RECUPERAÇÃO JUDICIAL:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O
CASO VARIG, RIO SUL LINHAS AÉREAS E NORDESTE
LINHAS AÉREAS
Leonardo Arquimimo de Carvalho
Sumário: 1 - Apresentação; 2 - Recuperação judicial, concordata e
empresas aéreas; 3 - O Caso Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e
Nordeste Linhas Aéreas S.A.; 4 - Considerações finais.
1 - Apresentação
As companhias Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas
Aéreas S.A. são pessoas jurídicas distintas e independentes que atuam em
conjunto desde o ano de 2002, e têm como atividade econômica preponderante
o transporte aéreo de passageiros e cargas, além de outras atividades conexas
ao setor explorado pelas empresas, como engenharia e manutenção de aviões.
A Varig foi fundada em 1927, e atua no mercado brasileiro e também no
internacional. No Brasil, a Varig oferta em média 289 vôos diários para 36
destinos, para o exterior são vôos para 23 destinos além de outras conexões e
destinos decorrentes do acordo Star Alliance. É considerada uma das
empresas mais importantes do setor no Brasil e absolutamente relevante num
sentido estratégico em função do mercado que explora.
A Varig S.A., em conjunto com as companhias Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e
Nordeste Linhas Aéreas S.A., possui um conjunto de 78 aeronaves e 59
destinos. Geram 11.967 empregos e em conjunto com as subsidiárias 19.113,
dos quais 95% no Brasil. Indiretamente, são gerados, aproximadamente, 180
mil empregos.
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O setor de aviação civil é extremamente importante, já que integra a infraestrutura do Estado. O setor econômico referido possibilita um grande
desenvolvimento econômico por intermédio da aceleração no processo de
circulação de riquezas. O transporte de pessoas e cargas feito por via aérea
diminui custos, acelera o processo produtivo, diminui distâncias, dinamiza o
tempo, conecta espaços econômicos afastados, amplia o mercado do setor
turístico, dentre outras externalidades positivas observadas.
As empresas têm faturado mais de R$ 7,5 bilhões em receitas líquidas de vôos
e são responsáveis pelo transporte de mais de 13,8 milhões de
passageiros/ano. Contudo, nos últimos anos, as empresas acumularam
prejuízos importantes, que hoje são calculados em mais de R$ 8 bilhões. As
dificuldades conduziram as empresas para a busca de alternativas suficientes à
diminuição dos custos de operação e a uma melhora nos seus padrões de
organização.
De qualquer forma, no dia 17 de junho de 2005, oito dias depois do início da
vigência da Lei nº 11.101/05 e dos dispositivos da Lei Complementar nº 118/05,
as companhias Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas
Aéreas S.A. requereram a aplicação do instituto da Recuperação Judicial. No
dia 22 de junho de 2005, o Juízo da 8ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de
Janeiro (RJ) deferiu o pedido de processamento da Recuperação Judicial das
requerentes.
A medida trouxe, num primeiro momento, um certo alento ao mercado, que
imaginava num período subseqüente a reestruturação, em diversos setores das
devedoras, possibilitando uma redução ou um adiamento de uma crise maior. A
lista de credores e problemas, contudo, parecia relativamente extensa, o que
dificultava o processamento e o adimplemento das obrigações. O período de
crise e a demonstração contundente de que as empresas necessitavam de
algum tipo de medida extremada parecia flagrante e o resultado foi exatamente
a solicitação do pedido de processamento da recuperação das empresas.
Com o deferimento do pedido e com o recebimento do Plano de Recuperação
Judicial, as devedoras permaneceram durante 180 dias isentas das ações
judiciais de cobrança. Mesmo antes do vencimento do prazo legal, os credores
e acionistas passaram a discutir judicialmente a viabilidade da recuperação. Na
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data de 15 de dezembro de 2005, os acionistas pleitearam, sem a aprovação
da Assembléia dos Credores, a desistência da recuperação e passaram a
assumir o risco precipitado da decretação da falência. No dia 23 de fevereiro de
2006, a Assembléia dos Credores considerou adequado o Plano de
Recuperação Judicial das devedoras e o mesmo foi aprovado.
2 - Recuperação Judicial, Concordata e Empresas Aéreas
Com alguma freqüência, quando uma determinada sociedade empresária tem
dificuldades no adimplemento de suas obrigações, e esta limitação passa a ser
abrangente, alguns institutos jurídicos podem ser instrumentalizados com o
objetivo de amainar os eventuais problemas advindos da limitação. Os
institutos da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência
têm em suas justificantes básicas um conjunto de razões que são efetivamente
garantidoras de segurança creditícia num momento de remotas possibilidades
de êxito satisfativo.
