VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
www.revistaagendasocial.com.br
O MIGRANTE NA REESTRUTURAÇÃO DO
MERCADO DE TRABALHO NA ZONA DA
PRODUÇÃO PRINCIPAL DA BACIA DE CAMPOS
FERNANDES, Joseane (UENF); TERRA, Denise
(UENF); CAMPOS, Mauro (UENF).
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DOS
ROYALTIES DO PETRÓLEO NO BRASIL
FRANKENFELD, Karoline (UERJ); SILVA, Elmo
(UERJ); MATTOS, Ubirajara (UERJ).
A ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA: DIVERSIDADE
E AUTONOMIA.
SILVA, Wanderley da (UFFRJ).
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E
EDUCAÇÃO INTEGRAL NO CONTEXTO DA
GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL.
SANTOS, Fernanda Marsaro dos (UCB).
O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES NO
DESENVOLVIMENTO E O RESGATE DA POLÍTICA
NAS POLÍTICAS PÚBLICAS.
KARAM, Ricardo (UFRJ).
O MOVIMENTO AMBIENTAL E O PODER DA
COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE EM REDE:
ANÁLISE DO INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL
ALMEIDA, Mariana (UFABC);
SILVEIRA, Sérgio (UFABC).
UMA ANÁLISE DA INCLUSÃO DE ATIVIDADES
FÍSICAS PROGRAMADAS NA POLÍTICA PÚBLICA
DE SAÚDE
*19819862*
RAMSAUER, Eduardo (UNIVALI); ; REIS, Maria José
(UNIVALI e UFSC); JOHNSON, Guilhermo (UFGD).
Passeio de sombrinhas: poéticas urbanas,
subjetividades contemporâneas e modos
de estar na cidade.
AZEVEDO, Maria Thereza (UFMT).
JOVENS: NOVOS SUJEITOS DE DIREITO.
BADARÓ, Lúbia (UFF).
INOVAÇÃO E ESTRUTURA DE GOVERNANÇA
EM AGLOMERADO TERRITORIAL: O CASO DA
PRODUÇÃO ARTESANAL DE BORDADO EM
PASSIRA - PE.
SILVA, Gleiciane (UFRPE)); XAVIER, Maria Gilca
(UFRPE).
SOBRE A POSSIBILIDADE DE ATIVIDADES
EDUCATIVAS DE CARÁTER EMANCIPADOR
SOUZA, Iael (UFPI).
TRABALHO FLEXÍVEL E METRÓPOLE
CONTEMPORÂNEA: JUVENTUDE E A
RESSIGNIFICAÇÃO DA IDENTIDADE OPERÁRIA
ARAÚJO, Renan (UEPR).
SOBRE A REVIStA
Revista semestral
interdisciplinar voltada
para a publicação de artigos
científicos que contemplem
as seguintes áreas:
1. Estado, Trabalho, Sociedade e Território;
2.MeioAmbiente,EstratégiasdeApropriaçãoeConflitos;
3. Política, Cultura e Conhecimento;
4. Educação, Política e Cidadania.
A EQUIPE
EdItORES SÊNIORS
ediTOr-CHefe
Dr. Geraldo Márcio Timóteo, UENF
EdItORES
Dra. Keila Pinezi, UFABC
Dr. Casimiro Balsa, UNL - Portugal
Dra. Silvia Alicia Martinez, UENF
Dra. Jussara Freire, UFF Campos
Dra. Simonne Texeira, UENF
Dra. Teresa Peixota Faria, UENF
EdItORES dE SEçãO
Dra. Lilian Cezar Ságio, UENF
Dr. Fernando J. Remedi, Universidad Nacional de Córdoba, Argentina
Dr. Rodrigo da Costa Caetano, UENF
Dr. José Carlos Oliveira, UFRJ
Dra. Silvia Alicia Martinez, UENF
Dra Lucilia Regina De Souza Machado, UNA
Dr. Giovane do Nascimento, UENF
Dr. Marcos Antonio Pedlowski, UENF
Dra. Marília Ramos, UFRGS
Dra. Sonia Nogueira, UENF
Dr. Sérgio Arruda de Moura, UENF
Dr. Luiz de Pinedo, IFF
Dr. Gil Sevalho
Dra. Keila Pinezi, UFABC - Brasil
Dr. Leandro Garcia Pinho, UENF
Dr. Carlos Augusto Silva, UFRJ
Dr. Marcos Vinicius Pó, UFABC
Dra. Maria Gabriela M S C Marinho, UFABC
Dr. Renan Bandeirante Araújo, Unespar/Campus Paranavaí
Dr. Mauro Macedo Campos, UENF
Dra. Marilda Menezes, Incluir
Dr. Donizete Rodrigues, Incluir
EdItORES JUNIORS
EdItORES dE LAYOUt
MSc.TeófiloAugustodaSilva,UNIFLU
Carolina Viana, UENF
Nicole Manhães Azeredo Pires, UENF / IFF, Brasil
EdItORES dE tEXtO
MSc. Anna Beatriz Esser, UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Demian Sousa Costa e Silva, UENF, Brasil
MSc. Cristiano Ferreira, UENF e UFFRJ
Licença Creative Commons
este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative
Commons attribution 3.0 .
Todos os artigos publicados nesta revista foram enviados por seus autores que
concordaram com os termos e os adequaram as normas da publicação. Todos
os textos foram avaliados por membros da comissão da revista e entendidos
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INStItUIçÕES ENVOLVIdAS
Programas de Pós Graduação em Políticas
Sociais da Universidade Estadual do Norte
fluminense darcy ribeiro (Uenf)
Programa de Pós-Graduação em Ciências
Humanas e sociais da Universidade
federal do aBC (UfaBC)
Programa
de
Pós-Graduação
em
desenvolvimento, sociedade e Cooperação
Internacional da Universidade Nacional de
Brasília (UnB).
Programa de Pós-graduação em desenho:
Mestrado em desenho, Cultura e
Interatividade, da Universidade Estadual
de feira de santana-Ba (Uefs)
aBOUT THe JOUrnaL
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interdisciplinar voltada
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1. Estado, Trabalho, Sociedade e Território;
2.MeioAmbiente,EstratégiasdeApropriaçãoeConflitos;
3. Política, Cultura e Conhecimento;
4. Educação, Política e Cidadania.
a eQUiPe -THe sTaff
SENIORS EdItOR
CHief-ediTOr
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seCTiOn ediTOr
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LAYOUt EdItOR
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Carolina Viana, UENF
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Sociais da Universidade Estadual do Norte
fluminense darcy ribeiro (Uenf)
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Humanas e sociais da Universidade
federal do aBC (UfaBC)
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de
Pós-Graduação
em
desenvolvimento, sociedade e Cooperação
Internacional da Universidade Nacional de
Brasília (UnB).
Programa de Pós-graduação em desenho:
Mestrado em desenho, Cultura e
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Agenda
Social
ELETRONIC JOURNAL
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
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EdItORIAL
Com as boas-vindas aos leitores que prestigiam esta versão da Revista Agenda
Social em seu sétimo ano. Esta edição, particularmente, inaugura novas linhas estéticas
tanto para a versão completa em PDF, que passamos a disponibilizar ainda no Volume
6, Número 1, quanto mudanças no layout do site.
A revista passa a ser semestral, com doze artigos por número, dois números por
volume, por ano, aberta, ainda, a números especiais temáticos, em edição extra. Cabe
reforçar que o recebimento dos trabalhos a serem analisados é aberta permanentemente,
requerendo, apenas, o cadastramento como autor no site da revista.
O primeiro artigo, “O migrante na reestruturação do mercado de trabalho na
zona da produção principal da bacia de campos”, escrito por joseane de souza fernandes;
denise cunha tavares terra e mauro macedo campos, apresenta um estudo sobre a região
norte-fluminense, que desde sua entrada no mercado da produção do petróleo em larga
escala sofreu mudanças sociais, ambientais e culturais, principalmente se tomarmos
em conta o papel que a migração tomou neste impacto. A atividade petrolífera após o
início da exploração da região do Pré-sal, exigiu trabalhadores mais qualificados e esta
demanda é suprida pela migração.
No artigo “Considerações sobre a aplicação dos royalties do petróleo no Brasil”,
os autores Karoline Pinheiro Frankenfeld, Elmo Rodrigues da Silva e Ubirajara Aluizio
Mattos, dão sequência à temática de estudos em torno da exploração do petróleo,
discutindo o caso dos royalties e sua conversão em apoio ao desenvolvimento estrutural
nos municípios arrecadadores. Os autores chamam, ainda, a atenção para o fato de que
não há uma estatística determinada para relacionar o pagamento dos royalties e o IDH
dos municípios afetados, clamando, portanto, por uma aplicação destes pagamentos em
melhorias sociais.
Wanderley Silva apresente em “A escola pública brasileira: diversidade e
autonomia” uma mudança sentida e apresentada pela educação básica no Brasil com
relação ao público alvo ue crescentemente visualiza a entrada e manutenção de crianças
provenientes das camadas menos abastadas. Estas, de acordo com Wanderley, eram
afastadas de maneira direta ou indireta dos bancos escolares. Apesar da entrada cada
vez maior destas crianças, a educação, que já passa por anos de abandono e descaso,
não consegue se adaptar às necessidades e características deste público, resultando
em baixos desempenhos destas escolas em exames de avaliação. O autor coloca, então,
que é necessário para o respeito à diversidade, uma mudança curricular e na forma de
avaliação destes desempenhos individuais e de grupo dentro das escolas da educação
básica no Brasil.
No quarto artigo, temos a continuação da temática da educação como política
social. Fernanda Marsaro dos Santos pretende no texto “Políticas públicas educacionais
e educação integral no contexto da globalização neoliberal” discutir as implicações de
ideias liberais no processo educacional frente as exigências da globalização, resultando
em obstáculos ao próprio crescimento e desenvolvimento brasileiro, uma vez que a
escola é falha em criar alunos críticos, capazes de pensar sobre seu papel no mundo em
que vivem. O principal objeto de estudo deste artigo é o programa “Mais Educação” do
Governo Federal que tem como objetivo capacitar de maneira multidisciplinar os alunos da
educação fundamental e media colocando a escola à disposição da sociedade oferecendo
suporte integral, buscando desenvolver habilidades e competências diferentes daquela
exigida pela escolar tradicional no contra turno.
A questão neoliberal retorna com o artigo de Ricardo Antônio de Souza Karam (“O
papel das instituições no desenvolvimento e o resgate da política nas políticas públicas”).
O autor afirma que as políticas neoliberais estão esgotadas e por isso o debate acadêmico
procura resgatar o papel das instituições no desenvolvimento de um país, e, assim,
influenciando a própria questão do desenvolvimento por ideias sobre a natureza das
instituições e seu aspecto histórico-social na concepção da própria sociedade brasileira.
Mariana Eunice Alves de Almeida e Sérgio Amadeu da Silveira, em seu artigo,
apresenta reflexões sobre o uso dos meios de comunicação, em especial a Internet, e sua
contribuição para os movimentos ambientais na atualidade. A partir da perspectiva de
Manuel Castells o texto discute as potencialidades e o poder dos meios de comunicação
para divulgação e persuasão do tema ambiental na sociedade contemporânea. É feita uma
análise do site do Instituto Socioambiental, organização não-governamental que atua na
defesa de bens e direitos sociais e ambientais. Entende-se que os movimentos sociais em
geral, e o ambiental, em particular, potencializam o alcance de seus objetivos por meio da
comunicação de seus valores. Na teorização de Castells, o poder da comunicação está na
transformação das mentes das pessoas.
Gleiciane teodoro da silva e maria gilca pinto xavier desenvolvem em “Inovação
e estrutura de governança em aglomerado territorial: o caso da produção artesanal de
bordado em passira-pe” um estudo sobre a produção de artesanato de bordado manual na
cidade de passira, levando em consideração as transformações causadas pelo incentivo à
capacitação e o trabalho cooperativo, elevando a produção e a capacidade de venda. Por
meio de entrevistas e observações os autores foram capazes de analisar dados qualitativos
e quantitativos, sendo estes últimos interpretados por meio do programa SPSS.
O artigo “JOVENS: novos sujeitos de direitos” da autora, Lúbia Badaró, procura
refletir a respeito da Política Nacional de Juventude, que surgiu após o Estatuto da Criança
e do Adolescente e passou a garantir direitos aos jovens de 15 a 29 anos. Ao promover uma
apreciação sobre o processo de construção de uma Política de Juventude, foi traçado um
pequeno percurso histórico para entender como se deu o atendimento infanto-juvenil antes
das leis que hoje lhes garantem direitos. Foram ressaltados os fatores que fizeram os jovens
com maioridade penal terem sido alijados do Estatuto da Criança e do Adolescente e quais
os propulsores da elaboração, mais tarde, de uma legislação exclusiva para a juventude.
Discutiu-se, ainda, o formato institucional adquirido pela Política da Juventude.
Eduardo Ramsauer, Maria José Reis e Guilhermo Alfredo Johnson abordam em
“Uma análise da inclusão de atividades físicas programadas na política pública de
saúde” como seria possível dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) a implantação de
atividades físicas como medidas preventivas de doenças e limitações físicas promovidas
pelo envelhecimento do corpo. Frente a uma aprovação geral dos entrevistados quanto
ao papel do educador físico nestes Núcleos de Saúde Integral (postos de atendimento
preventivos e remediadores), os autores discutem as possibilidades de modificação das
políticas públicas para desenvolvimento de outros centros como os apresentados em outras
regiões brasileiras.
Iael souza, “Sobre a possibilidade de atividades educativas de caráter emancipador”,
um texto centrado em discussões ontológicas sobre a educação e sua relação com a
autoconstrução humana, apresenta uma leitura reflexiva sobre esta formação humana e a
perspectiva do trabalho contra a do capital.
E em “Passeio de sombrinhas: poéticas urbanas, subjetividades contemporâneas e modos
de estar na cidade” de Maria Thereza Azevedo parte de uma ação do Coletivo à deriva
da UFMT e dos escritos de Deleuze e Guattari para refletir sobre subjetivação e singularização
engendradas por ações e intervenções artísticas.
Finalmente, em “Trabalho Flexível e Metrópole Contemporânea: Juventude e a A
Ressignificação Da Identidade Operária” de Renan Araújo retoma a questão do jovem dentro
do espectro da influência na produção operária após processo de reestruturação produtiva
desencadeada na região do ABC paulista a partir de 1992, produzindo um novo contexto cultural.
A extensão das temáticas dos artigos aqui publicados é um exemplo claro do acerto
em apostarmos em leitura interdisciplinar da realidade social. As matrizes teóricas utilizadas
permitem vislumbrarmos um mundo mais complexo, mais dinâmico, mais interconectado que
para ser compreendido requer de nós a abertura a novos e mais precisos argumentos que só
poderão ser construídos à medida em que nossa percepção ultrapassar a fina linha que divide
o saber entre ortodoxo e heterodoxo; avançado de retrogrado; autômato de autônomo; entre
pseudos entendimentos e entendimentos capazes de nos auxiliar de fato a agirmos no mundo. Essa
busca não tem mapa, nem verdades absolutas, mas, fatalmente, não se fará sem a publicação dos
resultados encontrados pelos nosso pesquisadores. Assim, a Revista Agenda Social espera poder
estar contribuindo para realizar, o ainda precário, movimento de divulgação científica no Brasil.
Tenham uma ótima leitura!
Teófilo Augusto da Silva
Editor-Júnior
Chefe da Equipe de Layout
SOBRENOME, Nome; SOBRENOME, Nome; SOBRENOME, Nome.
Agenda
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2
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O MiGranTe na reesTrUTUraçÃO dO MerCadO de
TraBaLHO na ZOna da PrOdUçÃO PrinCiPaL da
BaCia de CaMPOs
The migrant role in the restructuring of the labour market of the
production chief area in Basin of Campos.
fernandes, Joseane de souza (1); Terra, denise Cunha Tavares (2); CaMPOs, Mauro Macedo (3).
1.DoutoraemDemografiapeloCedeplar/UFMG.ProfessoraAssociadadaUENF(josouza_bh@hotmail.
com).2.DoutoraemGeografiapelaUFRJ.ProfessoraAssociadadaUENF([email protected]).
3.DoutoremCiênciaPolíticapeloDCP/UFMG.ProfessorAssociadodaUENF
([email protected])
RESUMO
aBsTraCT
No estado do Rio de Janeiro, a atividade
petrolífera
tem
deixado
marcas
irreversíveis na paisagem econômica,
social, ambiental e cultural nos municípios
onde vem sendo desenvolvida. Dentre as
mudançasqueaatividadepetrolíferatem
gerado, interessa-nos, particularmente,
a reestruturação pela qual vem passando
o mercado de trabalho da região da
Ompetro. Este mercado tem se tornado
mais seletivo e exigido trabalhadores mais
qualificados. Apesar da possibilidade de
transferênciaintersetorialdamãodeobra,
grande parcela da nova demanda vem
sendo suprida através de movimentos
migratórios(intraestaduais,interestaduais
e, inclusive, internacionais). Nesse sentido,
esseartigosepropõeaverificaropapelda
mão de obra local e migrante no processo de
reestruturação do mercado de trabalho na
região da Ompetro, admitindo a existência
de significativas diferenças relativas aos
papéis exercidos pelos naturais e pelos
migrantes no novo mercado de trabalho
queseconfiguranaregião.
In the Rio de Janeiro, the oil activity has
left its mark on the landscape irreversible
economic, social, environmental and
cultural in the municipalities where it has
been developed. Among the changes that the
oil activity has generated, we are interested
in, particularly, has been undergoing
restructuring in which the labor market
in the region of Ompetro. This market has
become more selective and required more
skilled workers. Despite the possibility
of intersectoral transfer of labor, a large
portion of new demand is being met through
migration (intrastate, interstate and even
international). Accordingly, this article
proposes to examine the role of local labor
and migrant in the process of restructuring
of the labor market in the region Ompetro,
admitting the existence of significant
differences concerning the roles played by
the natives and migrants in the new market
work that is configured in the region.
PaLaVras-CHaVe
Trabalho; Migração; Produção de Petróleo.
KEY-WORdS
Labor; Migration; Oil Production.
13
Introdução
A ocupação do Norte Fluminense (NF) - região que atualmente corresponde aos
municípios de Campos dos Goytacazes, São João da Barra, Macaé, São Fidélis, Conceição de
Macabu, Quissamã, Cardoso Moreira, Carapebus e São Francisco do Itabapoana, no estado
do Rio de Janeiro (ERJ) - se iniciou na primeira metade do século XVII e, de meados do
século XVIII até praticamente meados dos anos 1970, esteve relacionada à produção de cana
de açúcar. Nos anos 60, a economia do NF se encontrava estagnada devido à redução
da produtividade da indústria sulcroalcooleira relacionada à depreciação das máquinas
e equipamentos; à falta de investimentos na modernização do setor; e à perda de
competitividade no mercado interno, frente ao desenvolvimento da produção de cana de
açúcar no interior de São Paulo.
Na década de 70, o preço do açúcar no mercado internacional ficou significativamente
elevado devido à guerras localizadas e mudanças no parque industrial europeu, reduzindo
os estoques internacionais de açúcar. Em decorrência deste fato, bem como das iniciativas
do Instituto de Acúcar e do Álcool (IAA)1, o preço do açúcar se torna elevado e estimula
a produção, a fusão de usinas e a ampliação do crédito subsidiado para a expansão da
produção, sem maior controle dos órgãos fiscalizadores. Além destas facilidades houve
também o estímulo à indústria sucroalcooleira proporcionado pelo Programa Brasileiro
de Álcool ( Proálcool), que criou um superdimensionamento do parque industrial sem
a devida contrapartida na expansão da produção no campo e, consequentemente, um
endividamento do setor, comprometendo o seu dinamismo.
A década de 80 e 90 foram críticas para a economia açucareira no NF, reduzindo
drasticamente a produção, elevando a precarização das relações trabalhistas e o
desemprego na região, culminando com o fechamento de diversas usinas. Este cenário
econômico só não foi pior devido a implantação da Petrobrás em Macaé, em 1974, e o
início da exploração do petróleo na Bacia de Campos - bacia sedimentar situada na costa
norte do ERJ estendendo-se até o sul do estado do Espírito Santo.
Para Piquet (2011), a atividade petrolífera tem deixado marcas irreversíveis
na paisagem econômica, social, ambiental e cultural nos territórios onde vem sendo
desenvolvida. No caso da Bacia de Campos, os impactos da atividade petrolífera não
se dão somente sobre os municípios do norte fluminense; nessa região, apenas aqueles
localizados na região litorânea e produtores de petróleo – São João da Barra, Campos
dos Goytacazes, Quissamã, Carapebus e Macaé - sofreram impactos significativos Macaé
devido a instalação da base terrestre de operações da Petrobras e os demais municípios,
principalmente por terem se tornado beneficários das compensações financeiras (royalties
do petróleo e participações especiais) que cresceram significativamente principalmente
a partir de 1997, com o novo marco regulatório e a quebra do monopólio da exploração
e produção de petróleo. Por outro lado, municípios produtores de petróleo na Bacia de
Campos, mas não pertencentes à região norte fluminense – Rio das Ostras, Casimiro de
Abreu, Cabo Frio, e Armação de Búzios – também devem ser mencionados pelos impactos
da atividade petrolífera e por serem beneficiários dessas compensações financeiras.
A partir de 2001 estes municípios passaram a constituir a Ompetro - Organização
dos Municípios Produtores de Petróleo, e Gás e Limítrofes da Zona de Produção Principal
da Bacia de Campos. Atualmente, além destes fazem parte da Ompetro também os
municípios de Niterói e Arraial do Cabo.
No caso específico da Ompetro, segundo Piquet (2003) e Monié (2003), as
principais mudanças decorrentes do desenvolvimento da atividade petrolífera, são:
1
14
Neste período, os principais objetivos do IAA consistiam em assegurar o equilíbrio interno da produção
e a exportação do produto, por meio de pressões políticas sobre o Congresso Nacional, que redundavam na
promulgação de legislações específicas que regulassem o setor sucroalcooleiro (Silva e Carvalho, 2004).
(1) Reestruturção da atividade produtiva e do mercado de trabalho.
(2) Sofisticação e diversificação da produção, dos serviços, do
comércio e do consumo.
(3) Mudança na dinâmica demográfica regional, com a aceleração
do ritmo de crescimento populacional, devido aos movimentos
migratórios rurais-urbanos; intraestaduais; interestaduais e,
inclusive, internacionais.
(4) Recrudescimento dos movimentos pendulares entre os
municípios da região.
(5) Mudança no centro de gravidade da economia regional, devido
ao surgimento de novos espaços economicamente dinâmicos,
propiciado pelo desenvolvimento da indústria extrativa mineral
que atraiu, por efeito multiplicador, empresas privadas de capital
nacional e multinacionais direta e indiretamente ligadas à
indústria petrolífera. Vale ressaltar que Campos dos Goytacazes,
historicamente o pólo econômico regional, permanece ocupando
posição de destaque, mas perde importância relativa no âmbito
regional e estadual.
(6) Acirramento das desigualdades intraregionais2; e
(7) Nova configuração espacial, com a emancipação de alguns
municípios3. Segundo Piquet (2003), estas emancipações
relacionam-se principalmente, à crescente produção de petróleo e
ao pagamento dos royalties aos municípios produtores, que vem
estimulando uma competição intraregional pelo recurso.
Dentre as mudanças que a atividade petrolífera tem gerado, interessanos, particularmente, aquelas relacionadas ao mercado de trabalho. No processo
de reestruturação produtiva as atividades intensivas em mão de obra estão sendo
paulatinamente substituídas por aquelas intensivas em capital. Nesse processo o mercado
de trabalho se torna mais seletivo, demandando trabalhadores mais qualificados. Essa
nova demanda pode ser suprida através da transferência intersetorial da mão de obra dos
setores estagnados para os mais dinâmicos e/ou através de movimentos migratórios.
Nesse sentido, esse artigo se propõe a verificar o papel da mão de obra local e
migrante no processo de reestruturação do mercado de trabalho na região da Ompetro,
admitindo a existência de significativas diferenças relativas aos papéis exercidos pelos
naturais e pelos migrantes no novo mercado de trabalho que se configura na região.
Caracterização da região da Ompetro
Criada em 2001, a Ompetro é atualmente formada pelos seguintes municípios,
todos eles pertencentes à zona de produção principal da Bacia de Campos: São João da
Barra, Campos dos Goytacazes, Quissamã, Carapebus e Macaé, do norte fluminense; Rio
das Ostras, Casimiro de Abreu, Cabo Frio, Armação de Búzios e Arraial do Cabo, na região
das Baixadas; e Niterói, pertencente à região metropolitana do Rio de Janeiro (Mapa 1).
O principal objetivo da organização é representar os municípios no Conselho Nacional de
Política Energética, assim como nas discussões sobre a exploração e produção de petróleo
realizadas pelo governo do Estado do Rio de Janeiro.
2
Primeira onde de investimentos foi realizada pela Petrobrás, entre 1970 e 1990. A segunda onda de
investimentos, inicia-se em 1997, quando o fim do monopólio sobre a prospecção e extração do petróleo levou
várias firmas nacionais e estrangeiras a realizarem investimentos na região.
3
Armação de Búzios (1995), Rio das Ostras (1992), Carapebus (1997) e São Francisco do Itabapoana
(1997), antes distritos de Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Macaé e São João da Barra, respectivamente.
15
Mapa 1
Municípios pertencentes à Ompetro, 2012
Fonte: IBGE – Censo Demográfico de 2010
16
Até meados dos anos 70, naqueles municípios localizados ao norte predominavam
como atividades econômicas basicamente a produção sulcroalcooleira e a pecuária
bovina; na região das baixadas, o turismo e a indústria salineira. Segundo Monié (2003),
a decadência das atividades econômicas tradicionais implicou em um esvaziamento
demográfico da região. Com a instalação da Petrobras em Macaé, em 1974, e com o
início das atividades de exploração, em 1977, este panomara se altera, inicialmente pelas
atividades relacionadas à indústria do petróleo, com impactos mais significativos em
Macaé, e, posteriormente, devido ao volume de recursos que os municípios confrontantes
com os poços passam a receber e administrar, a título de compensações financeiras.
O critério de rateio das compensações financeiras em vigor está baseado na Lei
Federal nº 9.478/974, que estabelece os critérios do regime de concessão, e que mantém
os royalties de 5% previstos na lei nº 7.990/89 e os critérios ali estipulados e introduz,
dentre outras compensações, o pagamento de royalties excedentes a 5%, aumentando
consideravelmente o pagamento das compensações financeiras.
Cabe aqui destacar que a Lei do Petróleo não estabeleceu restrições aos estados e
municípios quanto à aplicação dos recursos dos royalties do petróleo e nem vinculações a
nenhum tipo de gasto, nem mesmo nenhum mecanismo de controle social destes gastos,
como a exigência de um conselho ou fórum para discussão e deliberação de prioridades
para o uso de recursos que são finitos e que deveriam ser utilizados prioritariamente para
investimentos, direcionando os recursos e orientando políticas públicas com o objetivo
de diversificação produtiva e desenvolvimento sustentado de suas economias.
Além disso, a concentração de mais de 80% da produção nacional de petróleo e
gás na Bacia de Campos resultou na conformação de uma região composta por municípios
“petro-rentistas” com recursos diferenciados em relação à média dos demais municípios
brasileiros.
A título de ilustração, em 2011, 1.031 municípios brasileiros (18,5%) eram
beneficiários das rendas petrolíferas e receberam uma receita total de R$5,443 bilhões
provenientes de royalties e participações especiais (Tabela 1). É notória a concentração
de 64,95% desses recursos em 87 municípios fluminenses - principalmente, naqueles
pertencentes à Ompetro. Na região da Ompetro, os maiores beneficiários das rendas
4
A Lei do Petróleo dispõe sobre a política energética nacional, o monopólio do petróleo, institui o Conselho
Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo.
petrolíferas são: Campos dos Goytacazes, que sozinho recebeu R$1,051 bilhão (40,44%
do total da renda petrolífera da região), Macaé (17,83%) e Rio das Ostras (11,10%).
Tabela 1
Brasil – Distribuição das Rendas Petrolíferas entre municípios, 2011
Distribuição das Rendas
Petrolíferas
Municípios do Brasil
Municípios do RJ
Municípios da Ompetro
Nº municípios
beneficiários
1031
87
11
Royalties
4.441.624.101,01
2.659.886.211,23
1.725.256.503,26
Participações
Especiais
1.002.085.199,23
875.950.389,32
875.950.389,32
Fonte: www.royaltiesdopetroleo.ucam-campos.br, tabela elaborada a partir de dados da ANP.
Total Absoluto
%
5.443.709.300,24
3.535.836.600,55
2.601.206.892,58
100
64,95
47,78
Com maior dinamismo econômico, alguns municípios da região, antes expulsores
de população, vêm se tornando mais atrativos para a população migrante, principalmente
para aquela à procura de novas e melhores oportunidades no mercado de trabalho. Outro
efeito, não menos importante do maior dinamismo econômico é a elevação do poder de
retenção populacional por parte desses municípios.
A região da Ompetro que em 1980 tinha 905.641 habitantes, contabilizava, em
2010, 1.606.894 habitantes o que correspondia a 10,5% da população do Estado. Observase, na Tabela 2, que desde os anos 80, esta região vem apresentando ritmo de crescimento
médio anual superior à média estadual e que este vem se tornando mais acelerado, tendo
aumentado de 1,64% entre 1980-1991, para 1,68% entre 1991-2000 e para 2,33%, entre
2000-2010. Como reflexo desta aceleração, a participação relativa dos municípios da
Ompetro no incremento populacional absoluto do Rio de Janeiro aumentou de 12,4%,
entre 1980-1991, para 20,66% no período 2000-2010.
Tabela 2
Rio de Janeiro e Ompetro – População, Taxa de crescimento e
participação relativa no incremento absoluto, 1980-2010
População
1980
1991
2000
2010
Ompetro
905.641 1.083.116 1.276.582 1.606.894
Rio de Janeiro
11.378.796 12.807.706 14.391.282 15.989.929
Ompetro/RJ
7,96
8,46
8,87
10,05
Taxa de Crescimento
1980-1991 1991-2000 2000-2010
Ompetro
1,64
1,88
2,33
Rio de Janeiro
1,08
1,33
1,06
Participação relativa no Incremento Absoluto
1980-1991 1991-2000 2000-2010
Ompetro-RJ
12,4
12,22
20,66
Fonte: IBGE - Censos Demográficos 1980, 1991, 2000 e 2010
Vale ressaltar que os ritmos de crescimento variaram significativamente entre os
municípios da Ompetro, entre 1980 e 2010. Como se pode observar no Gráfico 1, nos
anos 80, cresceram mais aceleradamente os municípios de Rio das Ostras (5,54%), Macaé
(4,18%) e Cabo Frio (3,99%). No período 1991-2000, com exceção de Arraial do Cabo,
Campos, Niterói e Macaé verifica-se, nos demais municípios, uma aceleração no ritmo de
crescimento, destacando-se Buzios (8,85%), Rio das Ostras (8,17%) e Cabo Frio (5,95%).
Entre 2000-2010, com exceção de 4 municípios – Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio e
São João da Barra – em todos os outros a taxa de crescimento populacional aumentou
em relação ao período 1991-2000; as maiores variações se verificaram em Carapebus
e Rio das Ostras, cujas taxas de crescimento se elevaram de 2,06% e 8,17% entre 19912000 para 4,42% e 11,24%, respectivamente. Búzios e Cabo Frio, apesar de terem
experimentado um arrefecimento em seu ritmo de crescimento continuaram dentre
17
aqueles de crescimento populacional acelerado.
Gráfico 1
Ompetro – Ritmo de crescimento populacional médio anual, por município
1980-1991, 1991-2000 e 2005-2010
12,00
10,00
8,00
6,00
4,00
2,00
1980-1991
1991-2000
S.J.Barra
R.Ostras
Quissamã
Niterói
Macaé
C.Abreu
Campos
Carapebus
Cabo Frio
A.Cabo
Búzios
0,00
2000-2010
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010
A exemplo de outras experiências brasileiras, outro efeito do desenvolvimento
das atividades petrolíferas foi a aceleração do processo de urbanização. Mesmo nos
municípios menos industrializados, como Quissamã, Carapebus e Rio das Ostras, a maior
parcela da população reside em áreas urbanas (Gráfico 2). Segundo o Censo 2010, um
total de 92% da população da Ompetro reside em áreas urbanas.
Gráfico 2
Ompetro – Grau de urbanização segundo o município, 2010
100,00
90,00
80,00
70,00
60,00
50,00
40,00
30,00
20,00
10,00
S.J.Barra
R.Ostras
Quissamã
Niterói
Macaé
C.Abreu
Campos
Carapebus
Cabo Frio
A. Cabo
Búzios
0,00
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010
18
Para Monié (2003), este processo de urbanização é marcado por grande segregação
sócio-espacial da população, percebida pela sua distribuição espacial. Em 1980, a
população residente na região da Ompetro encontrava-se concentrada em apenas quatro
municípios – Niterói (43,85%), Campos (35,43%), Macaé (6,59%) e Cabo Frio (5,47%). Trata-se de municípios com características completamente distintas: Niterói dista
10,9 km da atual capital fluminense, já foi capital antes da fusão do ERJ com a Guanabara,
em 1975 e, atualmente, integra a região metropolitana no Rio de Janeiro. Campos dos
Goytacazes é o município com maior extensão territorial do estado e o maior beneficiário
das compensações financeiras da atividade petrolífera. Macaé é a base de operações da
Petrobras e das demais empresas petrolíferas e parapetrolíferas. Cabo Frio é município
turístico, na Região dos Lagos, e que tem crescido significativamente por se encontrar na
franja metroplitana.
Os Censos Demográficos posteriores confirmam essa tendência (Gráfico 3), mas
revelam a redução paulatina e contínua do grau de concentração populacional nesses
municípios, de 91,34%, em 1980, para 83,66%, em 2010. Estes Censos revelam, ainda, que
a menor concentração populacional em Niterói e Campos foi parcialmente compensada
pelo aumento da concentração em Macaé, Cabo Frio e, inclusive, Rio das Ostras.
Gráfico 3
Ompetro – Distribuição espacial da população (%), 1980-2010
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1980
1991
2000
2010
Arm ação de Búzios
Arraial do Cabo
Cabo Frio
Carapebus
Cam pos dos Goytacazes
Quis s am ã
Cas im iro de Abreu
Rio das Os tras
Macaé
São João da Barra
Niterói
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010
Pode-se constatar no Gráfico 4, que Campos, Niterói, Cabo Frio e Macaé são os
municípios que mais contribuem para o incremento populacional absoluto na região da
Ompetro. A participação relativa desses municípios no incremento populacional absoluto
da região da Ompetro, que era de 87,37%, entre 1980-1991, reduziu-se para 64,58%,
na última década, refletindo a aceleração do ritmo de crescimento de outros municípios,
notadamente de Rio das Ostras que, inclusive, teve sua participação relativa aumentada
de 4,56%, entre 1980-1991, para 20,97%, entre 2000-2010.
Gráfico 4
Ompetro - Participação relativa dos municípios no incremento absoluto, 1980-2010
100%
80%
60%
40%
t
20%
0%
1980-1991
1991-2000
2000-2010
Arm ação de Búzios
Arraial do Cabo
Cabo Frio
Carapebus
Cam pos dos Goytacazes
Cas im iro de Abreu
Macaé
Niterói
Quis s am ã
Rio das Os tras
São João da Barra
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010
Imigrantes na Ompetro
Para analisarmos o papel da mão de obra no mercado de trabalho, na região da
Ompetro, consideramos importante segmentar a população em idade ativa em: naturais
que nasceram no município e nunca residiram em outro; e imigrantes. Neste trabalho
considerou-se os dados de migração data-fixa, que leva em conta apenas as mudanças de
residência ocorridas entre duas regiões em dois momentos distintos e fixos no tempo. Como os quesitos de migraçao data-fixa foram introduzidos no Censo Demográfico de
19
1991, a partir dessa seção só serão analisados os dados dos Censos de 1991, 2000 e 2010.
Note, na Tabela 3, que a região da Ompetro vem atraindo um número cada vez maior
de imigrantes, tendo recebido 77.511 imigrantes no quinquênio 1986-1991; 114.903,
entre 1995-2000; e 208.729, entre 2005-2010. Reafirmando o importante papel da
proximidade geográfica, apontado por Rigotti e Amorim (2002), no processo de expansão
urbana da região da Ompetro, a migração intra-estadual é a mais significativa, embora os
movimentos interestaduais sejam também expressivos. Apesar do significativo aumento
do número de imigrantes internacionais, estes continuam representando uma parcela
reduzida dos fluxos migratórios em direção à Ompetro.
Origem
Intraestadual
Interestadual
Internacional
Total
Tabela 3
Ompetro – Imigrantes, segundo a origem
1986-1991, 1995-2000, 2000-2005
1986-1991
56.711
20.014
786
77.511
%
73,17
25,82
1,01
27
Período
1995-2000
(%)
86.604
75,37
26.656
23,20
1.643
1,43
114.903
25
Fonte: FIBGE - Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010
2000-2010
162.358
44.006
2.365
46.371
(%)
350,13
94,90
5,10
100,00
Dentre o migrantes interestaduais predominam, nos três quinquênios, aqueles
provenientes das regiões Sudeste e Nordeste (Gráfico 5). No Sudeste, destacam-se como
principais origens os estados de Minas Gerais e São Paulo, nos quinquênios 1986-1991
e 1995-2000. No quinquênio 2005-2010, apesar do aumento absoluto dos imigrantes
provenientes de São Paulo, Minas Gerais praticamente se isola como principal fornecedor
de população para a Ompetro, sendo a origem de 23,06% dos imigrantes daquele período.
No Nordeste, a Bahia aumentou sua participação relativa de 9,32%, no quinquênio 19861991, para 11,53%, entre 1995-2000, e para 14,52% entre 2005-2010. Destacam-se
ainda os estados da Paraíba, Ceará e Pernambuco e, nos dois primeiros quinquênios,
também o Rio Grande do Norte.
Gráfico 5
Ompetro – Imigrantes interestaduais segundo a macrorregião de origem
1986-1991, 1995-2000 e 2005-2010
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1986-91
Norte
2000-05
1995-2000
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro Oeste
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010
20
Nos 3 quinquênios analisados, apesar das diferenças relativas, dentre as 18
microrregiões do estado do Rio de Janeiro, apenas 5 aparecem como regiões de origem
dos imigrantes intraestaduais na Ompetro: Campos dos Goytacazes, Macaé, Bacia de São
João, Lagos e Rio de Janeiro. A microrregião do Rio de Janeiro, que se destacara como
origem de 40,60% dos imigrantes intraestaduais no quinquênio 1986-1991, teve sua
participação no fluxo reduzida para 24,68%, no último quinquênio (Mapa 2); naquele
período destacam-se também as microrregiões Lagos e Macaé como importantes áreas
de origem. Estes dados sugerem fluxos migratórios intraregionais significativos.
Mapa 2
Ompetro – Imigrantes intraestaduais, segundo a microrregião de origem
Fonte: IBGE – Censo Demográfico de 2010
Como a emancipação de alguns distritos se deu em meados dos anos 90, e no
Censo de 1991 não há como estimar migração por distritos, não foi possível analisar o
destino dos imigrantes considerando-se a atual formação da Ompetro. De forma a garantir
a comparabilidade, seria necessário, então, somar os dados relativos aos municípios
emancipados na década de 90 aos dados daqueles que lhes deram origem. Ao assim
procedermos perde-se detalhes importantes para esta análise. Considerando-se apenas
os resultados dos Censos de 2000 e 2010, nos quais constam informações desagregadas
para todos os municípios que atualmente pertencem à Ompetro (Gráfico 6), percebe-se
que a migração se concentra em apenas 5 municípios: Niterói, Cabo Frio, Macaé, Campos
e Rio das Ostras.
Não nos surpreende o fato de Niterói, atrair um significativo número de imigrantes,
dada a sua proximidade espacial da Capital estadual, seu desenvolvimento socioeconômico
e a elevada qualidade de vida de sua população. No entanto, apesar de permanecer
como importante área de atração, não mais se isola, na região da Ompetro como área
de absorção dos migrantes interestaduais, intraestaduais e internacionais, tendo perdido
significativamente o seu poder de atração populacional ao longo do período5.
Os dados Censitários revelaram, ainda, que Macaé, a capital do Petróleo, e Campos
dos Goytacazes, o maior município do Norte Fluminense, que se sobressai pelo setor
de serviços relativamente desenvolvido, apesar de se destacarem como importantes
destinos, também perderam poder de atração, de 2000-2005 para 2005-2010.
O aumento do poder de atração de Cabo Frio e, principalmente de Rio das Ostras
que no último quinquênio recebeu 21,17% dos imigrantes, praticamente compensam
estas perdas relativas. Significa dizer que apesar da migração permanecer concentrada
em apenas poucos municípios, digamos que ela se encontra melhor distribuída.
5
Segundo o Censo Demográfico de 1991, Niterói atraiu 42,6% dos migrantes do quinquênio 1986-1991,
isolando-se como região de atração populacional.
21
Gráfico 6
Ompetro – Município de destino dos imigrantes – (%) - 1995-2000, 2005-2010
S.J.Barra
R.Ostras
Quissamã
Niterói
Macaé
C.Abreu
Campos
Carapebus
Cabo Frio
A.Cabo
Búzios
0,00
5,00
10,00
15,00
1995-2000
20,00
25,00
30,00
35,00
2005-2010
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 2000 e 2010
O cenário acima descreve muito bem o destino dos migrantes intra e interestaduais,
mas quando analisamos separadamente o destino dos imigrantes internacionais destacase também Armação de Búzios, município turístico, com belas praias e cuja exploração
turística e ocupação imobiliária tiveram início nos anos 60.
Mercado de Trabalho na região da Ompetro
Para efeito analítico da participação dos indivíduos no mercado de trabalho,
não nos preocupamos em separar imigrantes naturais dos não-naturais, partindo-se do
pressuposto de que há significativas diferenças entre a qualidade da mão de obra dos
naturais e dos imigrantes, sejam eles migrantes de retorno – para o município ou para
a região da Ompetro - ou não. Por detrás deste pressuposto admite-se que o fato de o
indivíduo ter residido em município diferente do de nascimento altera a qualidade de
sua mão de obra. Utilizamos, então, a seguinte estratificação da população: naturais,
imigrantes intraestaduais, interestaduais e internacionais.
Julgamos importante analisar, primeiro, a qualidade da mão de obra que
está inserida nesse mercado de trabalho. Para tanto, serão utilizados indicadores de
escolaridade. Para efeitos dessas análises considerou-se apenas os indivíduos com 20
anos ou mais de idade; foram excluídos os adultos em programas de alfabetização e o
item ‘não determinado’.
Na região da Ompetro, entre 1986-1991, o grau de alfabetização dos naturais era
relativamente baixo e, praticamente, 15% desta população não sabia ler nem escrever
um simples bilhete em nosso próprio idioma (Tabela 4). Em todos os períodos o grau de
alfabetização dos imigrantes apresentou-se mais elevado, apesar das diferenças, segundo
o status migratório (migrante intraestadual, interestadual ou de origem internacional).
Além disso, o grau de alfabetização dos naturais e dos imigrantes se elevou, ao longo do
tempo.
Tabela 4
Ompetro – Grau de alfabetização, segundo o estrato populacional
1986-1991, 1995-2000 e 2005-2010
Período
1986-1991
1995-2000
2005-2010
Intraestadual
91,97
95,09
97,76
Imigrante
Interestadual
90,67
93,99
96,48
Internacional
100
99,19
100
Fonte: FIBGE - Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010
22
Naturais
85,34
91,77
94,32
Esse não é o melhor indicador da escolaridade de uma população, principalmente
quando se deseja utilizar esse indicador para inferências sobre o processo de seletividade
no mercado de trabalho. Como se mencionou anteriormente, o mercado de trabalho
na região da Ompetro vem sofrendo significativas mudanças: as estruturas produtivas
intensivas em mão de obra estão sendo substituídas por aquelas intensivas em capital.
Em função disso, o mercado de trabalho moderno exige um trabalhador cada vez mais
qualificado; capacitado para manusear as novas tecnologias.
Os Censos Demográficos de 1991 e 2000 nos permitem avaliar a escolaridade através
da variável ‘anos de estudo’. No período 1986-1991, 50% dos naturais eram considerados,
analfabetos funcionais, do ponto de vista do mercado de trabalho; a escolaridade média
era de apenas 7,23 anos de estudo (Tabela 5). As curvas da escolaridade dos imigrantes
intraestaduais e interestaduais apresentam estruturas mais suavizadas (Gráfico 7),
indicando uma maior proporção de indivíduos nas faixas de escolaridade mais elevadas.
