DICA DO LUTHIER
TUTORIAL DE CUIDADOS BÁSICOS
Seu instrumento novo de novo
texto: Bruno Moscan
comum ver jovens guitarristas, baixistas e violonistas acharem a troca de cordas uma chatice,
alguns usam cordas que já não timbram mais ou tão pouco afinam por pura falta de vontade,
para não escrever preguiça de realizar a troca e ter que ajustar a corda até que ela estabilize a
afinação. Saiba que isso só ajuda na deterioração do instrumento. Imagine a seguinte situação: a
oxidação das ferragens acontece por diversas situações, umidade natural do ambiente e contato
com o suor, para quem não sabe o suor é composto de:
É
98-99% de água
Cloreto de sódio (sal), por isso o suor tem um sabor salgado
Uréia
Ácido úrico
Creatinina
O ácido lático (como resultado da fadiga muscular)
Sulfatos, lactatos, etc.
(Fonte: http://wikbio.com/pt/suor-transpira%C3%A7%C3%A3o-tratamentos-m%C3%A9dicos-erem%C3%A9dios-naturais
Essa combinação de água e sal é velha conhecida dos moradores de regiões beira – mar, conhecida
como Maresia, a umidade do ar com alta concentração de sódio (sal) danifica carros, portões,
grades, e também encordoamentos e ferragens de diversos instrumentos. Pode não parecer, mas o
suor é bastante similar á maresia que encontramos nas regiões litorâneas, não existe nada que gere
tanta ferrugem como a combinação de água e sal, além dessa mistura super corrosiva, em nosso
suor encontramos Ácido Úrico, em pouca quantidade, menos de 1% como você leu no parágrafo
acima, apesar de ser taxado como o responsável pela oxidação das cordas e ferragens, o ácido
úrico na verdade é o responsável pela deterioração da escala, aquelas manchas escuras que
aparecem nos instrumentos de escala clara, ou na parte de trás dos braços de maple, na verdade
são frutos deste ácido, em instrumentos de escala escura, onde o poros da madeira ficam
completamente expostos.
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O ácido úrico entra em contato com madeira causando o apodrecimento e quebra da fibra da
madeira, é por essa razão que em algumas guitarras encontramos deformidades na escala, alguns
pontos onde a escala parece ter afundado ou cedido, isso se deve ao fato de que, microscopicamente, a madeira é como uma esponja, cheia de túneis e caminhos, vigas e paredes, o ácido úrico
apodrece as vigas que mantém as paredes em pé, causando o desmoronamento dos andares
superiores, por isso a formação de rebaixos e ondulações na escala, claro que tudo em escala micro,
note que ainda estamos tratando apenas do braço e da escala do instrumento, vamos voltar a
oxidação e ampliar o foco, a oxidação tem uma característica muito importante e que deve ser levada
em consideração, ela se propaga por contato, ou seja, uma barra de ferro ou outro metal, em contato
com outra barra oxidada, também irá se oxidar, ou seja, se a corda de seu instrumento esta oxidada,
ela irá oxidar as tarraxas e a ponte também e se você acha que trocar a corda depois que ela esta
toda enferrujada irá resolver o problema, se enganou, pois a tarraxa ou a ponte enferrujada irá
enferrujar a sua corda nova e recém instalada, ou seja, trabalhar com cordas velhas, enferrujadas,
que não timbram mais, não afinam mais, além de prejudicar o conforto e a qualidade de seus
estudos, também lhe trarão prejuízos financeiros. Então não há saída caro leitor, você precisa trocar
as cordas de seu instrumento regularmente, o que proponho com esta matéria é transformar esse
momento, que hoje você pode achar chato, dispendioso e maçante em um momento de lazer.