A recuperação judicial é uma medida que possui o objetivo de permitir o
adimplemento das dívidas da sociedade empresária, por intermédio da
manutenção da circulação de riquezas. Assim, a possibilidade de manter a
atividade empresarial ativa permitiria a adoção de um conjunto de medidas
suficientes ao atendimento dos credores com a manutenção do emprego e sem
a suspensão ou a extinção da atividade principal do devedor. Os objetivos
atendidos pelo adiamento da decretação da falência são inestimáveis para o
devedor e podem ser o limite que define ou não a sua permanência na
condição de empresário 251. 'Do exposto nos números anteriores ressaltam e
avultam a necessidade e as vantagens da concordata preventiva. Obstando a
fallencia, com todo o seu cortejo de diminuições patrimoniaes, e os rigores que
lhe são inherentes, a concordata preventiva, com offerecer ao devedor meio de
subtrahirse á indignidade, que o sentimento social lhe attribue por ser fallido, e
ás restricções pessoaes desse estado decorrentes, é também vantajosa para
os credores e de indiscutível interesse publico.' Soares De Faria, S. Da
concordata preventiva da fallencia. São Paulo: Saraiva, 1932, p.16-17.
A adoção deste procedimento permite uma ampliação importante das
oportunidades de satisfação de todos os credores com a permanência do
agente econômico devedor no mercado. A medida judicial favorável possibilita
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uma reorganização das atividades empresariais, algumas vezes, sem prejuízos
importantes para os interessados e compreende um conjunto de medidas de
importância geral e de custos coletivos e sociais consideráveis. A recuperação
judicial deve ser sopesada em função de um conjunto de variáveis que
determinam a capacidade de que uma atividade empresarial vir a tornar-se
novamente viável.
A recuperação extrajudicial representa outra possibilidade facultada pela norma
que flexibiliza a reorganização das atividades do devedor. Nesta hipótese, os
credores buscam em conjunto com o empresário encontrar uma solução para a
crise, reorganizando seus vínculos, mesmo que uma parcela minoritária não
concorde com a medida. Ainda, há a possibilidade de que a homologação do
plano de recuperação ocorra ou não e tal medida decorre do percentual de
credores envolvidos no procedimento. Na prática, ambas as medidas têm os
mesmos objetivos e se processam de forma institucionalizada.
A utilização do instrumento jurídico da recuperação de empresa judicial ou
extrajudicial é relativamente simples e parte de um conjunto de premissas de
boa-fé que une os agentes econômicos. Os interesses que envolvem estas
medidas são geralmente superiores aos que envolvem credores e devedores.
A manutenção de uma determinada atividade econômica, conforme descrito, é
freqüentemente a garantia da existência de meios para permanecer no
mercado sem que haja um afastamento das fontes geradoras de riquezas,
além da manutenção do emprego e da renda de um grupo de trabalhadores.
O instrumental jurídico utilizado até junho de 2005, para buscar recompor a
atividade empresarial, era centrado na chamada concordata, que poderia ser
adotada antes da decretação da falência - concordata preventiva - ou em
período subseqüente à adoção de um regime falimentar, adiando o mesmo concordata suspensiva 252. Na prática, ainda havia uma terceira modalidade
observada nas ações adotadas pelos devedores que era nomeada como
concordata amigável. A modalidade da concordata amigável era considerada
pela lei anterior um indício de fraude contra os credores ou uma demonstração
de debilidade econômica importante, suficiente para a decretação da falência
253. A restrição estabelecida pela norma conduzia os credores a uma ação
mais restritiva e baseada no contencioso judicial 254. 'Art. 139. A concordata é
preventiva ou suspensiva, conforme for pedida em juízo antes ou depois da
declaração da falência.' Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. 'Art. 2.º
Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante: (...) III - convoca
credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens.'
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Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. O Decreto nº 917, de 24 de
outubro de 1890, permitia que credores e devedores entabulassem
negociações diretas, exigindo tão-somente a homologação judicial, com o
objetivo de estabelecer a concordata preventiva extrajudicial; já a Lei nº 2.024,
de 17 de novembro de 1902, negava a possibilidade de uma negociação direta
e a concordata preventiva extrajudicial deixou de ser permitida. Com o advento
do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, a concordata passou a ter a
característica de favor judicial concedido pelo juiz e os credores foram
desincumbidos da responsabilidade de aceitarem ou não a aplicação do
instituto. Almeida, Amador Paes. Curso de Falência e Concordata. 18.ed. São
Paulo: Saraiva, 2000, p.384-385.
No regime da legislação anterior, as fraudes muito freqüentes conduziram o
instituto da concordata ao descrédito. Não raro os bens do patrimônio da
sociedade empresarial eram transferidos para terceiros ou havia a alienação do
patrimônio da empresa no período que antecedia o pedido de concordata,
ocorriam fraudes em promessas de compra e venda, e a cessão e a dação em
pagamento objetivavam o eventual contorno do sistema de concurso universal
ou, ainda, reiteradamente o pedido da concordata estava alicerçado em
documentação fraudulenta, proveniente de arranjos contábeis com o
conseqüente aumento de capital.
As empresas que exploravam serviço aéreo de qualquer natureza não
gozavam, sob a égide das leis anteriores, dos privilégios do regime
concordatário. As razões que motivavam o impedimento estavam associadas à
eficiência na navegação aérea, à regularidade e à precisão. Segundo o
Decreto-Lei nº 669, de 3 de julho de 1969, a empresa de navegação aérea
poderia ter eficiência, isto é, segurança, regularidade e precisão, com a
demonstração da capacidade técnico-econômico-financeira que permitisse
planejamento, execução, manutenção, supervisão e controle, para a perfeita
sustentação de serviços, a impontualidade não poderia receber a tutela
normativa 255. 'Art. 1º. Não podem impetrar concordatas as empresas que,
pelos seus atos constitutivos, tenham por objeto, exclusivamente ou não, a
exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura
aeronáutica.' Decreto-Lei nº 669, de 3 de julho de 1969.
