RECUPERAÇÃO JUDICIAL: CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O CASO VARIG, RIO SUL LINHAS AÉREAS E NORDESTE LINHAS AÉREAS Leonardo Arquimimo de Carvalho Sumário: 1 - Apresentação; 2 - Recuperação judicial, concordata e empresas aéreas; 3 - O Caso Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A.; 4 - Considerações finais. 1 - Apresentação As companhias Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. são pessoas jurídicas distintas e independentes que atuam em conjunto desde o ano de 2002, e têm como atividade econômica preponderante o transporte aéreo de passageiros e cargas, além de outras atividades conexas ao setor explorado pelas empresas, como engenharia e manutenção de aviões. A Varig foi fundada em 1927, e atua no mercado brasileiro e também no internacional. No Brasil, a Varig oferta em média 289 vôos diários para 36 destinos, para o exterior são vôos para 23 destinos além de outras conexões e destinos decorrentes do acordo Star Alliance. É considerada uma das empresas mais importantes do setor no Brasil e absolutamente relevante num sentido estratégico em função do mercado que explora. A Varig S.A., em conjunto com as companhias Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A., possui um conjunto de 78 aeronaves e 59 destinos. Geram 11.967 empregos e em conjunto com as subsidiárias 19.113, dos quais 95% no Brasil. Indiretamente, são gerados, aproximadamente, 180 mil empregos. 1 O setor de aviação civil é extremamente importante, já que integra a infraestrutura do Estado. O setor econômico referido possibilita um grande desenvolvimento econômico por intermédio da aceleração no processo de circulação de riquezas. O transporte de pessoas e cargas feito por via aérea diminui custos, acelera o processo produtivo, diminui distâncias, dinamiza o tempo, conecta espaços econômicos afastados, amplia o mercado do setor turístico, dentre outras externalidades positivas observadas. As empresas têm faturado mais de R$ 7,5 bilhões em receitas líquidas de vôos e são responsáveis pelo transporte de mais de 13,8 milhões de passageiros/ano. Contudo, nos últimos anos, as empresas acumularam prejuízos importantes, que hoje são calculados em mais de R$ 8 bilhões. As dificuldades conduziram as empresas para a busca de alternativas suficientes à diminuição dos custos de operação e a uma melhora nos seus padrões de organização. De qualquer forma, no dia 17 de junho de 2005, oito dias depois do início da vigência da Lei nº 11.101/05 e dos dispositivos da Lei Complementar nº 118/05, as companhias Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. requereram a aplicação do instituto da Recuperação Judicial. No dia 22 de junho de 2005, o Juízo da 8ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro (RJ) deferiu o pedido de processamento da Recuperação Judicial das requerentes. A medida trouxe, num primeiro momento, um certo alento ao mercado, que imaginava num período subseqüente a reestruturação, em diversos setores das devedoras, possibilitando uma redução ou um adiamento de uma crise maior. A lista de credores e problemas, contudo, parecia relativamente extensa, o que dificultava o processamento e o adimplemento das obrigações. O período de crise e a demonstração contundente de que as empresas necessitavam de algum tipo de medida extremada parecia flagrante e o resultado foi exatamente a solicitação do pedido de processamento da recuperação das empresas. Com o deferimento do pedido e com o recebimento do Plano de Recuperação Judicial, as devedoras permaneceram durante 180 dias isentas das ações judiciais de cobrança. Mesmo antes do vencimento do prazo legal, os credores e acionistas passaram a discutir judicialmente a viabilidade da recuperação. Na 2 data de 15 de dezembro de 2005, os acionistas pleitearam, sem a aprovação da Assembléia dos Credores, a desistência da recuperação e passaram a assumir o risco precipitado da decretação da falência. No dia 23 de fevereiro de 2006, a Assembléia dos Credores considerou adequado o Plano de Recuperação Judicial das devedoras e o mesmo foi aprovado. 2 - Recuperação Judicial, Concordata e Empresas Aéreas Com alguma freqüência, quando uma determinada sociedade empresária tem dificuldades no adimplemento de suas obrigações, e esta limitação passa a ser abrangente, alguns institutos jurídicos podem ser instrumentalizados com o objetivo de amainar os eventuais problemas advindos da limitação. Os institutos da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência têm em suas justificantes básicas um conjunto de razões que são efetivamente garantidoras de segurança creditícia num momento de remotas possibilidades de êxito satisfativo. A recuperação judicial é uma medida que possui o objetivo de permitir o adimplemento das dívidas da sociedade empresária, por intermédio da manutenção da circulação de riquezas. Assim, a possibilidade de manter a atividade empresarial ativa permitiria a adoção de um conjunto de medidas suficientes ao atendimento dos credores com a manutenção do emprego e sem a suspensão ou a extinção da atividade principal do devedor. Os objetivos atendidos pelo adiamento da decretação da falência são inestimáveis para o devedor e podem ser o limite que define ou não a sua permanência na condição de empresário 251. 