As mulheres se perguntam por que alguns homens passam tanto tempo cuidando de seus
carros, chegando a gastar horas e horas em um processo de limpeza que não deveria passar de
pouco mais de vinte minutos, alguns homens se perguntam a mesma coisa, mas a resposta é
simples: cuidando carinhosamente de seu carro, o motorista cria um vínculo com ele onde é possível
reconhecer cada centímetro, sabendo identificar cada ruído novo e também qual a causa desse
ruído, é por essa razão que muitos carros com vinte, trinta anos de idade, são tratados inúmeras
vezes melhor que um veículo zero quilometro. Toda essa analogia vai servir bem ao nosso propósito
com o instrumento. Vejamos os materiais de que iremos precisar:
1 Jogo de Cordas, da marca e calibre de sua preferência
1 Frasco de Óleo de Peroba
1 Frasco de lustra móveis
2 Flanelas limpas e macias
1 Escova de dentes, velha, macia e sem uso
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Para esta matéria eu usei uma Guitarra John Petrucci Signature JPX-6 da Music Man (uma
obra prima das guitarras, braço de mahogany, escala de ébano, corpo com base em alder, tampo
de maple e tone – block de mahogany, captação da Dimarzio sendo um Liquid Fire no braço e um
Crunch Lab na ponte, a ponte é semi - flutuante com piezo nos saddles, com várias combinações
possíveis e sinceramente, o som do piezo é algo inacreditável), esta guitarra pertence a um cliente
de vários anos, Rafael Oliveira da banda Retro Rock, deixo aqui meus sinceros agradecimentos.
O primeiro passo é deitar seu instrumento confortavelmente com as cordas para cima, se seu
instrumento estiver equipado com uma ponte flutuante, é interessante você usar a alavanca, afrouxe
as cordas, fazendo o movimento para abaixar a tonalidade, agora use uma das flanelas para apoiar
a parte de baixo da ponte, isso evita que quando todas as cordas forem retiradas, as molas puxem
a ponte a ponto dela encostar na madeira do instrumento deixando marcas indesejáveis. Se as
molas de sua ponte, ou a própria ponte não oferecerem este risco, apenas proceda com a retirada
de todas as cordas, se você notar algum movimento estranho no braço, como uma leve inclinação
para trás, não se preocupe, é apenas o resultado da perda de equilíbrio das forças – Corda X
Tensor, proceda assim como na foto.
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Agora sem cordas, o instrumento está pronto para receber uma boa limpeza, aumentando a
durabilidade das ferragens e o conforto na hora de tocar, comece pelo headstock, ele deverá estar
empoeirado e com marcas de dedos, principalmente nas tarraxas, assim como na foto.
Use uma flanela limpa e o lustra móveis para realizar a limpeza do headstock, espalhe uma
quantidade pequena de lustra móveis pelo headstock e pelas tarraxas, espere alguns minutos e
lustre sem realizar fricções fortes, um polimento leve e cuidadoso é mais que suficiente, não use
cera automotiva, a não ser que ela seja a base de água, irei explicar o porque um pouco mais para
frente, o resultado será como na foto, um headstock com brilho, limpo e bem cuidado.
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Finalizado o headstock, partimos sentido a escala, é comum em muitas escalas
encontrarmos uma camada de sujeira bem aparente, para quem não sabe, quando a gente soa,
soltamos com o nosso suor camadas de células mortas, em geral, células de gordura, por isso que
é usado o termo, queimar calorias, quando se fala em suar bastante na academia, quando você
toca por muito tempo, você também começa a queimar calorias, essas células de gordura, mortas e
expulsas de seu corpo, escorrem junto com o suor pelas cordas e na escala, no caso de escala
escura (onde o poros da madeira são expostos, a umidade é absorvida pela escala), as células
começam a adentrar os poros se acumulando na entrada a ponto de entupirem. Onde o atrito entre
dedos e escala for maior a mesma permanecerá limpa, mas nas regiões de menos atrito, o acúmulo
é tanto que células invisíveis a olho nu, formam uma camada espessa e facilmente perceptível no
instrumento, veja na foto, acima de uma casa limpa e hidratada, diversas casa sujas de gordura da
mão do músico.
Existem muitos produtos que são vendidos para a função de limpar e hidratar a escala, mas
levando em consideração o preço e a quantidade recebida no frasco, não recomendo, nem uso
nenhum, então vamos usar o óleo de peroba, que tem resultado igual ou superior aos fabricados por
outras marcas, além de ser multiuso, enquanto óleos de escala, servem apenas para lubrificar a
escala. Coloque uma quantidade média, três ou quatro gotas, de óleo de peroba na outra flanela,
espalhe por toda a escala, dependendo do nível em que se encontrar a sujidade, será necessário
alguns esfregões, no princípio a escala deverá parecer levemente molhada, aguarde alguns instantes
e a escala irá absorver toda a umidade, se a escala voltar a ficar com aparência seca, passe
novamente. Uma escala saudável deve ter uma cor viva e levemente umedecida, nunca seca e pior
ainda se estiver ressecada, o ressecamento da escala poderá criar torções, empenamentos e trincas.