Assim, os motivadores da limitação estavam associados a um eventual nexo de
causalidade entre pontualidade e eficiência técnica ou na associação entre
dificuldade financeira e possibilidade da perda de confiabilidade. A Lei nº 7.565,
de 19 de dezembro de 1986, mantinha disposição com limitação semelhante
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256; porém, há um amainamento das teses pontualidade/eficiência. Assim, a
norma mantinha a possibilidade de intervenção, por intermédio do Poder
Executivo, com o objetivo de assegurar a continuidade, a eficiência e a
segurança do transporte aéreo, desde que fosse demonstrada a viabilidade da
atividade econômica. A hipótese contrária possibilitaria a determinação da
liquidação extrajudicial ou o requerimento da decretação de falência,
dependendo dos ativos acumulados e os eventuais créditos existentes 257.
'Art. 187. Não podem impetrar concordata as empresas que, por seus atos
constitutivos, tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer
natureza ou de infra-estrutura aeronáutica.' Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de
1986. 'Art. 188. O Poder Executivo poderá intervir nas empresas
concessionárias ou autorizadas, cuja situação operacional, financeira ou
econômica ameace a continuidade dos serviços, a eficiência ou a segurança do
transporte aéreo. § 1º. A intervenção visará ao restabelecimento da
normalidade dos serviços e durará enquanto necessária à consecução do
objetivo. § 2º. Na hipótese de ser apurada, por perícia técnica, antes ou depois
da intervenção, a impossibilidade do restabelecimento da normalidade dos
serviços: I - será determinada a liquidação extrajudicial, quando, com a
realização do ativo, puder ser atendida pelo menos a metade dos créditos; II será requerida a falência, quando o ativo não for suficiente para atender pelo
menos a metade dos créditos, ou quando houver fundados indícios de crimes
falenciais.' Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986.
A Lei nº 11.101/05 estabeleceu, no art. 198, que os devedores proibidos de
requerer concordata, em função de legislação específica, permanecem
proibidos de requerer a recuperação judicial ou extrajudicial. Contudo,
ressalvou no art. 199 a possibilidade de que as sociedades descritas no art.
187 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passassem a fazer uso do
instituto da recuperação judicial. Assim, as empresas Varig S.A., Rio Sul Linhas
Aéreas S.A. e Nordeste Linhas
Aéreas S.A., ou devedoras, garantiram por intermédio na nova lei a
possibilidade de fazer uso do regime.
Aqui um casuísmo importante é observado na norma. Depois de um longo
período de discussões, ocorreu uma modificação no projeto de lei com o
objetivo de resgatar as empresas aéreas em crise. Dois pontos de vista
preponderavam e mesmo no Executivo o Presidente e o Vice-Presidente da
República tinham posicionamentos distintos. Acabou preponderando a tese do
Vice-Presidente - e também Ministro da Defesa, à época - que vinha
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acompanhando com mais profundidade as discussões sobre a crise aérea. A
possibilidade da moratória dos empreendimentos aéreos era, contudo,
assustadora para determinados setores com grandes aportes de capital.
Historicamente, a impossibilidade do uso do instituto da concordata era
decorrente de uma idealização negativa de que a dificuldade financeira
possibilitava uma ampliação dos riscos de acidentes ou tornava mais
vulnerável o setor. Já num segundo momento, aparentemente, a norma
mantinha a limitação em função de uma percepção sobre os riscos econômicoestratégicos da concordata ou mesmo da falência. Já a ampliação da
possibilidade da norma atual tem origem nas dificuldades quase que universais
do setor aéreo. Porém, no Brasil, as dificuldades parecem originadas noutras
razões 258. Efetivamente, existe um conjunto de elementos considerados
relevantes na ampliação da crise das devedoras; contudo, não há uma a
clareza em torno deles e efetivamente podem ser meramente especulativos.
São elencados como os mais importantes: I) créditos para compra de
aeronaves em ienes e a valorização da moeda japonesa nos anos 80 e 90; II)
informatização das agências nos anos 80 financiadas pela própria empresa
num período de reserva de mercado; III) operação em linhas deficitárias como
parte da estratégia do Estado para conectar a África e a América Latina; IV)
defasagem no preço das tarifas nos Governos Collor e Sarney; V) aumento nos
custos de insumos; VI) gestão desligada dos preceitos do mercado e um
número de funcionário excessivo - em 2003, a Varig tinha em média 201
funcionários para cada avião, enquanto a TAM possuía 88 -; VII) governança
corporativa - em 2005, 100 pessoas estavam habilitadas a distribuir
gratuitamente bilhetes; VIII) salários desvinculados das horas de vôo e
superiores aos do mercado; IX) o fundo Aerus de Previdência Complementar;
X) contingências de ocasião - sanitárias, bélicas, mercadológias internacionais.
