DOENÇA DE DUPUYTREN Milton Bernardes Pignataro1 A doença de Dupuytren , foi inicialmente descrita por Plater há cerca de 400 anos. A patofisiologia da doença de Dupuytren envolve uma herança genética, tem maior Após os trabalhos do cirurgião Frances, Barão prevalência em homens, descendentes do Guillaume Dupuytren, em 1830, esta patolo- norte da Europa, McFarlane(1) mostra em seu gia recebeu seu nome. trabalho que a origem vem de tribos germânicas entre 1200 e 200 AC, foi disseminada por Vickings, sendo rara nos países orientais e africanos. A hereditariedade parece ser autossômica dominante com penetração variável, irmãos de pacientes com doença de Dupuytren apresentam uma tendência 3 vezes maior de desenvolver a doença do que a população em geral.(2) A doença se apresenta em forma nodular e Fig.1 - Barão Guillaume Dupuytren em forma de cordas. Os nódulos são localizados na palma da mão, sendo firmes, podendo 1 Santa Casa de porto Alegre, Clínica da Mão de Porto Alegre 1 ter pontos de retração. As cordas são uma pro- de 2:1até 10:1, tendendo-se a equalizar com a gressão destes nódulos , estendendo-se proxi- idade avançada. Esta claro em todos os estu- mal ou distal e podem levar à uma flexão dos dos que a prevalência da doença de Dupuytren dedos. As cordas são estruturas de colágeno é maior em pessoas descendentes do norte da altamente organizados arranjados em paralelo Europa.(4) e matriz hipocelular. As cordas são compostas A doença de Dupuytren esta associada por colágeno tipo III, a fascia palmar normal com diabetes, alcoolismo, epilepsia, fumantes, é composta predominantemente por colágeno AIDS, e doenças vasculares. Estas associações tipo I. O principal elemento de contração na não tem relação de causa e efeito, mas sim doença de Dupuytren é o miofibroblasto. Is- são sub-populações que estão mais frequen- quemia e trauma são fatores desencadeantes, temente afetadas pela doença de Dupuytren. associados à predisposição genética, idade e Provavelmente estas doenças causem alterações sexo masculino.(3) teciduais e em nível molecular que deixam seus fibroblastos sucetiveis ao desencadiamento da EPIDEMIOLOGIA A doença de Dupuytren é mais comum entre homens após os 40 anos de idade a sua incidência apresenta variações geográficas, estudos Noruegueses e Britânicos mostram uma incidência de 16% a 28% em homens com mais de 65 anos. Estudo entre quase dez mil veteranos americanos mostra que 91% eram diferenciação de fibroblastos em miofibrobastos, começando o desequillibrio na renovação do colágeno. A atividade profissional não causa a doença de Dupuytren, mas um trauma pode iniciar a doença clínica em uma pessoa geneticamente predisposta. DIÁTESE DE DUPUYTREN brancos, 4 % pretos, 2% hispânicos e o restante Diátese de Dupuytren é um termo cunha- entre índios, asiáticos e outros. A incidência é do por Hueston, que se caracteriza por uma maior em homens do que e mulheres, variando 2 forma mais severa da doença de Dupuytren, que se caracteriza por início em uma idade mais precoce, envolvimento bilateral, história familiar importante e uma evolução rápida. Estes pacientes são conhecidos por terem nódulos ectópicos, incluindo fibromatose plantar (doença de Lederhosen), deformidade no pênis (doença de Peyronie) e nódulos no dorso nas interfalangeanas proximais (IFP) (nódulos de Garrod). Hueston descreveu uma Fig.2 - Fascia palmar normal e suas divisões A porção longitudinal da aponeurose central é uma estrutura triangular que se expande dis- alta incidência de recorrência e de extensão talmente em estruturas individuais chamadas de desta doença. bandas prétendinosas, estas tem três camadas de inserção distalmente, superficial, que se insere na ANATOMIA pele, a profunda no mecanismo flexor e extensor, a camada média forma a banda espiral, que A fascia palmar normal se divide em três continua dorsal à banda neurovascular e emerge zonas, fascia palmar, fascia palmodigital e fas- distalmente como fascia digital lateral, ficando cia digital. A fascia palmar se divide em apo- lateral ao feixe neurovascular.