A escolaridade média dos imigrantes intra e interestaduais é significativamente superior:
8,68 e 9,11 anos de estudo, respectivamente. A curva de escolaridade dos imigrantes
internacionais é notoriamente diferenciada: mais de 70% declararam no mínimo 12 anos
de estudo sendo a escolaridade média bastante elevada (13,82 anos de estudo). Deve-se
ressaltar que, o fluxo de migrantes internacionais é pouco significativo.
Gráfico 7:
Ompetro – Anos de estudo, segundo o estrato populacional
1986-1991 e 1995-2000
1986-1991
40,00
1995-2000
40,00
35,00
35,00
30,00
30,00
25,00
25,00
20,00
20,00
15,00
15,00
10,00
10,00
5,00
5,00
0,00
0,00
0
Naturais
1a4
5a8
Interestadual
9 a 11
Intraestadual
12 a 16
17 +
Internacional
0
Naturais
1a4
5a8
Interestadual
9 a 11
12 a 16
Intraestadual
17 +
Internacional
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1991 e 2000
Entre 1986-1991 há mudanças significativas. Entre os naturais, em termos
relativos, verifica-se uma redução do analfabetismo funcional, embora este ainda
permaneça elevado (36,81% dos naturais declararam escolaridade máxima de 4 anos de
estudo), e uma pequena elevação da escolaridade média para 7,9 anos de estudo. Entre
os imigrantes intra e interestaduais, observa-se uma elevação da proporção daqueles nas
faixas de escolaridade mais elevadas e apesar das variações no nível médio de escolaridade
serem irrisórias, sinalizam uma tendência para o aumento da mesma. A associação da
escolaridade média com as distribuições relativas dos imigrantes segundo os anos de
estudo nos permitem inferir que o mercado de trabalho da Ompetro tem se tornado mais
seletivo, ao longo do tempo.
Considerando os imigrantes internacionais, a mudança também é notória: houve
uma redução da participação relativa daqueles com 17 anos ou mais de escolaridade, no
fluxo, compensada pelo aumento da participação relativa daqueles com 9 a 11 anos de
estudo. Supõe-se que a grande demanda por técnicos, de nível médio, devido a expansão
da atividade de exploração e produção de petróleo e gás e a falta de mão de obra local
especializada tenha propiciado esta alteração do perfil dos imigrantes na região. Há
um esforço conjunto do Goveno Federal, Estadual e setor privado no enfrentamento
desta questão, tendo sido implantadas, nos últimos anos, diversas escolas técnicas nos
municípios produtores no intuito de preparar e qualificar a mão de obra para o desafio
dos novos investimentos na atividade de exploração e produção de petróleo e gás no
23
litoral brasileiro.
A consequência dessa mudança foi a redução da escolaridade média dos
imigrantes internacionais – para 12,54 anos – embora estes continuem apresentando uma
escolaridade extremamente elevada, se comparado aos outros estratos populacionais
aqui considerados.
Tabela 5
Ompetro - Escolaridade média, segundo o estrato populacional
1986-1991 e 1995-2000
Período
Intraestadual
8,68
9,08
1986-1991
1995-2000
Imigrante
Interestadual
9,10
9,11
Fonte: IBGE - Censos Demográficos de 1991 e 2000
Internacional
13,82
12,54
Naturais
7,23
7,9
Como no Censo Demográfico de 2010 não há a informação direta referente aos
‘Anos de Estudo’ dos indivíduos, optou-se por utilizar, naquele Censo a variável ‘Nível
de Instrução’ para se avaliar a escolaridade dos naturais e dos imigrantes, na região da
Ompetro. Apesar da impossibilidade de comparações diretas, algumas inferências podem
ser feitas. Observa-se, em primeiro lugar, a redução, na região da Ompetro, do número de
indivíduos – naturais e imigrantes - que não receberam educação formal (0 anos de
estudos, nos Censos Demográficos de 1991 e 2000 e ‘sem instrução, no Censo Demográfico
de 2010), apesar de 25.180 naturais (4,32%) permanecerem na condição de indivíduos
sem instrução.
No Gráfico 8, a curva que representa o nível de escolaridade dos naturais, assim
como nos gráficos anteriores, apresenta maior concentração de indivíduos nos níveis
mais baixos. As curvas de escolaridade dos migrantes intra e interestaduais, coincidentes,
confirmam a convergência da escolaridade do migrante intraestadual para a do migrante
interestadual, já apontada pelos Censos anteriores. No caso dos imigrantes internacionais,
no quinquênio 2005-2010, há, dentre estes, indivíduos sem instrução, além de um maior
número de indivíduos com baixo nível de escolaridade. É possível que as escolaridades
médias de todos os estratos populacionais tenham aumentado, mas pelo Gráfico 8 é
possível inferir a persistência das diferenças, ainda que em menor magnitude, entre as
escolaridades médias dos imigrantes e dos naturais permanecendo, estes últimos, com
níveis de escolaridade mais baixos.
Gráfico 8
Ompetro – Nível de instrução, segundo o estrato populacional, 2010
60,00
50,00
40,00
30,00
20,00
10,00
0,00
Sem instrução
Intraestadual
Fundamental
incompleto
Fundamental
completo e médio
incompleto
Interestadual
Médio completo e
superior incompleto
Internacional
superior completo
Natural
Fonte: IBGE – Censo Demográfico de 2010
24
Para avaliarmos os setores de atividade, as ocupações e os rendimentos dos
indivíduos no mercado de trabalho da Ompetro, tomaremos, daqui por diante, como
referência apenas o Censo de 2010 (que, por ser o mais recente, ilustra com fidedignidade
a atual situação desse mercado de trabalho) e a população com 10 anos ou mais de idade.
Em 2010, 46,49% dos naturais, com 10 anos ou mais de idade, exerceram trabalho
remunerado no período de referência. Os percentuais de trabalhadores entre os
imigrantes interestaduais, intraestaduais e internacionais, do quinquênio 2005-2010
foram, respectivamente, 57,65%, 52,93% e 51,34% (Gráfico 9).
Gráfico 9
Ompetro – Trabalho remunerado, no período de referência, segundo o estrato
populacional, 2010
Naturais
Internacional
Interestadual
Intraestadual
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
Fonte: IBGE – Censo Demográfico de 2010
A grande maioria dos trabalhadores – independentemente do estrato populacional
– era em 2010, empregado com carteira assinada. Todavia, é notória a elevada participação
de trabalhadores informais e por conta própria, naquele mercado de trabalho (Gráfico
10).
Entre os 72.223 trabalhadores naturais por conta própria, 18.744 (28,41%)
indivíduos exerciam alguma atividade no grupo ocupacional ‘trabalhadores qualificados,
operários e artesãos da construção, das artes mecânicas e outros ofícios’, destacando-se
dentre as ocupações pertencentes a esse grupo os pedreiros, pintores e costureiros; 13.923
(21,10%), no grupo ‘ trabalhadores dos serviços, vendedores dos comércios e mercados’,
onde se destacam os vendedores ambulantes. Se somarmos a esses, trabalhadores por
conta própria inseridos em outras ocupações que exigem baixo nível de escolaridade, tais
como as ‘ocupações elementares’ (serviços domésticos, serventes de pedreiro, ajudantes
de cozinha, etc), ‘operadores de instalação de máquinas e equipamentos’, ‘trabalhadores
qualificados da agropecuária, florestais, da caça e da pesca, e os ‘trabalhadores de apoio
administrativo, temos 78% dos trabalhadores naturais. Dentre estes, apenas 11.669
(17,69%) eram profissionais das ciências e intelectuais e 3.372 (5,11%) eram técnicos e
profissionais de nível médio.
Gráfico 10
Ompetro – Posição na ocupação, segundo o estrato populacional, 2010
Naturais
Internacional
Interestaduais
Intraestaduais
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Empregado com carteira assinada
Forças Armadas
Funcionário Público
Empregado sem carteira de trabalho assinada
Conta própria
Empregador
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 2010
Analisando os setores de atividade em que estão inseridos os trabalhadores
naturais com carteira assinada destacam-se, além do setor de comércio e reparação de
25
veículos automotores e motocicletas (18,76%) onde estão empregados principalmente
como caixas e expedidores de bilhetes, balconistas e vendedores de lojas; os setores
de educação (professores do ensino pré-escolar e do ensino fundmental); indústria de
transformação, atividades administrativas e serviços complementares (recepcionitas,
secretários, escriturários), saúde humana e serviços sociais (trabalhadores de cuidados
pessoais em instituições), construção (pedreiros e trabalhadores elementares da
construção de edifícios), serviços domésticos, administração pública, defesa e seguridade
social; e Transporte, Armazenagem e Correio (condutores de automóveis, taxis e
caminhonetes, mensageiros, carregadores de bagagens e entregadores de encomendas
(Gráfico 11 e Gráfico 12)
Além das ocupações mencionadas, merecem destaque na absorção da mão de
obra natural as ocupações de cozinheiros, porteiros e zeladores, guardas de segurança,
e os trabalhadores de limpeza de interior de edifícios, escritórios, hotéis e outros
estabelecimentos. Este conjunto mencionado de ocupações que, como se pode notar
demandam, em geral, trabalhadores com baixa qualificação profissional, encontram-se
44,56%.
Os imigrantes internacionais estão inseridos, principalmente, na indústria
extrativa; nos organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais; alojamento
e alimentação; comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas; indústria de
transformação; atividades profissionais, técnicas e científicas; educação; e saúde humana
e serviços sociais. Dentre esses destacam-se os profissionais das ciências (engenheiros
químicos e eletricistas), diretores e gerentes – da indústria da transformação, de políticas
e planejamento e de vendas e comercialização - técnicos e profissionais de nível médio
(classificadores e provadores de produtos, exceto de bebidas e alimentos); eletrotécnicos,
perfuradores e sondadores de poços; trabalhadoers dos serviços, vendedores do comércio
e dos mercados, como profissionais da publicidade e da comercialização, balconistas e
vendedores; e os trabalhadores de apoio administrativo como secretários executivos e
administrativos, recepcionistas, escriturários,
Apesar de serem absorvidos pelos mesmos setores de atividade existem diferenças
significativas entre as ocupações exercidas pelos imigrantes inter e intraestaduais. De
modo geral, em termos relativos, predominam imigrantes intraestaduais nas ocupações
com maior qualificação e imigrantes interestaduais naquelas com menor qualificação.
Gráfico 11
Ompetro – Grupos de atividade6, segundo o estrato populacional (%), 2010
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
I
II
III
IV
Naturais
V
VI
VII
VIII
IX
Internacional
X
XI
XII
XIII
XIV
Interestadual
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
Intraestadual
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 2010
26
6
Grupos de Atividade: I- Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura; II – Indústrias
extrativas; III – Indústrias de Transformação; IV – Eletricidade e Gás; V – Água, Esgoto, atividades de gestão
de resíduos e descontaminação; VI – Construção; VII – Comércio; reparação de veículos automotores e
motocicletas; VIII – Transporte, Armazenagem e Correio; IX – Alojamento e Alimentação; X – Informação e
Comunicação; XI – Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados; XII – Atividades Imobiliárias; XIII
– Atividades profissionais, científicas e técnicas; XIV – Atividades administrativas e serviços complementares; XV
– Administração pública, defesa e seguridade social; XVI – Educação; XVII – Saúde humana e serviços sociais;
XVIII – Artes, cultura, esportes e recreação; XIX – Outras atividades de serviços; XX – Serviços domésticos; XXI
– Organismos internacionais.
Gráfico 12
Ompetro – Grupos ocupacionais , segundo o estrato populacional (%), 2010
7
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
II
I
III
Intraestadual
V
IV
VI
VII
VIII
Internacional
Interestadual
IX
X
Naturais
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 2010
As diferenças em relação ao setor de atividade e ocupação entre os trabalhadores dos
diferentes estratos populacionais se refletem no rendimento dos mesmos. Como se pode
notar no Gráfico 13, praticamente 68% dos naturais, 59,43% dos imigrantes interestaduais
e 54,2% dos imigrantes intraestaduais tinham, em 2010, uma renda de, no máximo, 2
salários mínimos, enquanto entre os imigrantes internacionais a distribuição relativa
apresenta-se mais suavizada. Ressalta-se, ainda, nas primeiras faixas de rendimento
a curva de rendimento dos imigrantes interestaduais se sobrepõe à dos imigrantes
intraestaduais, havendo uma inversão nas faixas mais elevadas de rendimento.
Gráfico 13
Ompetro – Rendimento, em faixas de salários mínimos, segundo o estrato populacional
(%), 2010
45,0
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
t
10,0
Intraestadual
Interestadual
Internacional
20 ou +
+15 até 20
+10 até 15
+ 5 até 10
+3 até 5
+2 até 3
+1 até 2
0,0
0a1
5,0
Naturais
Fonte: IBGE – Censo Demográfico de 2010
Os imigrantes internacionais do quinquênio 2005-2010 tinham um rendimento
7
Grupos de Ocupação: Diretores e Gerentes; II – Profissionais das ciências e intelectuais; III – Técnicos
e profissionais de nível médio; IV – Trabalhadores de apoio administrativo; V – Trabalhadores dos serviçs,
vendedores dos comércios e mercados; VI – Trabalhadores qualificados da agropecuária, florestais, da caça e da
pesca; VII – Trabalhadores qualificados, operários e artesãos da construção, das artes mecânicas e outros ofícios;
VIII – Operadores de Instalações e máquinas e montadores; IX – Ocupações elementares; X – Membros das forças
armadas, policiais e bombeiros militares.
27
médio de R$3.955,91 enquanto a renda média dos imigrantes interestaduais era de
R$2.047,26 e a dos imigrantes intraestaduais era de R$1.950,48. O rendimento médio
dos naturais era significativamente mais baixo e igual a R$1.456,57.
Considerações finais
Os municípios pertencentes à Ompetro vêm passando por intensas mudanças
demográficas e socioeconômicas decorrentes dos crescentes investimentos – diretos e
indiretos - relacionados à atividade petrolífera e parapetrolífera.
Em relação à dinâmica demográfica nos chama a atenção a elevação do ritmo de
crescimento populacional; atualmente a população da região da Ompetro cresce mais
aceleradamente do que a população ERJ, implicando no aumento da concentração da
população nesta região e da sua participação relativa no incremento absoluto estadual.
Internamente, os municípios apresentam crescimento populacional diferenciado
destacando-se entre eles, Rio das Ostras que, na última década apresentou crescimento
médio anual de 11,24%. Concomitantemente a esse crescimento populacional, verificouse, a exemplo de outras regiões brasileiras, um intenso processo de urbanização, nas
últimas décadas.
O mercado de trabalho, por sua vez, vem se tornando mais formalizado e seletivo,
exigindo um trabalhador mais qualificado. Apesar da possibilidade de transferência
intersetorial da mão de obra, parte da oferta das vagas vem sendo ocupada por imigrantes
– interestaduais, intraestaduais e internacionais – já que muitas vezes os naturais não
apresentam nível de escolaridade suficiente para ocupá-las. No entanto, já é perceptível
o efeito desta maior seletividade sobre a mão de obra dos naturais, que vem buscando
ampliar seus níveis de escolaridade para se inserirem ou se manterem nesse novo
mercado de trabalho.
Constatou-se um aumento significativo da imigração em direção aos municípios
da Ompetro entre 1986-1991 e 2005-2010. No último quinquênio foram mais de 200 mil
imigrantes, dentre os quais se sobressaem os intraestaduais. Estes apresentam nível de
escolaridade maior do que o dos naturais, similar ao migrante interestadual e inferior ao
imigrante internacional. As diferenças de escolaridade entre os estratos populacionais
se refletem nas ocupações que estes indivíduos exercem no mercado de trabalho e nos
rendimentos auferidos.
As análises, aqui realizadas de forma agregada, abrem espaço para novas pesquisas
que considerem estudos sobre movimentos pendulares entre os municípios da Ompetro,
bem como os fluxos migratórios por município, tendo em vista as significativas diferenças
socioeconômicas e demográficas.
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Doutorado defendida no Departamento
de Demografia da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal de
Minas Gerais (CEDEPLAR/FACE/UFMG)
em 27 de Fevereiro de 2008.
29
Agenda
Social
ELETRONIC JOURNAL
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
www.revistaagendasocial.com.br
COnsiderações sOBre a aPLiCaçÃO dOs rOYaLTies
dO PEtRÓLEO NO BRASIL
Considerations about the petroleum royalties’
application in Brazil
franKenfeLd, Karoline Pinheiro (1); siLVa, elmo rodrigues da (2); MaTTOs, Ubirajara aluizio (3).
1.DoutorandaemMeioAmbientepelaUERJ([email protected]).2.DoutoremSaúde
PúblicapelaFundaçãoOswaldoCruz(1998).ProfessorAdjuntodaUERJeCoordenadorAdjuntodos
ProgramasdePós-Graduação:MeioAmbiente(DoutoradoMultidisciplinar)eEngenhariaAmbiental
(MestradoProfissional)-([email protected]);3.DoutoremArquiteturaeUrbanismopelaUSP
(1988).ProfessortitulardaUERJ.CoordenadordoProgramadePós-graduaçãoemEngenhariaAmbiental.
Email:[email protected]
RESUMO
Este artigo analisa a distribuição dos
royalties e participações especiais
repassados pela indústria do petróleo para
os estados brasileiros e sua correlação com
o crescimento social destes, utilizando o
IDH(índicededesenvolvimentohumano)
como valor comparativo. Discutemse, assim, a forma de distribuição dos
recursos provenientes do petróleo ditada
na lei 9.478 de 1997, mais conhecida
como lei do petróleo, e a proposta de sua
aplicação para as jazidas do pré-sal. Foi
feita uma pesquisa documental relativa
aosmontantesderoyaltieseparticipações
especiais recebidos por cada estado e
seus respectivos municípios entre 2000 e
2005 e os índices de IDH de cada estado
no mesmo período. Posto que não foi
possível verificar a relação direta entre o
recebimentodosroyaltieseparticipações
especiais e o índice de desenvolvimento
humanodasregiõesbeneficiadas,sugerese que a lei do petróleo deve predeterminar
a aplicação dos recursos para permitir
efetivasmelhoriassociais.
30
PaLaVras-CHaVe
ROYALTIES; PETRÓLEO; IDH; PRé-SAL;
LEI 9478.
aBsTraCT
This article presents an analysis of
“royalties” and “participações especiais”
that were distributed for the Brazilian
states, by the oil industry, from 2000
to 2005, and its correlation with each
state social development, using the IDH
(índice de desenvolvimento humano) as
the comparative value. The discussion
is based on the model of the oil industry
resources distribution that is established by
law 9.478, 1997 known as Oil law and the
proposal of its application for the pré-sal oil
discoveries. A documental research related
to the monetary value of royalties and
“participações especiais” that each state
received between 2000 and 2005 and the
IDH of each state during the same period
was developed. Although it was not possible
to prove a direct relation between royalties
and “participações especiais” distribution
with the human development index of the
regions that received the benefit, this article
suggests that the oil law should determinate
the resources application to allow effective
social development.
KEY-WORdS
ROYALTIES; PETROLEUM; IDH; PRE-SALT;
LAW 9478.
1. INTRODUÇÃO
A descoberta de hidrocarbonetos na camada do pré-sal (área localizada abaixo da
camada de sal, com cerca de 800 quilômetros de extensão e 200 quilômetros de largura em
águas ultraprofundas, estando a 300 quilômetros da costa brasileira) irá trazer para o Brasil,
além de muita riqueza, uma nova discussão sobre a divisão destes recursos. Hoje, as três
esferas do poder público estão em busca da regulamentação da exploração desta nova jazida e
dos recursos financeiros que ela irá proporcionar em forma de royalties para o país, estados e
municípios.
Existe hoje a lei 9.478 de 1997 que define a divisão dos royalties do petróleo entre
federação, estado, município e Ministério da Marinha e que garantiu para o estado do Rio de
Janeiro a arrecadação de 68,71% deste recurso em 2008. Os 31,29% dos recursos restantes
foram destinados aos demais 26 estados brasileiros, o que pode aumentar o desequilíbrio entre
o desenvolvimento dos estados, e a dificuldade em suprir o acesso ao serviço público por todos
os cidadãos, por não haver equidade na distribuição (PRADO, 2005).
A distribuição dos royalties no Brasil entre os anos de 2000 a 2005 e o índice de
desenvolvimento humano (IDH) dos estados neste período é o objeto desta análise. O IDH
de cada estado serviu como base de investigação preliminar para verificar se os recursos
ajudaram no crescimento da qualidade de vida das localidades beneficiadas, e assim repensar a
distribuição dos royalties do pré-sal de forma diferente do que rege a lei 9.478.
2. Revisão da Literatura
A camada pré-sal é uma descoberta geológica recente. Muitos especialistas acreditam
que a quantidade de hidrocarbonetos desta jazida é superior a daquelas previamente conhecidas
no Brasil. Estima-se que as reservas contidas nesta camada em águas ultraprofundas, que se
estende desde o estado de Santa Catarina até o estado do Espírito Santo, variem entre 50 e 150
bilhões de barris de petróleo (BERMANN, 2009).
A descoberta desta nova jazida despertou a discussão sobre a exploração destes recursos
e também sobre a divisão desta riqueza. A lei 9.478 de 1997, conhecida como Lei do Petróleo,
estabelece que as empresas que exploram hidrocarbonetos em território brasileiro (tanto em
terra como no mar) são obrigadas a pagar royalties e participações especiais para Município,
Estado e Federação. Royalties são, na verdade, compensações financeiras com o intuito de
remediar os impactos ambientais negativos que a indústria do petróleo causa nas localidades
onde se aloja. Já as participações especiais constituem compensação financeira extraordinária
devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, nos casos de
grande volume de produção ou de grande rentabilidade. Os royalties são pagos mensalmente
enquanto que as participações especiais são pagas por trimestre, sendo aplicadas sobre a receita
bruta da produção, após dedução do valor pago de royalties, dos investimentos na exploração,
dos custos operacionais, da depreciação e dos tributos previstos na legislação em vigor (ANP,
2009).
Em relação à exploração em plataformas continentais, que é o objeto deste trabalho, a
lei garante à ANP (Agência Nacional do Petróleo) a responsabilidade pelo gerenciamento dos
31
blocos que serão explorados e pela determinação da porcentagem de royalties que as empresas
concessionárias desembolsarão. A determinação deste percentual é feita no edital de licitação
dos blocos, e dependerá dos riscos geológicos e expectativas de produção da área, mas não
poderá ser menor que 5% da produção. No caso de a compensação ser igual a 5%, o montante é
devido aos Estados, Distrito Federal e Municípios confrontantes à área do bloco. A proporção,
neste caso, é a seguinte: 1,5% do valor da produção devem ser pagos aos Estados confrontantes
e Distrito Federal, 0,5% aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres
de embarque ou desembarque para apoio a produção, 1,5% aos Municípios produtores e suas
respectivas áreas geoeconômicas, 1% ao Ministério da Marinha, para atender aos encargos
de fiscalização e proteção das atividades econômicas dos blocos e 0,5% será destinado para
constituir um fundo especial a ser distribuído entre os Estados, Territórios e Municípios
brasileiros (lei 9.478).
Caso a ANP tenha determinado que a área deva ter um percentual de royalties mais
elevado, a divisão se modifica e acontece da seguinte forma: 22,5% do valor da porcentagem
estipulada da produção deve ser pago aos Estados produtores confrontantes. Outros 25% para
os Municípios produtores confrontantes, 15% para o Ministério da Marinha pelas mesmas
razões já citadas acima, 7,5% para os Municípios que sejam afetados pelas operações de
embarque e desembarque de petróleo e gás natural (de acordo com os critérios estabelecidos
pela ANP), 7,5% para o Fundo Especial, também distribuído entre todos os Estados, Territórios
e Municípios brasileiros e 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Esse último deve utilizar
os recursos para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento
tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural, dos biocombustíveis e à indústria
petroquímica de primeira e segunda geração, bem como para programas de mesma natureza
que tenham por finalidade a prevenção e a recuperação de danos causados ao meio ambiente
por essas indústrias.
Em outras palavras, para os blocos que geram arrecadação maior que 5% da produção
em forma de royalties, apenas 7,5% do valor é direcionado para o fundo especial que tem como
objetivo dividir o recurso entre todos os estados e municípios brasileiros. A grande parte do
valor é direcionada aos municípios produtores e possuidores de infraestrutura voltada para o
chamado mercado offshore.
Em relação às participações especiais, 40% do recurso é destinado ao Ministério de
Minas e Energia, 10% são destinados ao Ministério do Meio Ambiente; 40%, aos Estados
produtores ou confrontantes com a plataforma continental onde ocorrer a produção; e 10%, aos
Municípios produtores ou confrontantes (ANP, 2009).
De acordo com FERNANDES, 2007 a destinação destes recursos para os municípios
vem gerando desenvolvimento econômico e social para a localidade. Uma das formas de medir
esse desenvolvimento é através do uso de indicadores sociais como, por exemplo, o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Este índice foi criado pelo economista paquistanês Mahbub
ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, com o objetivo de oferecer
um índice mais completo que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas
a dimensão econômica do desenvolvimento de uma localidade (PNUD, 2009). Este índice
32
leva em consideração três variáveis que possuem o mesmo peso: o PIB per capita, depois
de corrigido pelo poder de compra da moeda de cada país, a longevidade da população que
habita a localidade e a educação destas pessoas. A longevidade é medida através de números de
expectativa de vida ao nascer; e a educação, pelo índice de analfabetismo e taxa de matrícula
em todos os níveis de ensino. A renda é mensurada pelo PIB per capita em dólar. Este índice
pode variar de 0 (pior) a 1 (melhor) e hoje em dia é utilizado mundialmente para entender o
nível de desenvolvimento das localidades do globo.
3. Metodologia
Para verificar se existe relação entre a arrecadação de royalties e participações especiais
e o índice de desenvolvimento humano dos estados brasileiros, foi posta em prática uma
pesquisa documental e posterior análise dos dados coletados. Foram verificados os montantes
de royalties e participações especiais arrecadados entre os anos de 2000 e 2005 além dos IDHs
dos estados no ano de 2000 e 2005 para possibilitar a geração de uma análise comparativa. Além
disso, foram recolhidos dados de arrecadação mais recentes para exemplificar a distribuição
não equalizada dos recursos.
Tomando o estado do Rio de Janeiro como exemplo, R$ 1.563.533.881,34 foram
arrecadados em forma de royalties no ano de 2007. Ora, este valor representou 68,23% de todos
os royalties recebidos pelos Estados brasileiros durante o período, já que o total arrecadado foi
de R$ 2.291.236.321,95. Restaram, portanto, 31,76% do recurso para ser distribuído para os
demais 25 Estados e o Distrito Federal. Levando-se em consideração que apenas 10 Estados
brasileiros (Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Norte, São Paulo e Sergipe) cumprem com os requisitos da Lei 9.478 para serem
beneficiados como “estados produtores confrontantes”, 17 Estados1 não receberam o benefício
de maneira direta e, caso fossem beneficiados, seria via Fundo Especial. No ano de 2007, o
Fundo Especial arrecadou um total de R$ 576.573.032,42, valor que representa 36,87% do
montante de royalties destinados ao estado do Rio de Janeiro. Se trabalharmos estes números
de acordo com a distribuição per capita, o Estado do Rio de Janeiro recebeu R$ 101,39 por
pessoa no ano de 2007, enquanto que os Estados brasileiros beneficiados via Fundo Especial
receberam de forma per capita, no máximo, o valor de R$ 3,42 (utilizando dados populacionais
do ano de 2007 disponibilizados pelo IBGE).
Apesar de a Lei 9.478 não especificar como os recursos dos royalties devem ser aplicados
(apenas proíbe que sejam gastos com folha de pagamento de pessoal e dívidas), espera-se que
estes recursos venham, de alguma forma, impactar positivamente a vida dos moradores das
localidades que o recebam e não apenas aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) da localidade.
Para entender o impacto social que o repasse de royalties e participações especiais
causa nas localidades beneficiadas pelos recursos, foi feita uma comparação do IDH de todos
os estados brasileiros entre 2000 e 2005 levando-se em consideração o montante de royalties
e participações especiais pagos para estes estados neste período. Foram utilizados os dados de
1
Para facilitar a análise, o Distrito Federal está sendo considerado como o 27º estado
brasileiro.
33
IDH do PNUD dos anos 2000 e 2005 e dados de repasse dos royalties e participações especiais
da ANP, considerando o ano de 2000 como ponto de partida e o ano de 2005 como índice
comparativo.
Ceará
Espírito Santo
Estado
IDHM-Renda
IDHM-Longevidade
IDHM-Educação,
Paraná
IDHM-Total
Distrito Federal
0,842
0,756
0,935
0,844
Santa Catarina
0,75
0,811
0,906
0,822
São Paulo
0,79
0,77
0,901
0,82
Rio Grande do Sul
0,754
0,785
0,904
0,814
Rio de Janeiro
0,779
0,74
0,902
0,807
Paraná
0,736
0,747
0,879
0,787
Mato Grosso do Sul
0,718
0,751
0,864
0,778
Goiás
0,717
0,745
0,866
0,776
Mato Grosso
0,718
0,74
0,86
0,773
Minas Gerais
0,711
0,759
0,85
0,773
Espírito Santo
0,719
0,721
0,855
0,765
Amapá
0,666
0,711
0,881
0,753
Roraima
0,682
0,691
0,865
0,746
Rondônia
0,683
0,688
0,833
0,735
Pará
0,629
0,725
0,815
0,723
Amazonas
0,634
0,692
0,813
0,713
Tocantins
0,633
0,671
0,826
0,71
Pernambuco
0,643
0,705
0,768
0,705
Rio Grande do Norte
0,636
0,7
0,779
0,705
Ceará
0,616
0,713
0,772
0,7
Acre
0,64
0,694
0,757
0,697
Bahia
0,62
0,659
0,785
0,688
Sergipe
0,624
0,651
0,771
0,682
Paraíba
0,609
0,636
0,737
0,661
Piauí
0,584
0,653
0,73
0,656
Alagoas
0,598
0,646
0,703
0,649
Maranhão
0,558
0,612
0,738
0,636
A tabela 1 mostra a situação de cada um dos 27 Estados em relação a cada um dos três
componentes do índice de desenvolvimento humano (renda, longevidade e educação). Como
as três variáveis possuem o mesmo peso, o IDH da localidade também é mostrado na planilha,
sendo a média destas componentes.
Os estados destacados representam aqueles que recebem diretamente os repasses dos
royalties do petróleo por, de alguma maneira, se enquadrarem no que dita a lei 9.478 em
relação aos estados confrontantes. De acordo com dados da ANP, entre o período de 2000 a
2005 estes recursos foram distribuídos como mostram as tabelas 2 e 3 abaixo.
34
Amazonas
Bahia
Tabela 1 – IDH dos estados brasileiros em 2000
Estad
Alagoas
Rio de Janeiro
Rio Grande do
Santa Catarina
São Paulo
Sergipe
Total
Estad
Alagoas
Amazonas
Bahia
Espírito Santo
Rio de Janeiro
Rio Grande do N
Sergipe
Total
dos
o
o Norte
a
dos
Norte
Tabela 2 – Distribuição dos Royalties de Petróleo entre 2000 e 2005 para os estados
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Total
9.462.992,37
11.741.610,98
14.398.015,15
23.036.530,39
29.052.581,13
34.824.135,24
122.515.865,26
48.561.015,07
59.678.885,39
70.308.347,88
90.479.836,67
113.977.881,75
143.045.522,15
526.051.488,91
58.856.592,54
70.989.516,11
77.688.695,95
114.992.895,59
129.685.784,63
148.110.842,26
600.324.327,08
6.688.088,56
8.578.701,25
9.356.902,06
14.153.663,74
13.734.716,54
13.950.026,37
66.462.098,52
13.918.807,65
24.346.893,54
31.131.343,46
59.278.535,24
51.617.198,56
57.283.546,37
237.576.324,82
2.150.761,01
1.496.431,85
660.016,46
3.016.769,17
7.502.554,93
8.687.952,91
23.514.486,33
367.806.085,64
461.457.781,38
671.655.955,60
907.744.089,66
1.041.661.371,24
1.318.598.335,87
4.768.923.619,39
85.150.381,56
90.134.325,74
103.435.336,47
140.945.914,14
163.847.977,58
181.023.305,03
764.537.240,52
52.959,32
39.549,18
18.337,08
N/A
N/A
N/A
110.845,58
28.799.731,06
31.831.314,79
2.496.987,74
4.000.068,61
3.947.396,44
4.147.896,64
75.223.395,28
1.839.492,95
2.183.721,34
39.809.993,76
55.525.782,13
63.658.855,79
74.657.859,01
237.675.704,98
623.286.907,73
762.478.731,55
1.020.959.931,61
1.413.174.085,34
1.618.686.318,59
1.984.329.421,85
7.422.915.396,67
Tabela 3 – Distribuição das Participações Especiais entre 2000 e 2005 para os estados
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Total
0
0
0
0
0
1.501.394
1.501.394
5
4.987.151
6.374.779
21.764.883
26.908.031
33.705.666
93.740.516
0
0
0
0
4.356.133
3.547.541
7.903.673
0
97.445
2.067.847
8.379.876
11.272.743
13.844.094
35.662.005
415.495.228
682.945.848
995.630.018
1.961.296.962
2.044.674.137
2.699.306.000
8.800.282.648
0
788.500
0
7.532.118
21.527.197
25.969.238
55.817.052
0
0
0
0
52.602
7.990.656
8.043.259
415.495.233
688.818.944
1.004.072.644
1.998.973.839
2.108.790.843
2.785.864.589
9.002.950.547
Tabela 4 – IDH dos estados brasileiros em 2005
Estado
Distrito Federal
Santa Catarina
São Paulo
Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
Paraná
Mato Grosso do Sul
Espírito Santo
Minas Gerais
Goiás
Mato Grosso
Amazonas
Amapá
Rondônia
Tocantins
Pará
Acre
Roraima
Sergipe
Bahia
Rio Grande do Norte
Ceará
Paraíba
Pernambuco
Piauí
Maranhão
Alagoas
IDHM-Renda, 2005
0,824
0,756
0,768
0,758
0,748
0,739
0,709
0,715
0,702
0,712
0,702
0,648
0,676
0,685
0,647
0,632
0,647
0,629
0,643
0,621
0,657
0,616
0,638
0,632
0,608
0,57
0,589
IDHM-Longevidade,
2005
0,835
0,83
0,812
0,793
0,827
0,809
0,802
0,802
0,819
0,797
0,793
0,766
0,744
0,759
0,761
0,772
0,763
0,736
0,756
0,775
0,747
0,744
0,723
0,71
0,72
0,696
0,683
IDHM-Educação,
2005
0,962
0,934
0,921
0,945
0,921
0,913
0,894
0,887
0,878
0,891
0,898
0,925
0,919
0,885
0,86
0,861
0,844
0,885
0,827
0,83
0,81
0,808
0,793
0,811
0,779
0,784
0,759
IDHM, 2005
0,874
0,84
0,833
0,832
0,832
0,82
0,802
0,8
0,8
0,8
0,796
0,78
0,78
0,776
0,756
0,755
0,751
0,75
0,742
0,742
0,738
0,723
0,718
0,718
0,703
0,683
0,677
35
Tabela 5 – Movimento do Ranking do IDH dos estados brasileiros
Estado
Movimento no Ranking
Distrito Federal
Sem movimento
Santa Catarina
Sem movimento
São Paulo
Sem movimento
Rio de Janeiro
Subiu uma posição
Rio Grande do Sul Desceu uma posição
Paraná
Sem movimento
Espírito Santo
Subiu quatro posições
Mato Grosso do Sul Desceu uma posição
Goiás
Desceu uma posição
Minas Gerais
Sem movimento
Mato Grosso
Desceu duas posições
Amapá
Sem movimento
Amazonas
Subiu três posições
Rondônia
Sem movimento
Tocantins
Subiu duas posições
Pará
Subiu uma posição
Acre
Subiu quatro posições
Roraima
Desceu cinco posições
Bahia
Subiu três posições
Sergipe
Subiu três posições
Rio Grande do Norte Desceu duas posições
Ceará
Desceu duas posições
Pernambuco
Desceu cinco posições
Paraíba
Sem movimento
Piauí
Sem movimento
Maranhão
Subiu uma posição
Alagoas
Desceu uma posição
O fato de apenas 50% dos estados que recebem royalties terem subido no
Como pode ser observado, o estado do Rio de Janeiro recebeu 64% do valor total de
royalties repassado aos estados durante o período de 2000 a 2005 e 97,74% do valor repassado
em participações especiais. O Rio Grande do Norte, segundo colocado no repasse de royalties,
recebeu 10,2% do valor total e 0,62% do repasse de participações especiais. Como possuem mais
recursos financeiros, gerando aumento da renda per capita, e possibilidades de investimento
em educação e saúde, era esperado que estes estados alcançassem um melhor IDH no ano de
2005. A tabela abaixo mostra o IDH dos estados no ano de 2005.
ranking do índice de desenvolvimento humano no período de 2000 a 2005 gerou a necessidade
de rever a análise de distribuição dos royalties como um todo, já que foi levada em consideração,
nesta primeira análise, apenas a captação direta dos estados. Ora, o recebimento de royalties
e participações especiais pelos municípios que formam geograficamente os estados deveria
influir diretamente no desenvolvimento dos estados. Sendo assim, foram levantados os valores
de royalties e participações especiais recebidos pelos municípios formadores de cada estado
para entender se a arrecadação dos municípios é muito representativa frente à arrecadação dos
estados, podendo, desta forma, haver uma influência no montante final real recebido por cada
estado e, com isso, uma influência no desempenho do IDH.
36
Tabela 6 – Arrecadação dos Estados, Municípios, Arrecadação Geral e IDH.
Estado
Rio de Janeiro
Rio Grande do
Norte
Bahia
Amazonas
Sergipe
Espírito Santo
São Paulo
Alagoas
Ceará
Santa Catarina
Rio Grande do Sul
Paraná
Pernambuco
Minas Gerais
Paraíba
Pará
Amapá
Distrito Federal
Mato Grosso do
Sul
Goiás
Mato Grosso
Rondônia
Tocantins
Acre
Roraima
Piauí
Maranhão
Royalties e *PEs
Acumulados de 2000
a 2005 (Estados)
Royalties e *PEs
Acumulados de 2000
a 2005 (Municípios)
R$ 13.569.206.267,39
R$ 7.418.204.801,94
R$ 820.354.292,52
R$ 608.228.000,08
Total Acumulado
2000 a 2005
Ranking
R$
IDH
R$ 20.987.411.069,33
1
4
R$ 514.210.604,80
R$ 1.334.564.897,32
2
21
R$ 400.080.636,29
R$ 1.008.308.636,37
3
19
R$ 619.792.004,91
R$ 229.583.094,72
R$ 849.375.099,63
4
13
R$ 245.718.963,98
R$ 267.956.412,74
R$ 513.675.376,72
5
20
R$ 273.238.329,82
R$ 252.211.466,78
R$ 525.449.796,60
6
7
R$ 75.223.395,28
R$ 427.821.947,26
R$ 503.045.342,54
7
3
R$ 124.017.259,26
R$ 98.268.668,57
R$ 222.285.927,83
8
27
R$ 66.462.098,52
R$ 94.829.937,86
R$ 161.292.036,38
9
22
R$ 110.845,58
R$ 101.102.729,65
R$ 101.213.575,23
10
2
R$ 0,00
R$ 96.409.673,46
R$ 96.409.673,46
11
5
R$ 23.514.486,33
R$ 27.833.206,83
R$ 51.347.693,16
13
6
R$ 0,00
R$ 42.264.138,19
R$ 42.264.138,19
12
23
R$ 0,00
R$ 19.436.884,68
R$ 19.436.884,68
14
10
R$ 0,00
R$ 4.318.607,79
R$ 4.318.607,79
15
24
R$ 0,00
R$ 3.987.847,81
R$ 3.987.847,81
16
16
R$ 0,00
R$ 703.596,67
R$ 703.596,67
17
12
1
8
9
11
14
15
17
18
25
26
* Participações Especiais
Como pode ser observado na tabela 6, a arrecadação dos municípios é muito significativa
e, muitas vezes, ultrapassa a arrecadação do estado, como é o caso de Sergipe, São Paulo, Ceará,
Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Amapá, Pará, Pernambuco e Paraíba. Levando a
arrecadação municipal em consideração, o número de estados beneficiados sobe de 10 para 17,
modificando substancialmente o panorama anterior.
Dividindo-se os 27 estados do Brasil em 3 grupos de nove estados, sendo o grupo 1
representado pelos estados que possuem maior IDH, o grupo 2 representado pelos estados
que possuem IDH intermediário e o grupo 3 representado pelos estados com menor IDH, é
possível verificar que, dentro do grupo 1, 66,7% dos estados recebem royalties. No grupo 2,
44,4% dos estados recebem royalties, e no grupo 3, 77,7% dos estados recebem royalties. Esta
informação confunde, já que vai de encontro à primeira hipótese deste trabalho, que supunha
que o recebimento de royalties ajudaria na melhora da qualidade de vida da população e, por
conseqüência, em uma melhora do IDH. O fato é que as diferenças sociais entre uma localidade
e outra podem ser tão significativas que, mesmo com os investimentos pesados dos royalties,
cinco anos pode não ser um período suficiente para colocar as localidades menos desenvolvidas
(no sentido social) em posição de concorrer com localidades mais desenvolvidas. Para tentar
37
comprovar essa teoria, foi feito o cálculo do crescimento de IDH entre 2000 e 2005 de cada
localidade de forma individual, para compreender seu crescimento.
Tabela 7 – Crescimento de IDH por localidade entre 2000 e 2005
38
Estado
Melhora
Amazonas
Sergipe
Paraíba
Bahia
Maranhão
Piauí
Tocantins
Acre
Rondônia
Espírito Santo
Rio Grande do
Norte
Pará
Alagoas
Paraná
Amapá
Distrito Federal
Minas Gerais
Ceará
Rio Grande do Sul
Goiás
Mato Grosso do
Sul
Mato Grosso
Rio de Janeiro
Santa Catarina
Pernambuco
São Paulo
Roraima
1,093969
1,087977
1,086233
1,078488
1,073899
1,071646
1,064789
1,057746
1,055782
1,048366
1,046809
1,04426
1,043143
1,041931
1,035857
1,035545
1,034929
1,032857
1,030979
1,030928
1,030848
1,029754
1,022113
1,021898
1,01844
1,015854
1,005362
Grupo
A
A
A
A
A
A
A
A
A
B
B
B
B
B
B
B
B
B
C
C
C
C
C
C
C
C
C
A análise da tabela 7 mostra uma realidade um pouco distinta. Dividindo-se novamente
os 27 estados em 3 grupos de 9 estados, sendo o grupo A representado pelos estados que
alcançaram maior crescimento do IDH, o grupo B representado pelos estados que alcançaram
crescimento intermediário e grupo C representado pelos estados que alcançaram menor
crescimento, é possível verificar que, dentro do grupo A, os 4 estados que apresentam maior
crescimento do IDH recebem royalties do petróleo (Amazonas – quarta posição no recebimento
de royalties, Sergipe – quinta posição no recebimento de royalties, Paraíba – décima quinta
posição no recebimento de royalties e Bahia – terceiro colocado no recebimento de royalties).
Apesar disso, neste grupo, apenas 44,4% dos estados recebem o benefício. Já no grupo B, que
demonstra crescimento intermediário, 88,8% dos estados recebem royalties. No grupo C, 55%
dos estados recebem royalties. É importante notar que o grupo C, apesar de conter os estados
com menor índice de crescimento no período, possui 4 estados que estão dentre os primeiros
5 colocados no ranking do IDH de 2005 (estes 4 estados recebem royalties e participações
especiais).
Essa informação mostra que o recebimento dos royalties pode impactar de maneira
positiva nas variáveis utilizadas para o cálculo do IDH, já que demonstra um crescimento
expressivo na melhora desse índice da maioria dos estados que recebem royalties (70% deles
apresentaram maior crescimento ou crescimento intermediário no IDH entre 2000 e 2005).
No grupo A, ainda é possível localizar o terceiro, quarto e quinto estados que mais
receberam royalties no período. O curioso é notar que os dois estados mais bem “pagos” no
período estão no grupo C (Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte). Este fato pode se dar por
vários motivos, entre eles, aplicação dos recursos em segmentos que não são utilizados no
cálculo do IDH e inadequação na aplicação dos recursos, já que a lei do petróleo não prédetermina em que segmentos o recurso deve ser aplicado.
