A TÉCNICA DA PALMA ABERTA NA CONTRATURA GRAVE DE DUPUYTREN SEGUNDA SEÇÃO ORTOPEDIA GERAL A técnica da palma aberta na contratura grave de Dupuytren* JEFFERSON BRAGA SILVA1, HILDO FERNANDES2, MONIK FRIDMAN3 RESUMO A contratura de Dupuytren consiste em doença fibroproliferativa que acarreta o espessamento e retração da fáscia palmar, levando invariavelmente ao déficit de extensão digital. A etiologia e a patologia são controversas e várias formas de tratamento foram descritas na literatura. Este estudo tem como objetivo demonstrar a experiência dos autores no tratamento dessa patologia. Em um período de 48 meses, 30 pacientes foram submetidos à fasciectomia regional. Em todos os casos, utilizou-se a técnica cirúrgica da palma aberta, proposta por McCash. Na totalidade dos pacientes houve acometimento da borda ulnar da mão – anular e mínimo. Foram necessários 25 dias, em média (extremos: 20 e 40), para completar a cicatrização cutânea. Obteve-se déficit residual articular médio de 20º, sempre ao nível da articulação interfalangiana proximal. Unitermos – Dupuytren; McCash; palma aberta SUMMARY The open palm technique in severe Dupuytren contracture Dupuytren contracture consists in a fibroproliferating pathology which leads to thickening and retraction of the palmar fascia and digital extension deficit. Its etiology and pathology are controversial and there are several forms of treat- * Trab. realiz. no Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. São Lucas – PUCRS, e na Clínica SOS-Mão, Porto Alegre. 1. Especialista pela Soc. Bras. de Cirurgia da Mão e Assoc. Méd. Bras.; Preceptor da Resid. Méd. do Hosp. São Lucas – PUCRS; Diretor da Clín. SOS-Mão, Porto Alegre. 2. Residente, 2º ano, Hosp. São Lucas – PUCRS. 3. Chefe do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hospital São Lucas – PUCRS. Endereço para correspondência: Jefferson Braga Silva, Clínica SOS-Mão, Rua Dona Laura, 354/301 – 90430-090 – Porto Alegre, RS. Tel/fax: (051) 330-6184. E-mail: [email protected]. Rev Bras Ortop _ Vol. 34, Nº 1 – Janeiro, 1999 ment described in the literature. The present study presents the authors’ experience in treating this pathology. Over the period of 48 months, 30 patients have undergone regional fasciectomy. The “open palm” surgical technique proposed by MacCash has invariably been used. All the patients had commitment of the ulnar border of the hand (4th and 5th fingers). Cutaneous scaring took an average of 25 days (extremes 20-40). There was a mean residual articular deficit of 20º, always at the proximal interphalangeal joint. Key words – Dupuytren, McCash, open palm INTRODUÇÃO A contratura de Dupuytren é uma doença fibroproliferativa da fáscia palmar que, em sua forma mais evolutiva, ocasiona déficit de extensão digital. Sua etiologia é controversa e inúmeras técnicas cirúrgicas já foram descritas. Essa série evoca aspectos estatisticamente significativos, como a hereditariedade, ausência de trauma precedente como fator etiológico e, principalmente, as vantagens e desvantagens da técnica cirúrgica empregada, aquela proposta por McCash(16) nas contraturas graves da enfermidade de Dupuytren. MATERIAL E MÉTODOS Num período de 48 meses, 30 pacientes foram submetidos à fasciectomia palmar, devido ao diagnóstico clínico da doença de Dupuytren, com predominância do sexo masculino (80%) e idade média de 52 anos (extremos de 29 e 72). Foram submetidos a estudo retrospectivo, não randomizado e com análise descritiva. A série em estudo situa-se no período de janeiro/1994 a dezembro/1997, com seguimento pós-operatório médio de 24 meses. Havia antecedentes familiares em 50% dos casos, não necessariamente em ascendência direta, mas na segunda geração (13 pacientes). 51 J.B. SILVA, H. FERNANDES & M. FRIDMAN Fig. 1 – Caso 1. Contratura de Dupuytren, quarto e quinto dígitos. Fig. 2 – Caso 1. Pós-operatório imediato. Fig. 3 – Caso 1. Perda de substância cutânea. Fig. 5 – Caso 1. Dezesseis dias de pós-operatório. Fig. 4 – Caso 1. Oito dias de pós-operatório. Fig. 6 – Caso 1. Trinta e cinco dias de pós-operatório. Vinte e oito pacientes não relatavam história de trauma precedente ao aparecimento da doença. A bilateralidade apresentou-se em 80% (24 pacientes). O tempo de evolução da patologia variou de dois a nove anos (média de 4,8). Nenhum dos pacientes havia sido submetido a cirurgia prévia para a doença de Dupuytren. Seguimos a classificação preconizada por Tubiana et al.(25), na qual a soma dos déficits de extensão das articulações metacarpofalângicas (MF), interfalângicas proximais (IFP) e interfalângicas distais (IFD), medidas ao goniômetro digital, encontram-se em quatro estágios: grau I → 0-45º, grau II → 46–90º, grau III → 91-135º e grau IV → > 135º. Em relação ao dígito envolvido e ao déficit de extensão, observou-se: 52 Fig. 7 Caso 1. Resultado final. Dígito Déficit de extensão Anular Média de 110º – (98º-130º) Grau III Mínimo Média de 145º – (140º-155º) Grau IV Na totalidade dos pacientes, a técnica cirúrgica empregada foi a preconizada por McCash(16), com prolongamento digital através da incisão estabelecida por Brunner(3). Os cuidados pós-operatórios resumiram-se à troca de curativos semanais, com a ressalva de não retirar a gaze vaselinada sobre a lesão “aberta” até