'Do exposto nos números anteriores ressaltam e avultam a necessidade e as vantagens da concordata preventiva. Obstando a fallencia, com todo o seu cortejo de diminuições patrimoniaes, e os rigores que lhe são inherentes, a concordata preventiva, com offerecer ao devedor meio de subtrahirse á indignidade, que o sentimento social lhe attribue por ser fallido, e ás restricções pessoaes desse estado decorrentes, é também vantajosa para os credores e de indiscutível interesse publico.' Soares De Faria, S. Da concordata preventiva da fallencia. São Paulo: Saraiva, 1932, p.16-17. A adoção deste procedimento permite uma ampliação importante das oportunidades de satisfação de todos os credores com a permanência do agente econômico devedor no mercado. A medida judicial favorável possibilita 3 uma reorganização das atividades empresariais, algumas vezes, sem prejuízos importantes para os interessados e compreende um conjunto de medidas de importância geral e de custos coletivos e sociais consideráveis. A recuperação judicial deve ser sopesada em função de um conjunto de variáveis que determinam a capacidade de que uma atividade empresarial vir a tornar-se novamente viável. A recuperação extrajudicial representa outra possibilidade facultada pela norma que flexibiliza a reorganização das atividades do devedor. Nesta hipótese, os credores buscam em conjunto com o empresário encontrar uma solução para a crise, reorganizando seus vínculos, mesmo que uma parcela minoritária não concorde com a medida. Ainda, há a possibilidade de que a homologação do plano de recuperação ocorra ou não e tal medida decorre do percentual de credores envolvidos no procedimento. Na prática, ambas as medidas têm os mesmos objetivos e se processam de forma institucionalizada. A utilização do instrumento jurídico da recuperação de empresa judicial ou extrajudicial é relativamente simples e parte de um conjunto de premissas de boa-fé que une os agentes econômicos. Os interesses que envolvem estas medidas são geralmente superiores aos que envolvem credores e devedores. A manutenção de uma determinada atividade econômica, conforme descrito, é freqüentemente a garantia da existência de meios para permanecer no mercado sem que haja um afastamento das fontes geradoras de riquezas, além da manutenção do emprego e da renda de um grupo de trabalhadores. O instrumental jurídico utilizado até junho de 2005, para buscar recompor a atividade empresarial, era centrado na chamada concordata, que poderia ser adotada antes da decretação da falência - concordata preventiva - ou em período subseqüente à adoção de um regime falimentar, adiando o mesmo concordata suspensiva 252. Na prática, ainda havia uma terceira modalidade observada nas ações adotadas pelos devedores que era nomeada como concordata amigável. A modalidade da concordata amigável era considerada pela lei anterior um indício de fraude contra os credores ou uma demonstração de debilidade econômica importante, suficiente para a decretação da falência 253. A restrição estabelecida pela norma conduzia os credores a uma ação mais restritiva e baseada no contencioso judicial 254. 'Art. 139. A concordata é preventiva ou suspensiva, conforme for pedida em juízo antes ou depois da declaração da falência.' Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. 'Art. 2.º Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante: (...) III - convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens.' 4 Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. O Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890, permitia que credores e devedores entabulassem negociações diretas, exigindo tão-somente a homologação judicial, com o objetivo de estabelecer a concordata preventiva extrajudicial; já a Lei nº 2.024, de 17 de novembro de 1902, negava a possibilidade de uma negociação direta e a concordata preventiva extrajudicial deixou de ser permitida. Com o advento do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, a concordata passou a ter a característica de favor judicial concedido pelo juiz e os credores foram desincumbidos da responsabilidade de aceitarem ou não a aplicação do instituto. Almeida, Amador Paes. Curso de Falência e Concordata. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.384-385. No regime da legislação anterior, as fraudes muito freqüentes conduziram o instituto da concordata ao descrédito. Não raro os bens do patrimônio da sociedade empresarial eram transferidos para terceiros ou havia a alienação do patrimônio da empresa no período que antecedia o pedido de concordata, ocorriam fraudes em promessas de compra e venda, e a cessão e a dação em pagamento objetivavam o eventual contorno do sistema de concurso universal ou, ainda, reiteradamente o pedido da concordata estava alicerçado em documentação fraudulenta, proveniente de arranjos contábeis com o conseqüente aumento de capital. As empresas que exploravam serviço aéreo de qualquer natureza não gozavam, sob a égide das leis anteriores, dos privilégios do regime concordatário. As razões que motivavam o impedimento estavam associadas à eficiência na navegação aérea, à regularidade e à precisão. Segundo o Decreto-Lei nº 669, de 3 de julho de 1969, a empresa de navegação aérea poderia ter eficiência, isto é, segurança, regularidade e precisão, com a demonstração da capacidade técnico-econômico-financeira que permitisse planejamento, execução, manutenção, supervisão e controle, para a perfeita sustentação de serviços, a impontualidade não poderia receber a tutela normativa 255. 