3. Conclusão
A lei do petróleo define que os estados e municípios brasileiros que abrigam infraestrutura
necessária para a realização de atividades relacionadas com a indústria do petróleo (gasodutos,
oleodutos, portos, aeroportos, entre outros) devem receber uma compensação financeira para
remediar os impactos negativos que esta indústria possa vir a causar na localidade. A questão
é que alguns estados e a maioria dos municípios não se encaixam nas condições estipuladas
pela lei, não sendo, por isso, elegíveis ao recebimento de royalties e participações especiais,
gerando assim uma distribuição desigual dos recursos entre as várias localidades brasileiras.
A forma escolhida para mostrar que o recebimento de royalties e participações especiais
impacta no desenvolvimento social da localidade foi a verificação do IDH. Foram levantados
os valores das compensações recebidas pelos 27 estados brasileiros no período de 2000 a 2005
e das compensações recebidas por cada um deles. Foi constatado que apesar de apenas 10
estados brasileiros terem direito de receber compensações da indústria do petróleo de forma
direta (valores repassados diretamente para os governos estaduais), vários municípios recebem
os benefícios. Este dado é importante e muda o panorama da distribuição, já que, quando os
municípios formadores dos estados são considerados, o número de estados beneficiados muda
de 10 para 17.
Dos 17 estados beneficiados, 6 deles estão entre os 9 estados com maior IDH no ano de
2005. Além disso, 4 deles obtiveram o maior crescimento de IDH no período avaliado. Dos 9
estados que obtiveram crescimento intermediário, 8 deles recebem royalties do petróleo. Dos
9 estados com menor crescimento, 4 estados recebem royalties, sendo que o Rio de Janeiro,
estado que recebe o maior percentual, se encontra neste grupo.
Sendo assim, é possível concluir que, apesar de o Rio de Janeiro não ter obtido
um grande crescimento no IDH e se encontrar na vigésima terceira posição no ranking de
crescimento do IDH no período de 2000 a 2005, a maioria dos estados que receberam royalties
e participações especiais relativas à indústria do petróleo se posicionou dentro dos grupos de
crescimento maior e intermediário. Além disso, apenas 30% dos estados que não recebem
royalties ou participações especiais conseguiram se movimentar no ranking do IDH de 2005.
Os 70% restantes não conseguiram se movimentar no ranking ou desceram de posição.
Este panorama mostra que de alguma forma os valores provenientes dos royalties e
participações especiais da indústria do petróleo podem estar ajudando no desenvolvimento
39
social dos estados captadores, e que, por isso, este montante deve ser distribuído de forma
mais igualitária para os estados e municípios brasileiros. Para que fosse possível relacionar de
maneira direta o IDH dos estados com o recebimento dos royalties e participações especiais, os
valores provenientes destas fontes (ou parte expressiva destes) deveriam ser aplicados somente
em variáveis que impactem na longevidade da população e na educação (principalmente no
que se refere à diminuição do analfabetismo e aumento da taxa de matrícula de estudantes
das localidades). Por isso, conclui-se que se faz necessária uma modificação não somente
na distribuição dos royalties, mas também na lei 9.478, que deve pré-determinar em que
segmentos os valores dos royalties e participações especiais devem ser aplicados.
5. ReferÊncias Bibliográficas
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Agenda
Social
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
ELETRONIC JOURNAL
www.revistaagendasocial.com.br
a esCOLa PÚBLiCa BrasiLeira: diVersidade e
AUtONOMIA
The brazilian public school: diversity and autonomy
SILVA, Wanderley da (1).
RESUMO
1.UFRRJ([email protected]).
A escola pública brasileira sofreu transformações
profundasdurantetodoperíodorepublicano,sobretudo
em relação ao acesso à educação básica. As camadas
menos favorecidas economicamente eram, direta ou
indiretamente,afastadasdosbancosescolares.Todavia,
nas últimas quatro décadas, o perfil do alunado da
escola pública vem se modificando, e as crianças e
jovens das camadas mais pobres da sociedade já são a
maioria na escola pública básica brasileira. O processo
de modificação do perfil do aluno da escola pública
brasileira coincide com uma contestação cada vez maior
da instituição escolar, evidenciada no baixo desempenho
dos alunos das redes públicas nos exames de avaliação
do desempenho escolar. O baixo desempenho da escola
pública nos exames é objeto de críticas constantes sobre
a falta de eficiência e eficácia das redes públicas de
ensino, marcando a suposta decadência da escola. Uma
das ilações correntes a respeito dessa coincidência é de
que, a queda da qualidade do ensino da escola pública
tem relação direta com a entrada maciça das classes
menos favorecidas no espaço escolar, conclusão que
rejeitamos. O presente texto procura caracterizar o
processo de aumento gradual da entrada das camadas
populares na escola pública brasileira, permeado por
um persistente preconceito contra os mais pobres e pelo
acelerado abandono do poder público, materializado
em políticas educacionais incapazes de acompanhar
as necessárias mudanças exigidas pelos novos alunos
da escola. Além de expor algumas mazelas do processo
de instituição da escola pública brasileira, a principal
intençãodestetrabalhoédefenderarealpossibilidadede
umespaçoescolarquefavoreçaoprocessodecriaçãoda
autonomia acadêmica e intelectual do aluno. O respeito
àdiversidadeeaosreferentesculturaisdosalunos,são
aqui tomados como pilares para uma nova concepção
curricular interdisciplinar, que ajude a ultrapassar os
preconceitos saudosistas contra a instituição pública e
contribua para a elucidação do tema da construção da
autonomia discente.
PaLaVras-CHaVe
ESCOLA; DIVERSIDADE; AUTONOMIA.
aBsTraCT
The public school has suffered deep transformations
throughout all the republican era, mainly in relation
to primary and high school access. The economic
disadvantaged layers of society had been, direct or
indirectly, removed from scholastic environment. However,
on the last four decades, public school students’ profiles
have been modified, and the children and youth from the
disadvantaged layers of society happen to be nowadays
the majority at the Brazilian public primary and high
schools. The process of transformation of the public
school student’s profile in Brazil concurs with a growing
contestation by the scholastic institution, seen on the
low performance results got in academic performance
exams. The low performance of public schools is usually
object for constant critique on the lack of efficiency and
efficacy of public schools networks, marking a supposed
decay of school. One of the current illations towards
this coincidence is that the decline on teaching quality
at public schools has a direct relation with the massive
access of the disadvantaged classes into scholastic space,
inference we reject. The present text aims at characterizing
the process of gradual increase of the access of the lower
layers of society into Brazilian public schools, a fact
that is permeated not only by the prejudice against the
poorest but also by the accelerated neglect of the public
authorities, materialized in educational politics unable to
accomplish the changes demanded by those new students
at the public schools. Besides exposing some wounds on the
process of institutionalizing the Brazilian public school, the
main intention of this work is to defend the real possibility
of a scholastic space that favors the process of creation of
academic and intellectual autonomy. The respect towards
diversity and the students’ cultural referential are taken
here as the pillars for a new interdisciplinary curriculum
conception that helps overtake the late prejudice against
public institutions and that may contribute for elucidating
the issue of students autonomy construction.
KEY-WORdS
SCHOOL; DIVERSITY; AUTONOMY.
41
Introdução
O tema da escola pública brasileira apresenta, felizmente, uma bibliografia bastante
vasta e condizente com a sua importância. Variadas análises dão relevo às forças históricas que
atuaram na construção dessa instituição fundamental da sociedade, e apresentam suas mazelas
e possibilidades em um grande esforço de elucidação. Com o objetivo de contribuir para esse
esforço de elucidação, o presente texto busca analisar o recente aumento do acesso das classes
populares à educação básica, com destaque para o ensino médio, e identificar alguns dos novos
desafios que envolvem a construção do projeto de autonomia na escola pública.
A primeira parte do texto é dedicada a uma caracterização pontual de algumas das
políticas públicas educacionais brasileiras do Período Republicano, com a intenção de
evidenciar o escopo dualista presente historicamente nas legislações que tratam da matéria.
Ainda nessa seção, argumenta-se que a noção corrente de escola pública, muito provavelmente
sustentada por fragmentos de significações imaginárias ainda presentes em nossa sociedade,
oscila entre o pessimismo e o saudosismo; amálgama que pouco beneficia a instituição de um
espaço propício para a construção de uma escola autônoma.
A segunda seção aborda a relação entre a mudança do perfil socioeconômico dos alunos
do ensino médio e as possibilidades de construção de um espaço de autonomia na escola.
No primeiro segmento da seção, é apresentado um pequeno conjunto de dados estáticos que
objetivam caracterizar o perfil socioeconômico dos alunos e, em seguida, sugere a importância
das experiências vivenciais dos estudantes integradas ao currículo escolar. Já no segundo
segmento, é apresentado o conceito de autonomia que fundamenta as análises do texto. O
terceiro segmento é dedicado à defesa da participação dos alunos no processo de construção da
autonomia na instituição escolar.
Os argumentos que arrematam o texto procuram evidenciar um persistente incômodo
em relação ao acesso das classes populares à escola pública, presentes na melancólica imagem
que associa diretamente o fracasso e a decadência da escola pública à massificação do ensino.
E, por fim, as considerações textuais apresentam uma defesa à criação da autonomia na escola
pública vinculada à participação dos alunos, incorporando os seus referentes culturais e
contextos socioeconômicos em uma nova concepção curricular interdisciplinar.
1. Sentidos da escola pública brasileira
42
A noção corrente de escola pública no Brasil apresenta, entre outros sentidos, uma
sugestiva dicotomia amalgamada pelo saudosismo e pessimismo. Em um primeiro sentido,
remete ao saudosismo de uma escola de excelência e reservada a um pequeno grupo, perdida
em um passado sem uma datação precisa; seu segundo sentido, majoritário e atual, associa a
instituição ao fracasso escolar e ao pessimismo quanto ao futuro. A referida dicotomia sugere
um processo de decadência da escola pública brasileira, que coincide com o acesso das camadas
populares à instituição escolar.
A associação da escola pública brasileira a um processo de desestruturação e perda da
qualidade não é um equívoco completo, pois as políticas públicas historicamente não encararam
a educação como uma prioridade e pouco investiram no seu fortalecimento. Iremos, no entanto,
contestar a ilação do fracasso escolar como consequência da entrada das camadas populares
na escola pública. Temos informações históricas que ajudam a contestar a referida ilação,
pois demonstram um crescimento de vagas e matrículas na educação pública básica, porém,
desassociado de um projeto de melhoria das condições estruturais da escola, da formação de
professores, da carreira docente, entre outras questões fundamentais.
Neste texto usaremos o conceito de escola pública estatal, isto é, “da escola organizada
e mantida pelo Estado e abrangendo todos os graus e ramos do ensino” (SAVIANI, 2003. p.
185), com o propósito de situar historicamente os nossos argumentos. Podemos dizer grosso
modo que, até o final do século XIX, o modelo de educação pública brasileira esteve ligado
às ordens religiosas e aos movimentos de instrução pública nos séculos XVIII e XIX, esses
últimos foram estabelecidos por iniciativas estatais, porém sem continuidade ou abrangência
(Ibid.).
Ainda no final do século XIX, as ideias positivistas e evolucionistas tomaram corpo e
influenciam a cultura brasileira, inclusive na construção de uma “escola pública imaginária”
(VALLE, 1997), que supostamente serviria de sustentação para a criação de uma nação brasileira
afinada com os ideais liberais. Todavia, o projeto de emancipação da educação republicana
brasileira não incluía toda a população, apenas o estabelecimento e aprimoramento de uma
elite intelectual dirigente, condizente com as teses liberais da época. Em um arranjo dualista, as
políticas educacionais subsequentes deram à escola pública um direcionamento eminentemente
dicotômico, reservando uma formação laboral aligeirada para uma pequena parcela das classes
populares. Intenção manifesta em várias “reformas” republicanas da educação.
A década de 1930 é bastante emblemática a respeito do estabelecimento formal do
dualismo pedagógico na educação brasileira. O ministro Francisco Campos realizou uma
grande reforma em todos os níveis de ensino e centralizou as políticas publicas da educação sob
a iniciativa do governo federal. Campos, por meio de decretos, ampliou o tempo de duração do
ensino secundário de cinco para sete anos, em dois ciclos. Apensar do aumento significativo
do tempo de escolarização, a reforma Francisco Campos estabeleceu uma cisão no ensino
secundário, criando uma verdadeira barreira para que as classes populares pudessem seguir seus
estudos. Com um currículo “enciclopédico”, com uma média de 102 disciplinas anuais e mais
de 80 arguições e provas mensais, o ensino secundário propedêutico contrastava com o ensino
profissionalizante, que nem mesmo possibilitava a progressão do aluno ao curso superior.
De fato, para um contexto social que começava a despertar para os problemas do
desenvolvimento e da educação, numa sociedade cuja maioria vivia na zona rural e era analfabeta e numa época em que a população da zona urbana ainda não era totalmente atingida,
nem sequer pela educação primária, pode-se imaginar a camada social para a qual havia sido
elaborado um currículo assim tão vasto (ROMANELLI, 1999, p. 136).
As políticas públicas para educação no período do nacional desenvolvimentismo
(1946/1964), menos claras em suas intenções dicotômicas e classistas, não avançaram na
construção de uma escola democrática. Já consolidados na Constituição de 1946, os princípios
“liberais democráticos” também foram trazidos para a discussão da primeira Lei de Diretrizes
e Bases (LDB) que culminaria, depois de mais de uma década de discussões parlamentares,
na Lei 4024/61. Um dos reflexos desses princípios liberais na educação foi a manutenção do
financiamento público para os estabelecimentos privados, em forma de bolsas de estudos, com
a consequente perda de verbas para os investimentos públicos na educação.
Durante o período da Ditadura Militar brasileira (1964/1984), as reformas educacionais
garantiram a expansão da rede privada com o financiamento público de bolsa e renuncias fiscais
por parte do governo (ROMANELLI, 1999). Coincidentemente, o aumento do número de
vagas e matrículas na educação básica já no início da década de 1970 gerou maior demanda por
vagas no ensino superior, fomentando uma disputa acirrada entre estudantes nos vestibulares.
Como os problemas estruturais da educação básica não foram enfrentados e não se percebeu
significativo aumento de vagas no ensino superior, a solução encontrada pelos estudantes foi
recorrer à intensificação do treinamento nos cursos pré-vestibulares, como forma de alcançar
uma vaga na universidade.
No conjunto, um dos graves problemas das reformas empreendidas no período militar foi o favorecimento da expansão da rede privada de ensino e o pouco investimento na
pública. Podemos realçar, por exemplo, o crescimento dos “cursinhos” pré-vestibulares, por
variados motivos. A competição para o ingresso ao ensino superior tornou-se bem mais acirrada, tanto pelas demandas sociais e econômicas como pela oferta insuficiente de vagas (VEIGA,
2007, p. 315).
Obviamente, a grande concorrência entre os alunos do ensino médio por uma vaga no
43
ensino superior agravou ainda mais a segmentação interna no processo de escolarização, pois
as empresas de ensino que ofereciam os cursos pré-vestibulares mais eficientes, com maior
índice de aprovação nos vestibulares, cobravam altas mensalidades, o que ainda permanece
atualmente. Os altos custos financeiros dos cursos pré-vestibulares mais eficientes eram
inviáveis às camadas populares; um mecanismo que ajudou a afastar os mais pobres das vagas
universitárias, mantendo e reforçando por essa via o traço dualista da educação nacional.
No final da década de 1980 e durante os anos de 1990, acompanhado o processo de
transformações políticas no cenário nacional, a educação de modo geral foi alvo de muitas
reformas e debates parlamentares e da sociedade civil. Em meio a um quadro de grandes
transformações e instabilidades políticas, como o fim do regime militar, as lutas por eleições
diretas, a cassação do primeiro presidente eleito por voto direto depois da ditadura de 1964, a
disparada da inflação e um sem número de crises, a implantação de princípios neoliberais na
educação foi um dos principais componentes das políticas públicas durante o período.
Entre as mudanças na gestão das políticas públicas, evidenciou-se a analogia proposta
entre a educação e os negócios empresariais, paralelismo que atribuiu à escola a forma de uma
empresa capitalista, ao menos no que dizia respeito à noção de “qualidade” da educação. A
qualidade da educação passou a ser entendida como capacidade de produção, isto é, mediada
pela suposta eficiência e eficácia do processo de formação de novos indivíduos, capazes de
ingressar no mercado de trabalho. A “fórmula” era simples: mais vagas nas escolas, maior
índice de aprovação, resultando em qualidade. A escola com o maior índice de aprovação seria
a melhor.
Para a escola pública, o aumento repentino do percentual de alunos aprovados em
muitos casos foi apenas um engodo estatístico, que objetivava a manutenção e/ou o aumento
de verbas oferecidas para os municípios brasileiros pelos órgãos nacionais e internacionais de
financiamentos, entre eles, o Banco Mundial. A chamada “aprovação automática”, nos anos
2000, foi uma das estratégias disseminadas para equacionar o problema da distorção do fluxo
série/idade causado pelo grande percentual de reprovações na educação básica registrado nas
décadas de 1980/1990 (LEON; MENESES-FILHO, 2003). O resultado dessa operação foi
desastroso, provocando um enorme contingente de analfabetos funcionais, com reflexos nos
anos seguintes que, provavelmente, ainda ajudou a alimentar os baixos índices de desempenho
dos alunos do ensino médio brasileiro registrado já no final da primeira década dos anos 2000
(BRASIL, 2012b).
Como a intenção de compensar os efeitos nocivos de um sistema de ensino incapaz
de oferecer uma educação de qualidade para a maioria dos estudantes, o governo federal
regulamentou sob o princípio das políticas de ações afirmativas, um sistema de cotas nas
universidades para alunos das escolas públicas no final dos anos de 1990.
Como se observa, o Brasil vem assumindo políticas de ações afirmativas, tendo um
histórico que não prioriza as necessidades sociais na sua íntegra. Em 1999, a questão racial
integra as políticas educacionais mediante o Projeto de Lei nº 73/99, pelo qual fica instituído o
Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior (PREREIRA;
ZIENTARSKI, 2011, p. 503).
44
As políticas de ação afirmativas no Brasil não apresentam historicamente um
compromisso com a correção das desigualdades sociais, como no caso da chamada “Lei do boi”,
Lei nº 5.465/68, já revogada (BRASIL, 1968). A mencionada lei, com o pretexto de assegurar
vagas na universidade pública para agricultores e seus filhos, na prática só privilegiou ainda
mais as elites rurais que usufruíram de maiores facilidades para o ingresso nas instituições
públicas (PREREIRA; ZIENTARSKI, 2011).
Sem entrar no contraditório sobre as atuais políticas de cotas sociais na educação
brasileira, podemos constatar que a própria existência do sistema de cotas evidencia o grave
problema da educação básica, incapaz de permitir o acesso da maioria dos estudantes à
universidade sem mecanismos “protetores”. Vilipendiados em seus direitos por uma educação
de qualidade, os estudantes da escola pública são “compensados” no processo seletivo no qual
concorrem entre si por uma vaga na universidade. Parece evidente que tais mecanismos capazes
de aumentar a presença dos alunos das classes populares na universidade, não resolvem os
problemas de uma educação básica que ainda não é capaz de oferecer recursos necessários para
autoformação dos seus estudantes. Um dos efeitos perceptíveis dessa política governamental
é o reconhecimento, a esmo, de duas redes de ensino: da escola pública (destinada às classes
populares, que tem acesso pelas cotas); e a das instituições privadas (composta pelos alunos das
classes mais abastadas, sem direito às cotas).
Para o nosso esforço de esclarecimento sobre a situação atual da escola pública
brasileira, importa, após essa breve caracterização do escopo dualista impresso historicamente
pelas políticas públicas para a educação, analisar mais especificamente o novo perfil do aluno
do ensino médio brasileiro e algumas possibilidades que a escola dispõe para oferecer um
espaço de autonomia para seu aluno.
2. Os novos alunos da escola pública e a construção da autonomia
Os alunos do ensino médio brasileiro representam a parcela dos estudantes que
conseguiram superar as barreiras sociais e concluir a educação básica, tarefa historicamente
bastante difícil. Como o nosso tema é a escola pública, parece razoável destacar o perfil
socioeconômico desses estudantes para melhor entender as suas demandas e possibilidades;
com essa intenção, usaremos os dados oficiais disponíveis sobre evolução do número de
matrículas e a renda familiar desses estudantes entre os anos de 1970-2010. Após essa rápida
caracterização, segue uma apresentação sobre o conceito de autonomia que fundamenta as
análises presentes no texto; assim como uma defesa à inclusão de uma dinâmica curricular
interdisciplinar, que seja capaz de garantir um espaço para a autoformação dos alunos da escola
pública.
2.1 Breve caracterização socioeconômica dos alunos do ensino médio brasileiro
Os dados referentes ao ensino médio no Brasil permitem constatar um aumento
considerável na oferta e matrículas no período de 1971-1994. Passamos de 1.119.421 alunos
matriculados em 1971, para 5.073.307 em 1994, um crescimento de 353% no período,
cobrindo 32,2% da faixa etária de 15 a 19 anos (ZIBAS; FRANCO, 1997). No mesmo período,
as matrículas nas escolas estaduais avançaram 578%; já as escolas privadas diminuíram sua
participação, de 43% em 1971, para 20,8% em 1994. Por último, ainda devemos destacar que
60% das matrículas dos alunos no ensino médio de 1989-1994 foram efetivadas no turno da
noite, majoritariamente por alunos trabalhadores de baixa remuneração e fora da faixa etária
considerada adequada para esse grau de ensino (Ibid., p.37).
O crescimento do ensino médio foi acelerado ainda na década de 1990, já que de
1991 até 1998 houve um crescimento de 84% no número de matriculas (BRASIL, 1998). As
matrículas nos anos 2000 continuaram crescendo 10,3% entre 2000-2003, mas sofreu uma
retração entre 2004-2008, de menos 8,8%, passando de 9.169.357 alunos matriculados em
2004, para 8.366.100 em 2008 (BRASIL, 2011b).
Segundo os dados do Censo da Educação Básica 2011, o ensino médio contava em
2009 com 8.357.675 alunos matriculados, desse total, 85,9% estudava nas redes estaduais de
ensino público. Em 2010, aproximadamente um terço dos alunos estudou no turno da noite
(BRASIL, 2012). Conclui-se então que houve uma diminuição considerável no número de
alunos matriculados nos cursos noturnos; de 60% em 1994, para pouco mais de 30% em 2010,
porém, mantendo um contingente enorme de quase 3 milhões de alunos. Se considerarmos os
alunos matriculados na educação de jovens e adultos no ensino médio (EJA), acrescentaríamos
aproximadamente mais 1 milhão de alunos ao curso noturno (Ibid.).
A mudança do perfil socioeconômico dos alunos das escolas públicas do ensino
45
médio fica evidenciada também nos dados do IBGE (2010), que demostram que apenas 9,9
% dos alunos de famílias de baixa renda (1º e 2ª quintos de renda per capita por família) estão
matriculados nas escolas particulares, contra 47,1% nas escolas públicas. Já em relação às
famílias de mais alta renda (5º quinto), existe uma abruta inversão: 9,4% estão matriculados nas
escolas públicas, contra 52,7% nas escolas privadas. Assim, podemos caracterizar a maior parte
dos alunos do ensino médio brasileiro como moradores das periferias, pertencentes às famílias
com renda de até dois salários mínimos, sendo que um terço desses alunos são trabalhadores e
estudam no curso noturno.
Os dados apresentado até aqui tem a finalidade de caracterizar a mudança no perfil
socioeconômico do aluno da escola pública, pois, essa mudança demanda uma nova relação
da escola pública com os seus estudantes. Pela primeira vez na historia da educação brasileira,
uma parcela significativa dos alunos das camadas mais pobres consegue chegar ao final da
educação básica; porém, esse movimento causa um descompasso entre a antiga concepção de
escola pública e as novas demandas e referentes culturais dos alunos. Essas dificuldades, cada
vez mais evidentes, estão presentes e percebidas no cotidiano escolar.
Em inúmeros momentos de trabalho com docentes de redes estaduais e municipais,
em diferentes cidades do país, temos sido confrontados com perguntas que nos evidenciam a
dificuldade presente entre o professorado, tanto de tornar a cultura um eixo central do processo
curricular, como de conferir uma orientação multicultural às suas práticas. São frequentes, nesses encontros, indagações relativas ao (à) aluno (a) concreto (a) que usualmente está presente
na sala de aula: como lidar com essa criança tão “estranha”, que apresenta tantos problemas,
que tem hábitos e costumes tão “diferentes” dos da criança “bem educada”? Como “adaptá-la”
às normas, condutas e valores vigentes? Como ensinar-lhe os conteúdos que se encontram nos
livros didáticos? Como prepará-la para os estudos posteriores? Como integrar a sua experiência de vida de modo coerente com a função específica da escola? (CANDU, 2003, p.1).
Para o objetivo deste texto, nos concentraremos na última interrogação da citação acima,
“como integrar a sua experiência de vida [do aluno] de modo coerente com a função específica
da escola?”. A pergunta sobre a experiência de vida dos alunos e a sua possível integração
pela escola, pode ter o mérito de abrir a instituição escolar para o outro e ajudar o processo de
ressignificação da ideia de escola pública, para além do saudosismo e do pessimismo correntes.
Antes de tudo, é importante sugerir uma demarcação de sentido sobre a noção de autonomia.
2.2 A construção da autonomia na escola pública
A escola pública, assim como as demais instituições sociais, tem a sua origem em
significações imaginárias (CASTORIADIS, 1986). As origens dessas significações não estão
disponíveis ao entendimento para serem mudadas por um ato de vontade ou escolha, pelo fato
do entendimento ser “parte do legein” e não é, por conseguinte, criador de novas significações.
Tudo isso, é claro, é apenas outra maneira de dizer que o legein é instituição primordial, e que, neste nível, a lógica identitária não pode captar a instituição, porque a instituição
não é nem necessariamente nem contingente, porque sua emergência não é determinada, mas a
partir de que, em que e através de que somente o determinado existe (Ibid., p.299).
46
Quando pensamos na necessidade de criar uma nova escola pública não podemos
acreditar que o novo pode ser fundado apenas pela tomada de conhecimento, pela constatação
dos problemas e aplicação de normas e regras legais. Se a escola pública ainda permanece como
uma instituição permeada pelos sentimentos de saudosismo e pessimismo, é porque existe uma
sustentação imaginária que une a sociedade em torno dessas significações. A criação de uma
nova escola pública, então, requisita a instituição de um novo projeto de formação humana,
criado a partir da participação social.
Se a mudança não é possível apenas pelo esclarecimento, por um ato da razão; ela,
no entanto, seria facilitada pela construção de modelos de formação coerentes com seus fins.
Acreditamos que o fim da educação é a criação de sujeitos autônomos capazes de construir e
manter uma sociedade democrática. A superação de um modelo anacrónico de escola pública
requisita um espaço escolar que permita o acolhimento e reforce o pertencimento de cada
estudante em seu processo de autoformação, criando condições para a construção da sua
autonomia.
A autonomia do sujeito, por sua vez, não é obra da razão emancipada, mas uma criação
social histórica de sujeitos que aprendem juntos, na prática de deliberação e de interrogação
sobre um mundo já instituído, como enuncia Cornélius Castoriadis:
A autonomia não é a liberdade cartesiana, menos ainda a sartriana, a fulguração
sem engajamento. A autonomia no plano individual significa o estabelecimento de uma nova
relação entre o eu e seu inconsciente, não para eliminar este último, mas para conseguir filtrar
a parte dos desejos que passa nos atos e palavras. Esta autonomia individual tem pesadas condições instituídas. Precisamos, pois, de instituições da autonomia, de instituições que deem a
cada um uma autonomia efetiva enquanto membro da coletividade, e que lhe permita desenvolver sua autonomia individual. Isto só é possível pela instauração de um regime verdadeiramente – e não apenas em palavras – democrático (CASTORIADIS, 2002, p.254).
Nas palavras do filosofo grego, fica evidenciado que a autonomia não é o apagamento
do outro, sob uma noção de igualdade que esconde traiçoeiramente a transformação do outro
no mesmo. Essa “nova relação entre o eu e seu inconsciente”, permitiria a criação de uma
“cultura da responsabilidade” (CASTORIADIS, 1987), na qual o sujeito autônomo assume
simultaneamente os seus desejos e responsabilidades; o outro, a alteridade, é um aliado e não
um obstáculo para esse processo.
A autonomia é um tipo de criação particular, inseparável da democracia e da filosofia;
o que nos permite afirmar que os três conceitos são complementares, ou nas palavras do autor,
eles “cossignificam” o sentido de criação nas sociedades autônomas (CASTORIADIS, 1992).
A filosofia e a democracia são práticas de interrogação e deliberação que constituem
o que Castoriadis põe no cerne do conceito de autonomia, isto é, a autocriação do sujeito
e a autoinstituição da sociedade como um movimento político educativo (CASTORIADIS,
2002b).
A autonomia exige a educação, pois ela não é uma construção natural de um sujeito
isolado em sua introspecção, mas, como autocriação “sua finalidade, é o próprio exercício da
lucidez e da deliberação. Na educação, portanto, o fim corresponde à própria atividade que o
produz: a autocriação” (VALLE, 2002, p.272). Em uma sociedade autônoma, a educação é
um permanente trabalho de questionamento, de reflexão aberta, de autocriação humana; em
uma sociedade heterônoma, porém, a educação está presa à aplicação de teorias e reduzida a
procedimentos e técnicas, cujo propósito é ocultar o poder criador inerente ao humano.
Em nossa sociedade heterônoma, a criação da autonomia na escola pública precisa,
então, superar os mecanismos de controle da escola estatal dualista. Mecanismos como a
transmissão do conhecimento de modo compartimentado, sem espaço para a construção das
interrogações; ou o apagamento do outro, como suposta forma democrática de defesa da
igualdade como princípio abstrato.
1.3 Estratégia interdisciplinar para uma nova escola pública
A superação da mera transmissão do conhecimento, na forma de um currículo compartimentado,
pode ser construída pelo diálogo entre as diversas disciplinas materializado sob uma dinâmica
interdisciplinar; definida de modo bastante amplo como “interação existente entre duas ou
mais disciplinas” (FAZENDA, 2008, p.18). Nos documentos oficiais referentes à educação,
a interdisciplinaridade funcionaria como um princípio que catalisador entre as muitas
possibilidades de ação em torno de uma necessidade comum, e, por esse motivo:
47
A interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da
necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir,
mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um
olhar, talvez vários (BRASIL, 2002, p. 88-89, grifos do autor).
Segundo Irani Fazenda, a noção de interdisciplinaridade possui uma dupla acepção de
ordens substancialmente diferentes, “porém complementares, de compreender uma formação
interdisciplinar de professores, uma ordenação cientifica e uma ordenação social” (FAZENDA,
2008, p. 18).
A ordem científica abriria uma nova perspectiva para cada professor reavaliar os
conceitos presentes em seu campo disciplinar e exercitar a comunicação com os outros campos
do conhecimento, pois obrigaria “o professor a rever suas práticas e a redescobrir seus talentos,
no momento em que ao movimento da disciplina seu próprio movimento for incorporado”
(Ibid.).
Já a segunda ordem, a social, seria responsável por construir um diálogo entre as diversas
áreas do conhecimento com as demandas sociais mais prementes, fazendo uma ligação entre a
teoria e a prática, assim, “tenta captar toda complexidade que constitui o real e a necessidade
de levar em conta as interações que dele são constitutivas” (Ibid., p.19).
A superação da noção mecânica de interdisciplinaridade, suposta como mero
“agrupamento de disciplinas” facilitaria a construção de um ambiente dialógico entre os
diversos professores e, consequentemente, campos do saber. Em um ambiente dialógico,
haveria maiores possibilidades de garantir um tratamento mais plural às diversas possibilidades
de encontros entre os docentes e a diversas áreas; postura que exige “abrir mão dessa crença de
que o processo ensino\aprendizagem é uma via de mão única e paradas obrigatórias – de maior
ou menor duração – de acordo com o status científico de cada disciplina” (CONTALDO, 2004,
p.52).
A ordenação científica seria útil para a superação de uma tradição hierárquica entre as
disciplinas e abriria o caminho para a construção de um grande diálogo entre as várias áreas
do conhecimento, beneficiando a curiosidade e a construção das próprias interrogações dos
alunos.
Simultaneamente, sobre o espaço dialógico, a ordenação social interdisciplinar avançaria
na criação de um currículo que compreendesse melhor a complexidade de cada escola, de cada
lugar, de cada região. O pertencimento social de cada estudante, seus referentes culturais, as
forças que afetam a sua vida cotidiana, são componentes que precisam integrar o currículo de
alguma maneira.
Para elucidar a questão proposta, ou seja, “como integrar a sua experiência de vida [do
aluno] de modo coerente com a função específica da escola?”, é necessário ouvir esse aluno,
entender quais são seus referentes culturais, suas demandas existenciais e suas necessidades
mais cotidianas. Muitos desses alunos são cerceados no seu direito de ir e vir, sua noção de
espaço muitas vezes é restrita às áreas conflagradas pela criminalidade; seus códigos linguísticos,
marginalizados; sua estética, depreciada.
Muitos alunos da escola pública brasileira, sobretudo aqueles que vivem nos grandes
centros urbanos como o Rio de Janeiro, frequentam apenas locais muito próximos as suas
moradias. Não é incomum, em comunidades de baixa renda da zona oeste da capital carioca,
por exemplo, jovens de 18, 19, 20 anos ou mais que nunca saíram da sua comunidade e
curiosamente, os passeios escolares são seus primeiros vislumbres da sua própria cidade. Mais
curioso ainda, é como a escola perde essa oportunidade de incluir tais reflexões e práticas em
seus currículos; problematizar a aparição do outro diante de cada um desses jovens, do choque
entre as várias culturas espalhadas pela cidade, entre linguagens variadas e enriquecedoras.
O esforço para a construção de uma escola pública democrática inclui a visão de mundo
48
dos seus alunos, assim como as suas experiências vividas, pois o processo de autoformação
discente requisita a criação de um ambiente escolar capaz de significar a situação social
dos estudantes com a dignidade que eles merecem. Precisamos partir do suposto que não
conhecemos esses novos alunos da escola pública, para o estabelecimento de um diálogo que
poderá ser a base de uma nova forma de compreender a escola pública, de maneira positiva,
realista, democrática e, fundamentalmente, significativa para os seus estudantes.
Considerações finais
A escola pública no Brasil foi idealizada para oferecer aos seus alunos um determinado
tipo de formação que fosse capaz de sustentar a sociedade republicana do início do século XX.
Uma sociedade que possuía um conjunto de significações imaginárias capazes de justificar
um determinado tipo de civismo, de relação com o trabalho, com a religião etc. Naquele
conjunto de representações, o aluno não possuía direito à voz, a sua relação com a escola era de
subserviência ao conhecimento, compartimentado e cuidadosamente hierarquizado. Um traço
comum a essa origem da escola pública brasileira foi o apagamento do outro, da alteridade, já
que a educação pública não era para todos.
O dualismo pedagógico característico das políticas públicas aplicadas à educação
parece, atualmente, reforçar o traço dicotômico da noção corrente de escola pública, marcada
pelo pessimismo e pelo saudosismo. Como se um horda bárbara irrompesse sobre os muros da
escola, muitos assistem o acesso das classes populares como se fora um processo de decadência
do saber na escola, pela “inadequação” dos mais pobres ao conhecimento universal. Nossa
afirmação anterior é propositalmente exagerada, porém, temos registros de análises bastante
contundentes contra a entrada das classes populares na escola pública em nosso país, como as
de José Ricardo Pires de Almeida, no final do século XIX, ou de Ofélia Boisson Cardoso, já na
década de 1940.
Pires de Almeida, por exemplo, observava que os pais dos alunos de famílias mais
abastadas no Período Monárquico evitavam matricular seus filhos nas escolas públicas por
medo da “contaminação” pela imoralidade dos mais pobres. Expediente defendido pelo autor,
já que o mesmo afirmava a existência de duas classes distintas habitando o Rio de Janeiro no
final do século XIX, uma “classe média inteligente e, em geral, voltada para o bem” e uma
classe inferior “miscigenada” que possui “um fundo hereditário de depravação” (ALMEIDA,
1989, p.93).
Por sua vez, Ofélia Boisson Cardoso analisando o comportamento das crianças que
moravam nos morros cariocas na década de 1940, não considerava promissora a inclusão delas
na escola pública, já que “a escola aconselha as boas maneiras, procura difundir bons hábitos
sociais de polidez”, mas os valores escolares não surtem efeito, pois nos morros “na casa
de cômodos, isso [civilidade] nada exprime e até se torna ridículo empregar “com licença”,
“desculpe”, “muito obrigado” (CARDOSO, 1949, p.83).
Os relatos acima citados têm como objetivo reafirmar que esses autores, entre tantos
outros, que expressaram o incomodo contra a entrada das classes populares na escola pública
não o fazem sem razão, pois essa posição tem origem em um conjunto de significações sociais
que justificavam um determinado projeto de formação, que obviamente não incluía a maioria
da população. Essas significações imaginárias enfraqueceram, e a prova desse enfraquecimento
é que atualmente quaisquer dos argumentos citados anteriormente seriam criminalizados,
porém, não ruíram por completo e parecem sustentar a noção corrente de escola pública.
A noção de escola pública é associada à melancólica imagem de uma instituição perdida,
composta no pretérito por uma excelência acadêmica, pautada na disciplina sacerdotal, na
qualidade professoral de seus mestres eruditos, na assepsia do espaço escolar. Contrastando
com essa imagem, nos defrontamos, na escola ordinária, com a falta de professores, com prédios
inapropriados, currículos pouco capazes de atender as demandas discentes e, principalmente,
49
com os alunos que não se adequam aos projetos de formação do passado. Esse choque é capaz
de levar a açodada conclusão de que os alunos é que não se adaptam à boa escola, todavia, não
seria o contrário?
A superação dessa imagem melancólica não está à disposição de um mero ato de
vontade, passível de alteração por uma legislação que decretasse que a partir daquele momento
a escola passaria a ser democrática, crítica, promotora da cidadania. Se o que sustenta o sentido
da escola pública são suas significações sociais, não parece excessivo afirmar que somente
a partir do estabelecimento de um espaço de diálogo interdisciplinar, afeito a autoformação
e capaz de favorecer o processo de autonomia individual e coletiva, é que a escola pode ser
ressignificada.
Devemos afinal reconhecer que a escola pública é uma instituição com muitas faces e
deve atender a toda a sociedade, e, para esse fim, cada escola deve construir a sua autonomia,
baseada em suas especificidades locais, culturais e históricas, pois não há um modelo de escola
que seja adequado à rica diversidade cultural e social do nosso país. Como princípio, no entanto,
a escola publica autônoma deve estar a serviço da autoformação do estudante, em qualquer
região, contexto sociocultural ou econômico.
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Agenda
Social
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
ELETRONIC JOURNAL
www.revistaagendasocial.com.br
POLÍTiCas PÚBLiCas edUCaCiOnais e edUCaçÃO
inTeGraL nO COnTeXTO da GLOBaLiZaçÃO neOLiBeraL
Educational public policy and integral education in a neoliberal
globalization context.
sanTOs, fernanda Marsaro dos (1).
1.DoutorandaemEducaçãonaUniversidadeCatólicadeBrasília-UCB([email protected])
RESUMO
Este artigo tem como objetivo explorar,
na literatura e na legislação pertinente,
o contexto histórico educacional frente
à globalização neoliberal no Brasil, bem
como contribuir, de forma crítica, com o
debate sobre políticas públicas. Discute o
Programa Mais Educação, na perspectiva
da educação integral, e as possíveis
influências sofridas pelas políticas
públicas de cunho neoliberal. Procura-se
confrontar o programa à luz das ideias
da globalização hegemônica, abordando
seus encontros e desencontros. O trabalho
consiste em análise documental e pesquisa
bibliográfica, em uma perspectiva crítica.
Constitui-se, dessa forma, num relevante
instrumentodereflexãoepesquisasobre
políticas educacionais. Como se trata de
pesquisa bibliográfica, por ora, tem-se
um olhar crítico de conclusão parcial, ou
seja, o programa Mais Educação, assim
como outras políticas educacionais, sofre
influênciasdiretasdosideaisneoliberais.
PaLaVras-CHaVe
EDUCAÇÃO INTEGRAL; GLOBALIZAÇÃO
NEOLIBERAL; POLÍTICAS PÚBLICAS.
52
aBsTraCT
This article aims to explore, in literature
and relevant legislation, the educational
historical context in front of the neoliberal
globalization in Brazil, as well as contribute
in a critical way, with the debate on public
policy. It discusses the “Mais Educação”
Program, in an integral education
perspective, and the possible influences
experienced by the neo-liberal policies. It
seeks to confront the program in light of the
globalization hegemonic ideas, addressing
their agreements and disagreements. This
work consists in document analysis and
literature research, in a critical perspective.
It constitutes in an important tool for
reflection and research on education
policy. For now, there is a critical part of
completion, the “Mais Educação” program,
as well as other education policies, suffer
direct influences of neo-liberal ideals.
KEY-WORdS
INTEGRAL EDUCATION; NEOLIBERAL
GLOBALIZATION; PUBLIC POLITICS.
Introdução O percurso histórico das políticas educacionais no Brasil evidencia a supremacia
hegemônica das ideias liberais sobre a sociedade. A influência de órgãos internacionais como o
FMI e o Banco Mundial (ABDI, 2008; TOORES & BURBLES, 1999) somada a diminuição do
Estado brasileiro diante das questões sociais e supervalorização dos interesses mercadológicos,
refletem diretamente sobre a educação. O mundo passa por profundas crises, que demonstra
a falta de limites e as incoerências dos grupos dominantes. As tendências liberais sugerem a
educação como prioridade e acreditam que apenas com ela alcançaremos crescimento social
e teremos oportunidades para todos, sem exclusão ou diferenças. Entretanto, o espaço escolar
ainda sofre com as diferenças culturais e econômicas, o que afetam as políticas públicas no
âmbito educacional.
A esse exemplo, cita-se Guimaraes-Losif (2009), que corrobora salientando que a
educação brasileira está em crise, melhor dizendo, a educação no Brasil sempre esteve em crise.
O país nunca soube cuidar com propriedade da educação do seu povo e agora começa a pagar
um alto preço. A educação atual não consegue fazer com que grande parte dos alunos aprenda a
ler e escrever e, muito menos, formar sujeitos críticos e capazes de se organizar coletivamente
em prol dos direitos de cidadania democrática, efetivamente para todos. O resultado, segundo
a autora, é que nosso sistema educacional colabora para o desenvolvimento de uma sociedade
extremamente desigual, ao invés de democrática, onde um pequeno grupo de cidadãos passa a
gozar de mais direitos que a grande maioria.
O presente artigo esta dividido em três partes. A primeira analisa as concepções
contemporâneas da globalização neoliberal e políticas públicas; a segunda questiona como
a educação se apresenta no contexto do neoliberalismo; a terceira e ultima parte, estabelece
um diálogo crítico entre as diretrizes do programa vinculado à educação integral, o MAIS
EDUCAÇÃO e o neoliberalismo.
Esse trabalho tem como objetivo refletir sobre o neoliberalismo e as políticas públicas
educacionais. Somado a isso, estabelece-se um diálogo sobre a educação integral e a situação
atual do Programa MAIS EDUCAÇÃO, como política pública, no Brasil. Por fim, buscando-se
maior conhecimento em relação às políticas neoliberais de educação, procuram-se analisar seus
desafios e avanços.
1. A Proposição de Globalização Neoliberal – Contexto Histórico
Educação numa perspectiva integral, qualidade na escola pública, ampliação da jornada
escolar, adequação do sistema público às perspectivas mercadológicas, competitividade,
produtividade. Até que ponto esses termos estão ligados ao discurso neoliberal? Quais são os
seus significados? Como ocorreu a proliferação das ideias neoliberais no cenário educacional?
Para O’Neill et al. (2004) a proposição de globalização neoliberal não é um fenômeno
novo, mas está se difundindo e se tornando cada vez mais complexo com o advento de novas
tecnologias e com a expansão dos mercados globais.
Alguns estudiosos (BOBBIO, 1992; HELD, MCGREW, 2001) afirmam que o
53
54
neoliberalismo surgiu na década de 70, tendo como aporte os países de capital mais
avançado. Nesse sentido, o neoliberalismo foi uma reação teórica e política ao modelo de
desenvolvimento, fortemente influenciado pelas intervenções do Estado, que passou a ser visto
como uma peça central na estruturação do processo de geração de capital e desenvolvimento
social (ANDERSON, 1995).
