João Santa-Rita
Arquitecto no atelier SANTA-RITA
ARQUITECTOS
O urbanismo em prol
de uma melhor qualidade
de vida
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As cidades diferem muito na sua estrutura, na sua topografia, nas suas construções e finalmente nos seus espaços, naquilo em que a cidade é verdadeiramente percorrível e utilizável por todos quantos a habitam e visitam.
As cidades são tanto mais marcantes e ricas quanto o carácter da cultura dos seus habitantes e, como tal, reflectem as
diversidades culturais que presidiram à sua génese. Revelam ainda as diferentes geografias nas quais se inserem, bem
como os motivos que originaram a sua fundação.
O urbanismo é uma acção complexa, que lida com múltiplos condicionantes, aspectos e interesses, que procura incorporar os hábitos e costumes que caracterizam cada época e tempo, é um exercício que acima de tudo programa, estabelece
princípios e antecipa realidades vindouras, cujo êxito depende do modo como esses aspectos são actualizados, tomados
e interpretados na construção e na ocupação dos diversos locais.
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Cities differ sharply in their structures, topography, buildings and, finally in their spaces, in that which in the city is
truly able to be walked upon and usable by all who inhabit and visit it.
Cities are all the more striking and rich as the character of the culture of their inhabitants and, as such, reflect the
cultural diversities that have presided over their genesis. They also reveal the different geographies in which they are
placed in, as well as the motives that gave origin to their foundation.
Urbanism is a complex action dealing with multiples conditioning factors, aspects and interests, seeking to incorporate
the habits and ways that characterize each era and time; it is an exercise that above all looks for programmes, establishes
principles and anticipates realities to come, the success of which depends on the way those aspects are updated, taken in
and interpreted in the construction and occupation of the diverse locations.
N
um filme de recente produção
acerca da intervenção de Le
Corbusier em Chandigarth, na
Índia, Bernard Huet, crítico e
arquitecto, comentava no mesmo que a cidade se revelava desinteressante porque nesta «tout se pareille».
São escassas as cidades de fundação recente,
sendo também curta a experiência de vivência das
mesmas e, como tal, a sua crítica e análise fazem‑se naturalmente quase em simultâneo com o
tempo da sua realização e da sua construção.
As cidades diferem muito na sua estrutura, na
sua topografia, nas suas construções e finalmente nos seus espaços, naquilo em que a cidade é
verdadeiramente percorrível e utilizável por todos quantos a habitam e visitam.
As cidades são tanto mais marcantes e ricas
quanto o carácter da cultura dos seus habitantes
e, como tal, reflectem as diversidades culturais
que presidiram à sua génese. Revelam ainda as
diferentes geografias nas quais se inserem, bem
como os motivos que originaram a sua fundação.
As cidades são, como tal, muito diversas oferecendo ambientes e qualidades singulares. As cidades,
que hoje conhecemos e que possuem vida própria, são as grandes cidades, as que permanecem
desde há séculos e milénios, as que sobreviveram
às alterações políticas, sociais e económicas e ainda às tragédias e acidentes naturais, provando saber adaptar-se e ultrapassar os constrangimentos
e obstáculos que ao longo dos tempos se interpuseram no desenrolar da sua história.
Essas cidades vitoriosas souberam também
consolidar e cativar habitantes, sedimentar e captar novos usos e riquezas, bem como modernizar-se de forma a acomodar as novas exigências.
Será difícil pensar exigir-se mais a uma Cidade
Histórica do que o esforço que representa a instalação sob o seu solo de uma qualquer Rede de
Metropolitano.
As cidades são tanto mais atractivas quanto oferecem diversos níveis e possibilidades de realização e de prazer os quais vão desde a oportunidade
de trabalho, às actividades culturais, à oferta de
conhecimento e aprendizagem, aos seus ambientes, valores patrimoniais e paisagem.
O prazer e a qualidade de vida numa cidade
mede-se e conquista-se de muitas formas e que
implica com a sua estrutura e o modo como esta
proporciona uma vivência mais ou menos enriquecedora.
Resultando a felicidade de cada um porventura
de uma complexa trama de relações para a qual
concorre todo um conjunto de aspectos.
Chandigarth poderá parecer uma cidade pouco estimulante, decorrente de um acto de Urbanismo Funcionalista, em que tudo está próximo
e distante de acordo com a compartimentação
da mesma em áreas com utilizações específicas,
como a habitação, a indústria, o conhecimento,
entre outros.
No entanto, e apesar dessa leitura mais crítica, o filme revelava uma outra cidade na qual as
suas qualidades pareciam residir no modo como
os seus habitantes, de todas as idades criavam
vivências e modos diversos de apropriação e de
utilização dos seus espaços. Assim, transparecia
no decorrer do filme a felicidade das crianças
que brincavam nos espaços próximos das habitações, a vivacidade dos mercados e das áreas
comerciais.