'Art. 1º. Não podem impetrar concordatas as empresas que, pelos seus atos constitutivos, tenham por objeto, exclusivamente ou não, a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica.' Decreto-Lei nº 669, de 3 de julho de 1969. Assim, os motivadores da limitação estavam associados a um eventual nexo de causalidade entre pontualidade e eficiência técnica ou na associação entre dificuldade financeira e possibilidade da perda de confiabilidade. A Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, mantinha disposição com limitação semelhante 5 256; porém, há um amainamento das teses pontualidade/eficiência. Assim, a norma mantinha a possibilidade de intervenção, por intermédio do Poder Executivo, com o objetivo de assegurar a continuidade, a eficiência e a segurança do transporte aéreo, desde que fosse demonstrada a viabilidade da atividade econômica. A hipótese contrária possibilitaria a determinação da liquidação extrajudicial ou o requerimento da decretação de falência, dependendo dos ativos acumulados e os eventuais créditos existentes 257. 'Art. 187. Não podem impetrar concordata as empresas que, por seus atos constitutivos, tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica.' Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. 'Art. 188. O Poder Executivo poderá intervir nas empresas concessionárias ou autorizadas, cuja situação operacional, financeira ou econômica ameace a continuidade dos serviços, a eficiência ou a segurança do transporte aéreo. § 1º. A intervenção visará ao restabelecimento da normalidade dos serviços e durará enquanto necessária à consecução do objetivo. § 2º. Na hipótese de ser apurada, por perícia técnica, antes ou depois da intervenção, a impossibilidade do restabelecimento da normalidade dos serviços: I - será determinada a liquidação extrajudicial, quando, com a realização do ativo, puder ser atendida pelo menos a metade dos créditos; II será requerida a falência, quando o ativo não for suficiente para atender pelo menos a metade dos créditos, ou quando houver fundados indícios de crimes falenciais.' Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. A Lei nº 11.101/05 estabeleceu, no art. 198, que os devedores proibidos de requerer concordata, em função de legislação específica, permanecem proibidos de requerer a recuperação judicial ou extrajudicial. Contudo, ressalvou no art. 199 a possibilidade de que as sociedades descritas no art. 187 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, passassem a fazer uso do instituto da recuperação judicial. Assim, as empresas Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A., ou devedoras, garantiram por intermédio na nova lei a possibilidade de fazer uso do regime. Aqui um casuísmo importante é observado na norma. Depois de um longo período de discussões, ocorreu uma modificação no projeto de lei com o objetivo de resgatar as empresas aéreas em crise. Dois pontos de vista preponderavam e mesmo no Executivo o Presidente e o Vice-Presidente da República tinham posicionamentos distintos. Acabou preponderando a tese do Vice-Presidente - e também Ministro da Defesa, à época - que vinha 6 acompanhando com mais profundidade as discussões sobre a crise aérea. A possibilidade da moratória dos empreendimentos aéreos era, contudo, assustadora para determinados setores com grandes aportes de capital. Historicamente, a impossibilidade do uso do instituto da concordata era decorrente de uma idealização negativa de que a dificuldade financeira possibilitava uma ampliação dos riscos de acidentes ou tornava mais vulnerável o setor. Já num segundo momento, aparentemente, a norma mantinha a limitação em função de uma percepção sobre os riscos econômicoestratégicos da concordata ou mesmo da falência. Já a ampliação da possibilidade da norma atual tem origem nas dificuldades quase que universais do setor aéreo. Porém, no Brasil, as dificuldades parecem originadas noutras razões 258. Efetivamente, existe um conjunto de elementos considerados relevantes na ampliação da crise das devedoras; contudo, não há uma a clareza em torno deles e efetivamente podem ser meramente especulativos. São elencados como os mais importantes: I) créditos para compra de aeronaves em ienes e a valorização da moeda japonesa nos anos 80 e 90; II) informatização das agências nos anos 80 financiadas pela própria empresa num período de reserva de mercado; III) operação em linhas deficitárias como parte da estratégia do Estado para conectar a África e a América Latina; IV) defasagem no preço das tarifas nos Governos Collor e Sarney; V) aumento nos custos de insumos; VI) gestão desligada dos preceitos do mercado e um número de funcionário excessivo - em 2003, a Varig tinha em média 201 funcionários para cada avião, enquanto a TAM possuía 88 -; VII) governança corporativa - em 2005, 100 pessoas estavam habilitadas