Primeiramente, precisamos compreender o contexto histórico do surgimento das ideias
neoliberais. As mudanças que se direcionavam ao ordenamento da política do Estado de Bem
Estar procuravam desenvolvimento social e econômico. As estratégias eram de cunho político
e visavam emprego gerando renda, produção e consumo. Para tanto, foram adotadas algumas
estratégias: políticas salariais, emprego, serviços sociais, aposentadoria, seguro desemprego,
pensões e regulamentação das leis trabalhistas (CUNHA, 1991).
Segundo o mesmo autor, essas estratégias não tiveram sucesso por muito tempo. As
crises econômicas surgiram e com elas o aumento da inflação, desemprego e, consequentemente,
o baixo crescimento econômico. Assim, a difusão e disseminação da ideologia neoliberal
aconteceram com maior intensidade a partir da crise capitalista de 70, quando o discurso
neoliberal julgava o Estado como responsável pelo aumento da inflação.
Os ideais neoliberais propunham uma mudança ao papel do Estado, acreditavam
que o mercado substituiria a política, assim definiram algumas estratégias para solucionar a
crise de 70, são elas: privatização do setor público, diminuição do quadro de funcionários da
administração pública e retirada do governo das decisões econômicas (CUNHA, 1991).
Em seguida, precisamos conceituar neoliberalismo no contexto educacional. Este
texto visa contribuir no debate e incidir sobre o tema. Segundo Cunha (1979) neoliberalismo
origina-se da palavra liberalismo e pode ser definido como código de crenças e convicções
pré-determinadas, que formam um corpo de sua doutrina ou de ideias nas quais ele se baseia,
constituindo uma ideologia.
O neoliberalismo “é aquilo que se poderia chamar de ideologias de mercado”, em outras
palavras, as propostas neoliberais focalizavam nos aspectos econômicos das propostas liberais.
No neoliberalismo, não se valoriza a igualdade de valores ou direitos, priorizavam-se apenas
as reinterpretações econômicas (BALL, 1998, p. 126).
Para Martens; Rusconi; Leuze (2007), os processos desencadeados pela globalização
neoliberal e os desafios vindos de uma sociedade baseada no conhecimento e no desenvolvimento
do mercado de trabalho levaram às dinâmicas internacionais no campo da educação. Como forte
consequência disso, o Estado não é mais o único ator que dita e modela a política educacional,
ao contrário, os agentes de mercado e agentes internacionais estão se infiltrando cada vez mais
nas decisões relacionadas a educação. Na perspectiva neoliberal, o individualismo pregava
que somos seres livres, desde que nos comportemos da mesma forma, visando um modelo
único de harmonia, ou seja, comportar-se da mesma forma significa desejar o mesmo tipo de
coisa, almejar ganhos, lucros e consumo. Assim, esse princípio apenas se detinha na liberdade
econômica dos organismos que possuíam o poder financeiro. Dessa forma, indaga-se: E como
isto se vincula à educação?
Tomando como referência pesquisas realizadas pelo Banco Mundial, podemos destacar
duas tarefas importantes ao capital que estão colocadas à educação: a) ampliação do mercado
consumista, apostando na educação como geradora de emprego, consumo e cidadania (aumentar
o número de cidadãos consumistas); b) criação de estabilidade política nos países subordinados
aos processos educativos e aos interesses (visando governabilidade) da reprodução das relações
sociais capitalistas (GENTILI; SILVA, 1996).
No Brasil, citam-se alguns exemplos de governo que adotaram políticas econômicas
neoliberais: Fernando Collor de Melo (1990 - 1992), Fernando Henrique Cardoso (1995 2003), Luiz Inácio Lula da Silva (2003 - 2010) e Dilma (atual). No contexto educacional, o
modelo neoliberal visa mudanças significativas na educação pública, uma vez que o Estado
deixa de participar economicamente dos processos educacionais, o que, de fato, pode prejudicar
a população, ou seja, restringe-se a ação do Estado à garantia da educação básica, deixando os
outros níveis de escolarização sujeitos às leis mercadológicas de oferta e procura.
Considerando o contexto neoliberal, segundo Giron (s.d), quando se atribui a oferta
escolar para a iniciativa privada, ocorre fragilização e desagregação da escola pública (estabelecendo
acesso às melhores escolas somente os que detêm poder aquisitivo mais alto), ou seja, rotula-se a
escola pública como acolhedora dos menos favorecidos e contemplam com o ensino privado os
mais ricos. Assim, questiona-se: Onde fica a garantia de acesso à educação como direito de todos?
Por que uns recebem tratamento diferenciado? Existe necessidade de modificação do padrão de
ensino público, urge uma educação integral que contemple a diversidade, pois existe a necessidade
de adequar o currículo às exigências do mercado e do mundo. Em outras palavras, quando o Estado
privatiza a escola pública, nega, de certa forma, o direito à educação a maioria da população,
aprofundando os mecanismos de exclusão social aos quais estão submetidos às classes populares.
2. Políticas Públicas Educacionais – O Programa MAIS EDUCAÇÃO
A implantação de políticas públicas que visam à melhoria da qualidade do ensino nas
escolas públicas no Brasil vem crescendo após a constituição de 1988 e passam ser uma
proposta de construção coletiva entre as instâncias governamentais e setores da sociedade
civil organizada. Para fundamentar essa posição é importante delimitar o que seja uma política
pública.
Para Bonafont (2004), política pública é um conjunto de ações articuladas que norteiam
um governo e visam alcançar um objetivo em relação a um problema de conflito social e
econômico. Segundo a autora, o governo é o elemento chave, sem ele não se podem discutir
políticas públicas.
Segundo Bottery (2006), em um mundo globalizado, os líderes educacionais precisam
adaptar o seu trabalho às tendências atuais, pois existe uma série de forças em nível global
que afetam profundamente as políticas de educação e resultam em tensões significativas no
trabalho dos líderes educacionais. Outro ponto importante, segundo o mesmo autor, está
diretamente relacionado à compreensão da natureza global das questões políticas e do impacto
sobre o trabalho educacional. Existe uma grande necessidade de incorporação da concepção
dos papéis e responsabilidades dos líderes educacionais com a nação.
Para Azevedo (2001), as políticas públicas reforçam a intervenção do Estado, mas
não do governo. Para ela, as políticas públicas representam o Estado colocando em prática
55
os projetos de governo por meio de programas e ações articuladas para os diversos setores
da sociedade. Assim, a autora corrobora salientando que as políticas públicas educacionais
referem-se a ações que visam beneficíos sociais, afim de dimunir as desigualdades sociais.
É nessa perspectiva que surgem as politcas de educacao integral. O Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), criado em 2007, por exemplo, cuja finalidade é traçar
um paralelo entre os princípios constitucionais e o Plano Nacional da Educação (PNE), visa
garantir uma educação de qualidade, inclusiva, que permita a construção da autonomia das
crianças e adolescentes e o respeito à diversidade (BRASIL, 2009b).
O PDE é um plano executivo organizado em torno de quatro eixos: educação básica,
superior, profissional e alfabetização. Este é composto ainda por mais de quarenta programas
e ações, entre eles o MAIS EDUCAÇÃO, objeto de analise nesse artigo. O Programa conta
com recursos provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), o qual repassa para o ensino
fundamental 25% e para o ensino médio 30% a mais do custo por aluno anualmente (BRASIL,
2007).
A esse respeito, cabe ressaltar os marcos legais que orientam a oferta de educação
integral. A Educação Integral sustenta-se na Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei 8.069/90) e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/96), que norteiam o planejamento das políticas públicas e garantem direito à proteção
integral de crianças e adolescentes. Para tanto, questiona-se: E esses direitos buscam a base
integral aos seres humanos? As leis que regem nosso país precisam respeitar a formação
completa do indivíduo.
A Lei nº 11.494/2007, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), determina que um
regulamento disponha sobre a educação básica em nível integral (Art. 10 §3º), para fins de
repasse de verba pública. Nesse sentido, o Decreto nº 6.253/07 considera “educação básica em
tempo integral, a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante
todo o período letivo”. No Brasil já existem leis, mas por que não são cumpridas?
O Programa MAIS EDUCAÇÃO, instituído pelas Portarias Normativas Interministeriais
nº 17 e nº 19, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007), integra o Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE) e é um dos componentes do Plano de Ações Articulada (PAR), estruturando
ações em parceria com os ministérios da Educação, da Cultura, do Desenvolvimento Social e do
Esporte, cujo objetivo é o atendimento de crianças e adolescentes em tempo integral (BRASIL,
2009b). O objetivo do Programa é a conquista efetiva da escolaridade dos estudantes, por meio
da experiência da ampliação do horário escolar (BRASIL, 2009c).
Entende-se que o Programa MAIS EDUCAÇÃO pretende ser um projeto
multidimensional para atender o ser humano na sua integralidade. No entanto, é importante
questionar até que ponto a oferta de uma jornada escolar estendida, com uma escola pública
defasada e precária de estrutura física, pode comprometer os ideais do programa? É nessa
vertente que se insere o risco na promoção da violência. Espera-se cidadania e tem-se, ao
contrario, os conflitos econômicos e culturais.
56
Educação Integral e escola em tempo integral traduzem esse compromisso com o sujeito
porque incorpora a ideia que amplia as oportunidades que respondem e complementam lacunas
no processo de atividades pedagógicas inseridas na Educação Integral (BRASIL, 2009c).
Assim, o principal critério de seleção para regiões e escolas a participarem do programa é o
baixo índice no IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica1. Este apontou que,
nas escolas públicas Municipais e Estaduais com base nos anos finais do ensino fundamental,
foram apresentadas as piores escalas que variavam de 3,4 a 3,6 no ano de 2007. Na etapa
seguinte (2009), as escalas variaram de 3,6 a 3,8 (INEP, 2010). Essa discrepância revela
profundas desigualdades nas condições de acesso, permanência e aprendizagem na educação
escolar, refletindo a complexidade de um processo que envolve interesses sociais, políticos e
econômicos.
IDEB 2005, 2007, 2009 e Projeções para o BRASIL
TOTAL
IDEB - Resultados e Metas
Anos Iniciais do Ensino Fundamental Anos Finais do Ensino Fundamental
Ensino Médio
IDEB Observado
Metas
IDEB Observado
Metas
IDEB Observado
Metas
2005 2007 2009 2007 2009 2021 2005 2007 2009 2007 2009 2021 2005 2007 2009 2007 2009 2021
3,8
4,2
4,6
3,9
4,2
6,0
3,5
3,8
4,0
3,5
3,7
5,5
3,4
3,5
3,6
3,4
3,5
5,2
Dependência Administrativa
Pública
3,6
4,0
4,4
Estadual
3,9
4,3
4,9
Municipal 3,4
4,0
4,4
Privada
5,9
6,0
6,4
Fonte: Saeb e Censo Escolar.
3,6
4,0
3,5
6,0
4,0
4,3
3,8
6,3
5,8
6,1
5,7
7,5
3,2
3,3
3,1
5,8
3,5
3,6
3,4
5,8
3,7
3,8
3,6
5,9
3,3
3,3
3,1
5,8
3,4
3,5
3,3
6,0
5,2
5,3
5,1
7,3
3,1
3,0
2,9
5,6
3,2
3,2
3,2
5,6
3,4
3,4
5,6
3,1
3,1
3,0
5,6
3,2
3,2
3,1
5,7
4,9
4,9
4,8
7,0
Os indicadores do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (MECINEP, 2005) mostram, claramente, dificuldades e poucos avanços no modelo atual da educação.
No contexto geral, os índices ainda estão muito mais baixos. Por exemplo, nos anos finais do
ensino fundamental, a escola pública Municipal (3,1) é que a apresenta piores resultados em
2007. Uma clara demonstração de que mudanças são necessárias e imediatamente.
Nessa linha, o projeto de Educação Integral tem como desafio estabelecer um diálogo
entre escolas e comunidades. Assim, o programa MAIS EDUCAÇÃO propõe uma metodologia
de trabalho capaz de fazer dos programas de governo que integram esta ação, um instrumento
sensível de produção de conhecimento e cultura, pois considera a diversidade dos saberes que
compõem a realidade social brasileira (BRASIL, 2009c).
O programa MAIS EDUCAÇÃO pretende contribuir para a formação integral de
crianças, adolescentes e jovens por meio da articulação de ações, de projetos e de programas
do Governo Federal e suas atribuições propostas, visões e práticas curriculares das redes
públicas de ensino, alterando o ambiente escolar e incluindo campos mais produtivos e
interessantes aos alunos (BRASIL, 2009a).
Assim, o projeto se realiza por meio de parcerias entre as escolas, comunidade, famílias,
órgãos públicos e organizações sociais em torno de um objetivo comum: uma metodologia
diversificada de ensino-aprendizagem com vistas à formação de cidadãos atuantes e
responsáveis.
1
Segundo Fernandes (2007), o Ideb é um indicador de qualidade educacional que combina informações
de desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb) – obtido pelos estudantes ao final das etapas de
ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental ou 5º e 9º anos e 3ª série do ensino médio) – com informações sobre
rendimento escolar (aprovação).
I
57
2.1 Concepções de Educação Integral
O tema “educação integral” retoma o cenário brasileiro após alguns anos, como tentativa
de garantir uma educação pública de qualidade. Pesquisas relacionadas à educação em tempo
integral não são mais consideradas novidades no âmbito da educação brasileira. Desde Anísio
Teixeira, na década de 80, os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), situados no Rio
de Janeiro, assim como a Escola Parque (Centro Educacional Carneiro Ribeiro), em Salvador,
adotavam o projeto de escola pública em tempo integral. Ressalta-se que tais projetos não
obtiveram êxito devido à forte tendência em considerar as escolas em tempo integral em
“escolas abrigo” das classes menos favorecidas (PARO, 1988).
Segundo Paro (1988, p.189) a ideia de educação integral já está presente no Brasil
desde o início do século XX, porém com características distantes das apresentadas atualmente.
Segundo o autor, as transformações do modelo de produção brasileiro, que acabou gerando
um modelo urbano-industrial, trouxeram novas necessidades sociais, entre elas a educação.
Nesse sentido, para construção de uma nação rica e democrática, acreditava-se ser necessário
universalizar a escola. Preocupava-se com o número de alunos inseridos no sistema educacional
e com a qualidade do ensino nas escolas, que eram os ideais da Escola Nova. Essas propostas
defendiam uma formação que propiciasse uma educação integral. Paro (1988, p. 190) ressalva:
“... mas o adjetivo integral ainda não diz respeito à extensão do período diário de escolaridade
e sim ao papel da escola em sua função educativa”. O autor refere-se aqui ao tipo de homem
que se desejava formar, um “cidadão” capaz de participar da vida política e contribuir para a
riqueza da nação.
Em relação à vasta literatura sobre educação integral, podemos assegurar que a grande
maioria das experiências de educação integral no Brasil está diretamente relacionada com a
ampliação do tempo de permanência dos alunos na escola, popularmente conhecida como
jornada em tempo integral. Ou seja, um formato diferenciado e predominante no sistema
público de ensino em que, pela manhã, o alunado tenha contato com o currículo formal e no
turno contrário, com projetos e atividades diversificadas.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (BRASIL, 1996), em
seu artigo 34, “a jornada escolar de Ensino Fundamental será pelo menos de quatro horas de
trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência
na escola”. O parágrafo segundo do mesmo artigo estabelece que “o ensino fundamental será
ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino”.
O percurso delineado pelas políticas públicas de Educação Integral permitem afirmar
que esta se caracteriza por uma formação “mais completa possível” do ser humano (COELHO,
2009). Nela, fortalecem-se as bases para implantação de uma educação de qualidade, ampliandose os espaços, cabendo à escola assumir uma abrangência que, para uns a desfigura e, para
outros, torna-a realmente acessível e democrática. Nesse sentido, a escola pública passa a
incorporar um conjunto de responsabilidades que não eram vistas como tipicamente escolares,
mas que, se não estiverem garantidas, podem inviabilizar o trabalho pedagógico, ou seja, se as
famílias se omitem, a escola precisa agir (BRASIL, 2009a).
Nesse sentido, qual é a concepção de educação integral discutida hoje?
58
Segundo Paro (1988a), a educação em tempo integral ressurge como uma proposta
para a rede pública de ensino. Ele acredita que com esse novo modelo de educação, as escolas
passam a formar “cidadãos” inseridos em uma sociedade democrática-burguesa.
Moll (2008) defende que o patamar a partir do qual se organiza uma escola que pensa e
propõe educação integral precisa considerar os saberes, as histórias, as trajetórias, as memórias,
as sensibilidades dos grupos e dos sujeitos com os quais trabalha, tecendo as universalidades
expressas nos campos clássicos de conhecimento.
Para Gadotti (2009), a escola de tempo integral deve ter como objetivos: educar para
e pela cidadania; criar hábitos de estudo e pesquisa; cultivar hábitos alimentares e de higiene;
suprir a falta de opções oferecidas pelos pais ou familiares; e ampliar a aprendizagem dos
alunos além do tempo em sala de aula.
Assim, o sentido da palavra integral em sua totalidade significa inteiro, completo e
total. Nesse espectro, segundo Abdi (2008), a educação é, sem dúvida, um dos elementos
mais onipresentes na vida das sociedades. Por isso, buscar uma educação integral é ousar uma
educação completa, que pense o indivíduo por completo, em todas as suas dimensões. Não
basta somente ampliar a quantidade, é preciso junto melhorar a qualidade. Portanto, precisase estender as aulas, melhorar sua qualidade, garantindo a promoção e o direito a diversas
atividades: tecnológica, arte, esporte, lazer, cultura, conteúdos pedagógicos, científicos,
música, língua estrangeira, profissionalização, entre outras atividades. A formação integral
visa à construção de valores, cidadania, ética, na valorização da identidade étnica, cultural,
local, de gênero, valores estes essenciais para construção uma sociedade justa e sustentável.
3. O Programa MAIS EDUCAÇÃO X Neoliberalismo
No pensamento neoliberal, segundo Marrach (1996); O’Neill; Codd; Olssen (2004), a
educação assume compromissos estratégicos e se configura a partir dos enfoques economicistas
da teoria do capital humano, em que a educação é vista como transmissora de conhecimentos e
saberes voltados a ações individuais que visam competitividade econômica, ou seja, mercado
de trabalho. Entre os compromissos estratégicos podemos citar:
Preparar o indivíduo para adaptar-se ao mercado de trabalho, ressaltando que o mundo
mercadológico necessita de mão de obra qualificada para competir no mercado nacional
e internacional;
Cultivar na escola a ideologia dominante e os princípios doutrinários do neoliberalismo,
com intuito de garantir a reprodução desses valores;
Estimular que a escola funcione de forma na mesma linha do mercado, adotando
técnicas de gerenciamento empresarial, com intuito de garantir a consolidação da
ideologia neoliberal na sociedade;
Estabelecendo relações entre o modelo neoliberalista e as políticas que norteiam o
Programa MAIS EDUCAÇÃO, nota-se que, sendo o projeto em tempo integral, ou seja, em
horário ampliado, incluindo espaço reservado para almoço e demais lanches, os alunos acabam
tendo contato com diferentes atividades: aulas de informática, corte e costura, bordado, canto,
59
coral, língua estrangeira, o que se aproxima do modelo neoliberal que estabelece formação
voltada ao mercado de trabalho. Assim, a ampliação da carga horária nas unidades que aderirem
o programa, vem acompanhada de alterações curriculares, consequentemente, mudanças no
cotidiano escolar, ou seja, alterações no âmbito social (mão de obra qualificada) e econômico.
Partindo do entendimento que o número de atividades enriquece o currículo escolar, o
planejamento das políticas públicas e das atividades escolares, numa perspectiva integradora,
é uma tarefa desafiadora. As escolas precisam ir além das atividades escolares tradicionais,
elas precisam ser integradas a comunidade, bairro, igrejas e diferentes manifestações culturais
e artísticas. O alargamento do currículo, com um número tão diversificado de atividades,
possibilita troca de experiências e desenvolvimento de atividades educativas, que norteiam o
mundo contemporâneo. A esse exemplo, podem-se considerar as oficinas que preparam para o
mercado de trabalho.
Em contra partida, segundo Gadotti (2009), na perspectiva de oferta de educação
integral, exige-se um nível cuidadoso e aprofundado de articulações políticas, sociais, culturais,
ambientais e econômicas, o que impossibilita o cultivo, dentro do espaço escolar, de ideologias
dominantes e princípios doutrinários do neoliberalismo, com intuito de garantir a reprodução
desses valores.
Depreende-se da leitura de Bairro Escola (s.d.) que a finalidade da educação é capacitar
os indivíduos não para acumular, mas para navegar no conhecimento acessando-o à medida que
se torne necessário e faça sentido para suas vidas. Assim, cabe ressaltar, ainda, a importância da
Educação Integral na vida dos alunos. Esta desenvolve liberdade, autonomia e responsabilidade
no educando. Trata-se, com base na mesma obra, de uma educação capaz de promover a
formação integral e preparar indivíduos para serem agentes do seu próprio conhecimento, ou
seja, mais uma vez, os ideais neoliberais se aproximam dos moldes da educação integral, visto
que ela enfatiza que não funciona na linha mercadológica, mas na prática, acaba consolidando
os ideais neoliberais.
A educação na perspectiva integral, em conformidade com o programa, prevê diversas
ações aliadas ao processo de escolarização, em articulação com o projeto pedagógico das
unidades de ensino, tendo como principal objetivo proporcionar às crianças e aos adolescentes
uma melhoria no aprendizado (BRASIL, 2009b). Mesmo não sendo uma regra, a educação
tem realizado mudanças em seu currículo, tornando a escola mais real, significativa e próxima
da vida. Nesse sentido, aproximar o currículo com as necessidades diárias do alunado garante
ampliação do conhecimento e melhoria na qualidade do ensino.
O discurso educacional neoliberal também prevê qualidade no ensino, mas na prática só
preocupa se a escola é eficiente para inserir no mercado de trabalho profissionais competitivos,
ou seja, alunos bem “treinados”, deixando de lado a excelência do ensino, professores altamente
qualificados e atualizados. Nesse sentido, corrobora Guimaraes-losif:
60
“inúmeros são os fatores externos e internos que contribuem para os problemas
educacionais brasileiros, tais como: políticas públicas focalizadas; gestão educacional
pouco democrática; febre consumista; processo neocolonizador da globalização;
influências neoliberais na educação e demais políticas sociais; pobreza, desigualdade
social; redução de verba no setor público; sociedade que pouco exige do estado
educação pública de qualidade [...]” (2009, p.25)
Apesar de o modelo neoliberal basear-se na desigualdade social, a escola comercializa a
idéia de que o sucesso depende do desempenho de cada um, reafirmando a visão de que, numa
sociedade moderna e contemporânea, só vencem os melhores e que, se o aluno não consegue
atingir os resultados esperados, a culpa não é da escola (ou da sociedade), mas dele, que não teve
competência para atingir os objetivos propostos.
Gadotti (2009) tem visão contrária. Segundo ele, a escola pública precisa ser integral,
integrada e integradora. Integrar ao projeto pedagógico das escolas a comunidade (igrejas,
ONGs, quadras de esporte, clubes, parques, telecentro, academias de dança, museus, cinemas,
universidades), ou seja, agregar todas as ações pedagógicas. Não estabelecendo fracassos
individuais.
Segundo Foucault (1999), o discurso é uma prática que relaciona a língua com “outras
práticas” no campo social. Assim, o discurso deve ser pensado, portanto, enquanto “prática
discursiva”.
Não podemos confundir com a operação expressiva pela qual o indivíduo formula
uma ideia, um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser
acionada num sistema de inferência; nem com a “competência” de um sujeito falante
quando constrói frases gramaticais; é um conjunto de regras animais, históricas,
sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, numa dada época, e para
uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de
exercícios da função enunciativa (FOCAULT, 1999, p.136).
Assim, indaga-se: Que educação pública integral é essa? Que qualidade de tempo é
esse?
Uma proposta de escola pública em tempo integral tem como meta ampliar
progressivamente a permanência dos alunos em, no mínimo, sete horas diárias, por meio de
atividades curriculares integradas. Contudo, fazem-se necessárias parcerias e envolvimento
de entidades que compartilhem com os princípios desta proposta. Em síntese, há uma forte
necessidade em normatizar algumas mudanças no âmbito curricular.
Segundo dados da OECD (2011), o tempo de instrução em sala de aula formal
é responsável por grande parte do investimento público na aprendizagem do aluno e é um
componente central de escolaridade eficaz. A quantidade de tempo de instrução e aulas
disponíveis para os alunos é um importante indicativo de oportunidades dos alunos para
aprender. Adaptar os recursos com as necessidades dos alunos otimizando o uso do tempo
são fundamentais para a política de educação. Os principais custos da educação são o uso
e implantação de professores, manutenção institucional e outros recursos educacionais. O
período de tempo durante o qual esses recursos são disponibilizados aos alunos é, portanto, um
fator importante na determinação de como os fundos para a educação são alocados.
Para Jakobi (2007) o papel da educação como instituição do estado está sendo
questionado. No papel, promove-se a aprendizagem para o longo da vida, mas na prática,
as atividades refletem tendências da educação como um investimento particular e pessoal.
Assim, nota-se que as diretrizes do programa MAIS EDUCAÇÃO, na maioria das vezes, se
aproxima dos ideais neoliberais.
61
4.
Conclusões
O cenário atual da educação revela um momento de dinamismo no que se refere à
Educação de tempo integral no Brasil, evidenciando a necessidade de políticas e ações que
subsidiem os projetos em andamento e estimulem novas experiências, contribuindo para
reduzir as desigualdades e para qualificar as ações, tendo em vista a garantia do direito à
educação numa perspectiva integral. Assim, ressalta-se a necessidade de estudos que possam
colaborar para melhor entender a referida diversidade, identificando tendências predominantes,
destacando especificidades, divulgando resultados e avaliando impactos.
Na perspectiva neoliberal, o poder público pode e deve dividir com o setor privado
as suas responsabilidades e atribuições na esfera educação, possibilitando fortalecimento do
mercado e melhoria na qualidade dos serviços educacionais. Mas que tipo de divisão é essa?
O que popularmente chamamos de privatização da educação. Daí surge a importância da
oferta de educação integral em tempo integral. Os responsáveis, vistos como consumidores,
podem escolher as unidades de ensino que melhor atinjam os interesses de seus filhos. Esse
processo gera competição entre as unidades de ensino, no intuito de oferecer um “produto”
diferenciado, ou seja, educação integral e de qualidade aos seus “consumidores” (pais, alunos
ou responsáveis), o que possibilita melhorias no processo educativo (ampliação da jornada,
alterações no currículo e na dinâmica escolar).
Nas unidades de ensino que trabalham o projeto educação de tempo integral, conhecido
como Programa MAIS EDUCAÇÃO, com base na literatura estudada, existem grandes
possibilidades de mudança no perfil do aluno de tempo integral e o aluno que não é de tempo
integral, uma vez que os pais podem contar com a escola na formação dos seus filhos. É
notória a postura dos dois sujeitos, ou seja, percebe-se que o trabalho realizado pela escola de
tempo integral tem surtido efeitos no ensino. A escola de tempo integral possibilita, ainda, o
interesse de pais que trabalham o dia todo e veem na escola a oportunidade de deixar os filhos
em local seguro, eficaz e adequado.
Esta alternativa é de suma importância, primeiramente porque corresponde às
expectativas de muitas famílias de baixa renda que necessitam do suporte (alimentício,
psicológico e físico) e de apoio disponibilizado pelo governo no intuito de ofertar educação
de qualidade. Além disso, outro fator determinante é retirar as crianças e adolescentes das
ruas, evitando riscos sociais iminentes e possibilitando, ao mesmo tempo, local apropriado
para recebê-los. Nesse sentido, a educação passou a ser fator de reconstrução e apoio social,
cabendo à escola novas atribuições em decorrência das condições atuais de vida e de trabalho
dos centros urbanizados, municípios, comunidades e famílias, com repercussões sobre a
política de formação.
Segundo Silva (2005), se a escola é parte da sociedade, torna-se consequência dos
saberes construídos socialmente, culturalmente, subjetivamente pelas pessoas que estão fora
e dentro da escola. Assim, surge a seguinte indagação: Como podemos pensar em mudanças
a partir daqueles que não estão diretamente ligados a essa realidade? Alunos professores,
62
comunidades não podem figurar apenas nos papéis e nas propostas, mas devem fazer parte de
reformulação do pensar a educação e a escola.
Logo, a participação de todos os envolvidos no processo de implantação de políticas de
educação em tempo integral é de fundamental importância para que as mudanças saiam dos
papéis e materializem-se de forma eficaz. Implica-se salientar a importância das unidades de
ensino de tempo integral no atual contexto
nacional.
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65
Agenda
Social
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
ELETRONIC JOURNAL
www.revistaagendasocial.com.br
O PAPEL dAS INStItUIçÕES NO dESENVOLVIMENtO E O
resGaTe da POLÍTiCa nas POLÍTiCas PÚBLiCas.
The institution´s role in the development and rescue of policy on
public policy.
KaraM, ricardo antônio de souza (1).
1.Doutor(UFRJ)-([email protected])
66
RESUMO
aBsTraCT
Com o esgotamento das políticas
neoliberais,
o
debate
acadêmico
contemporâneo vem resgatando o papel
das instituições no desenvolvimento.
Contudo, percebe-se que tal movimento
é norteado por diferentes concepções
sobre a natureza das instituições e sua
influência nas trajetórias nacionais. Este
artigo revisita as raízes e a evolução do
pensamento institucionalista, explorando
algumas de suas principais vertentes,
com destaque para a corrente histórica
que concentra o foco de seus estudos
na economia política das democracias
capitalistas modernas.
With the exhaustion of the neoliberal
policies, the contemporary academic debate
has been redeeming the role of institutions
in development. However, it seems clear
that this movement is guided by different
conceptions of the nature of institutions and
their influence on national trajectories. This
article revisits the roots and evolution of
institutionalist thinking by studying some of
its main trends, highlighting the historical
stream that focuses its studies in the political
economy of modern capitalist democracies.
PaLaVras-CHaVe
DESENVOLVIMENTO;
POLÍTICAS PÚBLICAS.
KEY-WORdS
DEVELOPMENT; INSTITUTIONS; POLICIES.
INSTITUIÇÕES;
Introdução
Não foi sem motivos que o apogeu do neoliberalismo, entre as décadas de 1980 e 1990,
ficou conhecido como era do pensamento único. Alheia a críticas, essa ideologia conquistou
corações e mentes mundo afora declarando a política e a própria história irrelevantes, senão
estorvos, na rota para o desenvolvimento. Num contexto de crise profunda do Estado keynesianofordista do pós-guerra, sua premissa central era tão simplória quanto intuitiva: a superioridade
dos mecanismos de mercado sobre quaisquer outras formas institucionais de coordenação dos
atores sociais e econômicos.
Contudo, bem antes da crise financeira que eclodiu de forma dramática ao fim de 2008, as
fragilidades dessa agenda pró-mercado já vinham sendo questionadas em todo o mundo. Longe
do paraíso prometido, o balanço das últimas décadas mostra resultados decepcionantes mesmo
do ponto de vista da dinamização econômica, argumento central por detrás das privatizações,
flexibilizações e retrocessos nas políticas sociais. Viram-se fissuradas desde então, coalizões
políticas transnacionais que incentivaram a aura de infalibilidade do receituário neoliberal.
Beneficiado por esta reabertura do espaço de debates, o ambiente intelectual
contemporâneo tem reafirmado o entendimento de que conceitos atemporais e generalizáveis,
ainda que retoricamente influentes, são de pouca utilidade quando problemas sociais complexos
surgem no horizonte. Realidades concretas frequentemente põem em xeque categorias vazias de
conteúdo histórico e cultural, cobrando maior rigor analítico aos que se propõem a avançar na
interpretação do mundo “realmente existente”. A renovada ênfase conferida às particularidades
de trajetórias nacionais trouxe de volta ao debate categorias que no passado recente viram-se
bastante desprestigiadas. Claro exemplo são as instituições e sua influência na dinâmica social,
temática que tem estimulado a criação de diversos estudos combinando teoria das organizações,
sociologia econômica, psicologia comportamental, sistemas jurídicos, entre outros elementos
de diferentes disciplinas. Não obstante o fato de essa profusão de abordagens resultar num
retrato instigante e provocador, tal ecletismo acaba por tornar o agrupamento das correntes que
vêm sendo genericamente designadas “neo-institucionalistas” bastante difícil sob quaisquer
critérios, não apenas em razão da natureza multidisciplinar dos programas de pesquisa, mas
principalmente pela diversidade de bases epistemológicas e filiações teóricas presentes.
Contudo, tal esforço mostra-se cada vez mais necessário, pois além de elucidar
antagonismos entre visões de mundo em disputa, torna possível sinalizar pontos de
complementaridade, fazendo avançar mais rapidamente o conhecimento sobre tema de
reconhecida relevância. É nesse sentido que origens, ideias e controvérsias que marcaram a
trajetória histórica do institucionalismo têm sido revisitados pela literatura, muitas vezes em
perspectiva comparada, oferecendo elementos úteis à compreensão das principais proposições
emergentes do debate contemporâneo.
Novos e velhos institucionalismos: controvérsias, aderências e fronteiras
A abordagem institucionalista tradicional tem raízes bastante antigas, tanto nos estudos
econômicos quanto nas ciências sociais, remontando pelo menos ao século XIX. Para William
67
Scott (2001), no que diz respeito à atenção constante ao papel das instituições, o campo da
sociologia tem precedência em relação à ciência política e à própria economia, onde sua
tradição é bastante forte. Reconhecidas as inegáveis subdivisões e variações que dão origem
a ênfases e vocabulários próprios, o autor observa uma continuidade nas análises sociológicas
contemporâneas em relação aos trabalhos seminais de Marx, Durkheim, Weber e Spencer,
sendo que a este último ele atribui a proeminência na temática institucional dentro da disciplina.
Na ciência política, Scott aponta o período compreendido entre a segunda metade
do século XIX e a segunda década do século XX como uma era de domínio do paradigma
institucionalista nos EUA e na Europa. Na cena americana, ele ressalta o comprometimento
dos principais expoentes da abordagem, entre os quais inclui Woodrow Wilson, com diligentes
esforços de pesquisa relacionados a origens, controvérsias e compromissos por trás de
regimes específicos, sendo algumas análises explicitamente voltadas para comparações sobre
como distintos mecanismos de governança lidavam com funções e problemas centrais. Scott
descreve a escola institucionalista que se desenvolve nos EUA na virada para o século XX
como portadora de características bastante específicas, dentre as quais destaca a acentuada
preocupação com estruturas formais e sistemas legais, a ênfase no detalhamento de como regras,
direitos e procedimentos operam e se interconectam em sistemas políticos particulares, o foco
na trajetória institucional passada em detrimento do interesse em prognosticar tendências, além
de uma natureza predominantemente descritiva, não-teórica.
Quanto à tradição institucionalista no campo econômico, Scott aponta a ambição
estrutural e interdisciplinar da abordagem como a razão pela qual desde o início seus adeptos
entram em conflito com o pensamento ortodoxo. Ele localiza na Alemanha e na Áustria do
século XIX o nascimento dos primeiros argumentos da escola, em meio às discussões sobre o
método científico nas ciências sociais. Contestando os cânones tradicionais, os institucionalistas
rejeitam a ideia de que a economia poderia ser reduzida a uma série de leis universais. Liderados
por Gustav Schmoller, lembra Scott, a escola identifica os processos econômicos operando
numa estrutura social moldada por um leque de forças histórico-culturais, sendo as pesquisas
sociais e históricas o mecanismo mais adequado para discernir propriedades distintivas de
sistemas econômicos particulares, refutando assim a visão simplista do homo economicus em
prol de modelos mais realistas de comportamento humano.
A escola histórica alemã influencia toda uma geração norte-americana, que a partir da
virada do século ganha crescente prestígio aprofundando temáticas institucionais no debate
econômico. Hodgson (1998) argumenta que, ao contrário do que se consolida no imaginário
contemporâneo, esse “velho institucionalismo” tem papel crucial no desenvolvimento da ciência
econômica. Por volta da década de 1920, aponta ele, nomes como Thorstein Veblen, John
Commons, Wesley Mitchell, John Clarke e seus seguidores são dominantes nos departamentos
de economia dos EUA, gozando de tanta popularidade, influência e poder quanto seus pares
neoclássicos.
E. K. Hunt (2005) vê o desenvolvimento da tradição institucionalista americana
influenciado por mudanças fundamentais na dinâmica capitalista, decorrentes da racionalização
da produção que se acentua na virada para o século XX. Muito embora a propriedade continue
68
a representar a principal fonte de poder econômico, social e político, tem início um período
de regularização e institucionalização do processo de acumulação sob o domínio das grandes
corporações, evidenciando a superação do antigo modelo individualista. A nova etapa,
caracterizada pela internacionalização do capital e por reestruturações no interior da classe
dominante, dá origem a uma classe menor de administradores, agora responsáveis pela
condução dos negócios. Representada por essa comissão executiva que defende seus interesses
administrando os administradores, a classe capitalista pode permanecer majoritariamente
passiva e ausente, garantindo seus ganhos puramente com base na propriedade dos meios de
produção (2005: 302). Entre as análises mais completas sobre as transformações institucionais
e culturais do período, Hunt cita especificamente os trabalhos de Veblen sobre contradições
antagônicas que surgem na fase do capitalismo que se inaugurava, opondo os interesses dos
“negócios” aos da “indústria”.
Ainda que agrupados ao lado de Veblen na condição de integrantes da “velha economia
institucional”, autores como Mitchell, Commons, Ayres, jamais deixaram de conservar
importantes aspectos distintivos em seus programas de pesquisa, razão pela qual Rutherford
(1996) defende não ser possível tratar a velha economia institucional (VEI) como um corpo de
ideias uno, tanto do ponto de vista metodológico quanto do teórico ou programático. Ele ilustra
seu argumento relembrando que a complementaridade entre os dois programas de pesquisa de
maior relevância no âmbito dessa tradição não impediu que Commons desferisse um ataque
direto à abordagem de Veblen sobre a dicotomia entre negócios e indústria, classificando-a
como cínica antítese. Divergências à parte, os trabalhos identificados com a VEI distanciaramse do mainstream neoclássico em importantes aspectos. Citando Jaccoby, Scott (2001) lista
entre tais disjuntivas a rejeição ao equilíbrio, a ênfase institucional na formação de preferências
individuais, o uso de proposições não abstratas na análise do comportamento humano e a
valorização de aspectos históricos e culturais em detrimento de generalizações atemporais.
Novos (?) Institucionalismos
A emergência da Nova Economia Institucional (NEI), corrente que ganha grande
prestígio acadêmico e político nos últimos trinta anos, adicionou elementos ainda mais
controversos ao debate sobre a natureza e o papel das instituições no desenvolvimento. A
despeito de subsistirem na NEI diferenças internas provavelmente tão significativas quanto as
observadas na velha tradição, a definição de Douglass North, prêmio Nobel de economia em
1993, continua paradigmática.
Institutions are the humanly devised constraints that structure political, economic
and social interaction. They consist of both informal constraints (sanctions, taboos,
customs, traditions, and codes of conduct), and formal rules (constitutions, laws,
property rights). Throughout history, institutions have been devised by human
beings to create order and reduce uncertainty in exchange. Together with the
standard constraints of economics they define the choice set and therefore determine
transaction and production costs and hence the profitability and feasibility of engaging
in economic activity. They evolve incrementally, connecting the past with the present
and the future; history in consequence is largely a story of institutional evolution
in which the historical performance of economies can only be understood as a part
of a sequential story. Institutions provide the incentive structure of an economy; as
that structure evolves, it shapes the direction of economic change towards growth,
stagnation, or decline.” (NORTH, 1991: 97)
69
Rutherford (1996) identifica na abrangente historiografia econômica de North a
combinação de muitos dos elementos comuns à NEI, tais como direitos de propriedade e
jurisprudência, processo de escolha pública, teoria da agência, custos de transação e teoria dos
jogos, mas ressalta a visão crítica do autor quanto a excessos na abordagem rent-seeking, dada
a importância que confere a fatores como ideologia e senso de justiça para o entendimento
das mudanças institucionais. Para Williamson (1998: 21), as aparentes tensões internas da
corrente são relativizadas se consideramos que o programa de pesquisas da NEI converge para
a complementaridade entre o nível mais abrangente (ambiente institucional) e o organizacional
(arranjos de governança). No primeiro caso, o autor inclui os estudos sobre normas políticas,
sociais e legais que regulam a produção, trocas e distribuição. No segundo, encontraríamos
reflexões sobre os arranjos que determinam formas de concertação e competição entre unidades
econômicas, bem como as estruturas internas que estimulam a cooperação entre seus membros.
Contudo, a despeito da denominação, os estudos dela originários pouco convergem
com o pensamento da antiga tradição. Como bem observa Scott (2001), a ausência de coerência
lógica entre os postulados de novos e antigos institucionalistas deve-se ao fato de os pioneiros
estarem intelectualmente bem mais próximos do novo institucionalismo da ciência política
e da sociologia do que de seus sucedâneos na economia. Oliver Williamson (1998), um dos
próceres do novo institucionalismo econômico, corrobora esse ponto de vista ao lembrar
que muitas das restrições aos trabalhos da antiga tradição devem-se à natureza descritiva
e historicamente específica de sua abordagem. Para os críticos1, o “fracasso” dessa escola
na América deve-se à falta de uma agenda positiva de pesquisa, o que a condena a ser um
amontoado de descrições em busca de uma teoria que lhe dê sentido. Nas palavras ácidas de
Ronald Coase, que Williamson (1998) recorda, os velhos institucionalistas “[...]had nothing to
pass on except a mass of descriptive material waiting for a theory, or a fire. […] So if modern
institucionalists have antecedents, it is not what went immediately before”.
De fato, o dissenso sobre instituições, para além dos meandros conceituais, comporta
apreciações valorativas essencialmente diferentes. Mesmo entre os que advogam a exploração
de complementaridades programáticas entre essas escolas de pensamento, há o reconhecimento
de que comparações interpessoais são desconfortáveis para muitos economistas e que temas
como bem-estar são de natureza explicitamente valorativa, tornando bastante difícil o
estabelecimento de critérios universalmente aceitos (RUTHERFORD, 1996: 176). Quando as
análises tratam de temáticas concretas, como o papel de governos e mercados, as preferências
de ambos os lados sobrevêm claramente, demonstrando que se realmente as instituições foram
“trazidas para dentro” dos debates sobre desenvolvimento econômico, tal processo vem se
dando sob perspectivas bastante distintas e frequentemente inconciliáveis.
Muito embora sobreponha os limites da ortodoxia econômica ao resgatar a importância
das instituições, incorporando em seus pressupostos a racionalidade limitada dos agentes
e o ceticismo quanto às possibilidades de equilíbrio, a NEI compartilha seus fundamentos
utilitaristas e a ênfase microeconômica, razão pela qual alguns críticos mais severos sequer
reconhecem seu caráter institucionalista, dada a proximidade com o pensamento neoclássico.
70
1
Williamson cita entre estes críticos DiMaggio & Powell, Granovetter, Stigler e R.C.O. Matthews.
Para Medeiros (2001, 78), o programa teórico da NEI objetiva construir uma teoria sobre
formação e evolução das instituições incorporável e compatível com o mainstream neoclássico.
Nessa perspectiva, o problema central pairando sobre a obra de North ou Coase seria o papel
das instituições na redução dos custos de transação entre agentes econômicos, haja vista que o
ponto de partida de ambos é uma realidade concreta bastante distinta do equilíbrio inerente ao
paradigma walrasiano.
Mantzavinos (2004: 257), alinhado aos insights do novo institucionalismo econômico,
é bem explícito quanto ao grau de distanciamento aceitável em relação à ortodoxia. Ao propor
o que seria uma genuína economia política capaz de complementar as lacunas da economia
neoclássica nas dimensões cognitivas, motivacionais e institucionais, ele admite a rejeição a
algumas das micro-fundações desta, mas insiste no individualismo metodológico e na premissa
do comportamento humano autointeressado como pontos de partida. Creditando à dinâmica
do mercado papel preponderante no desenvolvimento econômico, o ambiente institucional
propugnado tem como atribuição básica reduzir custos e incertezas dos agentes, garantindo
fluidez e segurança às transações econômicas. Do ponto de vista das políticas públicas, o
corolário da perspectiva aponta para um papel mais restrito do Estado no desenvolvimento,
relegando-o, grosso modo, à condição de fornecedor de uma ambiência favorável à livre
iniciativa. Como bem observa Hodgson (2005: 85),
For those that cherish individual liberty, institutions are often seen as unwarranted
constraints. Many economists have approached matters of policy with similar
sentiments, believing that markets always work best when there is a minimum of
regulation or restriction.