(3)(Figura3) neurose palmar, aponeurose radial e aponeurose ulnar. A aponeurose palmar, ou central, (Figura 2) que é mais envolvida na doença de Dupuytren, pode ser dividida em três camadas com diferentes orientações, longitudinal, vertical e transversa. Fig.3 - As três camadas da banda pré-tendinosa 3 A porção vertical , é constituída pelas A porção transversa das fibras centrais da fibras verticais de Grapow e pelo septo de aponeurose palmar inclui o ligamento super- Legueu e Juvara As fibras de Grapow são su- ficial transverso proximal e o ligamento nata- perficiais e pequenas, elas fixam a derme na tório distal. aponeurose palmar. Oito septos de Lugueu e Juvara formam sete compartimentos osteofibrosos, profundos à fascia palmar. Quatro destes compartimentos contem canais para os para os tendões flexores superficiais e profundos de cada dedo, os outros três contém os feixes neurovasculares e o tendão do músculo lumbrical. (Figura 4) Distalmente, a fascia digital lateral esta localizada em cada lado do dedo e é a continuação da banda espiral e do ligamento natatório. O feixe neurovascular é circundado por quatro estruturas principais, o ligamento de Grayson, no lado palmar, o ligamento de Clealand, dorsalmente, a fascia digital lateral lateralamente e a fascia retrovascular de Thomine medialmente. (Figura 5) Fig.4 - Camada vertical cria compartimentos na mão, separados pelo septo de Lugueu e Juvara Fig.5 - Fascias normais nos dedos e ligamentos de Clealand e de Grayson 4 ANATOMIA PATOLÓGICA Na doença de Dupuytren as fascia, as bandas e ligamentos normais são transformados em tecidos patológicos contraturados, cha- que normalmente tem uma forma de U no espaço interdigital, adquire uma forma em V na corda natatória, levando à uma contratura dos segundo ao quarto espaços interdigitais. mados de cordas, esta transformação acarreta contraturas articulares, rigidez, diminuição da mobilidade da pele, a contratura das fascias e bandas notadamente alteram a anatomia das estruturas ao seu redor. O espessamento da pele observado na doença de Dupuytren é causado pela transformação das fibras superficiais de Grapow em pequenas microcordas. A banda pré-tendinosa é a estrutura mais comumente envolvida e resulta em contratura das articulações metacarpo-falângicas (MF). A camada superficial da corda pré-tendinosa se insere na pele e causa o aprofundamento da pele (fig 6 A). As bandas verticais se transformam em cordas verticais, sendo um septo de Legueu e Juvara patológico, podendo levar em casos severos à uma tenossinovite estenosante dolorosa. O ligamento superficial transverso da aponeurose palmar não é afetado na doença de Dupuytren. O ligamento natatório Fig.6A - Corda Pré-Tendinosa e corda central. 6B: Corda espiral deslocando o feixe neuro-vascular A corda espiral é formada a partir de quatro estruturas: a camada media da banda prétendinosa, a banda espiral, a fascia digital lateral e o ligamento de Grayson.(fig 6B) Na mão a acorda é superficial ao feixe neurovacular até o nível da articulação MF, onde passa profundamente ao feixe, a corda espiral então passa a ser lateral ao feixe, onde passa à envolver a fascia digital lateral. Distalmente a corda é superficial ao feixe neurovascular e se funde com o ligamento de Grayson. O ligamento de Clealand 5 não é acometido pela doença de Dupuytren. Na fase inicial a corda espiral se enrola de forma espiral no fiexe neurovascular, mas com a evulução da contratura, a corda fica reta e se desloca em direção a linha média, assim deslocando o feixe neurovascular que fica exposto à um risco maior de lesão iatrogênica durante a cirurgia. No quinto dedo a corda pode estar isolada e se originar da junção músculo tendinosa do músculo abdutor do quinto dedo, esta é chamada de corda do abdutor do quinto dedo, que geralmente é superficial ao feixe neurovascular e não desloca o mesmo. A corda central é uma estrutura na linha media do dedo que começa como uma extensão da corda pré-tendinosa palmar e se insere na base da falange média e na bainha tendinosa. Esta corda tipicamente não desloca o feixe neurovascular , mas causa flexão da IFP e também da articulação interfalangeana distal. (IFD). A corda retro-vascular que sai da fascia digital dorsal ao feixe neurovasacular, pode se associar com a corda lateral e causar contratura em hiperextensão da IFD. QUADRO CLÍNICO Na fase inicial a fibrose das fibras de Grapow leva à um espessamento da pele palmar, com formação de nódulo indolor, evoluindo para a formação de corda através da contração das miofibrilas e conversão