a distribuir gratuitamente bilhetes; VIII) salários desvinculados das horas de vôo e superiores aos do mercado; IX) o fundo Aerus de Previdência Complementar; X) contingências de ocasião - sanitárias, bélicas, mercadológias internacionais. Lobato, Elvira; Lage, Janaina. Viés estatal-sindicalista afunda Varig. Folha de S. Paulo, São Paulo, 23 abr. 2006. Dinheiro, p. B 4. O casuísmo também beneficiou grandes investidores, bancos, empresas fabricantes de aeronaves e de turbinas, empresas de arrendamento mercantil, em sua quase totalidade sitiados no setor de sustentação de financiamento do setor aéreo. O § 3º do art. 49, acrescido do parágrafo único do art. 199 da Lei nº 11.101/05, garante que em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício dos direitos advindos dos contratos de leasing, excetuando aqueles essenciais à atividade empresarial, pelo prazo de 180 dias. 7 3 - O Caso Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. Os problemas no setor aéreo brasileiro não são recentes. O desaparecimento de tradicionais, empresas como a Vasp e a Transbrasil, além da crise nas companhias em operação são representativos de mais de duas décadas de dificuldades econômicas, restrições no mercado interno e internacional e de políticas públicas fiscalistas e antiliberais. Na busca de soluções mais ampliadas para os problemas no setor aéreo, as devedoras buscaram, no começo do ano de 2003, uma aproximação destinada à formação de uma holding de capital aberto com a empresa TAM. Para tanto foi estabelecido um conjunto de medidas necessárias para a aprovação do acordo inicialmente operacional. Logo, foram exigidas: I) abstenção da devolução de aeronaves arrendadas ou financiadas; II) abstenção da unificação de políticas comerciais; III) abstenção da troca de informações sobre preço; IV) abstenção de inovar nas medidas firmadas até aquele momento; V) informar ao poder público as medidas eventualmente adotadas; e VI) manter a separação nas operações em solo, utilizando o code share tão-somente para compartilhar as aeronaves 259. AC nº 08012001291/2003-87. Requerentes: Varig S.A. - Viação Aérea Rio-Grandense e TAM Linhas Aéreas S.A. Relator: Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Disponível em: <<http://www.cade.gov.br>. Acesso em: 28 jan. 2006. Durante o ano de 2003, as requerentes mantiveram o acordo e atuaram de forma compartilhada no mercado. Em maio de 2004, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) apresentou uma Nota Técnica na qual recomendava a revogação do Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação e a proibição das operações conjuntas. Contudo, somente em janeiro de 2005 as requerentes, reunidas com o Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE) e com a Procuradoria do CADE, declararam não ter mais interesse na concentração econômica 260. Ainda em 2003 e 2004 e no período subseqüente, a crise na Varig passou a ser mais ampla e os credores passaram a suspender o fornecimento de insumos necessários para a empresa. O recurso a uma medida mais contundente foi assim uma das saídas buscadas pela Varig para reorganizar as suas atividades. Idem, ibidem. 8 De qualquer maneira, o caso Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. é paradigmático, já que demonstra a dificuldade flagrante observada no processamento da recuperação judicial. Conforme descrito pelas devedoras, ato contínuo à utilização do instrumento legal, um conjunto enorme de dificuldades já existentes foi ampliado. A condição dada pela norma que amplia a possibilidade de solução dos problemas financeiros não se deu de forma tão simples e o adiamento do pagamento não foi suficiente para garantir o retorno da empresa à sua condição de normalidade econômica 261. Varig, Rio Sul e Nordeste. Plano de Recuperação Judicial. Disponível em: <<http://finanças.varig.com.br>. Acesso em: 25 jan. 2006. O deferimento do pedido de processamento da Recuperação Judicial assegurou um conjunto de garantias temporais às devedoras, acrescido de uma ampliação da possibilidade de reestruturar muitos dos setores considerados problemáticos. Efetivamente, as empresas aéreas, conforme sustentam as devedoras, tiveram grandes dificuldades nos últimos anos em função de contingências institucionais, econômicas, financeiras, operacionais, sanitárias, bélicas, dentre outras, internas ou internacionais. Igualmente, o cenário interno é considerado inóspito para a atividade empresarial em função do modelo tributário, trabalhista e econômico. De qualquer maneira, inicialmente as devedoras estabeleceram dois conjuntos de medidas - de ordem operacional e de ordem financeira - descritas no plano de recuperação. No primeiro caso, informaram pretender buscar a adoção de um conjunto de medidas que pudessem melhorar a qualidade e a racionalidade das ações mercadológicas, permitindo um comportamento mais competitivo, otimizado e com custos adequados à prestação do serviço. Como se depreende da leitura do agravamento da situação financeira das devedoras, freqüentemente os problemas enfrentados pelas empresas em situação préfalimentar são de natureza exógena e na sua grande maioria inescapáveis. Assim, poucas alternativas restam para as empresas senão uma reorganização completa das suas atividades 262. 