Capítulo VII Jesus leva a cruz ao Gólgota 1. Jesus toma a cruz aos ombros Quando Pilatos desceu do tribunal do Gabata, seguiram-no uma parte dos soldados e formaram diante do palácio, para acompanhar o séqüito. Um pequeno destacamento ficou com os condenados. Vinte e oito fariseus armados, entre os quais os seis inimigos assanhados de Jesus que estavam presentes quando foi preso no horto das Oliveiras, vieram a cavalo ao Fórum, para acompanhar o séqüito. Os algozes conduziram Jesus ao meio do Fórum. Alguns escravos entraram pela porta ocidental, trazendo o patíbulo da cruz e jogaram-no ruidosamente aos pés do Salvador. Os dois braços da cruz, mais finos, estavam amarrados com cordas ao tronco largo e pesado. As cunhas, o cepo para sustentar os pés e a peça ajustada ao tronco para a inscrição, junto com outras ferramentas, eram carregados por alguns meninos a serviço dos algozes. Quando jogaram a cruz no chão, aos pés de Jesus, ele se ajoelhou junto a mesma e, abraçando-a, beijou-a três vezes, dirigindo ao Pai celestial, em voz baixa, uma oração comovente de ação de graças pela redenção do gênero humano, a qual ia realizar. Como os sacerdotes, entre os pagãos, abraçam um altar novo, assim abraçou Jesus a cruz, o eterno altar do sacrifício cruento de expiação. Os algozes, porém, com um arranco nas cordas, fizeram Jesus ficar ereto, de joelhos, obrigando-o a carregar penosamente o pesado madeiro ao ombro direito e com o braço direito segurá-lo, com pouco e cruel auxílio dos carrascos. Vi anjos ajudando-o invisivelmente, pois sozinho não teria conseguido suspendê-lo; ajoelhava-se, curvado sob o pesado fardo. Enquanto Jesus estava rezando, outros algozes puseram sobre os pescoços dos ladrões os madeiros transversais das respectivas cruzes, amarrando-lhes os braços erguidos de ambos os lados. Essas travessas não eram inteiramente retas, mas um pouco curvas e na hora da crucifixão eram ajustadas na extremidade superior dos troncos, que eram transportados atrás deles por escravos, junto com outros utensílios. Ressoou um toque de trombeta da cavalaria de Pilatos e um dos fariseus a cavalo aproximou-se de Jesus, que estava de joelhos, sob o fardo e disse-lhe: “Acabou agora o tempo dos belos discursos”; e aos algozes: “Apressai-vos para que fiquemos livres dele. Vamos avante!” Fizeram-no levantar-se então aos arrancos e caiu-lhe assim sobre o ombro todo o peso da cruz, que nós devemos também carregar para segui-lo, segundo as suas santas palavras, que são a verdade eterna. Então começou a marcha triunfal do Rei dos reis, tão ignominiosa na terra, tão gloriosa no céu. Tinham atado duas cordas à extremidade posterior da cruz e dois algozes levantaram-na por meio delas, de modo que ficava suspensa e não se arrastava pelo chão. Um pouco afastados de Jesus seguiam quatro algozes, segurando as quatro cordas que saíam do cinturão novo, com que o tinham cingido. O manto, arregaçado, fora-lhe atado em redor do peito. Jesus, carregando ao ombro os madeiros da cruz, ligados num feixe, lembrava-me vivamente Isaac, levando a lenha para a sua própria imolação ao monte Mória. O trombeta de Pilatos deu então o sinal de partir, porque Pilatos também queria sair com um destacamento de soldados, para impedir qualquer movimento sedicioso na cidade. Estava a cavalo, vestido da armadura e rodeado de oficiais e de um destacamento de cavalaria. Seguia depois um batalhão de infantaria, de cerca de 300 soldados, todos oriundos da fronteira da Itália e Suíça. Em frente do cortejo em que ia Jesus, seguia um corneteiro, que tocava nas esquinas das ruas, proclamando a sentença e a execução. Alguns passos atrás, marchava um grupo de meninos e homens das camadas ínfimas do povo, transportando bebidas, cordas, pregos, cunhas e cestos, com diversas ferramentas. Escravos mais robustos carregavam as estacas, escadas e os troncos das cruzes dos ladrões. As escadas constavam apenas de um pau comprido, com buracos, nos quais fincavam cavilhas. Seguiam-se depois alguns fariseus a cavalo e atrás deles um rapazinho, segurando sobre os ombros, suspensa numa vara, a coroa de espinhos, que não puseram na cabeça de Jesus porque parecia impedi-lo de carregar a cruz. Esse rapazinho não era muito ruim. 1 Seguia então Nosso Senhor e Salvador, curvado sob o pesado fardo da cruz, cambaleando sobre os pés descalços e feridos, dilacerado e contundido pela flagelação e as