Por representarem um avanço analítico palatável ao mainstream econômico, os
postulados da NEI obtiveram grande aceitação ao longo das últimas décadas, passando inclusive
a ocupar posição central na estratégia dos organismos multilaterais de aprofundamento das
reformas pró-mercado nos países em desenvolvimento2. Referida na literatura como segunda
geração de reformas, ou ainda consenso de Washington ampliado, essa nova agenda preconiza
uma série de medidas voltadas à consolidação das medidas da primeira geração (privatização,
liberalização, desregulamentação) por meio do aprimoramento e “saneamento” do ambiente
institucional. John Williamson (2004: 10) aponta o reconhecimento do papel das instituições
como principal feito da economia do desenvolvimento na década de 1990, razão pela qual
corrobora as conclusões de Levine e Easterly quanto ao nível de desenvolvimento institucional
representar a única (sic) variável capaz de apontar o grau de desenvolvimento de um país.
No outro campo deste debate, figurando entre os mais contumazes críticos de alguns
aspectos do novo institucionalismo econômico, Chang e Evans (2005: 102) enxergam na visão
institutions as constraints um alinhamento ao mito de que mercados livres representariam a
normalidade, cabendo às instituições humanas atuar apenas nos casos de falha nesta “ordem
2
A esse respeito, vale citar o trabalho “Beyond the Washington Consensus: institutions matter”,
organizado por Shaid Burki e Guillermo Perry e publicado pelo Banco Mundial em 1998. Reconhecendo o relativo fracasso da primeira geração de reformas liberais na América Latina, o documento recomenda explicitamente a adoção de um programa de revitalização institucional baseado em conceitos da
NEI, que são apresentados e discutidos ao longo de sete capítulos, incluindo ainda um apêndice técnico
com a terminologia básica das pesquisas vinculadas à escola.
71
72
natural”. Os autores veem, assim, parte dos economistas identificados com a NEI se moverem
para tão perto da ortodoxia que suas proposições acabam por perder qualquer aspecto
inovador, chegando alguns de seus teóricos a defenderem que instituições existem unicamente
por questões de eficiência, mas não por isso deixando de representar disfuncionalidades.
Recordando a clássica frase de Oliver Williamson – “in the beggining there were markets”–,
Chang (2004: 50) ressalta que mesmo os economistas neoclássicos sem inclinação neoliberal
endossam essa “primazia do mercado”, naturalização que evidentemente contrasta este ente
com instituições man-made substitutes. Imposto esse status a-histórico, a visão do mercado
como instituição social criada e organizada para estruturar a atividade econômica se enfraquece,
encorajando a proposição de que constrangimentos são exclusivamente destinados a corrigir
suas imperfeições. A ideia de que o mercado em si seja uma construção social e não apenas
um mero agregado de trocas individuais, capaz inclusive de moldar gostos e preferências
dos atores, é simplesmente ignorada, perenizando no pensamento econômico convicções
que remontam ao século XIX (HODGSON, 2005). Para Chang (2004:51), desqualificar
o papel do Estado e das políticas públicas com base no argumento de que representariam
interferências indevidas na racionalidade econômica significa promover uma despolitização
no mínimo contraditória e no máximo desonesta, dado que o mercado é, em si, um fato
político. Considerando a importância do tema na ciência econômica, Hodgson (1988) estranha
a dificuldade de se encontrar na literatura corrente uma clara definição sobre o que é mercado,
bem como reflexões analíticas sobre os conceitos fundamentais envolvidos numa discussão
dessa natureza. Recordando contribuições de Jevons, Von Mises e Lipsey, entre outros, ele
observa que, ao tratar o mercado como fenômeno atemporal, subordinado a uma perspectiva
ontológica individualista e calculista, a teoria neoclássica, contraditoriamente, acaba por
banalizá-lo, inviabilizando um debate mais complexo e profundo sobre as inúmeras condições
institucionais necessárias a sua existência.
Avançar na perspectiva de instituições como algo mais do que regras restritivas ou
mecanismo de representação de grupos de interesse é uma tarefa que tem ocupado toda
uma geração de estudiosos refratários ao mainstream. A despeito do ressurgimento do
institucionalismo dentro e fora do pensamento econômico nas últimas décadas, Chang e Evans
(2005) avaliam que ainda estamos longe de uma teoria das instituições satisfatória. Ao conceituar
a mudança econômica sob a forma de enunciados passíveis de elegante formalização, o
cânone econômico dominante teria incorrido numa falsa parcimônia, prejudicando sua própria
capacidade de compreensão do fenômeno. Os autores propõem uma abordagem alternativa
que não apenas seja capaz de oferecer uma visão mais adequada sobre como instituições
moldam comportamentos e resultados econômicos, mas que propicie um entendimento geral
e sistemático sobre origens e trajetórias institucionais. Um projeto dessa natureza, segundo
ressaltam, deve direcionar sua ênfase aos mecanismos capacitadores pelos quais as instituições
viabilizam a coordenação de esforços interindividuais em favor de objetivos coletivos, exigindo
um enfoque que transcenda a visão funcionalista e instrumentalista das restrições em prol de
uma visão capacitadora e constitutiva das instituições, já que estas são portadoras de valores
e visão de mundo compartilhados. Trata-se de uma alternativa culturalista, segundo a qual
as mudanças institucionais seriam fruto da combinação e influência mútua entre interesses
estabelecidos e projetos culturais e ideológicos, suplantando assim as premissas da eficiência
e da submissão a interesses exógenos.
Para Chang (2004, 2003), a tarefa de superar a visão de mundo que tem dominado a
agenda política e intelectual de nosso tempo requer uma economia política institucionalista que
leve igualmente a sério política e instituições, rompendo as amarras impostas pela economia
política neoliberal ao debate teórico sobre Estado, mercado e demais construções sociais.
Enviesando a leitura da história do capitalismo e do fenômeno da globalização, a retórica
dominante produziu o mito da primazia do mercado, estimulando argumentações em favor da
despolitização de economia como se esta fosse possível. Ao naturalizar o modo pelo qual os
mercados regulam direitos e obrigações, critérios de participação ou a escolha das mercadorias
transacionáveis, condena-se à invisibilidade o complexo conjunto de instituições formais e
informais responsáveis pelos próprios parâmetros de sua criação e operação, acusa Chang.
A pretensa objetividade reivindicada pelo neoliberalismo não pode ser concedida a nenhuma
teoria, já que tais determinações são, em última análise, oriundas do reino da política.
As questões levantadas pela virada institucional no debate sobre desenvolvimento ao
longo das últimas décadas são teóricas, mas há implicações práticas no campo da política
e das políticas públicas, como salienta Evans (2005). O fundamentalismo do capital viu-se
sobrepujado nas últimas décadas por teorias de crescimento econômico baseadas nos retornos
crescentes de ativos intangíveis como ideias e conhecimento, mas não há consenso sobre o
modo de lidar com a nova realidade. Recuperando a forma como Hoff e Stiglitz descreveram o
impacto dessa moderna economia – “development is no longer seen primarily as a process of
capital accumulation, but rather as a process of organizational change” –, Evans reconhece
que o foco analítico deslocou-se para o papel dos ambientes organizacionais e institucionais
no processo de desenvolvimento, mas ressalta que essa inflexão vem sendo utilizada de modo
perverso por formadores de políticas globais. Como resultado, ao invés de uma abordagem
mais sofisticada conectando poder e cultura com foco nos conflitos distributivos, a solução
recomendada vem sendo a adoção acrítica de versões idealizadas das instituições angloamericanas (EVANS, 2005, 2003).
Os desdobramentos do programa neo-institucionalista no estudo das políticas públicas
O estudo sistemático das políticas públicas é relativamente recente, ganhando impulso
na Europa e EUA após a Segunda Guerra Mundial. Esse campo de pesquisas nasce com a
ambição de compreender, para além das dimensões morais e normativas da ação de governar,
a complexidade que cerca e condiciona a atuação prática dos Estados modernos e suas relações
com os cidadãos. Trata-se de um método de abordagem que se presta a análises empíricas, sendo,
portanto, capaz de reconciliar teorias políticas com ambientes políticos reais (HOWLETT;
RAMESH, 1995).
Dominantes na cena da ciência política até tempos recentes, as abordagens marxista,
neo-marxista e pluralista foram crescentemente confrontadas teórica e empiricamente por
visões alternativas baseadas na influência das instituições nos resultados socioeconômicos. Tal
retomada ganhou novo fôlego a partir da década de 1980, com relevantes aplicações analíticas
73
e normativas no campo das políticas públicas. Esse novo institucionalismo foi descrito como
uma corrente de pensamento não unificada, composta de pelo menos três diferentes métodos
de análise, sendo eles o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional
e o institucionalismo sociológico (ou da teoria organizacional)3. Ainda que compartilhem
o pressuposto da centralidade das instituições na vida política e social, foram apontadas
importantes diferenças quanto ao marco conceitual.
Immergut (1997) atesta que o surgimento do novo institucionalismo foi marcado pelo
ceticismo em boa parte da comunidade científica. A questão básica por trás dessa desconfiança
residiria no fato de as instituições jamais terem deixado de ser objeto essencial no estudo da
política, particularmente na Europa, razão pela qual não haveria nenhuma novidade no debate.
Um fato agravante é que a retomada mostrou-se incapaz de oferecer uma definição consensual
sobre seu conceito-chave, não esclarecendo exatamente o que entendia por instituição. Para a
autora, o institucionalismo histórico é o menos compreendido entre os neo-institucionalismos.
Hall e Taylor (2003) consideram que o institucionalismo histórico tomou “emprestados”
alguns elementos dos métodos que propõe superar. Das análises em termos de grupos, seus
adeptos retiveram a ideia de que a apropriação de recursos escassos é central para a vida política,
dedicando, porém, especial atenção à questão da distribuição desigual desses recursos, incluindo
o poder, em contextos nacionais específicos. A resposta para tais desequilíbrios foi localizada
nos resultados dos conflitos envolvendo a organização institucional da comunidade política e
as estruturas econômicas, embates que acabam sempre por privilegiar interesses específicos.
Do método estrutural-funcional, o neo-institucionalismo histórico assume a concepção de
comunidade política como sistema global formado por partes que interagem entre si. Neste
caso, a divergência refere-se à tendência de considerar as características sociais, psicológicas
ou culturais dos indivíduos como os parâmetros responsáveis por boa parte do funcionamento
do sistema. Os neo-institucionalistas históricos, ao contrário, relacionam o comportamento
coletivo à polity (economia política), privilegiando assim a influência estrutural das instituições
da comunidade política em detrimento de uma perspectiva funcionalista (p. 195).
Em consonância com Hall e Taylor, Immergut (1997) identifica raízes antigas nessa
corrente, remontando à tradição de Durkheim e Weber. Ao contrário dos institucionalismos
organizacional (sociológico)4 e da escolha racional, os precursores da vertente histórica
tendem a uma visão macrossocial e orientada para o poder, concentrando-se nas relações entre
política, governo e sociedade em contextos específicos. Ela recorda que o desenvolvimento
dos debates devolveu ao Estado sua relevância, num contraste coerente com o pluralismo e a
teoria da modernização. Hall e Taylor veem esse resgate do papel do Estado como fruto das
discussões envolvendo as variantes pluralistas e neomarxistas ao longo dos anos 1970. Não
mais visualizado como arena “neutra” ou agente a serviço dos interesses de uma única classe,
ele passa a ser percebido como um complexo de instituições capazes de influenciar a natureza
e os resultados do conflito.
74
3
Hall e Taylor (2003) reconhecem que a nova economia institucional (NEI) poderia ser apontada como uma quarta escola, mas avaliam que sua familiaridade com a escolha racional justifica dar a
elas tratamento conjunto.
4
A autora utiliza a expressão “teoria das organizações” para referir-se ao que Hall chama de
institucionalismo sociológico.
Quanto à ironia da proposição de um “novo” método baseado nas instituições dentro
da ciência política, Hall contra-argumenta esclarecendo não tratar-se de uma mera retomada da
tradição legalista-constitucionalista. Assim, as premissas da atual abordagem baseiam-se numa
definição mais ampla das instituições, abarcando regras formais, procedimentos consensuais
e práticas padronizadas, com foco no caráter relacional. Ainda que com status mais formal
do que cultural, o aspecto legal não seria tão relevante quanto na antiga abordagem. O autor
salienta que os fatores institucionais cumprem dois importantes papéis nesse modelo. Por
um lado, a organização do policy-making afeta o grau de poder de cada um dos atores sobre
os resultados; por outro, a própria posição ocupada condiciona a definição de interesses, ao
estabelecer responsabilidades institucionais e relacionamentos com outros atores. Dessa forma,
fatores institucionais e organizacionais afetam tanto o grau de pressão que um ator pode trazer
para a arena política quanto sua provável direção.
A diversidade institucional no mundo real: Regimes Produtivos e Variedades de Capitalismo
O desgaste conceitual e o descrédito empírico da hipótese de ampla convergência liberal
estão no centro das explicações para o fato de programas de pesquisa neo-institucionalistas
terem se tornado comuns nos meios acadêmicos. Sem ignorar que os desafios da globalização
reduziram a eficácia dos arranjos sociopolíticos erigidos no pós-guerra, essa corrente vem
se dedicando a compreender o modo pelo qual o binômio mudança/continuidade tem sido
equilibrado nas sociedades desenvolvidas. Superada a fase em que as diferenças podiam ser
confortavelmente classificadas como desvios em relação a best practices atemporais, maior
atenção vem sendo direcionada justamente ao modo como essa diversidade, potencializada
por complementaridades institucionais, propicia coesão social e diferenciais competitivos.
Se de fato os desafios contemporâneos e a interdependência têm estimulado algum nível
de convergência nas democracias capitalistas, por outro lado constata-se que os ambientes
institucionais historicamente construídos mostram-se, tanto quanto no passado, indispensáveis
ao equacionamento dos conflitos distributivos. A persistência de padrões próprios em meio
a um cenário de turbulências coloca em relevo a influência das trajetórias nacionais (path
dependence) na construção de alternativas de desenvolvimento politicamente aceitáveis,
esvaziando quaisquer expectativas de cristalização de um modelo de fácil emulação.
Um importante grupo de estudos sobre estruturas socioeconômicas capitalistas passou
a direcionar seu interesse para os regimes produtivos das economias avançadas, entendidos
como a organização da produção através dos mercados e das instituições a ele relacionadas. O
foco analítico dessa corrente são os modos pelos quais os microagentes dos sistemas capitalistas
– empresas, consumidores, empregados, capitalistas etc. – organizam e estruturam suas
relações sob um marco institucional que estabelece as “regras do jogo”, definindo incentivos
e restrições. A análise desses ambientes procura esclarecer a influência de tais configurações
sobre o comportamento dos microagentes, permitindo a elaboração de teorias sobre vantagens
institucionais comparativas.
É nessa perspectiva que Hall e Soskice (2001) retomam a tradição dos economistas
políticos no estudo das especificidades de padrões nacionais, propondo uma abordagem
75
baseada nas variedades de capitalismo. Os autores se consideram tributários dos trabalhos de
três diferentes perspectivas que dominaram o estudo de capitalismo comparado nos últimos
trinta anos, cada uma delas voltada para a resposta a problemas econômicos de sua época: a
“abordagem da modernização”, do período pós-guerra, baseada na categorização de Estados
fortes e fracos; a abordagem neocorporativista dos anos 1970, formulada num contexto de
reemergência de pressões inflacionárias e por isso voltada para a avaliação da capacidade
estatal em negociar acordos estáveis entre capital e trabalho; e a abordagem dos sistemas
sociais de produção, cuja ênfase concentrou-se nos novos regimes produtivos pós-fordistas
e respectivas instituições coletivas que dariam sustentação a tais “comunidades econômicas”
em nível nacional, regional ou setorial. Reconhecendo as relevantes contribuições de cada
uma destas abordagens em diversos tópicos, Hall e Soskice propõem-se a avançar sobre as
fragilidades que identificam em tais modelos analíticos, recuperando aspectos que consideram
pouco explorados, tais como o papel do setor privado, a relevância das organizações patronais e
a importância das instituições de abrangência nacional na regulação dos regimes de produção.
Salientando que a abordagem de variedades de capitalismo é centrada nos atores, os autores
apontam o protagonismo de um ator específico – as firmas – em virtude de sua posiçãochave no ajustamento do desempenho econômico num contexto internacional de mudanças
tecnológicas e intensa competição. Esta concepção vê as firmas como atores em busca de
competências centrais e capacidades dinâmicas, desenvolvendo, produzindo e distribuindo
bens e serviços lucrativamente, contudo sujeitas a problemas de coordenação em função da
natureza relacional de tais capacidades. O desenvolvimento de relacionamentos voltados para
a resolução de tais problemas centrais conformaria as cinco esferas às quais a abordagem das
variações de capitalismo direciona seu foco: i) relações industriais, especialmente a mediação
dos conflitos distributivos entre capital e trabalho, abrangendo sindicatos e entidades patronais
(aqui as questões-chave são os níveis de remuneração e produtividade no nível da firma,
inflação e desemprego na economia como um todo); ii) capacitação e educação, com ênfase
na compatibilização entre itinerários formativos dos trabalhadores e habilidades necessárias às
firmas (estando em jogo o desempenho e a competitividade geral da economia); iii) governança
corporativa, fundamental para manutenção do acesso a fontes de financiamento ao propiciar
maior segurança aos credores; iv) relações interfirmas, abrangendo todas as interfaces das
empresas com suas cadeias de valor, além do compartilhamento de novas tecnologias,
pesquisa e desenvolvimento, dos quais a competitividade da economia como um todo é
bastante dependente; e v) empregados, cujo comprometimento com as trajetórias corporativas
minimizaria os efeitos perversos da seleção adversa, risco moral e divulgação de segredos
industriais.
Dadas estas categorias de análise, a abordagem das variações de capitalismo propõe
uma tipologia que permite comparações internacionais. As economias políticas se disporiam
ao longo de um espectro que tem em seus extremos dois tipos-ideais: Economias de Mercado
Liberais (LME)5 e Economias de Mercado Coordenadas (CME)6. O núcleo distintivo entre
os dois polos é o grau de competição e o papel dos mecanismos e instituições de mercado
76
5
6
Liberal Market Economies, no original.
Coordinated Market Economies, no original.
na coordenação dos esforços interfirmas. Nas LME, prevaleceriam as instituições típicas
de mercado, fornecendo preços que definiriam as preferências dos atores, num contexto
tipicamente neoclássico. Nas CME, ao contrário, os mecanismos e relações não mercantis
prevaleceriam, privilegiando interações estratégicas que forneceriam o equilíbrio necessário
ao sistema. EUA, Inglaterra e países anglófonos estariam mais próximos do tipo ideal LCE,
enquanto a Europa continental e Japão apresentariam características mais próximas das CME.
O trabalho de Hall e Soskice foi marcante no debate sobre alternativas baseadas na
diversidade institucional, alinhando-se às contestações do capitalismo de modelo único.
Autores como Crouch (2005), contudo, perceberam na obra um viés determinista. Admitindo
que o trabalho ajudou a definir os termos de toda uma escola de estudo, ele registra desconforto
com a ideia de que as variedades de capitalismo se resumiriam a duas. Suas restrições não se
dirigem especificamente ao modelo de Hall e Soskice, podendo ser direcionadas também a
boa parte das obras identificadas com o método neo-institucionalista. A despeito do grande
mérito de restabelecer o papel da sociologia e da ciência política no estudo dos fenômenos
econômicos, observa ele, a força das análises dessa corrente tem sua origem na habilidade
em identificar padrões homogêneos a partir de um retrato limitado dos arranjos institucionais.
Acrescentando a isso a visão das instituições como gaiolas de ferro, profundamente resistentes
à mudança, ficaria completa a natureza inflexível da abordagem. A path dependence, argumenta
Crouch, deveria ser interpretada de modo mais maleável, abrindo espaço para o tratamento da
mudança institucional de forma mais profunda e abrangente, o que inclui um olhar especial
para uma figura que considera central nesse processo: o empreendedor institucional. Tal como
um agente econômico clássico, este ator é por ele definido como um indivíduo à procura de
oportunidades até então inexploradas. Sua busca e seleção, contudo, tem um horizonte mais
amplo, estando voltadas para a identificação de elementos institucionais passíveis de serem
recombinados em prol de mudanças estruturais.
Apontando as questões relacionadas ao papel das instituições e à dinâmica das
mudanças institucionais no centro do debate econômico europeu no início deste século,
Amable (2003) estende as críticas de Crouch ao trabalho de Hall e Soskice. Embora reconheça
que o recurso da simplificação possa facilitar análises empíricas, ele igualmente enxerga
uma limitação unidimensional na metodologia, admitindo-a como provável em função de a
centralização do foco nas firmas levar a uma dicotomia que não se estabeleceria caso outras
instituições tomassem parte da análise. Amable defende a existência de não apenas dois,
mas cinco diferentes tipos de capitalismo, cada um deles portador de formas institucionais
específicas, por ele denominados Modelo Baseado no Mercado, Modelo Social-Democrata,
Modelo Europeu Continental, Modelo Mediterrâneo e Modelo Asiático. As áreas institucionais
relevantes seriam: i) competição produto-mercado; ii) nexo remuneração-trabalho e instituições
do mercado de trabalho; iii) setor de intermediação financeira e governança corporativa; iv)
welfare state e proteção social; e v) setor educacional. Sua proposta apresenta os conceitos
de complementaridades e hierarquias interinstitucionais. Sob tal perspectiva, as instituições
devem ser consideradas não individualmente, mas como partes de uma estrutura, dado que
suas áreas de influência não são limitadas ao ambiente em que se situam. Um bom desempenho
77
econômico seria derivado da combinação e de reforços mútuos interinstitucionais, cabendo
às hierarquias definir a importância relativa de cada uma delas para o todo, demarcação
diretamente relacionada à relevância que lhes é conferida pelas coalizões políticas dominantes.
Mais recentemente, Schneider (2008; 2009) procurou transpor as análises institucionais
comparativas das variedades de capitalismo para os países em desenvolvimento, notadamente
os latino-americanos. Nas considerações do autor, as tipologias consagradas no estudo
de economias desenvolvidas no âmbito da OCDE não dariam conta das particularidades e
idiossincrasias do capitalismo praticado naquelas nações. Sua abordagem constata uma forma
distinta de coordenação econômica, compondo o que denomina Economias de Mercado
Hierarquizadas (HME)7. Em sua visão, nesses arranjos o acesso das corporações a insumos
essenciais de capital, tecnologia e trabalho seria condicionado por quatro características centrais
dessas economias: predomínio de conglomerados empresariais nacionais diversificados; ação
de empresas multinacionais; trabalho de baixa qualificação; relações trabalhistas atomizadas.
A expansão tipológica proposta por Schneider pretende dar conta do que ele classifica como
quarta forma de organizar a alocação de recursos e o comprometimento entre atores além do
mercado (LME), da negociação (CME) e das redes (NME)8 – a hierarquia.
De acordo com Schneider, o caráter hierárquico das economias latino-americanas poderia
ser notado não apenas pela forma como as empresas se organizam internamente, mas também
na estruturação de suas interações com outros atores dos ambientes econômico e político. O
desequilíbrio seria a tônica dessa variedade de capitalismo, acentuado pela predominância
de arranjos monopolistas e oligopolistas no lado do capital, que assim concentra recursos de
poder sensivelmente superiores a sua contraparte no trabalho. A histórica desigualdade social
na região, perenizada pelo padrão de distribuição de renda, obstaculizaria maior coesão social
e comprometeria o engajamento dos atores econômicos em torno de objetivos negociados
de longo prazo. Alimentado pelas disfunções do modelo, o caráter hierárquico acabaria
por desincentivar investimentos incrementais em educação e capital humano em função da
rentabilidade de atividades ligadas à exploração de commodities, reforçando assim a baixa
produtividade da economia como um todo e a posição subalterna desses países na divisão
internacional do trabalho.
Uma interessante reflexão apresentada pelo autor diz respeito ao fato de as reformas
liberais da década de 1990 não terem sido capazes de estimular uma transição do modelo HME
rumo à forma LME. Pelo contrário, a configuração institucional desses países teria feito das
reformas pró-mercado um fator de reforço ao caráter corporativo hierárquico, e não estimulado
a competição e a livre concorrência. Tal constatação reforça a noção de que as HME não
constituem uma etapa transitória, fadada a ser substituída por uma das variedades clássicas das
economias maduras em algum momento histórico, mas uma forma própria, distinta e acabada
de arranjo institucional.
Do ponto de vista da implicação de tais considerações para a formulação de políticas
públicas, Schneider lembra que boa parte das iniciativas estatais ao longo do século passado
78
7
8
cos.
Hierarchical Market Economies, no original.
Network Market Economies, no original. Nesse subgrupo estariam abarcados os países asiáti-
teve como efeito reforçar o caráter hierárquico desses regimes produtivos, como no caso do
estímulo à diversificação dos grupos empresariais nacionais e dos incentivos à instalação de
unidades de empresas multinacionais em seus territórios. Outro efeito negativo da ação pública
ostensiva foi a inibição do florescimento de estruturas sociais representativas não ligadas ao
Estado ou ao mercado, instituições estas comuns às economias coordenadas. Nesse sentido,
Schneider resgata os argumentos de Hall e Soskice (2001: 45) segundo os quais os formuladores
de políticas deveriam se concentrar menos em induzir mudanças de comportamento e mais
em estimular a cooperação entre os agentes econômicos. De acordo com essa premissa, em
arenas complexas e diversas, tal como a econômica, o desenvolvimento de competências é
facilitado pela coordenação de esforços. Performances econômicas superiores em nível
nacional demandariam, portanto, políticas capazes de viabilizar mecanismos mais eficientes de
coordenação no setor privado.
Diante da constatação de que as reformas liberais levadas a cabo nos países em
desenvolvimento ao longo dos anos 1990 falharam em promover o desenvolvimento
sustentado e a redução das desigualdades sociais, Schneider argumenta que a abordagem de
variedades de capitalismo pode jogar luz sobre lógicas internas e complementaridade inerentes
ao funcionamento dessas economias, esclarecendo quais políticas seriam compatíveis e/ou
complementares em termos de incentivos nos arranjos vigentes. Quanto à superação do status
HME, ele pondera que, embora desejável, a cooperação envolve altos custos institucionais
comparativamente às alternativas liberal e hierarquizada, demandando investimentos para
muito além das capacidades das economias em desenvolvimento. Não obstante, como a
experiência prática demonstrou, tampouco a desregulamentação garante uma rota segura
rumo a um modelo LME, podendo mesmo reforçar a hierarquização. Ironicamente, toda uma
agenda liberal pode acabar vendo seus esforços reforçarem uma forma típica de coordenação
completamente alheia à lógica do mercado.
Considerações finais
Divergências metodológicas à parte, as contribuições das abordagens identificadas
com a economia política institucionalista têm um relevante papel no debate sobre o papel das
políticas públicas no desenvolvimento. Se a propalada convergência rumo a um modelo único
não se confirmou, o debate sobre variações de padrões institucionais permanece fundamental
e atual, lançando bases para um melhor entendimento da real natureza das instituições, seus
aspectos constitutivos e o delicado equilíbrio entre mudança e continuidade. Essas distinções
nos permitem compreender de que forma ambientes e contextos institucionais reais moldam a
interação entre atores sociais e econômicos e conduzem a determinadas políticas públicas em
detrimento de outras, reafirmando que as escolhas governamentais são, em última instância,
opções políticas de uma sociedade. Avançar na compreensão dos processos sob os quais tais
escolhas são negociadas, implementadas, ou eventualmente substituídas por alternativas
percebidas como superiores, representa não apenas um fascinante exercício analítico, mas uma
prática indispensável para a consolidação da democracia.
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Agenda
Social
ELETRONIC JOURNAL
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
www.revistaagendasocial.com.br
O MOVIMENtO AMBIENtAL E O POdER dA
COMUniCaçÃO na sOCiedade eM rede: anÁLise dO
insTiTUTO sOCiOaMBienTaL
The environmental movement and the communication power in the
network society: an analysis of “Instituto Socioambiental”
ALMEIdA, Mariana eunice alves de (1); siLVeira, sérgio amadeu da (2).
1. Bacharel em Administração; Licenciatura em Letras. Mestranda em Ciências Humanas e Sociais na
UniversidadeFederaldoABC(UFABC).([email protected]);
2. Doutor em Ciência Política. Docente no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais na
UniversidadeFederaldoABC(UFABC).([email protected])
RESUMO
aBsTraCT
Esteartigoapresentareflexõessobreouso
dos meios de comunicação, em especial
a Internet, e sua contribuição para os
movimentos ambientais na atualidade. A
partir da perspectiva de Manuel Castells
o texto discute as potencialidades e o
poder dos meios de comunicação para
divulgação e persuasão do tema ambiental
nasociedadecontemporânea.Éfeitauma
análise do site do Instituto Socioambiental,
organização não-governamental que atua
na defesa de bens e direitos sociais e
ambientais. Entende-se que os movimentos
sociais em geral, e o ambiental, em
particular, potencializam o alcance de seus
objetivos por meio da comunicação de seus
valores. Na teorização de Castells, o poder
dacomunicaçãoestánatransformaçãodas
mentes das pessoas.
This article presents reflections about the
means of communication’s use, in special
the Internet, and their contribution to
environmental movements of today. From
the perspective of Manuel Castells, the article
presents the possibilities and the power of the
means of communication to the publicizing
and persuasion of the environmental theme
on the contemporary society. An analysis
over the site of the Instituto Socioambiental
is made, a non-governmental organization
that acts on the defense of social and
environmental rights. It’s understood that
the social movements in general, and the
environmental, in particular, increase the
reach of their intents by the communication
of their values. In Castells’s theory, the power
of communication is in the transformation
of people’s minds.
PaLaVras-CHaVe
COMUNICAÇÃO; INTERNET; SOCIEDADE
EM REDE; MOVIMENTOS SOCIAIS.
KEY-WORdS
COMMUNICATION; INTERNET; NETWORK
SOCIETY; SOCIAL MOVEMENTS.
81
Introdução
A globalização econômica, fortalecida no final do século XX, proporcionou a
diminuição das distâncias entre países e mudanças nas formas das pessoas se relacionarem. A
nova forma de morfologia social leva ao surgimento do que Manuel Castells (2000) denomina
como sociedade em rede, que se tornou possível de existir enquanto forma predominante de
organização na contemporaneidade, em grande parte, devido às novas tecnologias da informação
e comunicação. Essas transformações alteraram as formas como as sociedades comunicam
seus conteúdos simbólicos.
Maria da Glória Gohn (2012) argumenta que no cenário de globalização pelo qual
o mundo passou, em especial no final do século XX, há o surgimento de novas formas de
mobilização social. Estas são influenciadas pela globalização, marcada pela crescente
importância da forma organizacional em rede e do uso das novas tecnologias de informação e
comunicação.
Os movimentos ambientais almejam a preservação do meio ambiente e operam,
basicamente, na luta para influenciar o pensamento e comportamento das pessoas e instituições
da sociedade, e, consequentemente, atingir os objetivos de mudanças institucionais. A
divulgação dos valores e ideias dos movimentos ambientais têm conseguido um maior alcance
devido ao uso das novas tecnologias da informação e comunicação, que permitem aumentar o
potencial de comunicação destes movimentos.
Devido à importância da comunicação para os movimentos sociais, este artigo traz uma
análise de alguns elementos fundamentais da obra de Manuel Castells no que se refere ao poder
da comunicação e uso da Internet como meio privilegiado de comunicação desses movimentos.
A questão do poder da comunicação é teorizada na obra de Castells, Communication
Power, de 2009, ainda sem tradução para o português. O autor argumenta que, na sociedade em
rede, o poder reside na capacidade de mudar a mente das pessoas, na construção e aceitação de
significados. Esta forma de poder realiza-se por meio da comunicação humana, que atualmente,
é influenciada em grande parte pelas tecnologias de informação e comunicação, em especial
a Internet, que possibilitou o surgimento do que o autor denomina “auto-comunicação em
massa”. Desta forma, os movimentos ambientais contam com o uso dos meios de comunicação
da sociedade em rede para expandir sua efetividade, que consiste não apenas de mudanças de
valores e comportamentos da população, mas também de mudanças institucionais.
É com base na teoria sobre o poder da comunicação apresentada nesta obra que este
artigo constrói suas argumentações sobre o potencial existente no uso da comunicação via
Internet, ao analisar o site do Instituto Socioambiental, uma Oscip (Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público) que busca propor soluções para questões sociais e ambientais, e atua
na defesa de direitos sociais e do meio ambiente.
1 – O poder da comunicação na sociedade em rede
Manuel Castells aponta a emergência de uma nova forma de sociedade, a
sociedade em rede. Conforme já indicado, essa sociedade é:
82
[...] caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas
do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em rede; pela
flexibilidade e instabilidade do emprego e a individualização da mão-de-obra.
Por uma cultura de virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia
onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela transformação das
bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um
espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e
elites dominantes (CASTELLS, 2006, p. 17).
A sociedade em rede tem sua infraestrutura baseada em redes digitais. Tal estrutura tem
a capacidade potencial de ser global. Portanto, a sociedade em rede é:
[...] uma sociedade global. No entanto, isso não significa que pessoas em
todo mundo estão incluídas nessas redes. Mas todos são afetados pelos
processos que ocorrem em redes globais que constituem a estrutura social.
[...] A sociedade em rede global é uma estrutura dinâmica que é altamente
maleável a forças sociais, a cultura, a política, e a estratégias econômicas.
Mas o que permanece em todas as suas instâncias é sua dominância sobre
atividades e pessoas que são externas a suas redes. O global se sobrepõe ao
local (CASTELLS, 2009, p. 25-26, tradução nossa).
A principal fonte de poder exercido na sociedade em rede é o poder da comunicação;
e o surgimento da sociedade em rede é baseado nas redes de comunicação que processam
conhecimento e pensamentos. As redes são formas preferenciais de organização, pois
apresentam flexibilidade a adaptabilidade, ou seja, características fundamentais para sobreviver
em um ambiente em constante mudança. A habilidade das redes de introduzir novos atores
e novos conteúdos no processo de organização social aumentou ao longo do tempo com a
mudança tecnológica e, mais precisamente, com a evolução das tecnologias de comunicação
(CASTELLS, 2009).
O autor aponta a existência de quatro formas distintas de poder existentes na sociedade
em rede. São elas: o poder de conectar em rede (networking power), o poder da rede (network
power), o poder em rede (networked power) e o poder para criar redes (network-making power).
O poder de conectar em rede refere-se ao poder que opera por inclusão/ exclusão. Os
atores sociais podem estabelecer sua posição de poder, constituindo uma rede que acumule
recursos de valor, e depois exercendo suas estratégias de filtro para impedir o acesso daqueles
que não adicionam valor à rede ou que colocam em perigo os interesses dominantes em seus
programas (CASTELLS, 2009).
O poder da rede é definido por Castells de acordo com a conceitualização de Grewal:
A noção de poder da rede consiste de duas ideias: primeiro, que padrões de
coordenação são mais valiosos quando um grande número de pessoas os
usam, e, segundo, que essa dinâmica – que descrevo como uma forma de
poder – pode levar à eliminação progressiva das alternativas sobre que, em
outro caso, se pode exercer a livre escolha coletivamente (GREWAL apud
CASTELLS, 2009, p. 43, tradução nossa).
Desta forma, os protocolos de comunicação determinam as regras a serem aceitas na
rede - o poder é exercido não por exclusão das redes, mas pela imposição das regras de sua
83
inclusão. O respeito a essas regras é o que possibilita a existência da rede como estrutura
comunicativa (CASTELLS, 2009).
Ao explanar sobre o poder em rede, o autor argumenta que o poder é a capacidade
relacional para impor a vontade de um ator sobre a de outro com base na capacidade estrutural
de dominação inclusa nas instituições da sociedade. Quem detém o poder nas redes da sociedade
em rede pode ser muito simples de se explicar se respondermos a pergunta ao analisar a atuação
de cada rede dominante concreta. Cada rede define suas próprias relações de poder em função
de suas metas programadas. Mas é uma questão sem saída analítica se tentarmos respondê-la
unidimensionalmente e tentarmos determinar a fonte do poder como sua entidade única. Não
há, portanto, o poder, singular.
Ao tratar o poder para criar redes, é importante ressaltar que a capacidade de exercer
controle sobre outros depende de dois mecanismos básicos: 1) capacidade de construir redes e
de programar/ reprogramar as redes segundo os objetivos estabelecidos para a rede - atividade
exercida pelo que o autor conceitua como programadores; 2) capacidade para conectar diferentes
redes e assegurar sua cooperação, ao compartilhar objetivos e combinar recursos, enquanto se
evita a competição com outras redes, estabelecendo-se uma cooperação estratégica - atividade
exercida pelo que o autor conceitua como conectores (CASTELLS, 2009).
A capacidade de programar os objetivos da rede (bem como de reprogramá-la) é decisiva
porque “uma vez programada, a rede atuará com eficiência e reconfigurará sua estrutura e
seus nós para atingir seus objetivos” (CASTELLS, 2009, p. 45, tradução nossa). Desta forma,
a habilidade para criar redes “geralmente depende da habilidade de gerar, difundir e afetar
os discursos que moldam a ação humana” (CASTELLS, 2009, p. 53, tradução nossa). Os
discursos são capazes de moldar a mente das pessoas, e atualmente, isso se dá pelas redes de
comunicação que organizam a comunicação social. Esse fato é de grande relevância, como
ressalta o autor:
Porque a mente do público, isto é, o conjunto de valores e moldes que tem
maior exposição na sociedade, é geralmente o que influencia o comportamento
individual ou coletivo, programando as redes de comunicação na fonte
decisiva de materiais culturais que alimentam esses objetivos programados de
qualquer outra rede. Além disso, porque as redes de comunicação conectam o
local com o global, os códigos difundidos nessas redes têm um alcance global
(CASTELLS, 2009, p. 53, tradução nossa).
84
Desta forma, para que uma mensagem alcance e mude a mente das pessoas, e a partir
de então, comportamentos sociais e institucionais sejam modificados, como objetivam os
movimentos ambientais, é necessário estabelecer redes de comunicação eficientes, capazes de
disseminar o discurso destes movimentos para o público. O meio de comunicação que se tem
mostrado mais adequado a esse fim é a Internet.
A Internet é o espaço preferencial de comunicação da sociedade em rede; ela é “o tecido
de nossas vidas, [...] a Internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional
da Era da Informação: a rede” (op cit, IDEM, p. 7). É ainda “um meio de comunicação que
permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em
escala global” (CASTELLS, 2003, p. 8).
Com o crescimento do uso da Internet, emerge um novo tipo de comunicação interativa,
e sua principal característica é a capacidade de emissão de mensagens de muitos para muitos,
em tempo real ou escolhido. Essa nova forma de comunicação é conceituada como “autocomunicação em massa” (CASTELLS, 2009, p. 55, tradução nossa). É comunicação em
massa porque tem o potencial de alcançar uma audiência global, mas é ao mesmo tempo autocomunicação, pois o próprio emissor da mensagem a gere de acordo com suas preferências
e conhecimentos; ele mesmo define quem será seu receptor em potencial, e pode, a qualquer
momento, recuperar e alterar mensagens específicas das redes eletrônicas de comunicação.
O conceito de auto-comunicação em massa considera que sujeitos comunicativos não
são entidades isoladas: eles antes interagem entre eles mesmos ao formar redes de comunicação
que produzem significado compartilhado. Portanto, nós passamos da comunicação em massa
direcionada para uma audiência ativa que constrói o significado da comunicação ao contrastar
sua experiência com fluxos unidirecionais de informação que recebem.
Esse processo dá origem ao que o autor denomina de audiência criativa, que surge
quando as pessoas combinam a multiplicidade de mensagens que recebem com seus próprios
significados e projetos de comunicação, o que é possível graças às tecnologias de autocomunicação em massa, que permitem maior iniciativa e interação entre as pessoas. Esse novo
ambiente de comunicação torna-se a fonte preferencial de mensagens que levam à construção
de significado nas mentes das pessoas. Já que a construção de significado determina a ação, em
grande parte, o significado da comunicação torna-se a fonte de poder social ao formar a mente
humana (CASTELLS, 2009).
2 – Mobilização em prol do meio ambiente
Ao apresentar reflexões sobre as novas teorias dos movimentos sociais, Maria da
Glória Gohn (2010), afirma que os movimentos sociais contemporâneos desenvolvem-se em
um novo cenário, e que há novos sujeitos sociopolíticos em ação. A forma de atuação desses
protagonistas de ações coletivas dá-se agora em redes. Assim como surgiram novos sujeitos,
novos olhares sobre a forma de ação dos movimentos sociais foram influenciados por autores
que destacavam a questão do agir comunicativo presente nas ações dos movimentos e suas
possibilidades de geração de novas formas de relação e de produção.
Os olhares dos teóricos dos novos movimentos sociais voltam-se também para a
questão do engajamento dos indivíduos e grupos. O tema do voluntariado ressurge, e analisase como os movimentos sociais atraem o engajamento do voluntário. Levanta-se, então, a
categoria “mobilização social” para a construção de ações coletivas. Uma reestruturação das
formas de organização e de protesto das ações coletivas e dos movimentos sociais surge na
contemporaneidade devido ao processo de globalização, apoiada com a crescente importância
das redes e fluxos das novas tecnologias da informação e comunicação (GOHN, 2012). Marques e Nogueira (2012) afirmam que a sociedade civil organizada estimulou o
surgimento de novos atores sociais, como ONGs, novos movimentos sociais, associações,
grupos de defesa de minorias, redes comunitárias, conselhos e organizações ambientalistas.
Os movimentos sociais aparecem como peças-chave nos processos de mudanças sociais, já
85
que “o repertório de lutas que eles constroem, demarca interesses, identidades, subjetividades
e projetos de grupos sociais” (GOHN apud MARQUES; NOGUEIRA, 2012, p. 143).
Dentre esses movimentos sociais encontram-se os movimentos ambientais, que buscam
a preservação do meio ambiente por meio da mudança de valores e comportamentos da
sociedade, bem como mudanças institucionais por parte dos governantes.
O movimento ambientalista consegue grande adesão do público, por circular entre
diversas identidades culturais da contemporaneidade; as temáticas levantadas por ele são
globais e locais ao mesmo tempo, isto é, o objetivo geral tem uma visão global, mas o processo
de mudança inicia-se e é fortificado na instância local (SOUZA, 2003).
O ambientalismo não é só movimento de conscientização. Ele procura influenciar a
legislação e as decisões governamentais. É o pragmatismo e a atitude dos movimentos ambientais
que surpreendem quando comparados com ações de política internacional, pois as pessoas
“percebem que são capazes de exercer influência sobre decisões importantes aqui e agora, sem
que para isso seja necessário qualquer tipo de mediação ou postergação” (CASTELLS, 2006,
p. 163).
Os movimentos ambientais, assim como qualquer movimento social, procuram atingir
a mudança social. Esta tem múltiplas dimensões, mas basicamente decorre de uma mudança
de mentalidade dos indivíduos e coletividades. E o modo como pensamos é o que determina
como agimos. “E mudanças em comportamento individual e ação coletiva, impactam e
modificam, gradualmente, mas definitivamente, normas e instituições que estruturam práticas
sociais” (CASTELLS, 2009, p. 299, tradução nossa). É por meio da mudança de mentalidade
das pessoas que o movimento ambientalista procura atingir seus objetivos. Para isso, deve
comunicar, fazer ouvir seus valores, seus ideais, e o que espera mudar na sociedade – a relação
do homem com a natureza.
Desta forma, na sociedade em rede, a construção de significados ocorre, em boa
parte, através da comunicação midiática, e, portanto, o processo de mudança social exige a
reprogramação das redes de comunicação em termos de seus códigos culturais e em termos dos
valores e interesses sociais e políticos que elas comunicam (CASTELLS, 2009).
Castells (2005) afirma que a maioria dos movimentos sociais do mundo utiliza a
Internet como um espaço privilegiado de ação e organização. O autor aponta três características
fundamentais no uso da Internet pelos movimentos sociais. A primeira é que a internet
é “a estrutura organizativa e o instrumento de comunicação que permite a flexibilidade e a
temporalidade da mobilização, mantendo, porém, ao mesmo tempo, um caráter de coordenação
e uma capacidade de enfoque dessa mobilização” (CASTELLS, 2005, p. 277).