'As medidas identificadas no Plano de Reestruturação Operacional estão incorporadas ao Plano de Negócio das Companhias para o período de 2006 a 2010 e são baseadas nas seguintes iniciativas-chave: Fortalecimento da atual posição da Varig no mercado internacional; manutenção e fortalecimento da posição da Varig no mercado doméstico; Criação de uma clara estrutura de hub no Aeroporto Internacional de Guarulhos ('GRU'), próximo à cidade de São Paulo, a fim de aumentar o poder de conectividade, desta forma atraindo tráfego adicional; Reestruturação e harmonização da frota de aeronaves para reduzir os custos unitários e aumentar a eficiência operacional; Melhoria do gerenciamento da receita de 9 forma compatível com a posição competitiva; Fortalecimento organizacional e da responsabilidade estratégica de tomada de decisão para alcançar metas e assegurar a aderência das ações aos planos; Definição clara das estruturas organizacionais, interfaces e responsabilidades dentro das Companhias e com as empresas por elas controladas; Otimização de processos a fim de melhorar a eficiência e produtividade em todas as áreas; Redução dos custos de pessoal de forma compatível com a estrutura otimizada das Companhias, bem como o seu alinhamento às condições de mercado; Melhoria de produtos e serviços a clientes e reconquistar participação de mercado; e Estabelecimento de cooperações e alianças relevantes e intensificar as alianças atuais para fortalecer a rede e o produto.' Varig, Rio Sul e Nordeste. Plano de Recuperação Judicial. Disponível em: <<http://financas.varig.com.br>. Acesso em: 25 jan. 2006, p.18-19. A proposta de recuperação financeira envolve um trabalho mais ampliado de reorganização das dívidas e dos créditos das empresas. Neste cenário, fica um pouco mais clara a percepção das dificuldades enfrentadas pelas empresas em função dos custos, dos encargos sociais e tributários envolvidos na atividade de exploração do setor aéreo. De qualquer forma, a proposta busca neste particular assegurar, por intermédio de um conjunto de ações judiciais e compensação de passivos existentes, o reequilíbrio das finanças das empresas 263. A reestruturação financeira proposta objetiva: criação de uma nova companhia, eficiente e capitalizada, para transferir uma parte dos negócios das devedoras; venda de ativos com o objetivo de arrecadar novos recursos e a recuperação; repactuar os débitos existentes com o fundo de pensão AERUS; utilização de eventuais valores advindos das ações judiciais decorrentes do congelamento de preços das tarifas contra a União Federal e a utilização de créditos advindos do ICMS pago indevidamente entre 1989 e 1994, para compensar com os passivos devidos ao Estado na forma de créditos previdenciários e tributários; utilização de eventuais valores advindos das ações judiciais contra a INFRAERO e a União decorrentes de repetição de indébito; reestruturação dos créditos trabalhistas, dos créditos com garantia real e dos créditos sem garantia. Varig, Rio Sul e Nordeste. Plano de Recuperação Judicial. Disponível em: <<http://financas.varig.com.br>. Acesso em: 25 jan. 2006, p.46-53. Em síntese, é possível identificar as seguintes medidas, operacionais ou financeiras, no Plano de Recuperação Judicial das devedoras: I) acesso a fontes de liquidez provisórias durante o processo de recuperação; II) implementação de medidas para melhorar os resultados operacionais; III) alinhamento das condições de trabalho e remuneração; IV) transferência das 10 operações das devedoras para uma nova entidade que se enquadra na condição de unidade isolada de negócios; V) retenção pelas devedoras de uma parte das operações dos direitos relacionadas às ações judiciais propostas contra a União Federal e os Estados; VI) celebração de consórcio entre as devedoras e a nova companhia a ser criada; VII) obtenção de novos recursos financeiros pela nova companhia através de investidores estratégicos; VIII) pagamento das prestações periódicas na medida da disponibilidade de caixa, conforme o regime universal, iniciando pelos créditos menores até que remanesçam os de maior valor; IX) concessão de oportunidades aos maiores credores, conversão ou trocas de créditos por valores mobiliários; X) venda de ativos para obter liquidez que permita o pagamento dos credores; XI) manutenção dos acionistas das devedoras com participação na nova companhia e nas antigas 264. Idem, p.15-16. O conjunto de medidas iniciais almejava um acesso às fontes de liquidez imediatas, necessárias em função das restrições de caixa. A solicitação do pedido de recuperação judicial produziu no caso das devedoras um agravamento da perda de liquidez e, como conseqüência, uma restrição ao acesso de linhas de crédito. A ação de fornecedores, que passaram a exigir pagamentos à vista e antecipados, do Banco do Brasil e de outros credores internacionais, que cessaram a antecipação dos recebíveis de cartão de crédito, e das câmaras de compensação internacional, que exigiram a antecipação de pagamentos e reforços dos depósitos em garantia, contribuíram para redução de caixa das devedoras 265. Idem, p.17. O pagamento de vencimentos imediatos com arrendadores, fornecedores e