Lobato, Elvira; Lage, Janaina. Viés estatal-sindicalista afunda Varig. Folha de
S. Paulo, São Paulo, 23 abr. 2006. Dinheiro, p. B 4.
O casuísmo também beneficiou grandes investidores, bancos, empresas
fabricantes de aeronaves e de turbinas, empresas de arrendamento mercantil,
em sua quase totalidade sitiados no setor de sustentação de financiamento do
setor aéreo. O § 3º do art. 49, acrescido do parágrafo único do art. 199 da Lei
nº 11.101/05, garante que em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício
dos direitos advindos dos contratos de leasing, excetuando aqueles essenciais
à atividade empresarial, pelo prazo de 180 dias.
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3 - O Caso Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas
Aéreas S.A.
Os problemas no setor aéreo brasileiro não são recentes. O desaparecimento
de tradicionais, empresas como a Vasp e a Transbrasil, além da crise nas
companhias em operação são representativos de mais de duas décadas de
dificuldades econômicas, restrições no mercado interno e internacional e de
políticas públicas fiscalistas e antiliberais. Na busca de soluções mais
ampliadas para os problemas no setor aéreo, as devedoras buscaram, no
começo do ano de 2003, uma aproximação destinada à formação de uma
holding de capital aberto com a empresa TAM.
Para tanto foi estabelecido um conjunto de medidas necessárias para a
aprovação do acordo inicialmente operacional. Logo, foram exigidas: I)
abstenção da devolução de aeronaves arrendadas ou financiadas; II)
abstenção da unificação de políticas comerciais; III) abstenção da troca de
informações sobre preço; IV) abstenção de inovar nas medidas firmadas até
aquele momento; V) informar ao poder público as medidas eventualmente
adotadas; e VI) manter a separação nas operações em solo, utilizando o code
share tão-somente para compartilhar as aeronaves 259. AC nº 08012001291/2003-87. Requerentes: Varig S.A. - Viação Aérea Rio-Grandense e
TAM Linhas Aéreas S.A. Relator: Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado.
Conselho
Administrativo
de
Defesa
Econômica.
Disponível
em:
<<http://www.cade.gov.br>. Acesso em: 28 jan. 2006.
Durante o ano de 2003, as requerentes mantiveram o acordo e atuaram de
forma compartilhada no mercado. Em maio de 2004, a Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE) apresentou uma Nota Técnica na qual
recomendava a revogação do Acordo de Preservação da Reversibilidade da
Operação e a proibição das operações conjuntas. Contudo, somente em
janeiro de 2005 as requerentes, reunidas com o Conselho Administrativo de
Direito Econômico (CADE) e com a Procuradoria do CADE, declararam não ter
mais interesse na concentração econômica 260. Ainda em 2003 e 2004 e no
período subseqüente, a crise na Varig passou a ser mais ampla e os credores
passaram a suspender o fornecimento de insumos necessários para a
empresa. O recurso a uma medida mais contundente foi assim uma das saídas
buscadas pela Varig para reorganizar as suas atividades. Idem, ibidem.
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De qualquer maneira, o caso Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste
Linhas Aéreas S.A. é paradigmático, já que demonstra a dificuldade flagrante
observada no processamento da recuperação judicial. Conforme descrito pelas
devedoras, ato contínuo à utilização do instrumento legal, um conjunto enorme
de dificuldades já existentes foi ampliado. A condição dada pela norma que
amplia a possibilidade de solução dos problemas financeiros não se deu de
forma tão simples e o adiamento do pagamento não foi suficiente para garantir
o retorno da empresa à sua condição de normalidade econômica 261. Varig,
Rio Sul e Nordeste. Plano de Recuperação Judicial. Disponível em:
<<http://finanças.varig.com.br>. Acesso em: 25 jan. 2006.
O deferimento do pedido de processamento da Recuperação Judicial
assegurou um conjunto de garantias temporais às devedoras, acrescido de
uma ampliação da possibilidade de reestruturar muitos dos setores
considerados problemáticos. Efetivamente, as empresas aéreas, conforme
sustentam as devedoras, tiveram grandes dificuldades nos últimos anos em
função de contingências institucionais, econômicas, financeiras, operacionais,
sanitárias, bélicas, dentre outras, internas ou internacionais. Igualmente, o
cenário interno é considerado inóspito para a atividade empresarial em função
do modelo tributário, trabalhista e econômico.
De qualquer maneira, inicialmente as devedoras estabeleceram dois conjuntos
de medidas - de ordem operacional e de ordem financeira - descritas no plano
de recuperação. No primeiro caso, informaram pretender buscar a adoção de
um conjunto de medidas que pudessem melhorar a qualidade e a racionalidade
das ações mercadológicas, permitindo um comportamento mais competitivo,
otimizado e com custos adequados à prestação do serviço. Como se
depreende da leitura do agravamento da situação financeira das devedoras,
freqüentemente os problemas enfrentados pelas empresas em situação préfalimentar são de natureza exógena e na sua grande maioria inescapáveis.