Parecia que apesar da rigidez da Estrutura Urbana de Chandigarth, os seus habitantes tinham
sabido sobrepor e transformar essa realidade em
seu proveito e em favor das suas necessidades,
bem como do seu modo de vida, humanizando‑a e conferindo-lhe o carácter e a intensidade de
uma cidade do Oriente apesar de influenciada
pela cultura do Ocidente.
É certo que o urbanismo, enquanto disciplina,
é coisa recente, sem esquecer contudo as experiências do passado, as idealizadas, as edificadas
e o contributo de muitas culturas e civilizações,
como seja o exemplo da civilização romana.
O urbanismo é cada vez mais uma acção complexa que lida com múltiplas condicionantes, aspectos e interesses, a qual procura incorporar os
hábitos e costumes que caracterizam cada época e tempo. Veja-se o caso recente da necessidade de implementação de ciclovias nas cidades, a
qual estando ainda longe de ser concretizada já
se vê confrontada com a eventualidade de criação
de corredores para novos modos de transporte,
como seja o caso do Segway.
O homem é como tal uma fonte inesgotável
de invenção, que informa e condiciona a estrutura das cidades.
As cidades são realidades criadas pelo homem,
proporcionando o seu relacionamento e a cons-
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trução de hábitos comuns. Em cada momento procuram uma resposta aos problemas com
os quais se deparam, projectando-se no futuro.
Lisboa por exemplo é um patchwork que se foi
consolidando e revelando ao longo do tempo.
A minha experiência de habitar Lisboa é possivelmente idêntica à de tantos outros e revela o
modo, como por detrás de tantas estruturas da
cidade, se consolidam vivências e prazeres que
se traduzem na qualidade do habitar.
Habitei em diversos locais da cidade, quase sempre na procura da qualidade que ambicionava em
cada momento – uma maior proximidade da história, uma maior proximidade do centro tradicional,
uma maior proximidade do trabalho, etc.
Esse facto atesta em si uma qualidade associada à diversidade de ambientes e de paisagens e
dos usos que a cidade possibilita.
Cresci na fronteira entre uma ocupação remota e uma área de expansão a seu tempo nova – a
abertura da Avenida Infante Santo. Hoje compreendo como essas duas realidades da cidade,
apesar de distintas no tempo de construção e na
sua forma, proporcionavam no entanto qualidades muito similares.
O urbanismo poderá ser uma acção mais ou
menos participada e por isso poderá reflectir diferentemente as expectativas da sociedade, sobre
um determinado local. Mas o urbanismo não deixa de ser um exercício que acima de tudo programa, estabelece princípios e antecipa realidades
vindouras, cujo êxito depende do modo como
esses aspectos são actualizados, tomados e interpretados na construção e ocupação dos diversos
locais. A relação que poderá existir entre o urbanismo e o seu sucesso, enquanto realidade edificada, traduz-se na capacidade de produzir bem‑estar, no sentido mais abrangente do termo.
A qualidade não parece ser tanto algo que se
possa determinar mas antes algo para o qual se
poderá caminhar através de estratégias de inclusão, de incorporação, ainda que de um novo
modo, de valores, de hábitos e de tradições.
O urbanismo deverá ser uma acção de abertura e não de selecção – é diferente afirmar isto
vai ser assim, do que isto poderá vir a ser assim
– e nesse sentido ser uma acção que tal como as
cidades, incorpore os valores que se enunciam
em cada tempo.
O urbanismo tenderá a ser um exercício muito
menos quantitativo e muito mais qualitativo. Significando tal que as quantidades se deverão estabelecer prioritariamente em função das necessidades e das qualidades desejadas para um local.
A cidade tem por obrigação promover bem‑estar e qualidade, ou seja, possuir uma estrutura
não importa qual, adaptada e adaptável. Cabe aqui
lembrar como as construções dos conventos proporcionaram tantos usos e continuam a proporcionar transformando-se em excelentes museus,
memoráveis pousadas, intensos locais de ensino,
nobres sedes de instituições, etc.
O urbanismo poderá ser um motor da qualidade, porquanto ao invés de uma apropriação mais
espontânea do território guiada e editada muitas
vezes pela necessidade do momento, contém a
possibilidade da programação e da definição de
estratégias de actuação, ou seja pode ser uma acção dinâmica e reformulável no tempo.
A qualidade e o bem-estar estão de facto associados à estrutura da cidade e ao modo como
esta poderá proporcionar e promover as diferentes acções que constituem e caracterizam os diferentes modos de habitar. O urbanismo poderá
ser uma acção mais ou menos impositiva, autoritária, mas apesar disso não será menos potenciadora de qualidades (veja-se o caso de Paris do
barão Haussman).
Chandigarth é uma estrutura construída de raiz,
para a qual Le Corbusier ambicionava certamente
proporcionar uma determinada qualidade a todos
quantos iriam habitar a cidade. Neste caso, como
aliás em tantos outros, o urbanismo tende a ser
uma entidade que controla a realidade, revelando
simultaneamente o confronto existente entre o
momento de pensar e o momento de habitar.
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