empregados foram atrasados em função da falta de liquidez, e as devedoras tiveram que adiar o cumprimento de suas obrigações em suas rotas pela falta de manutenção das aeronaves, e como conseqüência tiveram uma nova restrição em suas receitas. Aqui é apontada uma primeira dificuldade da recuperação judicial. A destempo da aceitação judicial, não há garantias de que o mercado vá aceitar a medida e irá apoiar os empreendimentos já economicamente combalidos, por intermédio de condutas ordinárias. Os meios convencionais de acesso ao crédito são limitados, já que a eminência da decretação da falência aumenta a possibilidade da inadimplência completa. Conforme discutido, as medidas preventivas e suspensivas da lei anterior tiveram no seu uso uma destinação, com freqüência, fraudulenta; assim, o instrumento perdeu uma parcela importante de eficácia. No cenário econômico, 11 ainda há alguma restrição às ações de apoio convencional aos empreendimentos em situação de risco. Juridicamente, não há na Lei nº 11.101/05 instrumento que garanta um tratamento semelhante àquele adotado em relação a empreendimentos saudáveis ou vigorosos. Contudo, não se descarta a possibilidade de que por intermédio de alguma ação ordinária se exija um tratamento que seja suficientemente não discriminador. O segundo conjunto de medidas envolvendo a recuperação judicial das devedoras pode ser sintetizado na chamada melhora dos resultados operacionais com base num Plano de Reestruturação Operacional. A medida não representa uma grande inovação e integra o conjunto de estratégias de uma empresa no mercado. A legislação, neste caso, permaneceu silente em relação às possíveis modificações de natureza operacional que melhorassem as condições da exploração econômica. As particularidades de cada setor econômico não permitiram um detalhamento sobre as formas de manifestação das modificações operacionais. De qualquer forma, o art. 50 da Lei nº 11.101/05 elencou um rol meramente ilustrativo de meios. Ainda, um dos grandes problemas enfrentados pelas empresas se refere às dificuldades na área trabalhista. Com o objetivo de reduzir custos, desde 2002, já haviam sido demitidos mais de 2,6 mil empregados. Neste particular, a proposta conseqüente, descrita no Plano de Recuperação Judicial, diz respeito à adequação das condições de trabalho e remuneração nas devedoras com aquelas praticadas no mercado por outras companhias áreas, com o objetivo de melhorar a competitividade. Para tanto, algumas medidas mais drásticas passaram a ser importantes para superar uma parte dos problemas. O inciso VIII do art. 50 da Lei nº 11.101/05 266 autoriza um conjunto de medidas que envolvem os trabalhadores na busca de uma solução comum para os problemas da empresa. A promessa da manutenção do emprego se constitui no argumento central de qualquer empreendimento num momento de crise e é nela que as devedoras buscaram apoio para renegociar os contratos de trabalho e racionalizar as ações no setor de recursos humanos. Hoje, os créditos dos empregados e ex-empregados são superiores a R$ 168 milhões. 'Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: (...) VIII - redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.' Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 12 Outro ponto de estrangulamento, que vincula as devedoras com os seus funcionários, é o Instituto Aerus de Seguridade Social. Trata-se de uma entidade fechada de previdência complementar criada em 1982, com aportes advindos de contribuição dos patrocinadores, contribuição dos funcionários participantes e de um percentual de 3% das tarifas de vôos domésticos. Hoje, o fundo é formado por mais de 6 mil pensionistas, que têm créditos superiores a R$ 2 bilhões. Mesmo antes da recuperação judicial, as devedoras já haviam firmado um acordo para renegociar as dívidas e estender o prazo de pagamento. Segundo as devedoras, os aportes advindos do uso do serviço aéreo foram extintos pelo governo oito anos depois de sua criação. Estes aportes, garantidores da viabilidade inicial do Instituto, tinham a sua existência assegurada pelo período de 30 anos; logo, o déficit atuarial foi sendo ampliado 267. Varig, Rio Sul e Nordeste. Plano de Recuperação Judicial. Disponível em: <<http://financas.varig.com.br>. Acesso em: 25 jan. 2006, p.49-50. O quarto, quinto, sexto, sétimo e décimo conjunto de medidas propostas pelo Plano de Recuperação Judicial da Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. dizem respeito à criação de uma nova companhia como entidade isolada de negócios e suas conseqüências diretas, tais como atuação compartilhada, distribuição dos créditos pretéritos, obtenção de novas linhas de crédito e liquidez suficiente para continuidade das operações. A inovação da lei neste particular decorre em certa medida de uma percepção sobre a necessidade de reiniciar as atividades empresariais sem que haja os percalços da insolvência. Assim, ocorre um reconhecimento das dificuldades de obter, com o uso da recuperação judicial, um retorno à normalidade mercantil. Aqui reside uma alteração importante da legislação. O parágrafo único do art. 60 estabelece que a unidade autônoma criada não estará vinculada de qualquer forma com as obrigações