Assim, poucas alternativas restam para as empresas senão uma reorganização
completa das suas atividades 262. 'As medidas identificadas no Plano de
Reestruturação Operacional estão incorporadas ao Plano de Negócio das
Companhias para o período de 2006 a 2010 e são baseadas nas seguintes
iniciativas-chave: Fortalecimento da atual posição da Varig no mercado
internacional; manutenção e fortalecimento da posição da Varig no mercado
doméstico; Criação de uma clara estrutura de hub no Aeroporto Internacional
de Guarulhos ('GRU'), próximo à cidade de São Paulo, a fim de aumentar o
poder de conectividade, desta forma atraindo tráfego adicional; Reestruturação
e harmonização da frota de aeronaves para reduzir os custos unitários e
aumentar a eficiência operacional; Melhoria do gerenciamento da receita de
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forma compatível com a posição competitiva; Fortalecimento organizacional e
da responsabilidade estratégica de tomada de decisão para alcançar metas e
assegurar a aderência das ações aos planos; Definição clara das estruturas
organizacionais, interfaces e responsabilidades dentro das Companhias e com
as empresas por elas controladas; Otimização de processos a fim de melhorar
a eficiência e produtividade em todas as áreas; Redução dos custos de pessoal
de forma compatível com a estrutura otimizada das Companhias, bem como o
seu alinhamento às condições de mercado; Melhoria de produtos e serviços a
clientes e reconquistar participação de mercado; e Estabelecimento de
cooperações e alianças relevantes e intensificar as alianças atuais para
fortalecer a rede e o produto.' Varig, Rio Sul e Nordeste. Plano de Recuperação
Judicial. Disponível em: <<http://financas.varig.com.br>. Acesso em: 25 jan.
2006, p.18-19.
A proposta de recuperação financeira envolve um trabalho mais ampliado de
reorganização das dívidas e dos créditos das empresas. Neste cenário, fica um
pouco mais clara a percepção das dificuldades enfrentadas pelas empresas em
função dos custos, dos encargos sociais e tributários envolvidos na atividade
de exploração do setor aéreo. De qualquer forma, a proposta busca neste
particular assegurar, por intermédio de um conjunto de ações judiciais e
compensação de passivos existentes, o reequilíbrio das finanças das empresas
263. A reestruturação financeira proposta objetiva: criação de uma nova
companhia, eficiente e capitalizada, para transferir uma parte dos negócios das
devedoras; venda de ativos com o objetivo de arrecadar novos recursos e a
recuperação; repactuar os débitos existentes com o fundo de pensão AERUS;
utilização de eventuais valores advindos das ações judiciais decorrentes do
congelamento de preços das tarifas contra a União Federal e a utilização de
créditos advindos do ICMS pago indevidamente entre 1989 e 1994, para
compensar com os passivos devidos ao Estado na forma de créditos
previdenciários e tributários; utilização de eventuais valores advindos das
ações judiciais contra a INFRAERO e a União decorrentes de repetição de
indébito; reestruturação dos créditos trabalhistas, dos créditos com garantia
real e dos créditos sem garantia. Varig, Rio Sul e Nordeste. Plano de
Recuperação Judicial. Disponível em: <<http://financas.varig.com.br>. Acesso
em: 25 jan. 2006, p.46-53.
Em síntese, é possível identificar as seguintes medidas, operacionais ou
financeiras, no Plano de Recuperação Judicial das devedoras: I) acesso a
fontes de liquidez provisórias durante o processo de recuperação; II)
implementação de medidas para melhorar os resultados operacionais; III)
alinhamento das condições de trabalho e remuneração; IV) transferência das
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operações das devedoras para uma nova entidade que se enquadra na
condição de unidade isolada de negócios; V) retenção pelas devedoras de uma
parte das operações dos direitos relacionadas às ações judiciais propostas
contra a União Federal e os Estados; VI) celebração de consórcio entre as
devedoras e a nova companhia a ser criada; VII) obtenção de novos recursos
financeiros pela nova companhia através de investidores estratégicos; VIII)
pagamento das prestações periódicas na medida da disponibilidade de caixa,
conforme o regime universal, iniciando pelos créditos menores até que
remanesçam os de maior valor; IX) concessão de oportunidades aos maiores
credores, conversão ou trocas de créditos por valores mobiliários; X) venda de
ativos para obter liquidez que permita o pagamento dos credores; XI)
manutenção dos acionistas das devedoras com participação na nova
companhia e nas antigas 264. Idem, p.15-16.
O conjunto de medidas iniciais almejava um acesso às fontes de liquidez
imediatas, necessárias em função das restrições de caixa. A solicitação do
pedido de recuperação judicial produziu no caso das devedoras um
agravamento da perda de liquidez e, como conseqüência, uma restrição ao
acesso de linhas de crédito. A ação de fornecedores, que passaram a exigir
pagamentos à vista e antecipados, do Banco do Brasil e de outros credores
internacionais, que cessaram a antecipação dos recebíveis de cartão de
crédito, e das câmaras de compensação internacional, que exigiram a
antecipação de pagamentos e reforços dos depósitos em garantia, contribuíram
para redução de caixa das devedoras 265. Idem, p.17.