A segunda característica é que os movimentos sociais da sociedade em rede desenvolvemse em torno da criação de valores, e, portanto, dependem de sua habilidade de comunicação e
de estimular a aceitação de determinadas ideias, princípios e valores. Neste ponto, a Internet
tem se mostrado fundamental, pois é um meio de comunicação que potencializa a emissão e
divulgação de mensagens (CASTELLS, 2005).
E a terceira característica específica dos movimentos sociais e do uso da Internet como
mídia privilegiada reside no fato de que:
86
[...] cada vez mais, o poder funciona em redes globais e as pessoas têm
suas vivências e constroem seus valores, suas trincheiras de resistência e de
alternativa em sociedades locais. O grande problema que se coloca é como, a
partir do local, se pode controlar o global [...]. A Internet permite a articulação
dos projetos alternativos locais através de protestos globais [...], é a conexão
global-local, que é a nova forma de controle e de mobilização social em nossa
sociedade (CASTELLS, 2005, p. 278-279).
O uso cada vez maior da Internet por parte dos movimentos ambientalistas não significa
que o uso das mídias consideradas de massa (televisão, rádio, jornais, revistas) foi deixado
de lado. Significa apenas que a flexibilidade que as redes digitais de comunicação oferecem,
proporcionam visibilidade e mobilização em escala global, mais interação com o público e,
portanto, maior possibilidade de alcançar as demandas desses movimentos. Portanto, “de
sua ênfase original de alcançar a audiência de massa, o movimento mudou para estimular a
participação em massa dos cidadãos ao se aproveitar da capacidade de interação oferecida pela
Internet” (CASTELLS, 2009, p. 327, tradução nossa).
3 – Análise do Instituto Socioambiental
O Instituto Socioambiental (ISA) é:
[...] uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos,
fundada em 1994, para propor soluções de forma integrada a questões sociais
e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos
e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos
humanos e dos povos. Desde 2001, o ISA é uma Oscip – Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público – com sede em São Paulo (SP) e subsedes
em Brasília (DF), Manaus (AM), Boa Vista (RR), São Gabriel da Cachoeira
(AM), Canarana (MT), Eldorado (SP) e Altamita (PA) (INSTITUTO
SOCIOAMBIENTAL, 2013. Disponível em: http://www.socioambiental.org/
pt-br/o-isa. Acesso em 06 mai. 2013).
Organização sem fins lucrativos, o ISA atua na defesa de direitos dos povos indígenas,
remanescentes de quilombos, comunidades tradicionais, entre outros. Desenvolve programas
que buscam a defesa de direitos socioambientais, o monitoramento e proposição de alternativas
às políticas públicas. Realiza pesquisa, difusão e documentação de informações socioambientais.
Participa do desenvolvimento de modelos participativos de sustentabilidade socioambiental e
estimula o fortalecimento institucional de parceiros locais.
Dentre os programas em andamento coordenados pelo Instituto, podemos citar o
Programa Xingu, Vale do Ribeira, Rio Negro – que visam ao desenvolvimento socioambiental
dessas áreas; há ainda o Projeto Povos Indígenas do Brasil, que apresenta o levantamento de
informações feito sobre os indígenas brasileiros; o Programa de Política e Direito Socioambiental
que trabalha com a elaboração de políticas públicas voltadas à garantia de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado e condições dignas de vida às populações indígenas e tradicionais.
Já o Programa Monitoramento de Áreas Protegidas produz e disponibiliza informações sobre
Terras Indígenas, Unidades de Conservação, terras militares, glebas do INCRA, reservas
garimpeiras e outras terras de interesse público3. Cada programa conta com blogs com
87
informações e notícias sobre as atividades desenvolvidas e assuntos afins dos programas.
O site do Instituto na Internet contém áreas que apresentam o que é o ISA, quais os
programas e projetos que desenvolve e colabora, além de notícias sobre questões sociais,
ambientais, defesa de povos indígenas e áreas de interesse social para o país. Há ainda a
apresentação de campanhas, redes e organizações não governamentais que o ISA apóia,
coordena e participa na área “Campanhas e Redes”, como a campanha Cílios do Ribeira, a
campanha Y Ikatu Xingu, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada,
a Rede Rio Negro, a Rede de ONGs da Mata Atlântica, o Fórum Amazônia Sustentável, a
iniciativa Conexões Sustentáveis, o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável – Xingu,
a Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (ABONG) e a RCA – Rede de
Cooperação Alternativa.
O ISA produz e divulga informações sobre as áreas de interesse em que atua, bem como
sobre assuntos gerais que dizem respeito a direitos sociais e do meio ambiente. O Instituto
possui uma área de Comunicação que é:
[...] responsável pela produção e divulgação de informações de interesse
do ISA para a imprensa especializada e em geral, para o público em geral,
pesquisadores, antropólogos e formadores de opinião entre outros, por meio do
site e de um sistema de envio, por e-mail, das notícias e reportagens produzidas
pela equipe (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2013. Disponível em: http://
www.socioambiental.org/pt-br/o-isa. Acesso em 06 mai. 2013).
A produção e disseminação de informações são, portanto, vitais para a atuação dos
projetos do Instituto. Para que essa troca de informações seja potencializada, o ISA conta com
ferramentas de interatividade na Internet. A interatividade com o Instituto Socioambiental
ocorre por meio das redes sociais: Facebook, Twitter, You Tube, Google +, Pinterest, Issuu,
Linkedin e Foursquare. Nesses espaços digitais, além dos usuários poderem comentar as
noticias e demais publicações feitas pelo ISA, eles podem repassar essas informações a mais
pessoas que se utilizam dessas redes sociais, aumentando as possibilidades de disseminação de
informações.
Ao proporcionar a interação dos usuários por meios de redes sociais, o ISA fomenta o que
Castells (2009) conceitua como “auto-comunicação de massa”. Isto é, os usuários da Internet
geram mensagem, conteúdo, de acordo com suas preferências pessoais, e têm a possibilidade,
ao mesmo tempo, de sua mensagem alcançar um grande número de pessoas (característica da
comunicação em massa), e de direcionar esta mensagem a receptores em potencial, escolhidos
pelos próprios usuários.
O uso da interatividade das redes sociais da Internet possibilita ao Instituto a ampliação
de sua esfera de atuação, ao ter multiplicados suas ideias e valores pelos próprios usuários do
site. Esta característica pode ser identificada como uma forma de poder para os movimentos
ambientais, já que se utilizam do dinamismo e interatividade proporcionados pela Internet
para ampliarem suas mensagens. Identifica-se, desta forma, o poder para criar redes, conforme
elaborado por Castells (2009).
88
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2013. Disponível em: http://www.socioambiental.org/pt-br/oisa. Acesso em 06 mai. 2013.
Pode-se identificar no Instituto Socioambiental a capacidade de construir e programar
redes de acordo com os objetivos estabelecidos pela organização, uma vez que o ISA conta com
uma base de comunicação estruturada na Internet. Desta forma, o Instituto busca alcançar seu
objetivo – informar e mobilizar sobre questões sociais e ambientais – por meio da programação
/ reprogramação das redes de comunicação.
Outra característica apresentada pelo ISA é a capacidade para conectar diferentes
redes e assegurar sua cooperação, ao compartilhar objetivos e combinar recursos. Além da
participação em projetos, programas, e de parcerias permanentes com demais organizações que
promovem a defesa do meio ambiente e de direitos sociais, como ONGs, Oscips e institutos,
o ISA faz uso da interatividade das redes sociais da Internet para a divulgação de suas ideias
e valores. Há a criação de redes de colaboração e compartilhamento de informação entre a
organização-usuários e entre usuários-usuários, já que as redes sociais permitem tal interação,
bem como o site institucional do ISA. Ao estimular a troca de informação entre os usuários do
site, o Instituto Socioambiental aumenta o potencial de aceitação de suas ideias e valores, e de
exercer, portanto, a transformação da mente das pessoas para provocar mudança de atitudes em
busca da sustentabilidade ambiental e social.
Considerações Finais
A construção de significados e a formação de valores é o meio fundamental para que
movimentos sociais alcancem seus objetivos – a mudança social. Ganha destaque neste contexto
o movimento ambientalista, que busca não apenas mudanças e melhorias governamentais
e legais, mas também mudanças de comportamentos da população em geral. Esse tipo
específico de movimento social utiliza-se da comunicação de ideias, valores e argumentos para
conscientizar, mobilizar as populações, e desta forma, instituir as mudanças desejadas. Esta
comunicação conta cada vez mais com as novas tecnologias da informação e comunicação,
como a Internet, que amplia sua possibilidade de interação e organização.
Uma organização que compõem o movimento ambiental, como o Instituto
Socioambiental, ao utilizar a Internet para a divulgação de seus programas e de informações
sobre meio ambiente, direitos dos povos indígenas, dentre outras temáticas de interesse ambiental
e social, faz com que suas ideias e valores alcancem uma infinidade de públicos. O ISA conta
com as redes sociais da Internet para não só informar, mas conscientizar e engajar seu público
para a mudança de atitudes na defesa dos direitos sociais e ambientais da população brasileira.
Identifica-se aqui uma forma de mobilização baseada no espaço digital de comunicação.
Após a análise de elementos da obra de Manuel Castells no que se refere ao poder
da comunicação na sociedade em rede, verifica-se que o poder de construir redes é a fonte
suprema de poder (CASTELLS, 2009), e este é conseguido por meio da disseminação de
valores e ideias que moldam a mente das pessoas. Portanto, podemos afirmar que o Instituto
Socioambiental, enquanto uma organização integrante do movimento ambiental voltado para
a proposta de soluções e defesa de direitos ambientais e sociais, que promove a divulgação de
informações sobre essas temáticas via Internet, e que busca exercer a transformação das mentes
das pessoas utilizando-se de redes digitais de comunicação, exerce uma forma de poder na
89
contemporaneidade.
No entanto, não podemos considerar o poder exercido por esta organização do
movimento ambiental em específico como algo nocivo, pois a transformação da mente das
pessoas almejada pelo ISA é no sentido de informar e conscientizar seu público (sociedade
civil, empresários, governos) para que este tome decisões mais acertadas e considere cada
atitude com o objetivo da defesa e do exercício de direitos nas áreas ambiental e social.
Podemos verificar, portanto, que a Internet, enquanto espaço para a divulgação dos
objetivos, ideias e valores de movimentos ambientais, mostra-se um meio de comunicação
eficaz, já que proporciona não somente o fluxo de informação de um para muitos, mas também
de muitos para muitos, e de muitos para alguns escolhidos, de acordo com as preferências do
usuário. A Internet é o espaço preferencial para a comunicação do Instituto Socioambiental e
colabora com o objetivo de construção de significados que leva o público do site à ação, que
estimula seu engajamento na busca de soluções para problemáticas sociais e ambientais.
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91
Agenda
Social
ELETRONIC JOURNAL
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
www.revistaagendasocial.com.br
INOVAçãO E EStRUtURA dE GOVERNANçA EM
AGLOMERAdO tERRItORIAL: o caso da produção
artesanal de bordado em Passira-PE
Innovation and governance structure in crowded land: the case
of production of handmade embroidery in Passira-PE
siLVa, Gleiciane Teodoro da (1); XaVier, Maria Gilca Pinto (2).
1. Mestranda do curso de Administração e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal Rural de
Pernambuco-UFRPE([email protected]).2.DrªemDesenvolvimentoUrbanopelaUniversidade
FederaldePernambuco,ProfªdaPós-GraduaçãoemAdministraçãoeDesenvolvimentoRuralda
Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE.
RESUMO
O artigo analisa a produção artesanal de
bordado manual da cidade de Passira,
localizada no Agreste pernambucano.
Discute a inovação na produção do
artesanato do bordado. Trata-se de
um estudo conduzido pela perspectiva
de aglomerações territoriais, onde
se privilegiou o conceito de inovação
referente ao processo de produção e de
capacitação. Identificou-se, através da
análise de estrutura de governança, o nível
de intensidade das relações de cooperação
entre os produtores locais do setor em
relação aos representantes de cooperativas
e associações que integram o aglomerado,
bem como as ações governamentais que
visam o desenvolvimento da atividade
artesanal do bordado. Como metodologia
adotou a abordagem de pesquisa
qualitativa, mas utilizou-se uma grande
quantidade de dados quantitativos
originados de entrevistas e aplicações de
questionários interpretados e analisados
pelo Programa estatístico SPSS.
92
PaLaVras-CHaVe
INOVAÇÃO; AGLOMERAÇÃO PRODUTIVA;
ESTRUTURA
DE
GOVERNANÇA;
ARTESANATO
aBsTraCT
The article analyzes the production of
handmade embroidery manual Passira city,
located in Rural Pernambuco. Discusses
innovation in the production of crafts of
embroidery. This is a study conducted by
the prospect of territorial agglomerations,
where the study focused on the process
of innovation and production capability.
It was identified through the analysis of
governance structure, the intensity level
of cooperation between local producers
in the sector in relation to representatives
of cooperatives and associations that
comprise the cluster, as well as government
actions aimed at the development of activity
handmade embroidery. The methodology
adopted the qualitative research approach,
but used a large amount of quantitative data
derived from interviews and questionnaires
applications.
KEY-WORdS
INNOVATION; PRODUCTIVE CONCENTRATION;
GOVERNANCE STRUCTURE; CRAFTS
1. Introdução
O artesanato é uma atividade de reduzido resultado econômico mas de grande
repercussão social dado o crescente número de famílias que tem a sobrevivência garantida
pela renda oriunda deste trabalho. No Brasil, aproximadamente 73% dos municípios produzem
o artesanato de bordado sendo 21,4% produzido em Pernambuco. Este Estado ocupa a 16ª
posição no ranking da produção de artesanato no país (IPEA, 2012).
Este trabalho é resultado da pesquisa realizada através do projeto intitulado: “As
Características de um Arranjo Produtivo Local: o conceito e a prática exercidos no espaço
econômico e social do Agreste de Pernambuco”. O projeto foi financiado pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e as atividades foram realizadas na
Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. O objeto dessa pesquisa foi o trabalho
artesanal do bordado em Passira – PE.
A produção artesanal de bordado manual é patrimônio cultural do município e do
estado de Pernambuco. O município de Passira, localizado no Semiárido de Pernambuco
tem no Artesanato de Bordado uma atividade que garante uma parcela da renda da população
trabalhadora.
O município, com população total de 28.628 habitantes, encontra-se a 77 km
distantes da Região Metropolitana do Recife (IBGE, 2010). A produção se caracteriza pela
ornamentação de tecido associada à renda renascença que também é especialidade de outros
municípios pernambucanos como Pesqueira e Poção. A maioria dos artesãos são agricultores
que produzem pela cultura tradicional e como complementação de renda e, aproximadamente,
90% das atividades são realizadas por mulheres.
O objetivo deste trabalho é discutir a inovação no processo de produção artesanal do
bordado. A inovação será tratada a partir das informações sobre capacitação e do design das
peças produzidas. A discussão passa pela compreensão do artesanato como negócio informal no
contexto das aglomerações territoriais. A definição de aglomeração territorial tem como base os
ensinamentos de Marshall (1920), frisando-se que as externalidades positivas promovidas pela
cooperação e integração entre os agentes permitem ganhos por menores que sejam.
Embora, o bordado seja organizado por um trabalho informal e autônomo, suas
regras estão estabelecidas nas condições de produção capitalista. Ou seja, de alguma forma
as peças de bordado vendidas produzem valor de troca e, como tal, participam do mercado,
embora, na maioria das vezes, a renda atribuída ao artesão seja considerada pequena em
relação à minuciosidade de seu trabalho. Por outro lado, o artesanato promove a inclusão do
trabalhador num processo produtivo e organizado e garante a inserção nos direitos à cidadania.
Normalmente os programas de apoio ao artesanato se incluem entre as ações governamentais
de maior amplitude social, embora nos últimos tempos esteja havendo ênfase do incentivo ao
trabalho rentável nos programas sociais (Cohn,1979).
Nestas condições, pesquisou-se como os artesãos se relaciona com as demais entidades
de apoio, através do estudo sobre inovação colaborativa. A inovação no bordado se processa
pela qualificação do artesão através de uma ação colaborativa. Como resultado do processo
de qualificação na atividade de produção, percebe-se a interação entre os agentes de forma
93
cooperada visando a produção econômica.
O debate sobre inovação tem prestigiado a questão da qualificação e tecnologia.
A qualificação encontra-se presente nos trabalhos de Lastres e Cassiolato (2002, 2006) e a
tecnologia está especialmente baseada em Schumpeter (1998) e nos neo-schumpeteriamos. De
certa forma têm-se discutido pouco a respeito da inovação em relação às atividades informais
e o artesanato.
A análise dos primeiros resultados comprovou a hipótese do baixo índice de inovação
no artesanato de bordado no mercado local e outros revelaram a importância da organização de
atividades associadas para alavancar o mercado e outras atividades correlatas.
2. Metodologia
A hipótese central da pesquisa baseia-se na ideia de que o processo de produção manual
do artesanato de bordado pelos artesãos possui como suporte as inter-relações sociais entre as
organizações, o governo local e a cultura tradicional.
Considerou-se, então, que a pesquisa qualitativa é mais apropriada para a realização
deste estudo, embora foram usados dados quantitativos para complementar a análise da
realidade interpretada através do programa SPSS. A metodologia qualitativa envolve a prática
da observação intensa, o registro detalhado do que ocorre no ambiente estudado, utilizando-se
de interpretações e análises narrativas. Para a coleta de dados foram aplicados questionários
durante a Feira Anual de Artesanato de Passira em 2011, onde os artesãos se encontravam
reunidos em estandes de vendas. A aplicação foi realizada de forma alternada entre um estande
e outro, tendo a representação de aproximadamente 50% do total de estandes pesquisados.
Nesta ocasião o número do Universo era de aproximadamente 130 e foram escolhidos 63 para
a entrevista e considerou a seleção de número 1. A amostragem é sistemática considerando
que se atribuiu probabilidade de seleção igual a um número limitado de amostra da pesquisa.
Também foi realizada a caracterização socioeconômica do município através do levantamento
de dados em instituições oficiais.
A metodologia consistiu também na análise estatística, no qual os dados levantados
foram organizados e analisados através do Programa Estatístico SPSS. Por meio dele foram
interpretados os dados estatísticos, empíricos e teóricos.
3. Fundamentação teórica da temática abordada
94
O artesanato é a produção de peças com finalidade de uso cuja técnica perpassa gerações,
sendo um produto concentrado no conjunto de tradições cultural, técnica, na forma de pensar,
sentir e expressar a realidade local. As técnicas de produção de artesanato são passíveis de
alterações, modificações, substituições, adaptações de acordo com as perspectivas do grupo
que produz. O mercado consumidor exige a modificação na produção artesanal, uma vez
que o comércio dos produtos artesanal precisam se adequar aos modelos estéticos midiáticos
(Horodyski e Ruschmann, 2007).
O artesanato, com as transformações tecnológicas, faz parte da economia criativa ou
indústria criativa, sendo esta o processo de criação, produção e comercialização de determinados
produtos e serviços, tendo o capital intelectual, o conhecimento como o motor da produção.
Essa economia está relacionada com a geração de ideias que rompe com o modelo clássico
de produção capitalista. Participante do mercado, a economia criativa, através dos direitos de
propriedade intelectual, gera riqueza e emprego (Santos, 2006).
Nas últimas décadas, as políticas, os programas, projetos sociais tem como objetivo
o aspecto econômico, assim, tem focado suas ações nas Pequenas Empresas (PE) e no Setor
Informal (SI) com o intuito de diminuir o desemprego e a pobreza. Por sua vez, outros enfatizam
o lado benevolente do governo nas questões de política de apoio ao emprego e renda. Os
formuladores de políticas em países em desenvolvimento tem considerado primordialmente
a questão social em detrimento de uma política voltada para o desenvolvimento econômico
(Tendler, 2003).
De acordo com Tendler (2003), essa informalidade no cluster de confecção do Agreste
de Pernambuco é sustentada por acordo político. Os pequenos trabalhadores que não pagam
impostos nem se adéquam às regulamentações governamentais recebem proteção política contra
a fiscalização em troca de votos. Desta forma, a informalidade se torna mais fascinadora do que
a formalidade. Os custos para o processo de formalização, a legislação ambiental e os impostos
trabalhistas são visto como a origem deste problema dado às dificuldades do trabalhador em
acumular capital inicial.
As relações entre empresas dentro de uma cadeia produtiva são governadas pelo que
melhor se posiciona detendo o poder de decisão. Entres os aspectos de governança discutidos na
cadeia produtiva, podem-se citar os dois mais importantes: o que produzir e como produzir. Em
geral, “cadeia produtiva engloba todos os processos produtivos e serviços envolvidos, desde
a matéria-prima, na produção de um determinado tipo de produto final até a comercialização
do mesmo”. Esses parâmetros são fixados pelos compradores. Assim, a governança é uma
estratégia utilizada para resolver e/ou tomar decisões sobre uma série de organizações privadas
e governamentais (Souza et al, 2005).
Outra relação existente que explica a importância da atuação governamental e
institucional é entre o crescimento econômico e inovação. De acordo com Shumpeter (1939) a
concorrência entre empresas na obtenção de tecnologia gera um impacto positivo na economia,
uma vez que essa tecnologia materializada como inovação cria oportunidades para que novas
transformações sejam aplicadas. Essa dinâmica faz com que os agentes empreendedores do
mercado sejam reproduzidos, difundindo a inovação. Neste caso, a inovação é vista como
processo endógeno ao crescimento econômico, diferentemente dos neoclássicos, onde a
tecnologia era compreendida exogenamente ao modelo de crescimento econômico. Ou seja,
para os neoclássicos o crescimento econômico se dá através de um processo linear no qual
apenas a escala economia se modifica, sem alterar a sua composição.
De acordo com Silva (2004) esse enfoque é criticado pelos evolucionistas, nos quais
propõem uma visão menos racional e equilibrada e aponta a questão da perspectiva história
como processo de mudança no sistema de inovação. Para eles, é a variedade institucional que
implica os diferentes caminhos percorridos pela economia dos países. Neste sentido, alguns
fatores influenciam as diferentes amplitudes de adoção de inovação e difusão como “o sistema
95
96
educativo do país, a dotação e qualidade de instituições ligadas à investigação, as relações
laborais ou funcionamento dos organismos públicos” (p. 127).
A organização do trabalho artesanal é configurada em rede entre instituições e empresas
que pela proximidade territorial beneficiam a produção através da ação coletiva. Identificam-se
como aglomerados onde todos os atores interagem com o cluster ou com o sistema produtivo
em foco. Essa aproximação entre os agentes do setor contribuem para a vantagem competitiva
que facilita a adoção à inovação, o aumento da produtividade e de outros fatores produtivos
(Porter, 1998).
As unidades de produção, segundo Marshall (1920), tendem a se situar geograficamente
próximas dos fornecedores de matérias-primas e dos consumidores. As vantagens referentes
à localização das unidades de produção se encontram na disponibilidade e qualidade de
recursos naturais, proximidade de fontes de matérias-primas e insumos de produção e fácil
acessibilidade por vias alternativas de transporte. Marshall ainda destacava a importância de se
ter na localidade uma demanda de alto poder aquisitivo e de mão-de-obra especializada. A mão
de obra especializada é garantida dentro ou fora da empresa.
De acordo com a Redesist (Cassiolato e Lastres, 2006), as empresas fornecedoras de
produtos e serviços estão organizadas com base na interação com organizações voltadas à
“capacitação técnica, treinamentos de recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento
e engenharia, promoção e financiamento” (p.10). Esses aspectos são fundamentais na promoção
da inovação em uma determinada produção. A capacitação é desenvolvida através do processo
de aprendizagem que possui dois aspectos: o primeiro se refere ao caminho percorrido para a
acumulação de capacidade tecnológica, no qual essa capacidade se desenvolve em diferentes
direções e velocidades, podendo ser alterada com o tempo; o segundo aspecto diz respeito às
transformações do conhecimento técnico (tácido) do indivíduo em “sistemas físicos, processos
de produção, procedimento, rotinas e produtos e serviços da organização” (Figueiredo, 2004,
p.328).
A capacitação no campo da gestão do artesanato é realizada através de cursos
direcionados às habilidades do processo de produção como “cálculo de preço, técnicas de
vendas, produção de feiras e eventos ou de forma mais abrangente, comercialização, exportação,
embalagem, design, associativismo, cooperativismo, empreendedorismo, marketing, etc”.
No Brasil, a transmissão do conhecimento das técnicas e do oficio do artesão foi realizada
pela tradição familiar, da comunidade e por freiras imigrantes da Europa disseminando para
artesãs brasileiras. Na maioria dos casos, as capacitações oferecidas por algum programa são
referentes às técnicas de design específicas conduzidas por profissionais de regiões e culturas
variadas (Freeman, 2010).
Essa estrutura da “economia baseada no conhecimento” tem demonstrado o crescente
interesse dos órgãos públicos nas atividades de ciência e tecnologia. Nas últimas décadas, o
foco nos sistemas de inovação evidencia a preocupação com os estudos direcionados à C, T&I,
para compreensão de sua dinâmica, da consequência dos avanços científicos e da mudança
tecnológica. A inovação e a mudança tecnológica dizem respeito ao reconhecimento de que
inovação e conhecimento estão cada vez mais manifestados como membros da dinâmica e
do crescimento dos países, das regiões, organizações, instituições, etc. (Cassiolato & Szapiro,
2002; Conde & Araújo-Jorge, 2003).
Uma vez que a aplicação de uma invenção tecnológica ou a modificação de um
produto já existente só é possível através da aquisição de novas informações e conhecimentos,
Lastres e Cassiolato (2002) identificam o papel fundamental das tecnologias da informação
(TI), consideradas responsáveis pela transmissão dos conhecimentos codificados. Assim, “o
aprendizado é a fonte principal da mudança, ocorrendo através de diferentes processos e é a
base de acumulação das competências das firmas” (Lastres e Cassiolato, 2002, p.6).
Segundo Schumpeter (1997), o conceito sobre inovação está ligado ao papel central
do empreendedor, na empresa, seja um indivíduo ou uma organização/instituição, onde este
agente econômico trás para o mercado um novo bem, através de um processo de modificação
do produto ou combinado com outro fator de produção mais eficaz ou pela aplicação prática
de alguma inovação tecnológica. Schumpeter ainda menciona outros casos que combinados
geram uma inovação, como “a abertura de um novo mercado; a captação de uma nova fonte de
matéria-prima ou de bens semimanufaturados; e o estabelecimento de uma nova organização”
(p. 70).
O modelo de inovação atual é reconhecido por um “modelo de sistemas abertos” e
agregados em rede. A intenção é que os grupos com atividade de P&D, ou seja que contribuem
na produção do conhecimento, trabalhem de forma colaborativa e associada com os diversos
agentes da cadeia produtiva. Assim, inovação é resultado de ação conjunta e cooperada entre
os diversos atores sociais, internos e externos à organização, como fornecedores e clientes
(Rothwell, 1995; O’Conoor, 2006 apud Bueno e Balestrin, 2012).
O quadro atual sobre inovação mostra que as transformações no processo inovativo são
dependentes de um processo interativo de ordem social. Essa interação ocorre em diferentes
condições, como pesquisa, desenvolvimento tecnológico e difusão, mas ainda em diferentes
setores de uma determinada organização como marketing, logística, produção e entre diferentes
organizações e associações, além de ligações com fontes externas à empresa ou à indústria de
informação científica e tecnológica. A inovação possui aspectos que a identificam sendo um ato
dependente, originada por aprendizados cumulativos de capacitação, reservada a localidade e
apoiada por instituições (Cassiolato e Lastres, 2002, 2005).
4. Resultados e discussão
O município de Passira-PE possui acesso pela BR-408, PE-90 e PE-95 (MAPA, 4.1).
O turismo local gerado pela intensa produção manual de artesanato de bordado que gera renda
ao município é dificultado pelas péssimas condições de infraestrutura, como a situação das
estradas de acesso ao município para escoamento da produção e a inexistência de transportes
específicos dificultam a visitação no município. Assim, constata-se que o município não é
uma região de integração com os outros municípios vizinhos, obstando o desenvolvimento do
artesanato como negócio local.
97
Mapa 4.1: Localização do Município de Passira-PE
Fonte: Elaborado pelo grupo de pesquisa CARISMA da UFRPE.
98
Apesar da maior parte da renda do município de Passira ser da atividade agropecuária e
da pecuária, o município possui 1.200 artesãos que se organizam individualmente, em parcerias
e cooperação com instituições e organizações. 48% da renda dos trabalhadores que alternam
entre a atividade artesanal e outra está entre 1 e 2 salários mínimos. Percebe-se, desta forma,
a importância econômica que essa atividade reflete para as famílias como complemento de
renda, sendo 34% dos trabalhadores casados (pesquisa de campo, 2011).
Como promoção do trabalho artesanal, ocorre no município de Passira a Feira Anual
de Artesanato Manual de Bordado, divulgada e apoiada pelo SEBRAE (Sistema Brasileiro de
Empresas) que, de acordo com a Prefeitura de Passira (2011) é o evento mais importante para
o artesanato da região. Porém, de acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Cultura, Turismo e Esporte, o apoio oferecido pela Prefeitura local é frágil, limitado à promoção
da Feira Anual de Artesanato de Passira (pesquisa de campo, 2011). Esses agentes são os
responsáveis pela organização, infraestrutura e divulgação do evento.
A estrutura de governança no município de Passira referente ao artesanato de bordado
se dá pela relação de poder entre Estado e os artesãos. Uma vez que o poder de troca se dá
pela relação entre hierarquias e instituições que favorecem a cooperação (Suzigan, Garcia e
Furtado, 2007).
Um dos programas governamentais que estimula a produção do artesanato é o Programa
do Artesanato Brasileiro (PAB) que tem como finalidade a geração de renda, melhoria de
condições de vida para o artesão, seja no âmbito cultural, social e econômico (PAB, 2012).
Sua atuação está vinculada à elaboração de políticas públicas envolvendo institutos da esfera
federal, estadual, municipal e entidades privadas com ações que valorizem o trabalho do artesão.
Segundo os artesãos entrevistados, a produção do bordado é realizada de forma independente,
onde 72% não recebem ou nunca receberam apoio institucional (Gráfico 4.1).
Gráfico 4.1: Apoio Institucional aos Artesãos de Passira - PE
Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
Verifica-se com os dados acima que as políticas públicas direcionadas para a atividade
artesanal e para os artesãos não alcançam os trabalhadores de Passira.
Por outro lado, estima-se que em 2010 a Feira tenha movimentado cerca de R$
200.000,00 e interferi anualmente no PIB do município (Gráfico 4.2). O que se pode dizer que
a atividade artesanal aumenta a economia do município.
Gráfico 4.2 PIB Anual de Passira – PE
Fonte: CONDEPE/Fidem (2010).
Percebe-se no gráfico acima que o PIB de Passira (PE) está em constante crescimento,
o que se pode entender que a economia do município está se tornando mais dinâmica do que
era antes. Trata-se de uma aglomeração artesanal, onde se reúnem os agentes econômicos,
políticos e sociais numa determinada localidade (SEBRAE, 2003).
Outro aspecto importante para análise da estrutura de governança é o trabalho exercido
por associações e/ou cooperativas. Essas instituições tem por finalidade a organização de
alguma produção no mercado local. De acordo com os dados coletados, 81% dos artesãos não
participam de associações, apresentando a fragilidade na cooperação entre os trabalhadores
dessa atividade econômica no município (Gráfico 4.3).
99
Gráfico 4.3: Particição dos Artesãos de Passira em Associações/Cooperativas
Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.
Sendo a acumulação de capacitação uma variável de forte influência no desenvolvimento
de inovações, o município de Passira não promove fortes parcerias com instituições
governamentais ou empresas que favoreçam treinamentos e/ou qualificações para os artesãos
(Gráfico 4.4).
Gráfico 4.4: Capacitação recebida pelos Artesãos
Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
No município de Passira (PE), a atividade artesanal é exercida por pessoas que tem o
ensino médio (55%), o que representa 7,2 anos de estudo. Segundo Cassiolato & Szapiro (2002)
e Conde & Araújo-Jorge (2003) a inovação é exercida por pessoas com nível educacional
acima de 7 anos de estudo, reconhecendo-se que inovação e o conhecimento estão cada vez
mais manifestados como membros da dinâmica e do crescimento dos países, das regiões,
organizações, instituições, etc. No caso de passira, a inovação na atividade artesanal é exercida
por profissionais que exercem a criatividade visando a produção do valor, ou seja por meio do
design. O conceito de design é desconhecido pela maioria dos artesãos, mesmo àqueles que a
prática o desenvolve na sua produção (Freeman, 2010).
No caso dos artesãos do município de Passira – PE, uma região de capitalismo
tardio, onde a agricultura ainda se manifesta como a principal atividade, a prática inovativa
é frágil. O trabalho dos artesãos se limita ao processo manual, apesar de utilizarem produtos
industrializados como a linha e o linho. A atividade artesanal do município não utiliza nenhuma
100
tecnologia no processo de produção das peças, motivado pela tradição cultural. Essa barreira
existente entre os artesãos existe há décadas, onde os artesãos e filósofos debatiam sobre a
desvalorização do artesanato com a substituição do trabalho manual por máquinas no século
XIX com o início da Revolução Industrial (Freeman, 2010).
Existem peças que duram três meses para serem finalizadas, onde a ausência de
máquinas no processo de produção diminui a produtividade (Pesquisa de campo, 2011). Podese dizer que as inovações no trabalho dos artesãos se limitam à produção de novos modelos
de peças e criação. Pois, conforme o Manual de Oslo (2004) e Pintec (2010) a inovação está
ligada à produção de um novo bem ou aprimorado ou a um novo processo de produção.
Como o processo de produção artesanal de Passira é ausente de máquinas, as novas ideias e a
criatividade decorrente de novas capacitações são o ponto forte da inovação no local.
A atividade artesanal do município de Passira se enquadra nesse padrão informal onde
os trabalhadores executam as atividades de forma independente. O município possui um
Centro Cultural e Comercial do Bordado, porém o comércio do bordado não se concentra na
localidade, sua produção é destinada para outros municípios (29%) como Gravatá, Caruaru e
Bezerros. O bordado de Passira ainda é exportado para vários países como Estados Unidos,
França, Inglaterra, Espanha, Portugal, Alemanha, Venezuela, Cuba, entre outros. Há produtores
que transportam as peças pelos correios por semestre (Pesquisa de campo, 2011).
Embora a produção artesanal de bordado de Passira (PE) seja direcionada para o
mercado externo, 74% dos insumos adquiridos pelos artesãos para a execução da atividade são
advindos da localidade. Esta realidade pode favorecer o mercado local, uma vez que sendo os
trabalhadores do mesmo município, os insumos adquiridos no próprio local de produção e uma
estrutura local, o Centro Cultural e Comercial do Bordado, a atividade econômica no município
pode ser organizada e cooperada entre os artesãos.
O artesanato manual de bordado, embora seja realizado pela tradição cultural da
população local de Passira e como complementação de renda, possui uma sistematização de
produção mensal. Essa produção é relativa quando o tamanho da peça e sua complexidade são
considerados, porém 41% dos artesãos vendem mais de 50 peças mensalmente.
5. Considerações Finais
De acordo com os dados, percebe-se que a produção do bordado em Passira é identificada
com a tradição cultural, no qual os princípios básicos da produção manual se perpétuam. Com
isso, é forte a barreira na introdução da tecnologia no processo de produção, uma vez que a
contemplação do trabalho manual é marcada pelos consumidores. Este obstáculo à inovação
tecnológica repecurti na renda do trabalhador, pois a frágil produtividade acasiona pouco lucro.
A produção no município agrega valor ao produto artesanal através do design. Essa
técnica demonstra que as peças produzidas valorizam a qualidade e a minuciosidade do trabalho
manual. No entanto, o design é uma técnica de produção que se requer tempo e dedicação
para seu aprendizado. Como muitos dos artesãos possuem baixa qualificação, esse método de
produção a restrito e limitado.
101
Além disso, constatou-se a ocorrência de frágil cooperação entre os diversos agentes.
Embora a produção do artesanato local tenha conquistado um espaço no mercado externo,
ainda existe a necessidade de serem firmados incentivos de apoio financeiro ao artesão para a
expansão da produção.
Os Programas de desenvolvimento cultural são investidos no país para apresentar
o conceito do design artesanal para os artesãos de uma forma que se preserve a identidade
cultural objetivando sua sustentabilidade.
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103
Agenda
Social
VOLUME
NÚMERO
ISSN 1981-9862
ELETRONIC JOURNAL
www.revistaagendasocial.com.br
JOVens: novos sujeitos de direitos.
Young people: new individuals of rights
BadarÓ, Lúbia (1).
1.UniversidadeFederalFluminense([email protected])
.
RESUMO
104
7
2
aBsTraCT
Esteestudobuscaumareflexãoarespeito
da Política Nacional de Juventude, que
surgiu após o Estatuto da Criança e do
Adolescente e passou a garantir direitos
aosjovensde15a29anos.Aopromover
uma apreciação sobre o processo de
construção de uma Política de Juventude,
foitraçadoumpequenopercursohistórico
para entender como se deu o atendimento
infanto-juvenil antes das leis que hoje
lhes garantem direitos. Foram ressaltados
os fatores que fizeram os jovens com
maioridade penal terem sido alijados do
Estatuto da Criança e do Adolescente e
quais os propulsores da elaboração, mais
tarde, de uma legislação exclusiva para a
juventude. Discutiu-se, ainda, o formato
institucional adquirido pela Política da
Juventude.
This study seeks a reflection about the
National Youth Policy, which emerged after
the Statute of Children and Adolescents, and
went on to secure rights for young people
aged 15 to 29 years. By promoting an
analysis of the process of building a Youth
Policy, was drawn a study historical to
understand how was the service before the
juvenile laws that guarantee their rights
today. Emphasis was placed on the factors
that made young people with criminal
majority have been jettisoned from the law
the Child and Adolescent and development,
later, of law the youth. We discussed also the
format institutional the Youth Policy.
PaLaVras-CHaVe
JOVENS; DIREITOS; POLÍTICAS.
KEY-WORdS
YOUNG; RIGHTS; POLICY.
INTRODUÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA completará, em 13 de julho de 2013,
vinte e três anos. Alguns dirão que ainda é muito jovem, outros que ele já chegou à maturidade.
A forma de ver o jovem também é marcada por uma antítese similar, ‘jovens demais para’,
‘velhos demais para’.
Existe uma idéia de que um indivíduo com 18 anos, que já assumiu a maioridade civil
e penal, não precisa de um sistema de garantia de direitos.
A própria Doutrina da Proteção Integral os deixou de fora e, apesar da luta da época estar
voltada à garantia de direitos infanto-juvenis, apenas as crianças e adolescentes conquistaram
o direito de serem contemplados pela Constituição de 88 e pelo ECA. A juventude que estava
e está nas ruas, nas periferias, na cidade e na zona rural não foi considerada jovem o bastante
para ser alçada ao estatuto de ‘sujeito de direitos’.
Alguns dirão que vários estudos alicerçaram a escolha daqueles de 0 a 17 anos, devido
a fatores ligados ao desenvolvimento biopsicossocial. Outros lembrarão que os adolescentes
também são jovens e que o ECA abraçou uma parte da juventude, os jovens-adolescentes.
Correto. Mas, os jovem-jovens e os jovens-adultos também demandam políticas e programas
sociais específicos. É necessário um olhar diferenciado aos problemas que enfrentam.
Cuidamos, protegemos, incentivamos, garantimos direitos e, depois que completam
a maioridade, não podemos abandoná-los. O ciclo de desenvolvimento não está completo e
a autonomia não se adquire instantaneamente com o simples findar de fases. Os índices de
mortalidade, desemprego, violência e analfabetismo são fato e, por si só, justificam a proteção
social e a garantia de direitos à juventude.
O Estatuto se consolidou e garantiu a definição e implantação de políticas e programas
para a criança e o adolescente, como atuou para que esses não fossem só vistos como ‘menores’
e sim ‘sujeitos de direitos’. No entanto, ‘meninos e meninas’, depois de algum tempo, foram
obrigados a se despedirem de programas e projetos sociais, pois já estavam crescidos demais
para o atendimento garantido pela nova legislação.
Entretanto, 15 anos após o nascimento do Estatuto, o campo de definição política
ainda estava fértil, pois surgiu no panorama brasileiro a Política Nacional da Juventude/ PNJ.
Essa, tal qual o seu irmão, o ECA, direcionou-se aos jovens, porém com um diferencial de
atendimento, incluiu em seus programas e ações aqueles de 18 a 29 anos.
Este artigo irá traçar algumas considerações a respeito da PNJ, tentando compreendêla, ver como demonstra a sua relevância. Neste estudo, parte-se do entendimento de que
seu trânsito em meio a outras políticas tão mais experientes não é isento de dilemas e que,
certamente, há gargalos e entraves capazes de prejudicar a sua consolidação através de seus
programas. Acredita-se, no entanto, que uma análise mais apurada pode contribuir para as
superações dos problemas que enfrenta.
105
1. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DAS JUVENTUDES NO
BRASIL
A discussão sobre as políticas de juventude perpassa a história do atendimento infantojuvenil ou mesmo da sua ausência, das doutrinas que regeram essa temática e da legislação
progressista que surgiu impulsionada pela Constituição de 88, o Estatuto da Criança e do
Adolescente/ ECA.
Essa lei complementar conquistou a garantia de direitos para parte da juventude e fez
avançar algumas discussões sobre o atendimento dos jovens. Porém, lançou para uma ‘zona
nebulosa’ o debate acerca daqueles jovens que já adquiriram a maioridade (KERBAUY, 2005),
especialmente porque a questão social da juventude ficou pulverizada em meio à discussão
sobre os problemas das crianças e adolescentes em condições de risco e periculosidade.
Treze anos após o nascimento do ECA, um Projeto de Emenda Constitucional_ PEC
da Juventude_ propôs a inclusão do termo ‘juventude’ na Carta Magna de 88, especificamente
no capítulo referente aos Direitos e Garantias Fundamentais, e recomendou a criação de um
Estatuto da Juventude_ Projeto de Lei 27/2007_ e de um Plano Nacional para esse grupo
social_ Projeto de Lei nº 4530/2004, estipulando metas a serem atingidas em dez anos. Em
2005, finalmente, foi lançada a Política Nacional da Juventude/ PNJ e o Programa Nacional de
Inclusão de Jovens, o ProJovem (CONJUVE, 2010).
A partir daí, as políticas para esse segmento deixaram de figurar no campo ‘do estado de
coisas’ (RUA, 1998), foram reconhecidos diversos problemas contemporâneos que atingem a
juventude e foi montada uma arquitetura para dar conta da implementação de ações e programas
estratégicos, como o desenvolvimento do ProJovem.
Para entender como os jovens acima a partir de 18 anos ficaram fora do sistema de
garantias de direitos que surgiu com a nova Carta Magna e com a Lei 8.069/90 é preciso traçar
um percurso histórico, ainda que breve, a respeito da atenção dada pelo Estado à infância e
juventude.
Da mesma forma, é preciso buscar uma reflexão sobre como, mais tarde, a questão
social da Juventude conseguiu chegar à arena de debate e se firmar como uma política que, por
meio de seus programas, passou a atuar na frente em questão.
Sob essas perspectivas, iremos discutir como as demandas da Juventude chegaram
à agenda pública, como os atores sociais contribuíram nesse processo e qual o formato
institucional adquirido pela Política da Juventude.
1.1. A Inclusão das Demandas das Juventudes na Agenda Pública
Na perspectiva ampliada de exclusão social, invisíveis, as crianças e os jovens viveram
órfãos de pátria durante um grande período (KEHL, 2000). Frente às desigualdades sociais
do país, o que se impôs, historicamente, foi a ausência do discernimento da função social do
Estado.
Com relação à juventude, a sua invisibilidade foi uma realidade durante décadas.
106
De tal forma que, antes do processo de industrialização do Brasil, nem mesmo havia uma
definição clara sobre a juventude, pois eram considerados adultos todos os que não eram mais
crianças e que o padrão corporal já os afastava dessa fase. O termo adolescência surgiu mais
tarde, referindo-se à puberdade, quando também se evidenciou a existência de uma ‘juventude
operária’ que ingressava precocemente no trabalho (ZUCCHETTI e BERGAMASCHI, 2007).
Diante da lacuna deixada pelo Estado, as Entidades Filantrópicas e a Igreja,
respectivamente impulsionadas pelas ideias apregoadas pelo Movimento Higienista e pela
crença religiosa_ que compreendia a caridade e a catequese como ações de agrado divino_
foram as únicas instituições que, até os anos 20, através das Santas Casas de Misericórdia e
outros congêneres, promoveram o atendimento à infância pobre (SPOSATI et al, 1991; BOSI,
1992; PEREIRA, 1999; DAMASCENO, 2006).