Se sua escala for clara, ela deverá ter uma fina camada de verniz sobre ela, então não use o óleo de
peroba, use apenas o lustra móveis e proceda como na limpeza do headstock, não se preocupe com
a hidratação da escala clara, apenas com a limpeza, após estes processos realizados, ela ficará
como na foto, limpa, com brilho e uma cor vibrante, e levemente umedecida.
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Agora é hora de verificarmos tudo o que é possível e necessário no corpo do instrumento, é bem
provável que ele esteja sujo, com marcas de dedos, poeira na região das cordas e entre as peças
que formam a ponte.
Não comece pelo corpo, vamos começar pelo hardware, a ponte deve estar empoeirada e
com possíveis oxidações nos parafusos dos saddles. Use uma escova de dentes, velha, macia e
com uma gota de óleo de peroba para escová-la, isso irá tirar a poeira que existe entre os saddles e
demais partes da ponte, remover o excesso de oxidação nos parafusos e lubrificar a rosca dos
mesmos, é importante que a escova seja macia para não riscar a ponte, faça esse processo com
cuidado para não causar riscos na ponte, após fazer isso, use a flanela que esta suja com o óleo de
peroba para secar a ponte e as demais partes, não deixe resíduo de óleo, porque ele pode virar um
agente oxidante, faça o uso correto, secando-o bem após a limpeza da ponte, não aplique óleo a
mais que o necessário, uma única gota basta, o óleo é apenas para que não haja atrito das cerdas
da escova com a superfície da ponte, evitando riscos.
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Com a ponte já limpa e seca, sem resíduo de óleo, partimos para os captadores, neste
caso, existem formas distintas, que dependem do modelo do cover (capa) do captador, o cover dos
Dimarzio usados na JPX-6, nossa guitarra do teste, são ásperos e escuros, aplique uma nova gota
óleo de peroba na escova de dente e escove a superfície dos covers, limpe o excesso com a flanela,
não deixe umidade no pólos para que o óleo não se transforme, de um agente de limpeza, para um
agente oxidante, se o cover do seu cap for liso como os Single Coils de Strato, ou como os
Humbuckers de Cover Metálico, não use óleo de peroba, uma quantidade mínima de lustra móveis e
uma flanela é a melhor solução de limpeza, não deixe resíduo de lustra móveis nos pólos para não
oxidar, use lustra móveis também na chave seletora e nos botões,
continue o processo de polimento das peças até que todas estejam sem
resíduos de óleo ou lustra móveis, qualquer quantidade de umidade é o
suficiente para promover o início de pontos de oxidação.
Enfim, vamos limpar o corpo do instrumento. Para limpar o corpo do
instrumento você deve usar o lustra móveis ou cera a base de água,
jamais use cera automotiva, por duas importantes razões, primeira, cera
automotiva contém solventes, nos carros a pintura em geral leva uma base
de primer, tinta poliuretana e verniz também de poliuretano, todos com
acabamento duro e vitrificado, neste caso o solvente presente na cera,
ataca somente a primeira camada de pintura, puxando o brilho das
camadas inferiores para as camadas superiores, mesmo nos autos, o uso excessivo de cera pode
danificar a pintura, já um instrumento musical tem o acabamento construído em geral em três
camadas, seladora, tinta a base de nitrocelulose e uma fina camada de verniz, também de
nitrocelulose, todas em camadas finas, pois uma camada grossa inibe a vibração do instrumento e
consequentemente, empobrece seu timbre, usar a cera automotiva no instrumento faz com que a
cera puxe o brilho das camadas inferiores, muitas vezes esta camada é a própria seladora.
Mesclando as camadas superiores, a proteção e a qualidade do acabamento é perdida,
talvez não no primeiro uso, mas não arrisque. A segunda razão é que as ceras automotivas são
ativadas com calor gerado entre a fricção da massa polidora e a superfície a ser polida, essa fricção
pode esquentar a nitrocelulose a ponto de danificar por
completo a primeira camada de proteção do instrumento (o
verniz, no caso de acabamentos em Laca, que é comum na
maioria dos violões e guitarras de cor transparente), mesmo na
aplicação a mão, sem o uso de máquinas como a politriz, o
dano ao acabamento se percebe logo nas primeiras aplicações.