de componentes celulares em matriz de colágeno relativamente acelular, as cordas que ficam fixas a pele podem parecer tendões flexores. Pacientes que apresentam flexão da MF maior do que 300 , geralmente não conseguem colocar a mão espalmada na mesa. Não são todos os nódulos que se transformam em cordas que evoluem para contratura em flexão, estudos mostram que somente 50% dos pacientes com nódulos palpáveis desenvolverão cordas e apenas uma pequena porção destes necessitarão cirurgia. O quarto raio é o mais afetado, seguido pelo quinto, quarto, segundo e o polegar. A contratura em flexo da MF geralmente começa antes da IFP, a contratura começa na palma e se estende distalmente para os dedos 6 TRATAMENTO CONSERVADOR As modalidades de tratamentos não cirúrgicos tem aumentado nos últimos anos. Os nódulos devem ser observados, uma vez que somente alguns desenvolverão cordas e nem todas evoluirão para contratura. Nos casos em que existe contratura estão descritos técnicas de tratamento não cirúrgicos tais como fasciotomia percutânea e o uso de colagenase. consultório sem o uso de anestesia, no dia seguinte é feita manipulação para ruptura das cordas.(5) Estudos mostram um bom ganho da extensão de contraturas, tanto da MF, quanto das IFP, porém necessitam de até três aplicações em intervalo de trinta dias. Estão descrito complicações tais como necrose de pele, dor e edema, rupturas tendinosas também já forma descritas, mas estas são mais raras (menos de 1%). Apresenta um alto custo e ainda não esta disponível em todos os países. A fasciotomia percutânea, com uso de agulhas como descrita por reumatologistas franceses ou por mini incisões, é usada para TRATAMENTO CIRÚRGICO secção da corda contraturada em múltiplos O tratamento cirúrgico está indicado para níveis com mobilidade precoce ativa e passiva os casos em que existe contratura da MF maior e uso de órtese noturna para extensão nos casos do que 300 ou quando ocorre flexão da IFP, na mais contraturados, contudo apresenta um alto pratica de consultório orientamos o paciente grau de recidiva, sendo uma de suas indicações de quando não for mais possível colocar a mão a realização em pacientes que não apresentam espalmada sobre uma superfície plana é que é condições clinicas para serem submetidos à um o momento para tratamento cirúrgico. O trata- procedimento anestésico ou cirúrgico maior. mento cirúrgico é feito através de fasciotomias, O uso de colagenase, que são duas enzimas fasciectomias,que podem ser locais, segmentares derivadas do Clostridium histolyticum que e as limitadas, ou mesmo dermofasciectomias.(3) provocam uma lise das cordas de colágeno é A fasciotomia é uma secção da corda sem relativamente novo e pode ser realizado no resecção da mesma, podendo ser realizada com 7 o uso de agulhas ou de pequenas incisões. hematoma, que pode levar à complicações. A fasciectomias é a resecção da fascia pa- Na dermofasciectomia é retirada a pele tológica, que pode ser de um só local através que cobre a área contraturada e coberto com de uma pequena incisão ou como Moermans enxerto de pele. descreveu a fasciectomia segmentar, através A fasciectomia radical não é mais usada de múltiplas pequenas incisões, são procedi- porque retirava toda a fascia, patologia e nor- mentos menos invasivos, mas com um maior mal, apresentando índice de complicações percentual de recorrência. como edema e rigidez no pós operatório. A faciectomia limitada é aquela em que é Os casos que apresentam contratura acen- dissecado o tecido patológico e retirado, pre- tuada da MF ou contratura da IFP ao invés servando a fascia não patológica (figura 7), da MF apresentam um pior prognóstico. A sendo esta a técnica mais usada. Consiste em recorrência do flexo nas IFP é maior do que dissecção entre a fascia e a gordura ou a pele, nas MF. Os pacientes que apresentam uma quando aderência for mais superficial. O teci- grande contratura e flexo da IFP maior que do patológico é dissecado e elevado, de proxi- 600 e que não são comprometidos com a mal para distal, corrigindo gradualmente fisioterapia, apresentam um maior grau de a contratura e tornando a dissecção distal recorrência. Sendo portanto indicado o tra- mais fácil . Deve-se ter um cuidado especial tamento cirúrgico quando começar haver na dissecção do feixe neurovascular que deve flexão da MF, quando necessita manipulação ser identificado e protegido, tendo em mente e extensão de articulações com muita flexão que o mesmo pode estar fora de sua anato- pode ocorrer espasmo arterial e isquemia dos mia normal, deslocado para a linha media. A dedos, devendo nestes casos limitar a exten- hemostasia cuidadosa previne a formação de são dos dedos. 