Por parte do governo, as crianças e jovens empobrecidos e atingidos pelo contexto
brasileiro das desigualdades sociais, quando muito, eram apenas culpabilizados pelas mazelas
provocadas pela própria ausência do Estado. Só recebiam a sua atenção, ainda que de forma
repressiva ou mínima, se sofriam ou provocavam algum delito penal.1 Embora a precariedade
fosse uma constante, o Estado não oferecia à clientela nem mesmo os serviços públicos
educacionais e de saúde.2
Em decorrência do ‘custo econômico’ dos problemas sociais_ intensificados pelo
aumento populacional sem a respectiva infraestrutura habitacional, de saúde e proteção social_
e da necessidade de garantir a ‘força de trabalho em potencial’ que algumas medidas de proteção
e tutelares foram estabelecidas pelo governo, amparado nesse ínterim pelo Código de Menores
promulgado em 1927.3
Após esse período, além dos avanços na legislação social de proteção ao trabalhador e
de alguns organismos voltados à profissionalização, uma das medidas de destaque foi a criação,
em 1941, do Serviço de Assistência ao Menor/ SAM4 e mais tarde, em 1964, da Política
Nacional do Bem-Estar do Menor/ PNBEM5 e sua respectiva Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor/ FUNABEM.
1
Na situação de descumprimento da lei, visto que a legislação vigente até a primeira década do século XX atribuía ao
indivíduo de 14 a 18 anos a responsabilidade penal pelos seus atos. Nessa situação ou mesmo quando eram vítimas de delitos
penais provocados por outros, embora o Estado os assumisse como encargo, fazia-o minimamente e de forma deturpada, tal
como o tratamento a eles infligido nos estabelecimentos correcionais disciplinares, cujas Casas de Correção são exemplos.
2
As únicas iniciativas nesse sentido se deram a partir de 1855 com as escolas de aprendizes e artífices, asilos e
institutos para surdos.
3
É preciso ressaltar que o Código de Menores não era uma legislação que teve ampla aceitação na época, especialmente
porque ele limitava o número de horas dedicadas pelos menores de dezoito anos nas fábricas e, conseqüentemente, reduzia os
lucros obtidos com esse trabalho. Segundo Vianna (1999, apud SANTANA, 2008), julgando as crianças e os jovens como mãode-obra imprescindível à estruturação da economia brasileira e insatisfeitos com as intervenções do Estado, nesse momento
representado pelo Juizado de Menores, o empresariado argumentava que a jornada de cinco horas diárias de trabalho forçaria
a ociosidade dos jovens-adolescentes, que ficariam nas ruas em pleno abandono e com riscos de serem seduzidos por situações
perigosas.
4
Esse sistema nacional integrava instituições privadas e públicas e se destinava a guardar e educar em internatos,
patronatos ou escolas de aprendizagem de ofícios os meninos pobres, especialmente os chamados ‘menores’, aqueles
que se encontravam em situação de abandono ou delinqüência. (RIZZINI I., 1993; CUNHA 1999; SPOSATI et al, 1991;
DAMASCENO, 2006).
5
A Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM) oportunizou a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor (FUNABEM)_ que pretendia desenvolver ações para a reintegração dos ‘carentes biopsicosocioculturalmente’ à
sociedade através de técnicas pedagógicas e psicológicas_ e suas ‘filiais’ estaduais, as Fundações Estaduais do Bem-Estar do
Menor (FEBEMs)_ centros de triagem e internação. No entanto, o Regime Militar, que se deu concomitante a PNBEM, interpôs
a impossibilidade dos ideais dessa política se concretizassem a contento, tendo em vista que a sua concepção progressista não
encontrou um palco propício frente à repressão e autoritarismo.
107
Com o início do processo de abertura política, surgem espaços para novas concepções
conduzidas por novos atores sociais, especialmente os que encaravam a infância e juventude
como sujeitos sociais, e não meros delinqüentes, força de trabalho em potencial, menores,
meninos carentes ou em situação irregulares.
O dilema dos chamados ‘meninos e meninas de rua’ ou ‘menores abandonados’, que
afligia especialmente os movimentos sociais, encontrou campo fértil durante o processo de
redemocratização brasileira para ser combatido junto à Doutrina da Situação Irregular, abrindo
caminho para as mudanças que viriam mais tarde.
Novos paradigmas dominaram e a Doutrina das Nações Unidas para a Proteção dos
Direitos da Infância, mais conhecida como Doutrina da Proteção Integral, passou a vigorar
dando margens ao estabelecimento de direitos a toda criança e adolescente (sujeitos na faixa
etária de 0 a 17 anos), direitos consolidados na Constituição e detalhados no Estatuto.
Mesmo que as agências das Nações Unidas tenham, desde 1985_ Ano Internacional da
Juventude, promovido algumas ações para a sua institucionalização, diferente de outros países
latino-americanos, no Brasil elas tiveram pouca repercussão, visto que o foco das mobilizações
no país se voltou para problemática das crianças e dos adolescentes, especialmente aqueles
marginalizados ou em situação de risco (ANDRADE, 2010).
No caso da demanda para a instituição de uma política para a juventude, entendemos que,
com a elevação dos direitos das crianças e dos adolescentes ao status de direito constitucional
e com o avanço proporcionado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, tornou-se nítido
após 1990 que a juventude carecia de uma legislação específica, pois a nova legislação não
os atendia completamente, visto que apenas uma parte dos jovens foi contemplada pelo ECA,
aqueles adolescentes-jovens, de 15 a 17 anos, deixando descoberta a parcela que vai até os 29
anos, os jovens-jovens e os jovens-adultos.
Além disso, críticas ao ECA passaram a propor a redução da maioridade penal6 sob
a alegação que essa poderia coibir casos de violência e criminalidade. Essa falácia, de certa
forma, lançou novamente na arena pública a discussão sobre a temática da juventude.
Aliás, de modo geral, os problemas ligados à violência foram propulsores de debates a
respeito dos jovens. Entretanto, à medida que fica claro que a questão da violência transcende
a questão econômica, o foco da discussão sofre alterações.
Quando se tem a consciência de que jovens em situações privilegiadas também podem
ocasionar atrocidades, como no caso do índio Galdino e outros casos bárbaros promovidos
por eles (SPOSITO, 2003), o debate passa a se dar mais a respeito de possíveis medidas para
diminuir a ociosidade dos jovens e para fomentar o empreendedorismo juvenil. Entende-se,
aqui, que a preocupação maior não foi direcionada aos problemas sofridos pelos jovens e, sim,
a respeito do que poderiam causar à sociedade, caso a sua situação não fosse resolvida.
Nos governos que se estabeleceram após o Estatuto da Criança e do Adolescente,
alguns programas e projetos foram desenvolvidos pelo Estado na tentativa de atuar em parte
6
Observa-se, nesse momento, a persistência da visão preconceituosa da juventude como ‘risco social’, especialmente
atribuída a jovens pobres, deixando uma pista de que resquícios da Doutrina da Situação Irregular ainda encontravam espaços
apesar da Proteção Integral apregoada pela nova doutrina estabelecida na área da infância e adolescência.
108
com problemas específicos da juventude, tais como as intervenções efetuadas no Governo
Fernando Henrique Cardoso (FHC), que abriram uma pauta para a discussão sobre a geração
de políticas para a juventude.
Nota-se, porém, que a temática entrou de fato na agenda, com a transição para o governo
do Partido dos Trabalhadores/ PT, quando o tema se tornou mais visível especialmente pelo
diálogo estabelecido com organizações da sociedade civil voltadas ao trabalho com os jovens
(SPOSITO e CORROCHANO, 2005).
Quando as questões conseguem ascender ao debate, algumas vertentes de atuação podem
ser escolhidas e passam a ser desenvolvidas no formato de políticas ou mesmo programas
(PINHEIRO, 2009). No caso da juventude, a inserção na pauta da agenda governamental7 das
múltiplas expressões da questão social que afetam os jovens brasileiros foi essencial para o
surgimento da Política Nacional de Juventude e do ProJovem.
A respeito disso, cabe a reflexão sobre as possibilidades de um problema específico
se transformar numa política e de que forma a sociedade civil e suas demandas conseguem
interferir nessas decisões.
É certo que um interesse social específico pode se tornar um bem público instituído.
No caso da juventude, essa temática conseguiu alçar o estatuto de questão relevante para ser
elevada a um debate, culminando na definição de políticas para essa clientela. No entanto, nem
todo interesse social consegue conquistar esse status de política instituída.
Se o objetivo é saber como a questão surgiu e como foi inclusa na agenda do governo
ou, conforme Fleury (2003, p.2), como se deu o “reconocimiento de nuevos problemas que
aparecen en la arena política a partir de la trasformación de las necesidades en demandas”,
é necessário desvendar se esse era um antigo problema que inquietava a sociedade ou mesmo
um problema emergente, quais os conflitos de interesses existentes na ocasião e como os atores
conseguiram influenciar a decisão política (LABRA, 2007).
O contexto político-econômico também é vital para o surgimento de uma política. Por
isso, um olhar nesse sentido é fundamental para verificar se a conjuntura política da época era
ou não propícia à discussão da questão.
Quando se pondera sobre como ocorre a transformação das demandas em políticas
públicas, esbarra-se em diferentes concepções que se propõem a explicar o fenômeno. Segundo
o recorte Marxista, para uma questão se tornar uma política pública é preciso que os interesses
organizados sejam “filtrados pelo Estado”. Já na visão neomarxista, para que isso ocorra é
preciso que elas sejam vocalizadas pelos interesses organizados, que devem se instituir “como
representantes legítimos delas”. Habermas, por sua vez, diz que os processos de deliberação
dessas políticas são “influenciados pelas estratégias comunicacionais” (apud CASTRO,
2008). Vê-se que aqui não se fala de estratégias apenas de transmissão, mas de estratégias de
comunicação, que, por sua vez, significa na concepção de Freire “co-participação dos sujeitos
no ato de pensar” (LIMA, 2001).
7
Na inserção de uma problemática ou tema na agenda do governo, operam três processos interdependentes. O
primeiro é o problema (problem stream), ou seja, qual a questão central que precisa ser resolvida. A partir dessa definição da
problemática que se pretende intervir, inicia-se o processo político em si (political stream) e são traçadas as alternativas de
política (policy stream) (KINGDON,1995).
109
A respeito das múltiplas expressões da questão social que operam sobre os jovens, vimos
que a juventude se tornou uma temática de interesse social, suas demandas para a elaboração
de uma Política de Juventude conseguiram ser vocalizadas nos debates empreendidos e foram,
finalmente, absorvidas pelo Estado.
Como vimos, havia um incômodo com a situação dos jovens serem esquecidos
ou minimamente incluídos nas políticas destinadas à criança e ao adolescente e por não
encontrarem aportes em programas federais voltados para seus dilemas contemporâneos,
tais como a questão da entrada no trabalho e o acesso ao ensino médio ou superior, fato que
demandava intervenções nessa esfera.
Inicialmente, a partir dessa demanda, ao lado de iniciativas locais propiciadas pela
descentralização, alguns projetos alternativos foram desenvolvidos pela sociedade civil.
No entanto, a invisibilidade da juventude criava entraves ao apoio e financiamento dos
programas voltados a esse segmento, por isso se intensificaram as mobilizações para que a
temática entrasse na agenda do governo e para que fosse desenhada uma política para esse
grupo.
De acordo com Diógenes e Sá, foi a constituição de esferas e fóruns públicos que
“qualificou crítica e propositivamente um debate que inaugurou novos marcadores de desafios
e de propostas de ação para política públicas de juventude (PPJ)”. Quando a juventude foi
colocada no centro do debate público e foi lançada uma discussão sobre “a condição de ator
invisível e silenciado, a juventude galvanizou a atenção dos pesquisadores, gestores e agentes
da sociedade como um todo” (2011, p.139).
Pereira aponta que as demandas e anseios das juventudes conseguiram chegar à cena
pública por conseqüência de novas possibilidades surgidas.
A inclusão de jovens em políticas sociais, os avanços no financiamento da Educação
Básica e o acesso à universidade permitiram que jovens dos setores populares
tomassem contato com o Estado brasileiro, antes conhecido apenas pela presença das
forças de segurança pública. (2011, p. 206)
Ao analisarmos a repercussão da discussão na arena estatal, verificamos que quando
assuntos ligados às juventudes se aproximaram da esfera do governo federal, o Estado direcionou
parte da sua atenção também para esse segmento, desenvolvendo algumas ações para esse
público-alvo, tal como o Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, criado
em 2000, pelo governo FHC.
Isso se deu não só porque o governo reconhecia que diversos fatores sócio-econômicos
contribuíam ainda mais para a exclusão social de jovens, mas porque existia o entendimento
de que a sociedade desejava que a União cumprisse o seu papel na prevenção da violência
e contenção da marginalidade, agindo, de certa forma, tal qual os projetos alternativos
desenvolvidos no âmbito local e pelas organizações não-governamentais, fundações e institutos
ligados a empresas privadas em nome da ‘responsabilidade social’ (COSTANZI, 2009).
Por mais que uma questão tenha entrado na agenda governamental, ela pode passar ou
não para a fase de formulação, podendo “ficar paralisada ad infinitum” (LABRA, 2007, p.16).
No caso da gestão FHC, apesar da questão da juventude não ficar totalmente paralisada,
já que algumas ações pontuais foram empreendidas, naquele momento também não se efetivou
110
na íntegra uma política para a juventude.
Porém, um pouco mais tarde, impulsionado pelas organizações da sociedade civil,
entidades estudantis e juventudes partidárias, que desejavam que o Poder Público desse
respostas institucionais para a questão, criando organismos gestores para a formulação
e execução de políticas específicas para a juventude, que o governo Lula estabeleceu uma
política direcionada aos jovens (INSTITUTO Cidadania, 2004).
1.2 A Institucionalização da Política de Juventude
Como ocorrem diferentes fases na produção das políticas públicas, não necessariamente
em ordem linear, é importante reconhecer as contingências próprias de cada uma dessas,
especialmente se a intenção de um estudo é delimitar uma ou outra etapa que será objeto de
investigação e, assim, promover uma avaliação a partir de critérios realísticos (LABRA, 2007;
ARRETCHE, 2002).
A fase da formulação é aquela que ocorre quando se examina o problema e as possíveis
soluções, escolhem-se as alternativas e a decisão final é tomada, vindo geralmente acompanhada
da aprovação e promulgação de uma lei (LABRA, 2007).
Mas o processo de decision making também não é linear nem é isento de conflitos, nesse
momento há uma série de acordos e ajustes para atender os interesses em jogo (LINDBLOM,
apud LABRA, 2007).
Na dinâmica da formulação das políticas existem diversos elementos que podem alterar
o curso do processo, como as influências do contexto econômico e político, a mobilização dos
atores, o apoio da mídia, a abrangência da questão, os costumes, tornando esse ainda mais
complicado (LABRA, 2007).
Se for considerado, ainda, que os formuladores por vezes não possuem dados completos
e fidedignos da realidade e que concebem estratégias muitas vezes com base em conjecturas,
será possível entender a complexidade desse procedimento (ARRETCHE, 2002).
Ainda para entendimento desse processo, é preciso ter ciência de que mesmo que
a decisão seja tomada, essa pode se dar de forma diferente dos propósitos daqueles que as
impulsionaram, já que na dinâmica da sua promulgação perpassam várias instâncias não só do
executivo como do legislativo e ocorrem pressões internas e externas, como a daqueles que
serão atingidos diretamente por aquela política ou que almejam outra prioridade na agenda.
Sobre isso, é importante ponderar que a liberdade sem restrição de se formular uma
política não é uma premissa que vigora nessa etapa, já que essa é permeada de barganhas e
negociações, de tal modo que “seu desenho final não será necessariamente o mais adequado,
mas - sim - aquele em torno do qual foi possível obter algum grau de acordo ao longo do
processo decisório” (ARRETCHE, 2002, p.6).
Do mesmo modo, o potencial de aceitação de uma proposta pelos implementadores
costuma ser mais visado pelos formuladores do que a própria relevância e efetividade da
mesma. Por conta da aquiescência de uma proposta, já se tornou prática consolidada a criação
de estratégias para a sua aceitação, tal como a criação de incentivos, embora existam problemas
111
na manutenção dos mesmos.
Interessante na análise desse momento de formulação é a observação sobre as mudanças
ocorridas no projeto inicial e naquele promulgado, os debates empreendidos, os argumentos e
contra-argumentos dos formuladores e dos beneficiários diretos, as lutas político-partidárias e
os avanços ou retrocessos obtidos nessa dinâmica.
No caso da Política de Juventude, caso se considere que a institucionalização dessa
política iniciou no governo FHC também há que se aceitar que o início da recente trajetória
da formulação de políticas para a juventude foi marcada por um conjunto diversificado de
ações efêmeras pautadas no ‘ensaio e erro’, pois é certo que, para esse segmento, até então
inexistiam concepções estratégicas que permitiam “delinear prioridades e formas orgânicas e
duradouras de ação institucional” capazes de compatibilizar “interesses e responsabilidades
entre organismos do Estado e da sociedade civil” (SPOSITO e CARRANO, 2003, p.22).
Essa análise do panorama da intervenção estatal na área da juventude baliza que, naquele
momento, não se estabeleceram o que se poderia chamar de políticas públicas, mas um conjunto
de programas desconexos pautados na focalização e marcados pelo viés da estereotipação dos
jovens (KERBAUY, 2005).
É possível apontar a frágil institucionalidade das políticas para os jovens empreendidas
no governo FHC (SPOSITO e CARRANO, 2003; RUA, 1998), pois o que houve, naquele
período, foi uma profusão de ações desarticuladas, com inclusive a superposição de projetos
em uma mesma área e para uma mesma clientela.
Por mais que tenha ocorrido uma preocupação mais sistematizada do governo FHC
para formular políticas voltadas para a juventude, somente em 2003 houve uma organização
maior para discutir a formulação da Política Nacional de Juventude (KERBAUY, 2005).
Considerando, então, que a formulação das políticas para a juventude iniciou no governo
Lula, cuja plataforma política do governo já buscava reunir atores e construir diretrizes para
propor uma política para garantir os direitos dos jovens, o ano de 2003 passa a ser delimitado
como o marco desse processo, porque assim que foi empossado o novo governo designou um
grupo interministerial para a definição de ações e construção de uma política e programas
direcionados aos jovens.
Esse marco abriga a inclusão, como participantes determinantes desse processo de
formulação, dos atores da sociedade civil, pois, como já apontamos, nesse período ocorreu a
sua participação ativa, principalmente através da atuação do Instituto Cidadania.
Nesse ínterim, alguns projetos para a juventude iniciados no governo anterior também
foram reformulados e adequados pelo governo Lula à nova política que ainda estava nascendo.
Com as demandas para a juventude já incluídas na plataforma política do governo Lula,
restou à Secretaria Nacional de Juventude, criada para este fim, articular a política nacional
voltada para os jovens e formular programas específicos seguindo as diretrizes da mesma e de
seu órgão de controle social, o Conselho Nacional de Juventude.
Com a Política Nacional de Juventude estabelecida em 2005 por meio da Medida
Provisória 238 assinada pelo Presidente da República, aprovada pelo Congresso Nacional e
transformada em lei, foram criados (e até mesmo redesenhados) diversos programas e projetos
112
sob a responsabilidade de diferentes Ministérios.
Depara-se também nesse percurso com a tramitação no Congresso, desde 2003, da
chamada PEC da Juventude, propondo a inclusão do termo juventude no capítulo dos Direitos
e Garantias Fundamentais da Constituição Federal. A PEC da Juventude foi aprovada pelo
Senado Federal somente em 2008, sendo determinante nessa luta pela sua aprovação a 1ª
Conferência Nacional de Juventude realizada naquele ano.
Nota-se, especialmente nessa área, através dessa breve análise da fase de formulação
da política de juventude, que, além da concretização do desenho jurídico dessa política ter
sido posterior aos seus primeiros programas, a trajetória percorrida por essa política, apesar de
longa, foi vitoriosa, visto que a mesma conseguiu ser alçada ao patamar de política de Estado.
Isso não ocorre com todas as questões incluídas na agenda governamental. A incerteza
é uma característica comum da fase de formulação, quanto mais complexa é a questão, ainda
mais duvidosos são caminhos para a formulação da sua política, podendo inclusive não se
efetivar de fato.
No campo da produção de políticas para a juventude, podemos afirmar que, por mais
que tenha tardado e tenham se estabelecidos acordos e parcerias, efetuado ajustes e criado
estratégias para a sua aceitação, nessa esfera o processo foi relativamente linear, culminando
com a formulação da política e de seus programas e projetos, quer sejam novos ou adaptados.
É pertinente esclarecer que por mais que uma política seja formulada para ser
implementada de uma forma, dificilmente ela ocorrerá tal como foi idealizada, especialmente
porque nesse momento também incidem fatores internos e externos que podem alterar sua
execução. A implementação é evolução, pois, na prática, em grande parte o que acontece é o
redesenho da política, modificando seus objetivos, equalizando-os com os recursos existentes/
disponibilizados ou, ao contrário, alocando mais recursos para dar conta de objetivos pendentes
(LABRA, 2007).
A etapa da implementação é ‘um divisor de águas’, um momento em que os
formuladores, ou seja, os políticos, afastar-se-iam para os implementadores/ administradores,
darem seguimento às ações, executando a política (LABRA, 2007). No entanto, essa separação
não ocorre plenamente, pois as lutas políticas para o controle da gestão, para distribuição de
cargos, para a definição do lócus de execução e para a aplicação dos recursos financeiros são
comuns nesse momento.
Além disso, a implementação de uma política nacional em um país que, além de ter uma
enorme extensão territorial, possui um sistema administrativo descentralizado torna o desafio
muito grande.
Ocorre que existe uma grande dificuldade de se implementar em âmbito nacional - num
país federativo, multipartidário e com entes subnacionais com autonomia política - um programa
federal que tem como proposta a cooperação dos três níveis de governo (ARRETCHE, 2002).
Esse é um dilema que se intensifica caso o programa contemple parcerias público x privado,
visto a ampla rede de organizações não-governamentais.
A execução transforma as políticas públicas, principalmente porque, para atingir
determinados objetivos de uma política, diferentes estratégias são estabelecidas de acordo com
113
as preferências e decisões dos formuladores, e não daqueles encarregados de operacionalizálas. Entretanto, esses que não participaram do processo de formulação podem, ao executarem
a política com uma margem de autonomia, produzir resultados distintos daqueles almejados
pelos formuladores, pois dificilmente há uma convergência dos ideais desses com os daqueles
(ARRETCHE, 2002).
Da mesma forma, “a implementação modifica o desenho original das políticas, pois
esta ocorre em um ambiente caracterizado por contínua mutação” (ARRETCHE, 2002, p.9).
O grau de sucesso de uma política/ programa também está amarrado ao grau de sucesso
no alcance da ação cooperativa dos agentes implementadores e diversas medidas de incentivos
são tomadas para conquistar a adesão desses atores. E esse “não é um problema a ser constatado
pelo avaliador, mas um dado da realidade a ser incorporado à análise” (ARRETCHE, 2002,
p.5).
Isso é especialmente factível na Política Nacional de Juventude, pois com ela foram
redesenhados diversos programas e projetos, inclusive o ProJovem, que passou por uma
mutação, incorporou outros programas/ projetos e transformou em 2007 no ProJovem Integrado.
Independente da relevância da reformulação de antigos projetos/ programas que se deu
na esfera das políticas para os jovens, a ocorrência de mudanças em ações já iniciadas não se
constitui uma novidade no país, muito menos na área da Política de Juventude.
Em outra vertente, é importante considerar que problemas detectados na implementação
nem sempre são provenientes da dinâmica complexa dessa fase, pois a política pode ter sido
mal formulada e conter erros de concepção que inviabilizariam o seu desenvolvimento de
forma ótima (LABRA, 2007). Caso os problemas não sejam provenientes da sua formulação, aí
sim há que se investigar os gargalos e entraves que causam falhas em políticas bem formuladas.
Por fim, a implantação de uma Política Nacional de Juventude representa de fato um
avanço no país. Por isso, é importante que ela seja replicada em todas unidades da federação
e que eventuais erros conceituais e problemas de formulação e de implementação sejam
analisados e corrigidos, visto que esses também podem comprometer sobremaneira a garantia
dos direitos das juventudes.
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116
Agenda
Social
ELETRONIC JOURNAL
VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
www.revistaagendasocial.com.br
UMa anÁLise da inCLUsÃO de aTiVidades fÍsiCas
PrOGraMadas na POLÍTiCa PÚBLiCa de saÚde
An analysis of the inclusion of planned physical activity in public
health policy
RAMSAUER, eduardo (1); reis, Maria José (2); JOHnsOn, Guilhermo alfredo (3).
1. MestreemGestãodePolíticasPúblicas(UNIVALI)([email protected]);
2. Universidade do Vale do itajaí e Universidade federal de santa Catarina (masereis@hotmail.
com); (3) Universidade federal da Grande dourados ([email protected]).
RESUMO
O presente texto tem como objetivo
analisar, através das representações sociais
de gestores e agentes públicos do Sistema
Único de Saúde de uma cidade do litoral
norte de Santa Catarina, as possibilidades
e os desafios para a implantação de
Núcleos de Saúde Integral, bem como para
nelesincluirapráticadeatividadesfísicas
programadas. Após breve discussão teórica
sobre a associação entre a prática de
atividadesfísicasesaúde,contextualizada
ao município onde foi realizada a
pesquisa, registramos a aprovação
pelos entrevistados pela inclusão de um
educador físico. Apontamos observações
analíticas com relação ao desempenho das
políticas públicas municipais de saúde,
em destaque para o Programa de Saúde
da Família, finalizando com proposições
visando o aprimoramento dessas políticas
públicas.
PaLaVras-CHaVe
POLÍTICAS DE SAÚDE; EDUCAÇÃO FÍSICA;
ANÁLISE.
aBsTraCT
This text aims is to analyze, through the social
representations of managers and officials of
the Health System in a town on the northern
coast of Santa Catarina, the opportunities
and challenges for the deployment of
the Integral Health Centers, and also the
inclusion of the practice of planned physical
activities. After a brief theoretical discussion
on the association between the practice of
physical activity and health, contextualized
on the municipality where the research was
conducted, we recorded of those interviewed
by the inclusion of a physical educator. We
point analytical observations regarding
the performance of local health policies,
especially in the Family Health Program,
finalizing with propositions aimed at
improving public policies.
KEY-WORdS
HEALTH POLICIES; PHYSICAL EDUCATION;
ANALYSIS.
117
Introdução
A política pública de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado a partir da
Constituição Federal de 1988, que definiu ser dever do Estado garantir a saúde da população
brasileira. O Congresso Nacional sancionou a lei Orgânica da Saúde (LOS) em 1990, que
explicita o funcionamento do referido Sistema.
Os princípios norteadores do SUS, que foram definidos a partir da VIII Conferência
Nacional de Saúde, em 1986, e assegurados no texto constitucional são, sinteticamente, a
universalidade, entendida como o direito de todos os brasileiros à atenção de suas necessidades
de saúde; a eqüidade, que significa a garantia de cobertura de ações e serviços de saúde de acordo
com a necessidade que cada caso requeira, sem qualquer discriminação e a integralidade, que
significa reconhecer o todo indivisível de cada indivíduo.
O Programa Saúde da Família (PSF), por sua vez, que foi implantado em 1994, é
constituído por uma equipe multiprofissional, composta por médicos, enfermeiros auxiliares,
dentistas e auxiliares do consultório dentário que atuam em unidades de saúde ou nos domicílios.
Este Programa, ao mesmo tempo em que propõe uma equipe de saúde, visa à construção de
vínculos comunitários de co-responsabilidade, facilitando o reconhecimento, o atendimento
e o acompanhamento dos problemas vinculados à saúde das pessoas e de suas famílias nas
respectivas localidades (OLIVEIRA e ALBUQUERQUE, 2008).
Em 2005, a Secretaria de Atenção Básica do Ministério da Saúde propôs a inserção de
ações voltadas para a saúde mental, a reabilitação, e atividade física e saúde na Equipe Saúde
da Família visando, deste modo, a implantação dos Núcleos de Saúde Integral, respeitando as
especificidades locais (BRASIL, 2005).
A referida proposta é baseada em ações voltadas para a integralidade da atenção, a
multiprofissionalidade e a interdisciplinaridade para compartilhar responsabilidades na
promoção da saúde, na humanização da atenção e promoção do auto-cuidado como mecanismo
privilegiado para fortalecimento da cidadania (PAIM, 2001).
O presente texto focaliza o Programa Saúde da Família (PSF) no município de Jaraguá
do Sul (SC) e busca averiguar, em termos mais específicos, através das representações sociais1
de gestores e agentes públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), as possibilidades e os desafios
para inclusão da prática de atividades físicas programadas, através da efetivação dos Núcleos
de Saúde Integral. As informações de campo foram obtidas por meio de entrevistas realizadas
com dois desses gestores, um agente de saúde e com o presidente do Conselho Municipal de
Saúde do município.
Esta proposta se justifica considerando-se, entre outros aspectos, que hábitos sedentários
preocupam pelo somatório de doenças ligadas à falta do auto-cuidado levando, deste modo, um
contingente de pessoas a doenças não transmissíveis, pelas características hereditárias ou pela
inatividade.
A atividade física, inserida na estrutura organizacional de grupos de trabalho
representados por uma equipe que atua em relação a um programa social, deve ser encaminhada
por um profissional, o educador físico. Este terá como meta estabelecer um vínculo entre a
comunidade e o trabalho de prevenção à saúde, contribuindo para o fortalecimento da cidadania,
através de ações que promovam as práticas corporais de movimento, propiciando a melhoria
da qualidade de vida da população, na redução de problemas decorrentes das doenças que
diminuem a expectativa de vida (BAGRICHEVSKY, PALMA, ESTEVÃO, 2006).
Atividade física e saúde: uma associação que necessita ser relativizada
1. Trata-se, de acordo com Moscovici (2003, p.21), inspirado no conceito original de representações coletivas
118
de Durkheim e Mauss, de um sistema de valores, idéias e práticas que estabelecem delimitações e apreciações,
tanto em relação ao mundo natural quanto ao social, fornecendo-lhes um código para nomeá-los, classificá-los
e interpretá-los. Para mais informações sobre a trajetória de construção do conceito de representações sociais
consultar, entre outros, Anadon e Machado (2001).
Como afirma Minayo (2006), saúde é um termo bastante genérico, portador de muito
significados e utilizado nos mais diferentes sentidos, segundo interesses específicos. De acordo
com a autora, este conceito se amplia paradoxalmente na mesma medida em que se aprofundam
os campos teóricos e práticos da medicina. De seu próprio interior surgiu a reflexão sobre o
sentido ampliado de saúde. Na verdade, tal processo ocorreu a partir de escritores e militantes
médicos, em sintonia com o pensamente político e crítico da metade do século XIX. “Esses
autores [...] chamavam a atenção para a imbricação entre a situação real vivenciada e as
condições mínimas preconizadas para a vida, o trabalho e a saúde das sociedades específicas”
(MINAYO, 2006, p.93).
É esta visão de saúde como fruto de um conjunto complexo de condicionamentos sóciosanitários que foi reafirmada na Saúde Pública, no Brasil, e que teve amplo desenvolvimento
através do “Movimento Sanitário”, constituído de modo especial pelo pessoal técnico da área
da saúde, cuja mobilização foi uma das principais responsáveis pela criação do SUS (PAIM,
2008; ROSEN, 1994).
Como destaca Minayo (1993), a VIII Conferência Nacional de Saúde, que norteou a
perspectiva adotada pelo SUS, definiu a saúde nos seguintes termos:
Em sentido mais abrangente, a Saúde é resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de
saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social
da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida (p.10).
Focalizar, portanto, a saúde através de outro ângulo, não centrado na medicalização e
na hospitalização, gera conseqüências valiosas para a saúde de um modo geral e para a saúde
pública em particular, descentralizando os conteúdos biológicos da doença para o entendimento
das questões sociais que a relação saúde-doença compromete.
Por outro lado, conforme McArdle e Katch (apud NOGUEIRA e PALMA, 2003), a
associação entre a prática de atividades físicas e saúde já ocorria desde a Antiguidade Clássica,
manifestando-se na modernidade, entre outros prováveis acontecimentos, com a instalação
no Departamento de Anatomia, Fisiologia e Treinamento Físico da Universidade de Harvard
(USA), em 1892, do primeiro “laboratório formal de fisiologia do exercício”. Com base na
mesma associação, como informam esses autores, no início do século XX, na Europa e nos
Estados Unidos, foram iniciados processos de desenvolvimento de uma fisiologia do esforço
e de um campo de investigação para a obtenção de elementos científicos na comparação de
exercícios físicos e saúde.
Somos, portanto, como afirmam Nogueira e Palma (2003), herdeiros de uma longa
tradição que leva em conta a contribuição da atividade física regular como fator de promoção
à saúde.
De acordo com Ferreira (2001), parece indiscutível a influência do exercício físico nas
condições de saúde, pressuposto que encontra suporte teórico em estudos de diversos autores,
“a tal ponto que alguns vêm entendendo o incentivo a essa prática como ação importante na
área de saúde pública” (p.42).
Entretanto, a associação sem reservas entre exercício físico e saúde, segundo ainda
Ferreira (2001, p.43), “numa relação de causalidade, pode nos levar ao campo do ‘otimismo
ingênuo’ [...], uma vez que os benefícios do exercício dependem da forma como é praticado”.
Existem, inclusive, conforme esse autor, vários estudos que argumentam que o desenvolvimento
da aptidão física não corresponde necessariamente a uma melhoria do status de saúde, e que
nem todas as repercussões do exercício físico e do desporto são a ela benéficas. Portanto, como
conclui Ferreira (2001, p.43), “o exercício físico deve ser encarado como um meio potencial
para se contribuir positivamente para a saúde, quando praticado de forma correta e adequada”.
119
Paralelamente é possível afirmar que:
Se por um lado é parcialmente aceitável a generalização de que há benefícios
orgânicos decorrentes de algumas modalidades de exercício, por outro, esta
argumentação torna-se discutível na medida que pretende sustentar uma
política conservadora, uma dimensão moral que responsabiliza cada pessoa por
seu próprio adoecimento e desconsidera a dinâmica sistêmica e multifacetada
que influencia os estados de enfermidade humana. (BAGRICHEVSKY,
PALMA e ESTEVÃO, 2006, p.27).
Do mesmo modo, em trabalho anterior, Bagrichevsky et al. (2003) já se mostravam
preocupados em registrar a necessidade emergencial de se repensar as propostas teóricometodológicas na Educação Física. Essas propostas balizam intervenções ditas de “promoção
à saúde”, buscando coaduná-las às perspectivas críticas, fecundamente disseminadas na Saúde
Coletiva. De acordo com estes autores, ainda é notória a prevalência de enfoques em pesquisa
que exploram mais os determinantes biológicos, em detrimento da abordagem dos elementos
sócio-culturais, econômicos e políticos, intervenientes no processo saúde-doença. Isto é, a
dimensão destacada nessa tendência é a biológica, que defende a existência de uma relação de
“causa e efeito”, quase exclusiva, entre exercício e saúde.
O que se constata, na realidade brasileira – observado até mesmo em países com alto
grau de desenvolvimento na referida área – é a falta de participação da população fisicamente
ativa em atividades regulares de exercícios programados (LOVISOLO, 2003).
Conforme o mesmo autor,
... ao longo do tempo, fomos convencidos sobre as necessidades de bebermos
água tratada, de termos esgotos e banheiros, de lavar as mãos após fazermos
nossas necessidades fisiológicas, de vacinar-nos, de escovar os dentes várias
vezes por semana, de tomar vitamina C, de fazermos higiene corporal todos
os dias, enfim, fomos convencidos a adotar muitos hábitos que contribuem
para termos saúde, e talvez saudebilidade. Contudo, as pesquisas informam
que o hábito da atividade física tem pouca penetração. Em vários países,
não passa de vinte e cinco o percentual de pessoas que realiza atividade
física e outros registram percentuais ainda menores. Como as pessoas não
se conscientizam sobre uma recomendação repetida de tantas e tão variadas
formas? Como a pastoral da higiene teve êxito e a atividade física parece
fracassar? (LOVISOLO, 2003, p.106).
No caso do Brasil, entretanto, é necessário ressaltar, como fazem Nogueira e Palma
(2003), que em um país em que a jornada de trabalho é excessiva, não raro desempenhada
sobre condições ergométricas inadequadas, com baixa remuneração e com os direitos sociais
ameaçados, não parece muito promissora a idéia de uma relação entre atividade física e saúde
com o objetivo, como é muitas vezes salientado, de aumento da produtividade das empresas.
Além disso, ao centrar no indivíduo a responsabilidade sobre fazer ou não atividade física,
desconsidera-se a importância do empenho social na busca de políticas públicas que propiciem
o acesso gratuito a atividades deste tipo (TUBINO, 2001).
Tal fato traz implicações delicadas no campo do conhecimento e da intervenção, uma
vez que essa interpretação adota um olhar parcial e distorcido da realidade. Não levam em
conta outros fatores contextuais relevantes, aos quais as pessoas estão submetidas, e que
não podem ser dissociados de seus cotidianos: distribuição desigual de renda, nível de (des)
emprego, condições sanitárias básicas, condições de moradia e alimentação, indisponibilidade
de tempo livre, acesso a serviços de saúde e educação, entre outros. Esses também são aspectos
que moldam as condições da vida humana e, portanto, precisam ser igualmente considerados
em qualquer pesquisa que busca estabelecer inferências mais consistentes sobre a saúde
populacional (BAGRICHESKY, PALMA e ESTEVÃO, 2006; NUNES, 1989; CAVALCANTI,
1984).
120
Em síntese, e este é o pressuposto básico que norteou nossa investigação, com base
nos diferentes autores citados, o debate em torno da adesão às atividades físicas regulares
não se encerra no campo da Educação Física, dos esportes e mesmo da saúde. Deve,
necessariamente, incluir aspectos sociais e políticos mais amplos, como a questão da jornada
de trabalho e, sobretudo, a disponibilidade de políticas públicas que orientem, estimulem e
ofereçam oportunidade à população, de modo especial a de baixa renda, que não tem acesso
aos programas voltados para essas práticas posto que, em sua maioria, devem ser pagos.
Este é, a rigor, um dos caminhos que devem nortear a constituição dos Núcleos de Saúde
Integral relacionados aos PSF, e que podem auxiliar no cumprimento ao preceito consagrado
na Constituição Federal promulgada em 1988, em seu artigo 196, que estabelece que “a saúde
é um direito de todos e dever do Estado” (OLIVEIRA e ALBUQUERQUE, 2008; PAIM,
2008).
O PSF em Jaraguá do Sul (SC)
O município de Jaraguá do Sul tem atualmente uma população de aproximadamente 130 mil
habitantes.
A situação do Município em relação ao SUS e mais especificamente ao PSF, conforme
Ramsauer (2007) está orientada pela habilitação concedida através da Norma Operacional
Básica (NOB) 01/962, e pela portaria municipal nº 2466, de abril de 1998. A partir de 2003,
conta com o processo de expansão do Programa de Saúde da Família (PSF), através da LEI N°
2648/2000, no uso das atribuições que foram conferidas ao Prefeito Municipal em exercício
(2000-2004). Assim, em maio de 2003, amparado por documentos legais (NOAS/02.), Jaraguá
do Sul obteve sua habilitação jurídica para a “Plena Gestão de Atenção Básica Ampliada”.
De acordo com os propósitos estabelecidos pelo SUS, o PSF foi a opção do município para
a reorganização da Atenção Básica, devendo ter como suporte, na perspectiva da gestão
municipal, a sujeição à sua base territorial, à clientela, ao trabalho de equipe multidisciplinar e
ao período integral dos profissionais, ampliando a disponibilidade dos postos de saúde locais
às comunidades, um fator que seria determinante para geração de co-responsabilidade entre
equipe de saúde e comunidade (PAIM, 2001).
A saúde básica do Município de Jaraguá do Sul que iniciou com uma equipe de PSF, teve
seu número ampliado em 2003, passando a contar com cinco equipes, ampliadas para oito,
ao final daquela gestão municipal. No final da gestão seguinte (2004-2008) a rigor, apesar
da afirmação de seus gestores de que estariam em funcionamento 12 dessas equipes, apenas
nove delas estavam atuando com uma equipe completa de profissionais. Essas equipes eram
compostas por um médico, um dentista, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem, quatro
agentes de saúde e um auxiliar de consultório dentário por equipe. Na gestão municipal atual
(2008-2012), de acordo com o projeto municipal de expansão do PSF no Município, está em
funcionamento o mesmo número de equipes da gestão anterior, com a projeção para um total
de 18 equipes até o término da gestão e com prognósticos otimistas quanto à possibilidade de
incorporação e ampliação de Núcleos de Saúde Integral.
Representações sociais dos gestores e agentes de saúde sobre os Núcleos de Saúde Integral
com equipes interdisciplinares
O Núcleo de Saúde Integral é uma proposta do Ministério da Saúde, apresentada em
2005, que visa um modelo de assistência à saúde mais eficiente do que era posto em prática
até aquele momento. Essa tentativa se materializa ao incorporar mais profissionais, que
possam atuar com vínculos mais estreitos com o perfil da comunidade, permitindo interagir
com possibilidades de soluções mais viáveis no atendimento à saúde, em seu sentido pleno.
Para fins da nossa investigação entrevistamos, com um rol de perguntas semi2
NOB 01/96, publicada no Diário Oficial da União do dia 06/11/96.
121
estruturadas (MINAYO, 1993), interlocutores qualificados em nível local3. Nessa perspectiva,
incluímos os gestores públicos de diversos espaços decisórios das políticas públicas em estudo
(da Diretoria da Secretaria de Saúde, da Coordenação do Programa de Saúde da Família e da
Presidência do Conselho Municipal de Saúde), assim como um médico de Unidade de Saúde
Básica4.
Na presente abordagem consideramos a representação social uma forma de conhecimento
socialmente elaborada e compartilhada, que tem objetivo prático e contribui para a construção
de uma realidade comum a um conjunto social. Também designada “saber de senso comum”,
distingue-se do conhecimento científico, porém é tida como objeto de estudo igualmente
legítimo, devido a sua importância na vida social e à elucidação que possibilita dos processos
cognitivos e das interações sociais (JODELET, 2001). Nesse contexto, a representação é uma
construção e uma expressão do sujeito, que pode ser considerado do ponto de vista epistêmico
(processos cognitivos) ou psicodinâmico (mecanismos motivacionais), mas também social ou
coletivo – que será a perspectiva da presente investigação –, na medida em que são considerados
para a análise o pertencimento e a participação social e cultural do sujeito (MINAYO, 2008;
JODELET, 2001).
A postura favorável de todos os entrevistados em relação à necessidade da criação destes
Núcleos e a eficácia da formação de equipes de saúde multidisciplinares que atuem de modo
interdisciplinar são inquestionáveis. Da mesma maneira, os mesmos entrevistados, entendem
que a região analisada necessita dessas práticas para que ocorram mudanças no atual modelo
de assistência à saúde.
O entrevistado E1 defende a formação da referida equipe, faz referência à recomendação
de sua constituição pelo Ministério da Saúde, em 2005, e aponta como ganhos a interação de
conhecimentos de pessoas ligadas à equipe:
... o Ministério da Saúde publicou em 2005 uma portaria que estabelece
algumas equipes multidisciplinares como sendo suporte para equipes
de saúde da família... contando com profissional de Educação Física,
Nutricionista, formando um Núcleo de Saúde Integral... um núcleo desses
fica responsável mais ou menos por cinco equipes de saúde da família para
fazer esta interlocução: isso ajuda mais no conhecimento técnico-científico
para adequar as situações e atender melhor a população (E1).
Paralelamente, o entrevistado constata que essas equipes não estão ainda instaladas no Município.
Todavia, afirma que sua instalação é urgente, e que já há iniciativas neste sentido para que seja
deixada de lado a assistência que rotula de “medicocêntrica”, conforme a formulação transcrita
a seguir:
... temos que sair urgentemente do modelo de assistência especialmente
medicocêntrica... nós temos capacidade técnica e científica quer dizer ‘n’
profissionais... a discussão de buscarmos a interdisciplinaridade é uma
questão que a gente vem tentando trabalhar (E1).
Em consonância com os demais entrevistados, E2 mostra-se favorável à inclusão
das práticas interdisciplinares. Enfatiza, também, que o município de Jaraguá do Sul carece
dessas ações, mesmo com novas Unidades da Saúde da Família distribuídas de acordo com a
necessidade dos Bairros e das Comunidades.
