumentações enganosos de seus colaboradores.
No que diz respeito especificamente ao oftalmologista, permita-nos afiançar a
Vossa Excelência que todo nosso empenho na manutenção do inciso VIII e IX do art. 4º
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
vai no mesmo caminho do interesse da sanção integral da Lei 12.842 de 10/07/13:
a adaptação de óculos e lentes de contato é um ato médico, devendo, portanto, ser
oficiado por médico, pois envolve riscos e complicações que qualquer dos nossos atos,
do mais simples ao mais complexo, implica.
Perdoe-nos a sinceridade destes seus eleitores com esta Carta Aberta, mas
acreditamos que Vossa Excelência, de repente, jogou por terra a grande chance de
reeleição em 2014 e – pior – deixa-nos órfãos da inteligência, da sensatez e descortino
e com o dilema de ter de escolher (ou rejeitar) entre autoritários, presunçosos,
monotemáticos e tolos. Vossa Excelência, como alguns generais e guerreiros do
passado queimou parte dos navios e destruiu algumas das pontes que a uniam à
sociedade e não sabemos, Excelência, se haverá tempo útil para recompor esse imenso
patrimônio político desperdiçado ao sabor de conselhos, sugestões e decisões
insensatas.
Contando com a compreensão de Vossa Excelência, antecipadamente
agradecemos e nos colocamos a seu inteiro dispor,
Dr. ELISABETO RIBEIRO GONÇALVES – CRMMG 5397
Integrante de Conselho de Diretrizes e Gestão do Conselho Brasileiro de
Oftalmologia
Dr. MARCO ANTÔNIO REY DE FARIA – CRMRN 1079
Presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Rua Casa do Ator, 1.117 - Cj. 21 - CEP: 04546-004 - São Paulo - SP - Fone: 55 11 3266-4000
© Copyright 2011 - Todos os direitos reservados ao Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Download

São Paulo, 24 de julho de 2013. Excelentíssima Senhora Doutora