Você já deve ter visto no youtube ou em outro lugar, vídeos
onde Luthiers em grandes fábricas ou mesmo em suas oficinas
particulares, usam uma ferramenta para polir muito semelhante
a politriz, mas antes de ter opiniões erradas a respeito disto,
observe que o disco de polir é bem maior que o da politriz e a
velocidade é menor, isso quer dizer que há menos atrito, menos
atrito é igual a menos aquecimento da superfície, e mesmo
assim é comum vermos nestes vídeos, as pontas dos rolos de
polimento, estarem pintadas com a cor do instrumento que esta
sendo polido, isso acontece porque mesmo em temperatura
menor o atrito é suficiente para danificar uma finíssima camada
da superfície, retirando sua tinta, agora imagine se fosse o seu
instrumento com cera automotiva e uma politriz como um carro
na funilaria, os danos seriam realmente sérios.
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Agora que você entendeu o porque de não usar a cera automotiva, espalhe o lustra móveis ou a
cera a base de água – sem solventes – espere alguns instantes para que o produto fique quase
seco e então inicie o processo de polimento, a mão e sem forçar, não tente ser uma politriz
humana, apenas faça movimentos circulares e sem aplicação de força, isso já é o suficiente para
deixar sua guitarra limpa, com brilho e sem marcas, assim como na foto.
Proceda da mesma maneira em toda a parte de trás do instrumento, polindo sem causar
fricção, apenas limpando e retirando as manchas, até que ele fique como nas fotos.
Agora que você conheceu um pouco mais sobre sua guitarra, achou alguns riscos que você
nem mesmo sabia que estavam ali, podemos proceder com a instalação do novo conjunto de
cordas, a primeira coisa é esquecer um mito, que não tem nada de real que é, deixar as cordas
soltas após a tarraxa, sem cortar, apenas enrolando ou nem mesmo isso, pois muda o timbre da
guitarra, deixando-a com um timbre diferente das outras. Isso não existe, o timbre gerado pela corda
existe entre o nut e o último ponto de apoio no saddle, a corda que existe entre o nut e a tarracha
não influencia no timbre, tão pouco a corda que existe após a tarraxa. Então esqueça essa onda de
guitarra cabeluda, é falso, guitarras como a da foto abaixo nunca mais.
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Colocar a corda de forma correta e elegante é fácil e simples, prenda a corda na ponte,
obedecendo a forma correta de instalação, que varia de acordo com a ponte. No caso de Floyd
Rose, corte a base da corda, pouco antes da bolinha e do nó, deixe apenas a ponta lisa e a prenda
no saddle da forma correta, em nossa guitarra de teste, a instalação correta é similar a de uma
strato, ou seja, atravessando a corda pelo bloco da ponte.
Posicione o furo da tarraxa de forma alinhada com o braço do instrumento, coloque a corda
na tarraxa correta e a estique.
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Após a tarraxa meça, para cordas agudas 5 cm e para as cordas graves 3 cm, corte com a
ajuda de um alicate.
Volte a corda, deixando apenas uma pequena ponta, menor que 1 mm, e rode a tarraxa
apertando a corda até a tensão necessária.
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Proceda da mesma forma com as outras cordas, seguindo o padrão de 5cm para as cordas
agudas e 3cm para as cordas graves, afine a guitarra sempre meio tom acima e toque por algum
tempo, conforme a afinação se estabilizar, diminua para ¼ de tom acima, até que ele se estabilize
no tom correto, após todo este trabalho sua guitarra terá a aparência de nova e pronta para o uso,
assim como na foto.
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Espero ter ajudado você caro leitor a se familiarizar com uma situação necessária para o bom
uso de seu instrumento, esses procedimentos, apesar de serem muito simples, garantem a você
muita economia, uma escala bem hidratada garante maior duração de sua regulagem, ferragens
bem cuidadas garantem maior duração de seu jogo de cordas e evita a troca de peças
desnecessariamente, um instrumento limpo e confortável, garante um melhor aproveitamento nos
estudos e nas práticas diárias, assim como no timbre gerado por ele, evite realizar manutenções em
seu instrumento, para isso, procure um luthier capacitado, é comum encontrarmos em oficinas de
diversos luthiers, projetos de faça você mesmo, que acabaram mau, não arrisque a vida de seu
instrumento nas mãos de quem não entende, mesmo que ela seja as suas mãos, agradeço a sua
leitura e até a próxima.
Rua Marrey Marques de Oliveira nº 435
Colina Verde Tatuí - São Paulo
15 3251 3412 / 15 99657 5053
Bruno Moscan é luthier e proprietário da
Total Tone em Tatuí.
[email protected]
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