O pagamento de vencimentos imediatos com arrendadores, fornecedores e
empregados foram atrasados em função da falta de liquidez, e as devedoras
tiveram que adiar o cumprimento de suas obrigações em suas rotas pela falta
de manutenção das aeronaves, e como conseqüência tiveram uma nova
restrição em suas receitas. Aqui é apontada uma primeira dificuldade da
recuperação judicial. A destempo da aceitação judicial, não há garantias de que
o mercado vá aceitar a medida e irá apoiar os empreendimentos já
economicamente combalidos, por intermédio de condutas ordinárias. Os meios
convencionais de acesso ao crédito são limitados, já que a eminência da
decretação da falência aumenta a possibilidade da inadimplência completa.
Conforme discutido, as medidas preventivas e suspensivas da lei anterior
tiveram no seu uso uma destinação, com freqüência, fraudulenta; assim, o
instrumento perdeu uma parcela importante de eficácia. No cenário econômico,
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ainda há alguma restrição às ações de apoio convencional aos
empreendimentos em situação de risco. Juridicamente, não há na Lei nº
11.101/05 instrumento que garanta um tratamento semelhante àquele adotado
em relação a empreendimentos saudáveis ou vigorosos. Contudo, não se
descarta a possibilidade de que por intermédio de alguma ação ordinária se
exija um tratamento que seja suficientemente não discriminador.
O segundo conjunto de medidas envolvendo a recuperação judicial das
devedoras pode ser sintetizado na chamada melhora dos resultados
operacionais com base num Plano de Reestruturação Operacional. A medida
não representa uma grande inovação e integra o conjunto de estratégias de
uma empresa no mercado. A legislação, neste caso, permaneceu silente em
relação às possíveis modificações de natureza operacional que melhorassem
as condições da exploração econômica. As particularidades de cada setor
econômico não permitiram um detalhamento sobre as formas de manifestação
das modificações operacionais. De qualquer forma, o art. 50 da Lei nº
11.101/05 elencou um rol meramente ilustrativo de meios.
Ainda, um dos grandes problemas enfrentados pelas empresas se refere às
dificuldades na área trabalhista. Com o objetivo de reduzir custos, desde 2002,
já haviam sido demitidos mais de 2,6 mil empregados. Neste particular, a
proposta conseqüente, descrita no Plano de Recuperação Judicial, diz respeito
à adequação das condições de trabalho e remuneração nas devedoras com
aquelas praticadas no mercado por outras companhias áreas, com o objetivo
de melhorar a competitividade. Para tanto, algumas medidas mais drásticas
passaram a ser importantes para superar uma parte dos problemas.
O inciso VIII do art. 50 da Lei nº 11.101/05 266 autoriza um conjunto de
medidas que envolvem os trabalhadores na busca de uma solução comum
para os problemas da empresa. A promessa da manutenção do emprego se
constitui no argumento central de qualquer empreendimento num momento de
crise e é nela que as devedoras buscaram apoio para renegociar os contratos
de trabalho e racionalizar as ações no setor de recursos humanos. Hoje, os
créditos dos empregados e ex-empregados são superiores a R$ 168 milhões.
'Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação
pertinente a cada caso, dentre outros: (...) VIII - redução salarial, compensação
de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.' Lei
nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.
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Outro ponto de estrangulamento, que vincula as devedoras com os seus
funcionários, é o Instituto Aerus de Seguridade Social. Trata-se de uma
entidade fechada de previdência complementar criada em 1982, com aportes
advindos de contribuição dos patrocinadores, contribuição dos funcionários
participantes e de um percentual de 3% das tarifas de vôos domésticos. Hoje, o
fundo é formado por mais de 6 mil pensionistas, que têm créditos superiores a
R$ 2 bilhões. Mesmo antes da recuperação judicial, as devedoras já haviam
firmado um acordo para renegociar as dívidas e estender o prazo de
pagamento. Segundo as devedoras, os aportes advindos do uso do serviço
aéreo foram extintos pelo governo oito anos depois de sua criação. Estes
aportes, garantidores da viabilidade inicial do Instituto, tinham a sua existência
assegurada pelo período de 30 anos; logo, o déficit atuarial foi sendo ampliado
267. Varig, Rio Sul e Nordeste. Plano de Recuperação Judicial. Disponível em:
<<http://financas.varig.com.br>. Acesso em: 25 jan. 2006, p.49-50.
O quarto, quinto, sexto, sétimo e décimo conjunto de medidas propostas pelo
Plano de Recuperação Judicial da Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e
Nordeste Linhas Aéreas S.A. dizem respeito à criação de uma nova companhia
como entidade isolada de negócios e suas conseqüências diretas, tais como
atuação compartilhada, distribuição dos créditos pretéritos, obtenção de novas
linhas de crédito e liquidez suficiente para continuidade das operações. A
inovação da lei neste particular decorre em certa medida de uma percepção
sobre a necessidade de reiniciar as atividades empresariais sem que haja os
percalços da insolvência. Assim, ocorre um reconhecimento das dificuldades
de obter, com o uso da recuperação judicial, um retorno à normalidade
mercantil.
