COMPORTAMENTO DOS SÓLIDOS TOTAIS EM REATOR ANAERÓBIO TRATANDO RESÍDUOS SÓLIDOS ORGÂNICOS Valderi Duarte Leite (*) Eng. Químico /DQ/CCT/UFPB. Doutor em Hidráulica e Saneamento, EESC/USP – SP. Coordenador do projeto de pesquisa “tratamento anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos, com aproveitamento de Biogás”. Professor do Departamento de Química do CCT/UEPB Alberto Magno Medeiros Dantas Mestrando do PRODEMA Sub-Programa UFPB/UEPB Shiva Prasad Professor do Departamento de Engenharia Química do CCT/UFPB Wilton Silva Lopes Professor do Departamento de Química do CCT/UEPB Gilson Barbosa Athayde Júnior Professor do Departamento de Engenharia Civil do CCT/UNIVALE José Tavares de Sousa Professor do Departamento de Química do CCT/UEPB Endereço para correspondência (*) Rua: Vigário Calixto, 1475 – Bairro: Catolé – Campina Grande – Paraíba –CEP: 58104-485 – Brasil. Tel. 0 xx 83 337 – 2793 – E-mail: [email protected] RESUMO No Brasil à fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos, representa cerca de 65% (percentagem em peso), podendo ser aproveitada através de processos fermentativos aeróbios ou anaeróbios. O tratamento anaeróbio tem sido utilizado para bioestabilizar uma grande diversidade de substrato, especialmente aqueles com alta concentração de matéria orgânica. Neste trabalho foi utilizado o tratamento anaeróbio da fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos com lodo de esgoto sanitário na proporção de 80 e 20 % respectivamente em reator de batelada, tomando-se como parâmetros avaliativos os sólidos totais e sólidos totais voláteis. Foi utilizado substrato com 20% (percentagem em peso) de sólidos totais e o tempo de monitoração do sistema experimental foi de 270 dias. A análise dos resultados mostra que 89% dos sólidos totais voláteis, mostrando assim que é possível utilizar a digestão anaeróbia para bioestabilizar a fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos. Palavras Chave: Sólidos totais, resíduos sólidos, anaeróbio, reator de batelada. INTRODUÇÃO Os resíduos sólidos compreendem o lixo urbano, lixo hospitalar, lixo agrícola ou rural, lodo de estações de tratamento de esgotos sanitários ou industriais, resíduos gerados por equipamentos e instalações de controle de poluição e determinados líquidos, cujas características tornem inviável seu lançamento em redes públicas ou corpos receptores de água (ABNT 1987). Enquanto que, os resíduos sólidos urbanos são aqueles que resultam das atividades humanas na sociedade. De acordo com os dados do IBGE (2000) o Brasil tem uma população em torno de 170 milhões de habitantes e que produz cerca de 125.281 toneladas de resíduos sólidos urbanos por dia, o que resulta em uma produção per capita de 0,74 kg.hab-1.dia-1. Conforme os dados do (CEMPRE,2000), destes resíduos produzidos no Brasil, 65% (percentagem em peso) corresponde a fração orgânica putrescível, a qual, pode ser aproveitada através de processos fermentativos aeróbios ou anaeróbios, contribuindo dessa forma para a economia de recursos naturais, energia e reduzindo 1 consideravelmente a quantidade de resíduos lançados no meio ambiente. O processo anaeróbio, apesar de requerer um maior tempo para a bioestabilização do material orgânico, apresenta alta taxa de produção de biogás, especialmente quando inoculados com lodo provenientes de várias fontes. Os resíduos sólidos produzidos na maioria das cidades brasileiras possuem cerca de 50% de umidade e os 50% restantes refere-se ao material sólido de origem orgânica, e é um indicador da massa total a ser tratada. Vale salientar que quanto maior for a fração orgânica ou a concentração de sólidos totais voláteis maior deverá ser a taxa de bioconversão do substrato, já que em processo anaeróbio teoricamente a fermentação só ocorre na fração orgânica do substrato. A concentração de sólidos refere-se ao resíduo total presente no substrato, quer seja de origem orgânica ou inorgânica, e é um indicador da massa total a ser tratada. Como no processo anaeróbio a bioconversão só irá acontecer na fração teoricamente orgânica do substrato, quanto maior a concentração de sólidos totais voláteis maior, também, deverá ser a taxa de bioconversão do resíduo (Leite & Povinelli, 1999). Segundo Tchobanoglous et al. (1993), a concentração de sólidos define duas alternativas de tratamento anaeróbio: 9 tratamento anaeróbio com baixa concentração de sólidos que é caracterizado pelo teor de sólidos variando entre 4 e 8%, sendo utilizado principalmente para a geração de gás metano; 9 tratamento anaeróbio com alta concentração de sólidos onde o teor de sólidos situa-se em torno de 22% e visa principalmente a recuperação da energia da biomassa. O processo de digestão anaeróbia vem sendo utilizado para o tratamento de vários despejos, especialmente aqueles com alta carga orgânica, pois apesar de requerer um período de tempo relativamente longo para sua estabilização ela apresenta como subprodutos compostos com boas características de agente condicionador do solo e uma fonte de energia alternativa advinda da produção de metano. OBJETIVO Este trabalho tem como objetivo analisar o comportamento dos sólidos totais e sólidos totais voláteis presentes nos resíduos sólidos vegetais e lodo de esgoto sanitário tratados em um reator anaeróbio de batelada monitorado com alta concentração de sólidos. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho experimental foi realizado de janeiro a outubro de 2001 nas dependências da Estação Experimental de Tratamento Biológico de Esgotos Sanitários (EXTRABES), na cidade de Campina Grande-PB (7º13’11’’ S, 35º52’31’’ O, 550 m acima do nível do mar), nordeste do Brasil. O sistema experimental era constituído por um reator anaeróbio de batelada, construído de fibra de vidro, em forma de cone, com base de sustentação metálica. A altura do reator é de 1,65 metros, o diâmetro de 1,54 metros e tem capacidade unitária de 2200 litros. No reator foram instalados os seguintes dispositivos, dispositivo para medir o biogás, dispositivo para coleta de biogás, dispositivo para recirculação de percolado e dispositivo para coleta de percolado. Na Figura 1, apresenta-se o esquema do reator anaeróbio de batelada e os diversos dispositivos complementares. 2 [8 RSO × ®2 + ® 1 LES 5 3 4 ⊗7 × 6 Figura 1 – Esquema do reator utilizado no trabalho experimental 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Dispositivo para medir o biogás; Dispositivo para coleta de biogás; Dispositivo para recirculação de percolado; Dispositivo para coleta de percolado; Filtro; Reservatório de equalizador; Bomba peristáltica; Distribuidor de fluxo. Na Tabela 1 são apresentados os principais parâmetros operacionais do reator. TABELA 1 – Parâmetros operacionais VR (L) MRSU (Kg) MLES (Kg) CO (Kg/M3) TU (%) TOP (Dias) Proporção RSU/LES (%) MDQO (Kg) 2200 1057,6 264,4 601 80 270 80/20 114,3 RSU: resíduos sólidos vegetais; CO: carga orgânica; TU: teor de umidade; TOP: tempo de operação. A fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos orgânicos e o lodo de esgoto sanitário eram dispostos no pátio do laboratório, objetivando atingir o percentual de umidade desejável que era de 80%. A caracterização física e química realizada na massa “in natura” da fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos e na massa de lodo de esgoto sanitário. Após a caracterização química, os resíduos eram devidamente misturados na proporção de 80 e 20% de fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos e lodo de esgoto sanitário, resultando no que neste trabalho passou a se chamar de substrato. Para efeito de definição dos parâmetros operacionais realizava-se por diversas vezes a homogeneização do substrato, e coletava-se amostras para caracterização química do substrato. Conhecendo-se os principais parâmetros químicos do substrato, foi procedido o carregamento do reator. Depois de realizado o carregamento do reator, foi instalado e aferido os dispositivos complementares de todo o aparato experimental e em seguida lacrado o reator. O lacramento do reator foi realizado com uma tampa de fibra de vidro dimensionada para tal e devidamente atarrachada com parafusos em toda extensão perimetral da borda superior do reator. Na parte central e inferior da tampa foi instalado dispositivo para circulação do percolado, enquanto na parte superior foram construídos dispositivos para saída de biogás. No dispositivo de saída do biogás 3 existia