da unidade devedora, incluindo dívidas de natureza tributária e por conseqüência igualmente os créditos trabalhistas e advindos de acidente de trabalho. No que tange à oferta, a mesma deve ser pública e pode ser feita com base nas modalidades estabelecidas pelo art. 142, dependendo do interesses dos credores e devedores. A alienação deverá buscar o maior valor ainda que inferior ao valor da avaliação prevalecendo, no mesmo formato da lei anterior, a inadmissibilidade do preço vil. A criação de uma unidade autônoma de negócios coincide com a possibilidade de substituir os créditos por valores mobiliários e permitir aos credores alcançarem uma parte do patrimônio por outras formas. Ainda, como a 13 empresa nova e a empresa em recuperação, certamente, atuam ou atuarão no mesmo mercado, há a possibilidade de ocorrer cooperação, consórcio ou gestão compartilhada, de forma a possibilitar uma melhor atuação no mercado. A inovação trazida pela norma possibilitou uma ampliação das chances de uma parte das atividades mercantis do grupo permanecer gerando renda. Não se pode olvidar, igualmente, que as medidas societárias possibilitam a criação de um ambiente favorável às infrações contra a ordem econômica 268. Sob a égide das legislações pretéritas, os comercialistas identificavam uma limitada possibilidade de ações que restringissem o patrimônio do devedor ou a ampliação das suas dívidas. A Lei nº 5.746, de 09 de dezembro de 1929 - § 1º n. 2 do art. 151 e o art. 157 -, exigia que todos os negócios envolvendo a manutenção da atividade mercantil fossem feitos com o uso de dinheiro, além de impor limitações severas aos negócios do devedor. 'As limitações á plena actividade do devedor, no exercicio do seu commercio e na administração de seus bens, consistem em não poder a) alienar ou hypothecar immoveis; b) constituir penhores; c) contrahir novas obrigações. Havendo, porem, utilidade na pratica desses actos, permitte a lei que sejam feitos, uma vez autorizados pelo Juiz, depois de ouvidos os commissarios. De mister é que sejam esses actos necessários e que representem uma indiscutível utilidade para os credores. A autorização deve ser especial e expressa. Soares de Faria. Op. cit., p.198-199. A Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, também estabelecia restrições. 'Impõe-lhe a lei, contudo, uma única restrição: é a de não poder livremente alienar ou onerar bens imóveis e o próprio estabelecimento comercial em bloco, porquanto, representando eles valores apreciáveis, seu desfalque poderá comprometer seriamente o cumprimento da concordata. Por isso, enquanto não julgadas atendidas as obrigações na concordata, a alienação ou oneração de bens imóveis dependerá de prévia manifestação do representante do Ministério Público e autorização do Juiz.' Abrão, Nelson. Curso de Direito Falimentar. 5.ed. São Paulo: Leud, 1997, p.315. A adoção de uma medida como a sugerida traz inconvenientes importantes. A criação de uma nova unidade de negócios, com o uso do patrimônio do empreendimento insolvente, pode despertar o interesse de um conjunto amplo dos credores, que visualizam como a última possibilidade de garantir os seus valores. Um empreendimento em estado de insolvência que possua muitos credores terá dificuldades em trocar os créditos por valores mobiliários, já que a fração do capital social não é tão vasta quanto os valores devidos. Neste caso, pode haver uma desigualdade entre os credores, ferindo o par conditio creditorum. 14 O oitavo e nono conjunto de ações previstas no plano de Recuperação Judicial representam o pagamento de prestações periódicas em função da disponibilidade financeira das devedoras. A proposta busca ratear o valor entre os credores de modo a reduzir gradativamente o número de credores, remanescendo os credores com valores superiores, além da possibilidade já referida de estender aos credores os valores mobiliários emitidos pelas devedoras ou pela nova companhia a ser criada. Por fim, a proposta de venda de ativos para obter liquidez que permita o pagamento dos credores e a manutenção dos acionistas das devedoras com participação na nova companhia e nas antigas são referidas como uma medida importante. O último tópico do Plano de Recuperação Judicial da Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. explicita o desejo de que os atuais acionistas das devedoras permaneçam na gestão dos interesses da nova companhia. A modalidade de oferta pública do patrimônio das devedoras leilão, proposta fechada ou pregão - permite que qualquer interessado arremate o mesmo. Este conflito de interesse tem ficado claro na disputa judicial entre os compradores e interessados no negócio. O § 4º do art. 6º da Lei nº 11.101/05 estabelece a suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face dos devedores pelo prazo improrrogável de 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação. O prazo legal para a reorganização das atividades das devedoras terminou no dia 09 de janeiro de 2006 e as empresas passaram a estar sujeitas ao cumprimento das suas obrigações estabelecidas no Plano de Recuperação Judicial. A possibilidade de decretação de falência da Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A passou a ser uma