Aqui reside uma alteração importante da legislação. O parágrafo único do art.
60 estabelece que a unidade autônoma criada não estará vinculada de
qualquer forma com as obrigações da unidade devedora, incluindo dívidas de
natureza tributária e por conseqüência igualmente os créditos trabalhistas e
advindos de acidente de trabalho. No que tange à oferta, a mesma deve ser
pública e pode ser feita com base nas modalidades estabelecidas pelo art. 142,
dependendo do interesses dos credores e devedores. A alienação deverá
buscar o maior valor ainda que inferior ao valor da avaliação prevalecendo, no
mesmo formato da lei anterior, a inadmissibilidade do preço vil.
A criação de uma unidade autônoma de negócios coincide com a possibilidade
de substituir os créditos por valores mobiliários e permitir aos credores
alcançarem uma parte do patrimônio por outras formas. Ainda, como a
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empresa nova e a empresa em recuperação, certamente, atuam ou atuarão no
mesmo mercado, há a possibilidade de ocorrer cooperação, consórcio ou
gestão compartilhada, de forma a possibilitar uma melhor atuação no mercado.
A inovação trazida pela norma possibilitou uma ampliação das chances de uma
parte das atividades mercantis do grupo permanecer gerando renda. Não se
pode olvidar, igualmente, que as medidas societárias possibilitam a criação de
um ambiente favorável às infrações contra a ordem econômica 268. Sob a
égide das legislações pretéritas, os comercialistas identificavam uma limitada
possibilidade de ações que restringissem o patrimônio do devedor ou a
ampliação das suas dívidas. A Lei nº 5.746, de 09 de dezembro de 1929 - § 1º
n. 2 do art. 151 e o art. 157 -, exigia que todos os negócios envolvendo a
manutenção da atividade mercantil fossem feitos com o uso de dinheiro, além
de impor limitações severas aos negócios do devedor. 'As limitações á plena
actividade do devedor, no exercicio do seu commercio e na administração de
seus bens, consistem em não poder a) alienar ou hypothecar immoveis; b)
constituir penhores; c) contrahir novas obrigações. Havendo, porem, utilidade
na pratica desses actos, permitte a lei que sejam feitos, uma vez autorizados
pelo Juiz, depois de ouvidos os commissarios. De mister é que sejam esses
actos necessários e que representem uma indiscutível utilidade para os
credores. A autorização deve ser especial e expressa. Soares de Faria. Op.
cit., p.198-199. A Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, também
estabelecia restrições. 'Impõe-lhe a lei, contudo, uma única restrição: é a de
não poder livremente alienar ou onerar bens imóveis e o próprio
estabelecimento comercial em bloco, porquanto, representando eles valores
apreciáveis, seu desfalque poderá comprometer seriamente o cumprimento da
concordata. Por isso, enquanto não julgadas atendidas as obrigações na
concordata, a alienação ou oneração de bens imóveis dependerá de prévia
manifestação do representante do Ministério Público e autorização do Juiz.'
Abrão, Nelson. Curso de Direito Falimentar. 5.ed. São Paulo: Leud, 1997,
p.315.
A adoção de uma medida como a sugerida traz inconvenientes importantes. A
criação de uma nova unidade de negócios, com o uso do patrimônio do
empreendimento insolvente, pode despertar o interesse de um conjunto amplo
dos credores, que visualizam como a última possibilidade de garantir os seus
valores. Um empreendimento em estado de insolvência que possua muitos
credores terá dificuldades em trocar os créditos por valores mobiliários, já que
a fração do capital social não é tão vasta quanto os valores devidos. Neste
caso, pode haver uma desigualdade entre os credores, ferindo o par conditio
creditorum.
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O oitavo e nono conjunto de ações previstas no plano de Recuperação Judicial
representam o pagamento de prestações periódicas em função da
disponibilidade financeira das devedoras. A proposta busca ratear o valor entre
os credores de modo a reduzir gradativamente o número de credores,
remanescendo os credores com valores superiores, além da possibilidade já
referida de estender aos credores os valores mobiliários emitidos pelas
devedoras ou pela nova companhia a ser criada. Por fim, a proposta de venda
de ativos para obter liquidez que permita o pagamento dos credores e a
manutenção dos acionistas das devedoras com participação na nova
companhia e nas antigas são referidas como uma medida importante.
O último tópico do Plano de Recuperação Judicial da Varig S.A., Rio Sul Linhas
Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. explicita o desejo de que os atuais
acionistas das devedoras permaneçam na gestão dos interesses da nova
companhia. A modalidade de oferta pública do patrimônio das devedoras leilão, proposta fechada ou pregão - permite que qualquer interessado
arremate o mesmo. Este conflito de interesse tem ficado claro na disputa
judicial entre os compradores e interessados no negócio.
O § 4º do art. 6º da Lei nº 11.101/05 estabelece a suspensão do curso da
prescrição e de todas as ações e execuções em face dos devedores pelo prazo
improrrogável de 180 dias contados do deferimento do processamento da
recuperação. O prazo legal para a reorganização das atividades das devedoras
terminou no dia 09 de janeiro de 2006 e as empresas passaram a estar sujeitas
ao cumprimento das suas obrigações estabelecidas no Plano de Recuperação
Judicial.