uma intersecção, onde realizava-se a coleta do biogás para análise cromatográfica. Na base inferior interna do reator foi construída uma base filtrante, com brita de diferentes granulometria, objetivando evitar a obstrução da saída do percolado. A saída do percolado era realizada por uma tubulação acoplada a uma conexão instalada na base inferior, logo após o leito filtrante. A uma determinada distância da tubulação condutora do percolado foi instalado um registro que controlava o fluxo de percolado descarregado do reator. Com freqüência quinzenal se abria o registro de tubulação de percolado e deixava-se fluir totalmente todo o percolado acumulado na base inferior do reator. O percolado descarregado era quantificado e armazenado em um depósito de equalização, para posterior adução para o reator UASB. O efluente do reator UASB retorna por adução forçada para o reator de batelada através do dispositivo de distribuição de percolado. O dispositivo de distribuição de percolado foi projetado para fazer com que todo o percolado efluente do reator UASB fosse distribuído uniformemente em toda a massa de resíduo. O percolado afluente do reator anaeróbio de batelada e efluente do reator UASB era caracterizado uma vez por semana, sendo muitas vezes realizada análise com maior freqüência, objetivando controlar determinados problemas operacionais. As análises física e química, do percolado eram realizadas em consonância com os métodos preconizados por APHA (1995). O biogás produzido era quantificado continuamente e caracterizado uma vez por semana. Na Tabela 2 apresenta-se os principais parâmetros operacionais aplicados ao reator. TABELA 2 - Principais parâmetros operacionais aplicados ao reator Fração Parâmetro analisado Método empregado pH potenciométrico ST e suas frações gravimétrico Sólida DQO, PT espectrofotometria NTK micro Kjedahl pH potenciométrico ST e suas frações gravimétrico Líquida AT e AGV Titulação potenciométrica DQO, PT espectrofotometria micro Kjedahl NTK e N-NH4+ Gasosa volume produzido deslocamento de volume de água igual Freqüência de coleta Quando da alimentação e descarregamento dos reatores quinzenalmente diariamente Terminado o período de monitoração que neste trabalho foi de 270 dias, o reator foi descarregado, sendo realizado a quantificação do peso especifico dos resíduos parcialmente bioestabilizado no interior do reator, além da caracterização físico e química, determinando-se os mesmos parâmetros da massa “in natura”. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 3 são apresentadas as massas de sólidos totais (ST), sólidos totais voláteis (STV) e o teor de umidade no resíduo “in natura” e no resíduo parcialmente bioestabilizado descarregado do reator após 270 dias de monitoração. TABELA 3 – Dados quantitativos da massa “in natura” e parcialmente bioestabilizado de sólidos totais, sólidos totais voláteis e teor de umidade Características do Resíduo“in Característica do resíduo Parcialmente Parâmetro natura” Bioestabilizado ST (Kg) 264,5 133,0 STV (Kg) 221,4 114,3 Umidade (Kg) 1058,0 887,4 Analisando-se os dados da Tabela 3, dos 264,5 Kg da massa de sólidos totais, 83,6% correspondia a massa de sólidos totais voláteis. Pode-se constatar também uma eficiência de redução da massa de sólidos totais e sólidos totais voláteis de 51,0 e 68,7%, respectivamente. 4 Na eq. 1 é mostrado um modelo cinético para avaliar a massa de sólidos totais voláteis transformada, baseando-se em uma constante de primeira ordem (Leite, 1997). O decaimento e/ou transformação dos sólidos totais voláteis ao longo do período de monitoração é apresentado na Figura 2. STVf = STVi · e -k t equação (1) Em que: STVf – massa de sólidos totais voláteis presente, em um tempo t; STVi – massa inicial de sólidos totais voláteis; K – constante de bioestabilização de primeira ordem (dias-1); T – tempo de operação (dias). Nas Figuras 2 e 3, é apresentado o comportamento e evolução temporal da concentração de sólidos totais e sólidos totais voláteis no percolado durante o período de monitoração do reator. 