8 O fechamento pode ocorrer por fechamento direto, avanço de retalhos, enxerto de pele ou por segunda intenção quando deixados aberto técnica da palma aberta, descrita por McCash, quando devem ser feitos curativos diários, fazendo banhos de imersão da mão com exercícios ativos de flexo extensão, apresentando um melhor resultado funcional do que em Fig.7A - Contratura em flexo to 4 QDD. B - Planejamento da abordagem cirúrgica. C - Dissecção e exposição da fascia patologia. D - REsecção da fascia patológica pacientes com enxerto de pele que necessitam maior tempo de imobilização. (Figura 9) ABORDAGENS CIRÚRGICAS Foram descritas diferentes tipos de abordagens cirúrgicas, tais como incisão longitudinal e fechamento com zetaplastia, incisão de Brunner com fechamento primário, incisão em Z com fechamento em V-Y com avanços dos flaps, incisão transversa na prega palmar distal e prolongamento em Z proximais e distais(5-6-7) (Figura 8). É importante na dissecção procurar manter uma espessura adequada de pele para evitar necrose dos flaps. Nenhuma incisão de estar cruzando uma prega de flexão perpendicularmente no momento do fechamento. Fig.8A -Abordagem transversa na prega palmar distal e prolongamento distal conforme Bruner. 8B- Incisão longitudinal e fechamento em Zetaplastia. 8C - Fechamento em V-Y com avançamento dos flaps. 8D - técnica da palma aberta descrita por McCash 9 Todo tratamento cirúrgico da contratura deformidades maiores e em fumantes. de Dupuytren deve ser realizado com o uso de garrote pneumático, para uma visualização adequada das estruturas, mas este deve ser solto antes do fechamento para uma adequada hemostasia, com cautério bipolar. RECORRÊNCIA Apesar dos resultados cirúrgicos serem satisfatórios os pacientes devem ser informados da possibilidade de recorrência da doença ou de desenvolver contraturas em outras áreas da mão, existindo uma complexa relação entre predisposição genética, fatores ambientais e patofisiologia da doença. O tratamento cirúrgico não é totalmente curativo, o objetivo é liberar as contraturas articulares e melhorar a Fig.9A - Retração da cordaa com flexo do 4 QDD. 9B - Fechamento pela técnica de McCash 9C e 9D - Cicatrização e mobilidade obtida pela técnica de McCasch função da mão. A recorrência da doença aumenta com o tempo e é maior em pacientes com a diátase de Dupuytren, especialmente aqueles que apresentam flexão acentuada da IFP. COMPLICAÇÕES Estão descritas complicações relativas a cicatrização e cobertura em torno de 20%, as lesões de artéria e nervos são relatadas em aproximadamente 2% dos casos, infecção em 2,5%, distrofia simpático reflexa em 6%. As complicações são maiores em paciente com O procedimento cirúrgico na recorrência apresenta um maior índice de complicações porque a anatomia esta muito alterada, diversos autores preferem dermofasciectomia nestes casos porque a pele esta geralmente comprometida e contraturada. Deve ser ter em mente que procedimentos mais agressivos tais como 10 capsulotomia, artrodese IFP ou até mesmo amputações podem ser necessários.(5) PÓS OPERATÓRIO O paciente é mantido imobilizado em curativo acolchoado em extensão das articulações em torno de 3 dias, 10 dias em pacientes com enxerto, posteriormente é encaminhado para fisioterapia, mesmo nos casos de palma aberta, devendo ser cuidado as cicatrizações, aderências e ênfase na mobilidade das articulações, comumente são usadas órteses para diminuir edema e para manter a extensão articular. As suturas são removidas com 14 dias de pós operatório. O uso prolongado de órteses estáticas deve ser evitado porque este pode levar à um aumento da resposta fibroblastica que diminuiria a mobilidade final. Podendo ser usados órteses dinâmicas durante o dias e estáticas à noite. Os exercícios para mobilidade articular devem persistir até a maturação da cicatriz (até um ano de pós operatório). 11 BIBLIOGRAFIA 1. 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