a total cicatrização da pele, a qual ocorreu, em média, ao 25º dia (extremos: 20 e 40). Uma tela gessada volar em posição intrinsic plus foi mantida por 15 dias, autorizando-se liberdade total dos movimentos digitais após esse período. Rev Bras Ortop _ Vol. 34, Nº 1 – Janeiro, 1999 A TÉCNICA DA PALMA ABERTA NA CONTRATURA GRAVE DE DUPUYTREN Fig. 8 – Caso 2. Contratura de Dupuytren, quinto dígito. Fig. 9 Caso 2. Resultado final. Todos os pacientes foram submetidos ao teste de Weber(5): discriminação sensitiva estática de dois pontos – em pré e pós-operatório. RESULTADOS Três pacientes referiram dor aos esforços por um período pós-operatório de quatro meses. O déficit de extensão residual, em 12 pacientes, foi de 20º, ocorrendo sempre ao nível da articulação IFP, variando de 10 a 30º. Todos esses pacientes pertenciam ao grau IV da classificação de Tubiana e ao nível do mínimo. Dentre os sete pacientes em que havia alterações de sensibilidade em pré-operatório, apenas dois não readquiriram teste igual – Weber – do lado contralateral. Cinqüenta dias, em média, foram necessários para que os pacientes retornassem a atividade manual independente. DISCUSSÃO Sua etiologia precisa e o mecanismo patológico permanecem controversos(1,2,13,18,20,22). Há relatos que associam à herança genética (gene autossômico dominante), trauma, doenças associadas (diabetes, epilepsia, alcoolismo), mas nada foi comprovado até o momento. Provavelmente, trata-se de etiologia multifatorial. Se estas patologias associadas criam um ambiente metabólico no qual pacientes suscetíveis desenvolvem a doença de Dupuytren ou se estas doenças são adquiridas juntas através de genes ligados, não se sabe ao certo(1,20). Rev Bras Ortop _ Vol. 34, Nº 1 – Janeiro, 1999 A maior incidência ocorre no sexo masculino, com uma relação de 7:1. O início do quadro clínico normalmente sucede após a 5ª década; a contratura com o déficit de extensão ocorre posteriormente(13). Na fixação do plano terapêutico, é importante determinarmos o estágio em que se encontra a doença. Dispomos de procedimentos conservadores ou cirúrgicos. Entre os tratamentos conservadores, temos: imobilização, fisioterapia, ultra-som, radioterapia, vitamina E, corticoterapia. Essas opções devem ser reservadas para casos em que a doença se apresenta no estágio dito “nodular”(8,11,14). Desde que a cirurgia tem sido considerada como o único método realmente eficaz no controle dessa patologia, muito se tem investigado quanto às técnicas cirúrgicas(4,6,7,19). Iniciou-se pelo relaxamento da fáscia contraturada (Dupuytren, 1834), pela fasciectomia (Fergusson, 1846), pela dermofasciectomia com enxerto de pele (Lexer, 1931), pela fasciectomia com preservação da pele (Skoog, 1967), pela fasciectomia regional (Hamlin, 1952 e Hueston, 1961), pela técnica da palma aberta (McCash, 1964), pela fasciotomia limitada (Colville, 1968), pela aponeurectomia segmentar (Moermans, 1986)(17) e até pela fasciotomia percutânea(4,19). As taxas de complicações, extensões e recorrências pósoperatórias variam muito(4,9,10,18,23). A taxa de recorrência, que na literatura pode variar de 28%(10) até 50%(17,25), em nossa série foi nula. Isso deve-se, certamente, ao nosso período de acompanhamento pós-operatório. Quanto às vantagens e desvantagens das técnicas da palma aberta ou fechada, há controvérsias entre os diversos autores. Há alguns que revelam suas preferências pela técnica da palma aberta de McCash(6,7,12,15,21,23,24), alegando que esta determina maior alongamento cutâneo, o que é um problema nas contraturas de longa data, além de prevenirem complicações, como o hematoma. Como desvantagem dessa técnica, há o risco de infecção e o desconforto pelo paciente de ter uma lesão “aberta”. Um estudo comparativo entre as duas técnicas foi realizado e concluiu-se que os pacientes operados pela técnica da palma fechada desenvolveram maior contratura residual(12). A contratura de Dupuytren, como vemos, é uma patologia de origem obscura e de tratamento, às vezes, controverso, mas, independente da forma de atuação, os resultados são satisfatórios do ponto de vista de recuperação funcional do paciente e encontram-se em relação direta com os estágios evolutivos da doença no pré-operatório. Em nossa série, com o emprego da técnica da palma aberta, considerando a gravidade da contratura digital em pré53 J.B. SILVA, H. FERNANDES & M. FRIDMAN operatório, obtivemos bons resultados, expressos tanto pela taxa de complicações, como pelo déficit de extensão residual (20º). REFERÊNCIAS 1. Badalamente, M., Hurst, L. & Sampson, S.P.: Prostaglandins influence myofibroblast contractility in Dupuytren’s disease. J Hand Surg [Am] 13: 867-871, 1988. 2. Barros, F., Barros, A. & Almeida, S.: Enfermidade de Dupuytren: avaliação de 100 casos. Rev Bras Ortop 32: 177-183, 1997. 3. Brunner, J.M.: The zig-zag volar digital incision for flexor tendon surgery. Plast Reconstr Surg 40: 571-574, 1967. 4. Bryan, A.S. & Ghorbal, M.S.: Long term result of closed palmar fasciotomy in the management of Dupuytren’s contracture. J Hand Surg [Br] 13: 254-257, 1988. 5. Dellon, A.L. & Kallman, C.H.: Evaluation of functional sensation in the hand. J Hand Surg [Am] 8: 865-870, 1983. 6. 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