60000 STV (mg/L) ST (mg/L) 50000 40000 30000 20000 10000 0 0 30 60 40000 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 90 120 150 180 210 240 270 0 30 60 Tempo (dias) 90 120 150 180 210 240 270 Tempo (dias) Figura 2 - Comportamento e evolução temporal da concentração de ST Figura 3 - Comportamento e evolução temporal da concentração de STV Analisando-se o comportamento dos dados apresentados na Figura 2, observa-se um decréscimo constante na concentração de sólidos totais ao longo do período de monitoração. A elevada concentração de sólidos totais nos primeiros líquidos percolados produzidos é devida as fases de hidrólise e acidogênese que ocorre durante o processo de bioestabilização dos resíduos sólidos orgânicos. Esta elevada concentração de sólidos totais também pode estar associada a lixiviação de parte do material sólido, durante a circulação do esgoto. Constata-se ainda uma eficiência de redução de sólidos totais de 86% para o tempo de detenção de 270 dias. 1200 1000 STV (kg) Biogás (litros) Reportando-se aos sólidos totais voláteis apresentados na Figura 3, observa-se um comportamento semelhante ao dos sólidos totais apresentados na Figura 2. Tomando-se como referência o tempo de detenção de 270 dias, constatou-se uma eficiência de transformação de 89%. 800 600 400 200 0 245 210 175 140 105 70 35 0 0 0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 Tempo (dias) Figura 4 - Comportamento e evolução temporal do volume de biogás 30 60 90 120 150 180 210 240 270 Tempo (dias) STVr STVt STVr- concentração sólidos totais voláteis no reator; STVt- concentração de sólidos totais voláteis transformada. Figura 4 - Decaimento/converção dos STV ao longo do período de monitoração 5 Analisando-se os dados plotados na Figura 4, constata-se que o volume de biogás produzido foi bem menor do que o teoricamente esperado. Os 1.200 litros de biogás produzidos continham em média 60% de CH4, logo a taxa de produção de metano foi de apenas 0,02m3 CH4 por Kg de DQO removida. A pequena produção de metano justificase pela retirada de boa parte do percolado, inclusive o que continha a fração teoricamente mais facilmente biodegradável do substrato,que foi utilizada para alimentar um reator do tipo UASB, que era utilizado para controlar o teor de umidade embora funcionasse como agente catalisador do processo, continha uma quantidade insignificativa de DQO,em comparação com a DQO do percolado. Analisando-se o comportamento da Figura 2 pode-se constatar que com 160 dias de monitoração, 50% dos sólidos totais voláteis tinham sido transformados e para transformar 95% destes sólidos seria necessário um tempo de retenção em torno de 700 dias. CONCLUSÕES As maiores remoções de sólidos totais e sólidos totais voláteis ocorreram nos primeiros dias de monitoração do reator. As remoções de sólidos totais e sólidos totais voláteis foram de 51,0 e 68,7 respectivamente, com o tempo de operação de 270 dias. O tratamento anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos proporciona a redução dos impactos ambientais causados pelos lixões, além de contribuir para preservação dos recursos naturais. AGRADECIMENTOS Os autores deste trabalho agradecem a FINEP/PROSAB pelo apoio financeiro e ao CNPq pela concessão de bolsas de pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APHA, AWWA, WPCF (1995). Standard methods for examination of water and wastewater. 19th ed. Washington. 1134 pp. Associação Brasileira De Normas Técnicas - ABNT. NBR 10.004 (1987). Resíduos Sólidos – classificação. Rio de Janeiro. 63 pp. CEMPRE, compromisso empresarial. Disponível em: < www.cempre.org.br > Acesso em: 04 jul. 2002. Fundação Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. Censo Demográfico 2000. Disponível em: < www.ibge.gov.br/ibge/estatística/população/censodem > Acesso em: 13 mar. 2002. Leite, V. D. & Povinelli, J. (1999). Comportamento dos sólidos totais no processo de digestão anaeróbia de resíduos sólidos urbanos e industriais. Revista Brasileira de engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande – PB, v. 3, n. 2, p. 229232. Leite, V. D. (1997) Processo de tratamento anaeróbio de resíduos sólidos urbanos inoculados com lodo de esgoto industrial. São Carlos: EESC/USP. 250p. Tese Doutorado. Tchobanoglous, G. T.; Theisen, H..; Vigil, S. A. (1993) Integrated solid waste management issues. New York: McGraw-Hill. 978p. 6