outras brutalidades, exausto de forças por estar sem comer, sem beber, nem dormir desde a Ceia, na véspera, enfraquecido pela perda de sangue, pela febre e sede, atormentado por indizíveis angústias e sofrimentos d’alma. Com a mão segurava o pesado lenho sobre o ombro direito; a esquerda procurava penosamente levantar a larga e longa veste, para desembaraçar os passos, já pouco seguros. Tinha as mãos inchadas e feridas pelas cordas com que haviam estado antes fortemente amarradas. O rosto estava coberto de pisaduras e sangue; cabelo e barba em desalinho e colados pelo sangue. O pesado fardo e o cinturão apertavamlhe a roupa pesada de lã de encontro ao corpo ferido e a lã pegava-se-lhe às feridas reabertas. Em redor só havia ódio e insultos. Mas também nessa imensa miséria e em todos esses martírios se manifestava o amor do Divino Mártir. A boca movia-se-lhe em oração e o olhar suplicante e humilde prometia perdão. Os dois algozes que suspendiam a cruz, pelas cordas fixadas na extremidade posterior, aumentavam ainda o martírio de Jesus, deslocando o pesado fardo, que alternadamente levantavam e deixavam cair. Em ambos os lados do cortejo marchavam vários soldados, armados de lanças. Depois de Jesus, vinham os dois ladrões, cada um conduzido por dois algozes, que lhe seguravam as cordas, presas ao cinturão. Transportavam sobre a nuca os madeiros transversais das respectivas cruzes, separados do tronco. Tinham os braços amarrados às extremidades dos madeiros. Andavam meio embriagados por uma bebida que lhes tinham dado. Contudo o bom ladrão estava muito calmo; o mau, porém, impertinente, praguejava furioso. Os carrascos eram homens baixos, mas robustos, de pele morena, cabelo preto, crespo e eriçado. Tinham a barba rala, aqui e acolá uns tufinhos de pelos. Não tinham fisionomia judaica; pertenciam a uma tribo de escravos do Egito, que trabalhavam na construção de canais. Vestiam somente tanga e um escapulário de couro, sem mangas. Eram verdadeiros brutos. Atrás dos ladrões vinham a metade dos fariseus, fechando o cortejo. Esses cavaleiros cavalgavam durante todo o caminho, separados, ao longo do séqüito, apressando a marcha ou conservando a ordem. Entre a gentalha que ia na frente do cortejo, transportando as ferramentas e outros objetos, achavam-se também alguns meninos perversos, filhos de judeus, que se tinham juntado voluntariamente. Depois de um considerável espaço, seguia o séqüito de Pilatos. Na frente um trombeta a cavalo, atrás dele cavalgava Pilatos, vestido de armadura de guerra, entre os oficiais e cercado de um grupo de cavaleiros; em seguida marchavam os trezentos soldados de infantaria. O séqüito atravessou o Fórum, mas entrou depois numa rua larga. O cortejo que conduzia Jesus passou por uma rua muito estreita, pelos fundos das casas, para deixar livre o caminho para o povo, que se dirigia ao Templo, como também para não por obstáculos ao séqüito de Pilatos. A maior parte da multidão já se pusera a caminho logo depois de pronunciada a sentença; os demais judeus dirigiram-se às respectivas casas ou ao Templo, pois haviam perdido muito tempo durante a manhã e apressavam-se em continuar os preparativos para a imolação do cordeiro pascoal. Contudo, era ainda muito numerosa a multidão, composta de gente de todas as classes do povo: forasteiros, escravos, operários, meninos, mulheres e a ralé da cidade. Corriam pelas ruas laterais e por atalhos para a frente para ver mais uma ou outra vez o triste séqüito. O destacamento de soldados romanos que seguia impedia o povo de juntar-se atrás do séqüito, assim era preciso correr sempre para a frente, pelas ruas laterais. A maior parte da multidão dirigiu-se diretamente ao Gólgota. A rua estreita pela qual Jesus foi conduzido primeiro, tinha apenas a largura de alguns passos, e passava pelos fundos das casas, onde havia muita imundície. Jesus teve que sofrer muito ali; os algozes andavam-lhe mais perto. Das janelas e dos buracos dos muros o apupava a gentalha. Escravos que lá trabalhavam atiravam-lhe lama e restos imundos da cozinha; patifes perversos derramavam-lhe em cima água suja e fétida dos esgotos; até crianças, instigadas pelos velhos, juntavam pedras nos vestidinhos e saindo das casas e atravessando o séqüito a correr jogavam-nas no caminho, aos pés de Jesus. Assim foi Jesus tratado pelas crianças, que tanto amava, abençoava e chamava bemaventuradas. 2