realidade mais próxima. A falência, conforme se depreende, ocorre quando os débitos da sociedade empresária são superiores ao seu patrimônio e aos seus créditos, e representa uma medida mais abrangente e de caráter executivo concursal que permite a liquidação coletiva dos bens que o devedor possui. A normativa falimentar estabelece ainda um outro conjunto de motivadores suficientes à decretação da falência; contudo, o motivador histórico mais importante segue sendo o vinculado à incapacidade de satisfação das obrigações ou insolvência. A insolvência não representa uma medida de dedução econômica, mas um ato ou um conjunto de atos que são juridicamente identificados como 15 demonstradores de uma dificuldade ou de uma desídia na satisfação das obrigações do devedor. A existência de um ativo patrimonial superior ao passivo acumulado pela sociedade empresária não é excludente de uma eventual decretação de falência. Assim, a simples impontualidade, a demora no adimplemento de dívidas líquidas, o não-atendimento de decisão judicial executiva ou a prática de atos considerados irregulares na atividade empresarial ordinária já configuram procedimentos suficientes à decretação da falência. A decretação da falência é sempre uma medida drástica e penosa para credores, devedores e para a sociedade, dependendo do impacto econômico que uma atividade empresarial representa numa determinada localidade. Assim, parece adequado que as medidas de recuperação da atividade empresarial sejam instrumentalizadas de forma a possibilitar uma reoganização dos meios de circulação de riqueza para que a decretação da falência seja evitada. Contudo, a recuperação tem um custo alto e leva, seguidamente, ao adiamento do inevitável ou ao coroamento de uma gestão desorganizada e desligada dos preceitos mercadológicos. Aparentemente, o instrumento da Recuperação Judicial tem garantido uma existência mais alongada para as empresas. Em contraste, o Plano de Recuperação Judicial proposto não tem sido observado e o objetivo principal passou a ser a venda das devedoras. Os credores, por intermédio da sua assembléia, aprovaram duas possibilidades de oferta ao mercado. A primeira se constitui na venda da Varig Operações - todas as atividades e operações nacionais e internacionais -; a segunda, da Varig Regional - somente operações domésticas. 4 - Considerações Finais O casuísmo que algumas vezes afeta a gênese normativa no Brasil teve na nova lei que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência da sociedade empresária sua demonstração mais precisa. Depois de mais de 10 anos de tramitação, de mais de 400 emendas e cinco substitutivos, a norma foi promulgada, revelando os interesses dos diversos grupos em atuação no Congresso. A busca de uma solução para a crise no setor aéreo teve como conseqüência a sanção antecipada da nova lei e a possibilidade de submeter as empresas do setor aéreo às vantagens do processo da recuperação judicial foi bem recebida e considerada acertada. 16 A opção pelo uso imediato do instrumento da recuperação judicial teve como conseqüências, num primeiro momento, um adiamento da crise generalizada da Varig S.A., Rio Sul Linhas Aéreas S.A. e Nordeste Linhas Aéreas S.A. A moratória, conseqüência do processamento do plano, se apresentou como uma das poucas vantagens imediatas. Porém, ato contínuo, as dificuldades foram se acumulando e é possível afirmar que a opção pelo instrumento não foi acertada. Igualmente havia uma indicação de que a Assembléia dos Credores não aceitaria o plano, o que de fato redundaria na necessidade da decretação da falência. A restrição no mando, por parte dos principais controladores, não permitiria determinadas manobras societárias necessárias para a manutenção do poder do grupo no mercado. Logo, a desistência parece ser ainda um caminho acertado. Efetivamente, não há uma visualização precisa dos resultados no caso das devedoras e nem dos próximos movimentos em direção à solução da crise dos empreendimentos. A possibilidade de um desfecho não tão radical é uma expectativa; contudo, é aguardada uma solução menos interveniente ou sem custos sociais elevados. O modelo atual possibilita a adoção de medidas que efetivamente tenham a condição de recuperar uma atividade empresarial; contudo, os elementos exógenos ao interesse da norma - modelos de gestão da maioria dos empreendimentos por parte do setor privado e modelos de gestão da atividade econômico-empresarial por parte do Estado - seguem os mesmos. O pedido de desistência da recuperação judicial solicitado pelas devedoras é a demonstração da incapacidade da Lei nº 11.101/05, ou de qualquer norma, de auxiliar na reorganização das atividades empresariais. De forma generalizada, há uma incongruência nas ações do Estado, que perpetua um modelo econômico que tem em sua base uma estrutura financeira, fiscal e trabalhista coletiva desligada da realidade geral do mercado interno. Ao mesmo tempo, o Estado, por intermédio dos seus organismos e instrumentos, está permanentemente mobilizado para reconhecer critérios especiais e casuísticos para atender aos setores economicamente mobilizados e com capacidade de pressão política. Revista Jurídica 352 - Fevereiro/2007 - Doutrina Cível 17