HOMILIA (V Domingo da Quaresma B) O episódio hoje narrado por São João aconteceu poucos dias antes da Páscoa. Um grupo de estrangeiros que se tinham convertido ao judaísmo e que se encontra em Jerusalém para a principal festa hebraica ouviu falar de Jesus. Aqueles homens dirigem-se a Filipe. Este transmite o seu desejo a André e ambos se abeiram de Jesus. “Senhor, nós gostaríamos de ver Jesus!” Este é o apelo feito por aqueles homens. Importa contudo captar o sentido mais profundo deste apelo. VER JESUS não significa, para João, OLHAR COM OS OLHOS. Ver Jesus significa CONHECÊ-LO EM PROFUNDIDADE. Ou, se quisermos, VÊ-LO COM O CORAÇÃO. Antes de ouvirem falar de Jesus, estes gregos tinham feito uma longa caminhada espiritual. Foram inicialmente pagãos, adoraram os ídolos e seguiram práticas supersticiosas. Mais tarde, conheceram o Deus de Abraão e ingressaram na religião judaica. Agora, que se aproxima a festa da Páscoa, vão a Jerusalém. Não estão ali na qualidade de turistas nem tampouco os poderemos comparar a um grupo de foliões que se divertem numa das muitas e concorridas romarias nortenhas da actualidade. Estes homens deslocam-se à “Cidade Santa” para rezar, para se encontrarem com Deus. E apercebem-se então que não chegaram ainda à meta espiritual para a qual Javeh os chama. Por isso, continuam em busca, à procura. Como os Magos do Evangelho de Mateus, também eles perguntam “Onde está o Rei dos judeus?”… e dirigem-se aos discípulos! É curioso que aqueles gregos não vão directamente a Jesus, mas escolhem dois discípulos como intermediários. Porém, não se dirigiram a qualquer um dos apóstolos: interpelaram Filipe e André. Porquê estes dois e não outros? Porque ambos têm um nome grego. André deriva do grego “andréas” (= viril, corajoso); Filipe deriva do grego “phílippos” (= amigo dos cavalos). Ao dirigirem-se a Filipe e André, aqueles gregos entendem que estes dois discípulos seriam os seus mais apropriados intermediários, estariam em melhores condições de os ajudarem a CONHECER Jesus. Todos nós os baptizados, um dia, VIMOS Jesus. Mas isso não chega. Eu diria mesmo que de pouco nos servirá VER Jesus. É necessário CONHECER EM PROFUNDIDADE – como o queriam fazer os gregos do texto do Evangelho de hoje – Jesus. Logo, a cena do texto do Evangelho deste domingo tem uma grande actualidade. Aos pastores das comunidades cristãs é feito este apelo: não te contentes com falar de Deus; sê um sorriso de Deus! Aos catequistas das nossas comunidades é dito: não te contentes com ler umas passagens dos Evangelhos (se é que os tens ou alguma vez os leste); procura aprofundar os teus conhecimentos bíblicos! Procura saber quem é hoje Jesus para ti! Aos movimentos eclesiais das nossas paróquias é perguntado: as tarefas por vós realizadas são um hino de louvor a Deus, um hino que faz despertar os adormecidos; ou, pelo contrário, um grito estridente que dispersa aqueles que foram congregados pelo sacramento do baptismo? A todos nós os que GASTAMOS e GOSTAMOS das coisas de Deus, é-nos dirigida aquela célebre palavra de Saint-Exupéry: “há muita gente que nós deixamos dormir!” E então poder-nos-emos interrogar: já pensamos acordá-la? É que o ser humano, além do carro, da casa, da televisão, do computador e da sua mais ou menos discreta colecção de ídolos, possui algo de muito precioso: a sua “marca de fabrico”, isto é, a cicatriz de Deus – “façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Génesis 1, 26). Em cada ser humano há, pois, uma cicatriz de Deus; mas, muitas vezes, essa cicatriz está escondida sob montes de pó… De pó e de sono! A nossa missão passa então por avivar a dita cicatriz. É necessário que o homem adormecido acorde para Deus… Mas será que nós o acordamos? Após a morte trágica, aos 42 anos, num acidente de viação na estrada de Locarno, do abbé Amadeo Ayfre (o criador da teologia da imagem), uma actriz dava dele um curioso testemunho. Ela respondia assim a um jornalista que a interpelava: “Que queres que te diga?... Era um homem que, quando te encontravas com ele, te provocava o desejo de Deus!” E eu termino com esta interrogação: nos caminhos do quotidiano, através dos nossos gestos e das nossas atitudes, já provocamos em alguém o desejo de Deus?