A possibilidade de decretação de falência da Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas
S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A passou a ser uma realidade mais próxima.
A falência, conforme se depreende, ocorre quando os débitos da sociedade
empresária são superiores ao seu patrimônio e aos seus créditos, e representa
uma medida mais abrangente e de caráter executivo concursal que permite a
liquidação coletiva dos bens que o devedor possui. A normativa falimentar
estabelece ainda um outro conjunto de motivadores suficientes à decretação da
falência; contudo, o motivador histórico mais importante segue sendo o
vinculado à incapacidade de satisfação das obrigações ou insolvência.
A insolvência não representa uma medida de dedução econômica, mas um ato
ou um conjunto de atos que são juridicamente identificados como
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demonstradores de uma dificuldade ou de uma desídia na satisfação das
obrigações do devedor. A existência de um ativo patrimonial superior ao
passivo acumulado pela sociedade empresária não é excludente de uma
eventual decretação de falência. Assim, a simples impontualidade, a demora no
adimplemento de dívidas líquidas, o não-atendimento de decisão judicial
executiva ou a prática de atos considerados irregulares na atividade
empresarial ordinária já configuram procedimentos suficientes à decretação da
falência.
A decretação da falência é sempre uma medida drástica e penosa para
credores, devedores e para a sociedade, dependendo do impacto econômico
que uma atividade empresarial representa numa determinada localidade.
Assim, parece adequado que as medidas de recuperação da atividade
empresarial sejam instrumentalizadas de forma a possibilitar uma reoganização
dos meios de circulação de riqueza para que a decretação da falência seja
evitada. Contudo, a recuperação tem um custo alto e leva, seguidamente, ao
adiamento do inevitável ou ao coroamento de uma gestão desorganizada e
desligada dos preceitos mercadológicos.
Aparentemente, o instrumento da Recuperação Judicial tem garantido uma
existência mais alongada para as empresas. Em contraste, o Plano de
Recuperação Judicial proposto não tem sido observado e o objetivo principal
passou a ser a venda das devedoras. Os credores, por intermédio da sua
assembléia, aprovaram duas possibilidades de oferta ao mercado. A primeira
se constitui na venda da Varig Operações - todas as atividades e operações
nacionais e internacionais -; a segunda, da Varig Regional - somente
operações domésticas.
4 - Considerações Finais
O casuísmo que algumas vezes afeta a gênese normativa no Brasil teve na
nova lei que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência da
sociedade empresária sua demonstração mais precisa. Depois de mais de 10
anos de tramitação, de mais de 400 emendas e cinco substitutivos, a norma foi
promulgada, revelando os interesses dos diversos grupos em atuação no
Congresso. A busca de uma solução para a crise no setor aéreo teve como
conseqüência a sanção antecipada da nova lei e a possibilidade de submeter
as empresas do setor aéreo às vantagens do processo da recuperação judicial
foi bem recebida e considerada acertada.
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A opção pelo uso imediato do instrumento da recuperação judicial teve como
conseqüências, num primeiro momento, um adiamento da crise generalizada
da Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. A
moratória, conseqüência do processamento do plano, se apresentou como uma
das poucas vantagens imediatas. Porém, ato contínuo, as dificuldades foram
se acumulando e é possível afirmar que a opção pelo instrumento não foi
acertada. Igualmente havia uma indicação de que a Assembléia dos Credores
não aceitaria o plano, o que de fato redundaria na necessidade da decretação
da falência. A restrição no mando, por parte dos principais controladores, não
permitiria determinadas manobras societárias necessárias para a manutenção
do poder do grupo no mercado. Logo, a desistência parece ser ainda um
caminho acertado.
Efetivamente, não há uma visualização precisa dos resultados no caso das
devedoras e nem dos próximos movimentos em direção à solução da crise dos
empreendimentos. A possibilidade de um desfecho não tão radical é uma
expectativa; contudo, é aguardada uma solução menos interveniente ou sem
custos sociais elevados. O modelo atual possibilita a adoção de medidas que
efetivamente tenham a condição de recuperar uma atividade empresarial;
contudo, os elementos exógenos ao interesse da norma - modelos de gestão
da maioria dos empreendimentos por parte do setor privado e modelos de
gestão da atividade econômico-empresarial por parte do Estado - seguem os
mesmos.
O pedido de desistência da recuperação judicial solicitado pelas devedoras é a
demonstração da incapacidade da Lei nº 11.101/05, ou de qualquer norma, de
auxiliar na reorganização das atividades empresariais. De forma generalizada,
há uma incongruência nas ações do Estado, que perpetua um modelo
econômico que tem em sua base uma estrutura financeira, fiscal e trabalhista
coletiva desligada da realidade geral do mercado interno. Ao mesmo tempo, o
Estado, por intermédio dos seus organismos e instrumentos, está
permanentemente mobilizado para reconhecer critérios especiais e casuísticos
para atender aos setores economicamente mobilizados e com capacidade de
pressão política.
Revista Jurídica 352 - Fevereiro/2007 - Doutrina Cível
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recuperação judicial: considerações iniciais