... é muito importante, tem que ocorrer; nós temos que ter hoje uma equipe
multidisciplinar sim, até para que o atendimento desse paciente seja uma
integralidade... o médico faz uma referência, por exemplo, a uma especialidade
3
122
Para fins de conservar o sigilo indispensável a pesquisa científica designaremos cada um dos
entrevistados com as siglas E1, E2, E3 e E4. É importante registrar que os entrevistados assinaram Termo de
Consentimento Livre Esclarecido, sendo que os discursos foram gravados com seu consentimento, e que as
abordagens transcorreram no primeiro semestre de 2007.
4
O critério para escolha do profissional médico foi aleatório e determinado pela disposição em
participar da pesquisa.
e não temos a contra-referência (E2).
Vale destacar que para a entrevistada, o caráter multidisciplinar da referida equipe deve ocorrer
de dois modos específicos. Tanto em relação às diferentes especialidades médicas, quanto
através da participação de outros profissionais, tais como os educadores físicos, nutricionistas
e fisioterapeutas, assumindo, este último, o sentido expresso pelo Ministério da Saúde (2005)
em relação aos Núcleos de Saúde Integral.
Para E3, é igualmente relevante a existência de uma equipe profissional do tipo em
questão. Enfatiza também como um progresso a iniciativa do Governo Federal de incorporar o
dentista no Programa de Saúde da Família, mas afirma que ainda não consegue visualizar esse
processo em Jaraguá do Sul, a não ser de modo muito limitado.
... é relevante, eu creio que sim... eu me deparo com problemas de ordem
social, psicológica, psiquiátrica, então quando se amplia uma equipe, seja
com nutricionista, assistente social, psicólogo, etc.; isso tudo vem ajudar
muito a gente. São ferramentas para melhor atendimento; isso, se vem
ocorrendo, eu acho que de uma maneira mais tímida (E3).
Por outro lado, salienta, como na entrevistada anterior, o sentido de multidisciplinaridade em
relação às diferentes especialidades médicas, sendo fundamental o conhecimento básico que
elas podem oferecer ao clínico geral para o melhor atendimento de saúde às comunidades.
Contudo, para E4, esse suporte de novas disciplinas não está visível no Município. O que se
percebe, a seu ver, é o atendimento individualizado por parte de um profissional, estando as
práticas de saúde no Município muito longe da interdisciplinaridade.
Em síntese, as opiniões dos entrevistados variam em relação aos sentidos atribuídos à
interdisciplinaridade, proposta pela portaria ministerial, bem como no que diz respeito às
razões apontadas para a inclusão das equipes interdisciplinares no PSF. Coincidem, entretanto,
em pelo menos três aspectos. Em primeiro lugar, quanto aos indiscutíveis ganhos em relação
à saúde da população, através da formação de equipes interdisciplinares. Em segundo lugar,
quanto ao não funcionamento destas equipes, em Jaraguá do Sul, pelo menos de acordo com
a integração de vários tipos de profissionais não médicos no atendimento à população. Por
último, quanto à necessidade de que elas sejam criadas e colocadas a serviço do PSF, no
município.
A inclusão de atividades físicas programadas no PSF
Os quatro entrevistados foram tacitamente a favor da realização de atividades físicas
orientadas para a promoção da saúde da população.
De acordo com E1, o Ministério da Saúde priorizou uma forma de encorajar a
comunidade através de uma proposta lançada no decorrer do ano 2000, a “Agenda Brasil”.
Esta Agenda está voltada para um conjunto de ações, cuja prioridade é estabelecida com
as comunidades, visando hábitos saudáveis através de atividades físicas periódicas, como
caminhadas orientadas, exercícios laborais, todos orientados por profissionais de Educação
Física competentes e vinculados a um trabalho social.
Destaca também a iniciativa de um Município adjacente, Pomerode (também
localizado na região norte do Estado), pelas práticas oferecidas à população local a um
determinado grupo que apresenta doenças não transmissíveis, como Diabetes e Hipertensão.
Os profissionais de saúde oferecem a análise, por via capilar, e estabelecem uma orientação
na prática da atividade de acordo o aumento ou a baixa da glicose sangüínea, estabelecendo
uma interação entre o médico, pessoal da enfermagem e o especialista em educação física.
Conforme o entrevistado,
... a “Agenda Brasil” estimula atividades físicas, hábitos saudáveis, práticas
orientadas; ... não é só para o profissional de enfermagem, mas para o
123
profissional em educação física que está lá para fazer e orientar as pessoas da
comunidade (E1).
O entrevistado enfatiza, também, além da eficácia no atendimento da saúde através das práticas
interdisciplinares, os ganhos em termos de custos financeiros.
Com isso se tem benefícios ainda maiores porque se eu tenho um hipertenso
bem orientado nas suas corretas atividades físicas, eu reduzo o custo do
medicamento. O diabético a mesma coisa; alimentando-se corretamente,
fazendo as suas atividades físicas direito... o custo do paciente se torna menor,
porque eu não vou ter um dia depois um paciente descompensado precisando
de uma internação hospitalar, quando o custo se eleva (E1).
No seu discurso, E2, por sua vez, prioriza o sentido de saúde como primeiramente a busca do
bem estar. Estímulos extra-profissionais da área específica, como é o caso da prática de uma
atividade física qualquer são, a seu ver, muito válidos. Destaca, também, que a maioria dos
profissionais da saúde e dos pacientes focaliza muito a doença como um problema prioritário
e de atenção maior, abandonando assim, a prevenção e seu bem estar antecipado. A seu ver,
... benefícios são todos, eu acho até que pela gente mesmo, nós como seres
humanos, mesmo a gente trabalhando e fazendo a nova atividade profissional,
você como profissional quer ter o seu bem estar... nós que somos profissionais
que estamos aqui, mas como os pacientes eles focam muito a doença e
esquecem esse lado do bem estar (E2).
Sua opinião, portanto, sobre a prática de uma atividade física não difere da dos outros
entrevistados, enfatizando a necessidade das comunidades exercerem o papel de protagonistas,
sendo bem orientados por um profissional na área de educação física. Que esse profissional tenha
em mente um projeto social capaz de propiciar a comunidade, através de seus conhecimentos,
atividades de natureza preventiva e de promoção da saúde. Lamenta, contudo, que não haja
no município nada nesta direção, a exceção das atividades destinadas a “Terceira Idade”, na
modalidade de hidroginástica.
Atividades deste tipo deveriam ser descentralizadas. Eu acho que os
profissionais da saúde têm que ter uma participação muito importante nisso,
principalmente onde está o PSF, porque isso aproxima a comunidade com o
profissional. Mas infelizmente em nosso município ainda não têm (E2).
E3 aponta, igualmente, a atividade física como necessidade urgente, devido aos diversos
diagnósticos por ele constatados no Posto de Saúde. Destaca que nos seus atendimentos,
as patologias mais freqüentes são crônicas degenerativas, isto é, processos patológicos
permanentes como diabetes méllitus, hipertensão arterial sistêmica, osteoartrose e problemas
osteomusculares. Ao mesmo tempo, segundo ele, “se vê pela anamnese que a pessoa tem
um componente de sedentarismo muito grande”. Reitera, ainda, a referida necessidade, nos
seguintes termos:
... eu acho que tudo que a gente fala hoje dentro do consultório médico está
relacionado à atividade física. Como o problema que acabei de atender de uma
costureira que está com o intestino preso, como se ela fosse viajar a São Paulo
todos os dias, sentada, sem atividade física, completamente sedentária, fazendo
seu trabalho. ... a atividade física neste caso seria interessante. ... Eu acho que
o professor de educação física incorporado nessa interdisciplinaridade seria
muito interessante para a melhoria da saúde da população (E3).
124
Já E4, por seu turno, apesar de afirmar que não tem grande conhecimento sobre a inclusão do
profissional da educação física na equipe interdisciplinar, afirma que sua inclusão é fundamental,
levando em conta uma suposta displicência a este respeito.
A gente que tem certo conhecimento sobre saúde, quase todos somos muito
relaxados com essa questão da atividade física... Isso é com certeza um
trabalho importante levar esse conhecimento a cada comunidade, a cada
bairro (E4).
O mesmo entrevistado refere-se, ainda, ao fato de ter feito um curso numa Faculdade da
região justamente sobre a importância da atividade física e de nossos hábitos de alimentação,
considerada como “muito pesada na nossa região”. Ao mesmo tempo, faz considerações sobre
o pouco desgaste físico das pessoas nas atividades industriais, ao contrário das atividades
agrícolas, nas quais se exigia mais atividade física.
Pelo que foi apresentado sobre esta questão, pode-se, afirmar, em síntese, que há absoluto
consenso entre os entrevistados a respeito da oportunidade e da necessidade da inclusão de
um profissional de educação físicas nos Núcleos de Saúde Integral. Vale ressaltar, também,
que embora os entrevistados não questionem a relação causal positiva entre exercício físico
e saúde, como é o caso de alguns profissionais desta área já citados anteriormente, sem levar
em conta outros fatores intervenientes nessa relação, uma das entrevistadas amplia o próprio
conceito de saúde ao tratar desta relação, tomando-o de um modo mais amplo como sinônimo
de bem estar.
Desafios para a efetivação dos Núcleos de Saúde Integral
Apesar de todas as manifestações favoráveis à implantação dos Núcleos de Saúde
Integral no município em estudo, agregando as referidas equipes multidisciplinares, vários
foram os obstáculos apontados.
As discussões sobre sua implantação, de acordo com E1, vêm ocorrendo desde 2005, sendo
a primeira providência necessária para sua implantação a realização de concurso público
para a contratação do pessoal necessário para compô-la, uma vez que não consta do quadro
da Secretaria de Saúde de Jaraguá do Sul parte destes profissionais, como os professores de
Educação Física, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. Conforme a fala do entrevistado,
Hoje o psicólogo está restrito ao Centro de Atendimento Psíquico Social
(CAPS)... Se conseguirmos dar um aporte maior às estratégias da saúde
da família (a respeito destes profissionais), diminui a chegada de pessoas
ao CAPS; ... a gente consegue tratar isso na atenção básica. Os pequenos
transtornos comportamentais a gente consegue resolver prioritariamente na
atenção básica (E1).
Do ponto de vista estratégico e estrutural, entretanto, E1 considera que os valores gastos com a
assistência à saúde em Jaraguá do Sul são o “grande ralo” da saúde pública no município. Em
sua opinião,
... desde pagamentos de internações hospitalares, até os pagamentos que
a Secretaria vem fazendo direto para os hospitais, para a manutenção dos
profissionais dentro dos hospitais. Isto tem um custo extremamente elevado.
Se a gente começa a reduzir o bolo do recurso, a gente tem que tentar diminuir
uma área de atuação. A nossa única alternativa é reduzir a hospitalização em
Jaraguá do Sul, aumentando o aporte dos recursos na atenção básica, nessas
novas práticas de assistência (E1).
E2 também levanta questões orçamentárias, observando que há déficit grande no Município.
Considera, entretanto, que além do problema financeiro, há aspectos mais ligados à
disponibilidade e motivação da equipe de saúde que devem ser consideradas de modo
independente da questão orçamentária, conforme manifesta no depoimento transcrito abaixo.
... tem coisas que não precisam de dinheiro para serem executadas”. ...
125
entra a boa vontade, a capacidade e a integração que você tem com a sua
comunidade. O Núcleo de Saúde Integral tem recurso para isso; se faz um
projeto, ele tem um incentivo. Não é um incentivo total, porque o município
entra com a contrapartida. É muito difícil o incentivo que venha ser suficiente
para executar todas as ações pré-determinadas e sempre tem a contrapartida
financeira. Mas eu penso que não precisa desse financeiro; precisa de uma
equipe bem unida e que nós profissionais da saúde sejamos abertos para
executar com boa vontade. O que eu acho é que na equipe de Jaraguá do Sul
a motivação dos profissionais está caindo um pouco (E2).
De modo similar aos dois entrevistados citados acima, E3 faz referência às questões
orçamentárias como o mais sério obstáculo a ser vencido no atendimento à saúde. No entanto,
vê na implantação dos Núcleos de Saúde Integral a possibilidade de potencializar recursos.
Nem a Prefeitura tem condições de manter cada postinho para ter uma
nutricionista, etc. Essa é a melhor proposta; eu poderia em determinado
momento com a minha equipe sentar com esses profissionais e discutir os
problemas da minha área e sendo feitas soluções programáticas, integrações,
estratégia dessa equipe dentro de minha área (Médico do SUS).
Este entrevistado além de se posicionar a favor das mudanças, compara as ações de saúde
desenvolvidas em Jaraguá do Sul com as do Município de Joinville (SC), as quais estão melhor
estruturadas e implementadas.
O entrevistado E4, por sua vez, aponta, duas questões a serem consideradas: a necessidade
de participação das comunidades sobre a tomada de decisão relativa à incorporação do Núcleo
de Saúde Integral, e a interferência mais ativa do Legislativo Municipal na aprovação de leis
nesse sentido, como acontece no Município de Joinville.
Por outro lado, considera a necessidade de aprimoramento na relação entre o Conselho
Municipal de Saúde e a Secretaria Municipal de Saúde. Nesse sentido relata embates por
ele vivenciados no Conselho Municipal com os Gestores, os quais costumam encaminhar
institucionalmente os projetos antes das discussões. De seu ponto de vista, “toda nova proposta
requer uma nova discussão, o que normalmente não ocorre... a gente vê nos movimentos
sociais, fizemos vários enfretamentos... muitas coisas são impostas e não são discutidas” (E4).
Ressalta, também, nestes termos, que a nova proposta tem que ser discutida a respeito da
viabilidade pelos Gestores, Comunidade e Conselho Municipal de Saúde, formalizando, assim,
uma política de adesão ao projeto, sendo mais tarde encaminhada a Câmara de Vereadores para
a votação em plenário. No seu entender, é uma proposta de grande contribuição à política de
saúde do Município.
A partir das considerações dos entrevistados sobre a instalação de Núcleos de Saúde Integral,
é possível apontar que embora haja consenso sobre a importância e os ganhos em termos
de saúde da população, há algumas providências tanto do ponto de vista organizativo como
orçamentário que precisariam ser tomadas para viabilizar sua instalação em Jaraguá do Sul.
Dentre elas destaca-se, em primeiro lugar, a contratação dos novos profissionais indicados
na proposta original do Ministério da Saúde (profissionais de educação física, nutricionistas,
fisioterapeutas, psicólogos, entre outros). Em segundo lugar, parece indiscutível para a maioria
dos entrevistados a necessidade de lidar com a questão orçamentária que, na perspectiva de um
deles implicaria em diminuir a hospitalização, para onde é encaminhada a maioria dos gastos
com saúde no município. Em terceiro lugar, que esta proposta seja discutida com a sociedade
local, para incluir seu encaminhamento ao Poder Legislativo para aprovação, bem como
sua dotação orçamentária. Por último, que se possa contar com a motivação de equipes bem
integradas para colocá-las em ação, bem como a iniciativa dos gestores para sua concretização.
Considerações finais
126
Os entrevistados, apesar de reconhecerem avanços no atendimento à população do Município
em relação ao funcionamento do SUS, à progressiva universalização e a eqüidade no
atendimento à população, tornam evidentes suas críticas, voltadas de modo específico para o
PSF. Por um lado, porque ele deixa a desejar em outros aspectos apontados em suas formulações
apresentadas anteriormente, tais como a persistência de uma perspectiva “medicocêntrica”; a
excessiva ênfase na hospitalização; a insuficiência orçamentária ou a sua má gestão; e até
mesmo a desmotivação dos profissionais da saúde em relação ao atendimento à população. Por
outro lado, devido à ausência da implantação de certas estratégias de saúde, como é o caso da
inclusão de outros profissionais para comporem os Núcleos de Saúde Integral.
Quanto à participação da população na elaboração e no acompanhamento de novos
projetos de expansão do atendimento do SUS, os entrevistados apontam três aspectos
fundamentais que indicam a limitação nesta co-participação, apesar de esforços neste sentido
estarem sendo feitos, através do processo de Educação Continuada desenvolvido no Município,
voltado para as questões relativas à saúde da população. Em primeiro lugar, a não participação
social em todas as etapas de implementação dos Programas ou estratégias de saúde do SUS;
em segundo lugar, a não complementação do cadastro da população, para realizar o exercício
da territorialização, ou seja, o registro e conhecimento da população em termos comunitários
locais por meio de suas características sociais e condições básicas de saúde; por último, a
falta de investimento na preparação e formação de profissionais para o trabalho interdisciplinar
visando consolidar as equipes multidisciplinares.
Diante destas e de outras críticas que coincidem com as apresentadas por outros
estudos referidos anteriormente, foram encaminhadas pelos entrevistados algumas sugestões,
sintetizadas a seguir.
a) a necessidade de ampla discussão com a sociedade e com o legislativo municipal sobre
as novas medidas a serem tomadas no sentido da implantação das equipes para composição dos
Núcleos de Saúde Integral;
b) o encaminhamento dos resultados desta discussão no sentido de que sejam tomadas
as devidas providências para a implantação e organização destas equipes. Desde a abertura
de concurso público para a contratação dos profissionais das diversas especialidades que
fazem parte do campo da saúde, bem como a disponibilidade orçamentária, vislumbrando a
diminuição dos gastos com hospitalização;
c) incremento substancial no financiamento da atenção básica, estabelecendo maior
pontualidade nos repasses financeiros, incentivando a interação entre hospitais e equipes de
saúde básica, com vistas à diminuição da hospitalização;
d) a necessidade urgente de maior investimento na educação para a saúde e nas práticas
preventivas para a população de um modo geral, sem dúvida um dos aspectos fundamentais em
todo o processo de implantação e avaliação do SUS.
Assim sendo, em que pesem as avaliações críticas a respeito do SUS, bem como os
aspectos positivos apontados, como um todo, e do PSF em particular, a implantação dos
Núcleos de Saúde Integral no município de Jaraguá do Sul torna-se igualmente necessária e
urgente, como mais uma demanda a ser atendida pelo Estado brasileiro. Uma demanda legítima,
como várias outras, para que seja atingido o tão propalado direito integral à saúde, extensivo
à população brasileira de um modo geral, sobretudo àqueles segmentos sociais de baixa renda
que não podem e não devem pagar para a ela terem acesso.
Para finalizar, vale reafirmar, em termos da inclusão nestes Núcleos de atividades físicas
programadas, que não há uma relação de causa e efeito inquestionável entre essas atividades
e a garantia plena de uma vida saudável. Em outros termos, que a discussão sobre a referida
inclusão deve colocar em pauta aspectos sociais e políticos mais abrangentes. Entre eles, as
condições de trabalho da população; o acesso a outras políticas públicas, tais como as que
garantam certo patamar de renda; uma educação que inclua uma visão crítica sobre as condições
gerais de vida; adequadas condições de moradia, bem como a participação em atividades de
127
lazer e espaços adequados para sua implementação.
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129
Agenda
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VOLUME
NÚMERO
7
2
ISSN 1981-9862
ELETRONIC JOURNAL
www.revistaagendasocial.com.br
sOBre a POssiBiLidade de aTiVidades edUCaTiVas
de CarÁTer eManCiPadOr
The institution´s role in the development and rescue of public policy.
sOUZa, iael (1).
1.ProfessoradaUniversidadeFederaldoPiauí.MestreemCiênciasSociaispelaUNESP-Marília.Deptode
CiênciasHumanaseEducação.([email protected]).
RESUMO
aBsTraCT
Demonstrar e afirmar a natureza
histórico-ontológica da educação como
uma necessidade vital da autoconstrução
humana e do gênero humano é uma
tarefa essencial nos tempos hodiernos,
porque dessa compreensão e clareza
depende a possibilidade do educador
se posicionar, criar e orientar suas
atividades educativas para a edificação
das práticas de caráter emancipador. Na
luta contra-hegemônica, necessitamos
fortalecer a perspectiva do trabalho
contra a do capital.
Demonstrating and ensuring education’s
historical-ontological nature as a vital
necessity of humanity’s and human
species’ self-development is an essential
task nowadays, since such comprehension
and clarity bring about the possibility for
the educator to know where they stand, to
create and guide their educational activities
in order to establish emancipation-based
practices. In the anti-hegemonic battle, the
labor versus capital perspective must be
strengthened.
PaLaVras-CHaVe
EMANCIPAÇÃO;
CLASSES
VALORES.
130
SOCIAIS;
KEY-WORdS
EMANCIPATION; SOCIAL CLASSES; WORTH.
I. Introdução
Numa sociedade de classes, a educação é uma educação de classes. De modo que não
haveria possibilidade de transformar o existente, pois a classe que detêm o controle sobre os
meios de produção material e espiritual, controla a reprodução social. A única alternativa que
restaria seria apenas aperfeiçoar e melhorar o que existe, já que o complexo social da educação
acabaria reproduzindo as desigualdades sociais.
A questão é que essa é a forma histórica adquirida pelo complexo social da educação
numa dada forma de sociabilidade, que corresponde a um determinado período histórico-social
que denominamos de capitalismo. Essa não é a natureza histórico-ontológica (essencial) da
educação.
Cabe-nos, portanto, demonstrar e ratificar, junto com Tonet (2005) e Saviani (2008),
guardadas suas especificidades substanciais – pois há discordâncias fundamentais entre eles
–, qual seria essa natureza essencial da educação e a partir daí, da reposição do seu verdadeiro
significado, que se faz urgente e imprescindível, delinear os critérios parametradores às
atividades educativas de caráter emancipador (TONET, 2005, p. 225-237), demonstrando de
que modo podemos atuar na imediaticidade para edificar as condições para a transformação
radical da totalidade social, que é, essencialmente, mediata.
Também demonstraremos que é necessário um posicionamento de classe, de homem
e de mundo (paidéia, no sentido grego) a fim de fortalecer a perspectiva do trabalho contra o
capital. Mudanças de método, aulas, conteúdos, materiais, de relação ensino-aprendizagem
sem esse posicionamento consciente, consequente e embasado racional, histórica, científica,
filosófica e politicamente podem causar mais problemas do que auxiliar a superá-los, como
demonstra a experiência de tentativa de implantação da Pedagogia Histórico-Crítica de Saviani
por intermédio das políticas educacionais do Estado do Paraná (MAGALHÃES; SILVA
JUNIOR, 2011), (BACZINSKI; PITON; TURMENA, 2008).
Hoje, mais do que em qualquer outro período da história humana, torna-se uma tarefa
revolucionária fortalecer e afirmar o posicionamento de classe contra-hegemônico a fim
de demonstrar que ainda que a emancipação humana esteja no horizonte da humanidade, é
a possibilidade de vislumbrá-lo que nos anima a caminhar. Mais do que nunca, caminhar é
preciso, ratificando, cultivando e construindo os meios e valores necessários para a realização
daquele fim.
Assim, nunca é demais enfatizar a importância crucial da luta entre as perspectivas
ideológicas do capital e do trabalho, porque dela resulta as tendências futuras para “que os
indivíduos façam suas as objetivações comuns ao gênero humano, para poderem construir-se
como membros desse gênero” (TONET, 2005, p. 231).
II. A natureza histórico-ontológica da educação: educação no sentido amplo
O ser humano tem uma dupla natureza: natural (biofísica; espécie) e social
(autoconstrução humana; gênero). O orgânico é o repor o mesmo, que é a vida e o inorgânico
é o tornar-se outro. O salto qualitativo, que faz a síntese dialética e processual entre esses dois
131
momentos é o surgimento do ser social, que é produzir, criar o novo, intervindo no mundo.
A educação, em seu sentido amplo, é parte do processo de tornar-se homem do homem.
Se num primeiro momento, quando as atividades necessárias para a produção e reprodução
social são simples e pouco numerosas, assim como a demografia e o espaço correspondente
ocupado pelos seres humanos, a educação se realiza mediante o trabalho.
Porém, com a complexificação da vida social e das funções ligadas a sua reprodução,
com a diversificação das atividades e dos meios de produção material, surge a necessidade de
desenvolver conhecimentos, técnicas, habilidades, valores, comportamentos, etc. específicos,
que devem ser transmitidos e assimilados pelas demais gerações a fim de que possam, a partir
daí, desenvolver e criar outros, pois a satisfação das primeiras necessidades significa a criação
de novas, de modo que o trabalho funda mas não esgota o ser social.
É assim que entendemos as continuidades e descontinuidades na processualidade e
historicidade humanas e no fazer-se homem dos homens, pois assim como a complexificação
do ser social necessita do momento do orgânico e inorgânico (a continuidade) para a produção/
criação do novo (a descontinuidade na continuidade), assim também é necessário criar o
complexo social da educação como forma de garantir a transmissão/assimilação do patrimônio
histórico-cultural acumulado pela humanidade, construindo as bases para os avanços e novas
intervenções/produções dos homens na história.
Vemos, portanto, que a natureza essencial da educação é que ela é histórico-ontológica,
ou seja, imanente à processualidade de tornar-se homem do homem, da sua produção
enquanto gênero humano, em outras palavras, incorporação das objetivações que constituem
o patrimônio histórico-cultural das gerações anteriores ao longo do seu desenvolvimento
histórico-social, apropriando-se, desta forma, dos conhecimentos, técnicas, habilidades,
valores, comportamentos, etc. que lhe permite transcender os limites histórico-sociais de outras
gerações.
Nesse sentido, como afirma Tonet, “não se trata apenas de tomar posse de algo que
já está pronto e acabado. Trata-se, também, neste processo, de apropriar-se do que já existe
e de, ao mesmo tempo, recriá-lo e renová-lo, configurando, desse modo, o próprio indivíduo
em sua especificidade” (TONET, 2005, p. 214). Do mesmo modo, Saviani confirma o caráter
histórico-ontológico da educação ao dizer que “o que não é garantido pela natureza tem que ser
produzido historicamente pelos homens, e aí se incluem os próprios homens. (...) a natureza
humana não é dada aos homens, mas é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica”
(SAVIANI, 2008, p. 13).
Logo, a educação, em seu sentido amplo, isto é, enquanto complexificação das
sociabilidades humanas e da reprodução social, “é o ato de produzir, direta e intencionalmente,
em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens” (SAVIANI, 2008, p. 13), para que, assim, seja possível identificar os
“elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para
que eles se tornem humanos” (SAVIANI, 2008, p. 13), constituindo-os como membros do
gênero humano.
132
III. Posicionamento de classe, de homem e de mundo (paideia, no sentido grego)
A clareza e domínio sobre a natureza histórico-ontológica da educação deve ser um
pressuposto, orientando o educador na tomada de posição e nas decisões referentes às atividades
educativas e aos meios mais adequados e aproximativos ao fim a se objetivar, demonstrando
que os meios precisam estar de acordo com os fins, qualificando-os. As escolhas realizadas,
ainda que limitadas e delimitadas pelas circunstâncias e condições histórico-sociais que
independem da vontade dos indivíduos, “poderão influenciar as outras dimensões sociais em
sentidos diversos, ou seja, mais no sentido de frear ou de impulsionar a mudança” (TONET,
2005, p. 216).
Ao orientar suas ações educativas, mesmo tendo por base a natureza específica e
essencial da educação, o educador também faz um posicionamento de classe, dado que o que
os indivíduos são “coincide (...) com sua produção, tanto com o que produzem como também
com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições
materiais de sua produção”, (MARX; ENGELS, 2007, p. 87) do lugar que ocupam na estrutura
socioprodutiva fundada na divisão social do trabalho.
Sendo assim, numa forma de sociabilidade fundada sobre a propriedade privada dos
meios e bens de produção material e espiritual, aprofundando as desigualdades sociais entre
os homens, mantida e reproduzida através da divisão social, hierárquica, jurídica e política do
trabalho, os educadores precisam assumir seu lugar enquanto classe social, porque dela decorre
uma determinada (determinação reflexiva, síntese de múltiplas determinações) e condicionada
concepção de homem, de sociedade e de mundo, como também de conhecimentos, habilidades,
valores, comportamentos, objetivos, etc., a serem buscados e realizados.
O posicionamento de classe é constituinte do processo das relações de poder e força
estabelecido entre a perspectiva do capital e do trabalho, uma luta que dependendo das condições
de organização e mobilização das classes, dos momentos e acontecimentos históricos-sociais
específicos produzidos, pode utilizar do Poder (aparelhos repressivos de estado) ou da persuasão
(aparelhos ideológicos de estado) para atingir seus objetivos. Porém, dentre eles o mais eficaz e
que encontra menos resistência organizada, é a ideologia e, no caso, a de classe, pois justifica o
modo como os homens vivem, pensam, sentem, criando e inculcando determinados valores que
passam a influenciar de maneira decisiva na escolha entre alternativas feitas pelos indivíduos,
ainda que ela seja, como frisamos, limitada e relativa.
Nesse contexto, a educação adquire um importante papel, podendo contribuir para
aperfeiçoar o existente, ou para questioná-lo, procurando reconstituir seus nexos causais e as
condições para romper com ele e superá-lo, o que dependerá do posicionamento de classe do
educador, reforçando uma ou outra perspectiva, pois sua matéria prima são as consciências
dos sujeitos. Eis uma das características da educação, seu objeto é ao mesmo tempo sujeito, de
modo que não se trata de uma relação apenas entre sujeito e objeto, mas entre sujeito e objeto
que é também sujeito, dado que o ato educativo corresponde “a ação sobre uma consciência
visando induzi-la a agir de determinada forma” (TONET, 2005, p. 218) e não de outra. De
modo que o educador pode contribuir para frear ou acelerar a mudança porque questiona os
fundamentos objetivos, histórico-ontológicos dos valores humanos.
No entanto, é importante destacarmos que a perspectiva do trabalho é a única capaz de
133
realizar a transcendência positiva, rompendo definitivamente com o capital e o capitalismo ao
superar o trabalho assalariado, a propriedade privada, a existência das classes sociais, a divisão
social do trabalho e o Estado, tornando todos os homens trabalhadores, produtores livremente
associados, como demonstraram Marx e Engels (1989), restituindo à educação seu caráter
verdadeiramente histórico-ontológico, criando as condições objetivas e subjetivas à realização
da paideia humana, no seu sentido grego, que não se restringe à cultura, convertida, atualmente,
num simples conceito antropológico descritivo.
Para os gregos, a paideia significava um alto conceito de valor, um ideal objetivo, consciente, e não um aspecto exterior da vida. Na paidéia grega está presente a ideia de uma
educação do homem de acordo com a verdadeira forma humana, com o seu autêntico ser
(ontologia). Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como: civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que
os gregos entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto
daquele conceito global e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez. 1
IV. Da natureza essencial da educação às atividades educativas de caráter transformador:
não basta um método revolucionário
A partir do momento que o educador domina a compreensão da natureza essencial
da educação, tendo realizado sua tomada de posição perante as perspectivas de homem e de
mundo que deseja contribuir para edificar, consciente das implicações contidas nessa escolha, e
de que embora a hegemonia das condições da produção e reprodução social esteja nas mãos da
classe capitalista, é possível criar as condições para propiciar o desenvolvimento de atividades
educativas de caráter transformador, isto porque, como esclarece Tonet,
A existência do antagonismo de classe (...) também implica no
surgimento – sob formas explícitas ou implícitas – de outras propostas,
com outros fundamentos, outros valores e outros objetivos. De modo
que o campo da educação, como aliás toda a realidade social, é um
espaço no qual se trava uma incessante luta, ainda que a hegemonia
esteja sempre nas mãos das classes dominantes. Essas outras propostas,
no entanto, sempre terão um caráter restrito, pontual, isolado. No caso
da sociedade atual, uma proposta de educação emancipadora só poderá
ser explicitada em seus elementos gerais, mas nunca poderá ser levada
à prática como um conjunto sistematizado. A disputa certamente pode e
deve ser efetuada, posto que o processo histórico, sendo constituído de
atos humanos individuais marcados por algum grau de liberdade, não
tem os seus resultados previamente determinados. E deve ser efetuada
nos mais diversos campos: das ideias, dos conteúdos, dos programas,
dos métodos, dos recursos, dos espaços, das tecnologias, das políticas
educacionais, etc. Não se pode nutrir, todavia, a ilusão de estruturar
uma educação emancipadora como um conjunto sistematizado e
amplamente praticável em oposição a uma educação conservadora.
(TONET, 2005, p. 223)
134
1
Ver JAEGER, Werner Wilhelm. Paideia – a formação do homem grego. Trad. Artur M.
Parreira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 3 – 20)
A utilização de um método revolucionário não seria garantia para transição do senso
comum à consciência filosófica (SAVIANI, 2007, 2008), (LAZARINI, 2010), muito menos
a exigência de sua aplicação através de uma pedagogia tornada política educacional, como o
caso da Pedagogia Histórico-Crítica (MAGALHÃES; SILVA JUNIOR, 2011) e as experiências
resultantes de sua implantação no estado do Paraná (BACZINSKI; PITON; TURMENA,
2008), justamente por estar na contramão da formação histórico-científica, político-social da
maioria dos professores da rede de ensino, cujas ideias, valores inculcados e reproduzidos que
guiam sua práxis os aproxima muito mais da perspectiva do capital do que do trabalho, ainda
que digam e acreditem, ingenuamente, no contrário.
Não basta utilizar um método novo, trabalhar os conteúdos de outra forma, tentar
estabelecer uma relação ensino aprendizagem diferenciada. O embasamento de todos esses
meios e recursos deve pautar-se na clareza e domínio da natureza essencial da educação e de
suas possibilidades e limites na sociabilidade capitalista, bem como num posicionamento de
classe e na escolha de uma perspectiva de mundo, envolvendo uma concepção de homem e de
sociedade (paideia).
Não desconsideramos que a educação escolar sistematiza e socializa o saber acumulado
pelos homens. Porém, justamente por ser um dos aparelhos ideológicos de estado e estar sobre
a hegemonia da classe dominante, esse saber é apropriado por ela, colocado a serviço dos
seus interesses, legitimado e autenticado cientificamente através do método epistemológico/
gnoseológico e não ontológico, não havendo possibilidade de trabalhar em termos de
“conteúdos concretos”, entendido por Saviani como a captura do movimento do real em suas
múltiplas relações através da reflexão dialética, da mediação do abstrato, do concreto pensado,
pensando por contradição. Afinal, os conflitos, as contradições, para a ciência social positiva
são explicados como disfunções e como tais devem ser corrigidas, amenizadas, consertadas. 2
Sendo o método epistemológico/gnosiológico o norteador da elaboração do saber que é
produzido empiricamente, socialmente, a passagem do senso comum à consciência filosófica,
requisitada por Saviani, fica comprometida, porque pressupõe a ontologia, a historicidade, a
totalidade social e a dialética. Um agravante desse quadro conjuntural é a transformação da
ideologia das classes dominantes em “senso comum”, demonstrando as contradições implicadas
na conjuntura histórico-social complexa desse conceito:
a concepção de mundo hegemônica é exatamente aquela que, mercê
de sua expressão universalizada e seu alto grau de elaboração, logrou
obter o consenso das diferentes camadas que integram a sociedade,
vale dizer, logrou converter-se em senso comum. É nesta forma, isto
é, de modo difuso, que a concepção dominante (hegemônica) atua
sobre a mentalidade popular articulando-a em torno dos interesses
dominantes e impedindo ao mesmo tempo a expressão elaborada dos
interesses populares, o que concorre para inviabilizar a organização
das camadas subalternas enquanto classe. O senso comum é, pois,
contraditório, dado que se constitui num amálgama integrado por
2
Ver, SOUZA, Iael de. Da necessidade de uma ciência do social: condições e circunstâncias históricosociais e perspectiva hegemônica de atuação. Picos: PI, 2013. (no prelo)
135
elementos implícitos na prática transformadora do homem de massa e
por elementos superficialmente explícitos caracterizados por conceitos
herdados da tradição ou veiculados pela concepção hegemônica
acolhidos sem crítica. (SAVIANI, 2004, p. 2)
De modo que a educação escolar é política, ideológica e hegemonicamente conservadora,
e mesmo as tentativas de implementação de uma nova política educacional, através de uma
pedagogia e de um método revolucionários, acabam esbarrando nas limitações históricocientífico, político-filosóficas dos profissionais da educação, formados, ao longo do seu processo
de escolarização, via de regra, pela perspectiva hegemônica do capital, cujo “pensamento e
atuação críticos” não ataca os problemas sócio-produtivos-educacionais em sua raiz, tendo
como teto os limites da cidadania; da conquista por “mais” direitos, “mais” igualdade e “mais”
liberdade; a participação cidadã e outras correlatas, sem confrontar, visceralmente, o próprio
capital e seu sistema metabólico de reprodução social, mantendo as bases da desigualdade
social e da sociabilidade capitalista.
Se a consciência de classe passa pela questão do domínio do saber, como afirma Saviani
(2008, p. 78), isso é extremamente complicado, ainda mais se considerarmos a exposição
realizada, em linhas gerais, dos instrumentos lógico-metodológicos sobre os quais se estrutura
e é sistematizado esse saber e conhecimento científico, como também o escolar. Mas ainda fica
pior, a partir do momento que Saviani afirma que:
a passagem do senso comum à consciência filosófica é condição
necessária para situar a educação numa perspectiva revolucionária.
Com efeito, é esta a única maneira de convertê-la em instrumento
que possibilite aos membros das camadas populares a passagem da
condição de ‘classe em si’ para a condição de ‘classe para si’. Ora,
sem a formação da consciência de classe não existe organização e
sem organização não é possível a transformação revolucionária da
sociedade. (SAVIANI, 2004, p. 6)
E arremata: “O povo precisa da escola para ter acesso ao saber erudito, ao saber
sistematizado e, em consequência, para expressar de forma elaborada os conteúdos da cultura
popular que correspondem aos seus interesses” (SAVIANI, 2008, p. 80).
O problema é que se essa “expressão de forma elaborada dos conteúdos da cultura
popular” for realiada através do método científico vigente, embasado na episteme e na
gnoseologia e não na ontologia, como deveria ser, a superação da contradição presente na
construção do senso comum, cuja tônica é a reprodução da idelogia da classe dominante, tornase inviável.
Parece que chegamos a uma encruzilhada e é chegado o momento de tomar uma outra
direção, que não diz muito respeito aos instrumentos lógico-metodológicos, mas aos requisitos
essenciais para o desenvolvimento de atividades educativas de caráter emancipador.
136
V. Considerações finais: sobre a possibilidade de atividades educativas de caráter emancipador
Como vimos, considerando a forma de sociabilidade histórico-social atual, a
perspectiva hegemônica é a conservadora, positivista, funcionalista. Porém, seu controle e
poder jamais são absolutos, ainda que procure ostentar o contrário. Sempre há brechas, porque
a realidade é contraditória, dialética, processual e as escolhas individuais, ainda que relativas e
determinadas circunstancialmente, porque condicionadas histórica e socialmente, influenciam
nas consequências das ações humanas. Daí a imprevisibilidade do “rio tempestuoso da fortuna”,
como dizia Nicolau Maquiavel, e a possibilidade de mudanças radicais e rupturas pela profunda
e substancial transformação no curso dos acontecimentos.
Tonet nos lembra que as escolhas são fundadas em valores, sejam elas conscientes
ou inconscientes e que o fim último que deve guiar o educador em suas ações educativas é,
“obviamente, o valor por excelência” (TONE, 2005, p. 230). Contudo, ressalva que “não se
trata de quaisquer valores, mas de valores histórica e socialmente fundados, ou seja, valores
que tendo a sua base no processo real apontam para uma forma superior de sociabilidade”
(TONET, 2005, p. 231). De modo que “não há receituário do que seja a atividade educativa
emancipadora, (...) não está pré-estabelecido o que seja uma atividade educativa emancipadora
nas suas expressões cotidianas. Tem-se, hoje, apenas parâmetros gerais. De modo que é preciso
criar” (TONET, 2005, p. 231). Ainda assim, o que antecede e funda essas ações educativas
emancipadoras é a imprescindível clareza da natureza ontológica essencial da educação.
Assim, retomando a questáo da cria;áo das atividades educativas emancipadoras, Tonet
(2005) afirma que ainda que ela seja subjetiva, é uma subjetividade objetivada, pois parte da
necessária e adequada compreensão da objetividade e processualidade histórico-social do real,
ou seja, das múltiplas determinações e mediações existentes entre os objetos, que por estarem
no mundo com ele se relacionam e são afetados por essas relações – sociais e de produção.
Daí decorre o primeiro requisito, segundo o autor, para uma atividade educativa de
caráter emancipador, traduzindo o próprio fim maior da educação, ou seja,
o conhecimento, o mais profundo e sólido possível da natureza do
fim que se pretenda atingir, no caso, a emancipação humana. Se é
verdade que o fim qualifica (não justifica) os meios e se é verdade que
a educação é uma mediação entre o indivíduo e a sociedade, então não
há dúvida de que só se pode saber quais meios são adequados quando
se tem clareza acerca do fim a alcançar. (TONET, 2005, p. 226)
Por sua vez, pressupõe um posicionamento de mundo em consonância com o
lugar ocupado na produção social, e a coragem para assumi-lo e mantê-lo, arcando com as
consequências que certamente virão, pois há um preço a pagar ao compreender e denunciar
a essência do modo de produção capitalista e do metabolismo do capital, uma luta de classes
permanente, encarniçada e virulenta, a travar, a fim de construir as condições que permitirão ir
além do capital e da sociabilidade capitalista, superando-os radicalmente.
O segundo requisito corresponde “a apropriação do conhecimento a respeito do processo
histórico real, em suas dimensões universais e particulares”, uma vez que “quem faz educação,
necessita de uma frequência constante e intensa ao saber produzido pelas Ciências Sociais”
(TONET, 2005, p. 232), ainda que esse saber também não baste, já que aquelas são produzidas
sobre a hegemonia da ciência positivista, e da teoria epistemológica/gnoseológica e não da
ontologia que, por sua vez, tem por princípio a totalidade social, inseparável “da afirmação de
que o processo de produção material é a matriz ontológica do ser social” (TONET, 2005, p.
137
233). Assim, é necessário “passar a limpo” a produção das Ciências Sociais tendo por base essa
matriz.
O terceiro “está no conhecimento da natureza essencial do campo específico da
educação” (TONET, 2005, p. 233), qual seja, “possibilitar ao indivíduo a apropriação daquelas
objetivações que constituem o patrimônio comum da humanidade”, tendo como pressuposto
a “luta pelas condições que permitam atingir o mais plenamente possível este objetivo. Dessa
forma o indivíduo se constituirá como um ser pertencente ao gênero humano e contribuirá para
a reprodução deste” (TONET, 2005, p. 236).
O quarto e penúltimo requisito diz respeito “ao domínio dos conteúdos específicos,
próprios de cada área do saber” (TONET, 2005, p. 234), articulados com a prática social. É esse
domínio do saber, sua difusão e articulação com os problemas sociais vividos pelos homens
que faz de um educador um “educador emancipador”, porque além de dominar, difundir e
construir um conhecimento mediado pela objetividade do real, todo educador que se posicione
numa perspectiva ontológica, também contribui para a formação de outros valores, atitudes,
comportamentos, objetivos, enfim, de uma outra paideia.
Por fim, o quinto e último requisito das atividades educativas de caráter emancipador
está na “articulação da atividade educativa com as lutas desenvolvidas pelas classes subalternas,
especialmente com as lutas daqueles que ocupam posições decisivas na estrutura produtiva”
(TONET, 2005, p. 235). Cabe ao educador-pesquisador-intelectual, como defende e demonstra
Giroux (1997), auxiliar a perspectiva do trabalho e os trabalhadores na captura, aproximação
e reflexão da processualidade, objetividade e historicidade do real, já que encontram sérios
entraves para avançar nesse árduo e penoso trabalho devido o lugar que ocupam na produção
social. Conforme Tonet,
O avanço no cumprimento da tarefa mais essencial da educação que,
como vimos, é a apropriação daquelas objetivações que constituem o
patrimônio comum da humanidade, não depende só e nem principalmente
da atividade educativa, mas do progresso na luta, realizada pelo conjunto
das classes subalternas, para contrapor-se à hegemonia do capital Ou
seja, muitas das condições para a realização da atividade educativa são
externas ao campo da própria educação e só podem ser conquistadas
com uma luta mais ampla, no entanto a concretização desta articulação
é, hoje, uma tarefa extremamente difícil e complexa. (...) A realização
desta tarefa essencial é sempre o momento determinante da atividade
educativa. Outros momentos – atividades sindicais, lutas econômicas,
políticas, etc. – são imprescindíveis e, em certas circunstâncias, poderão
até assumir o papel de momento predominante. É preciso ter bem claro,
porém, que de modo algum se pode inverter a relação entre esses dois
momentos, sob pena de eliminar o caráter emancipador da atividade
educativa. (TONET, 2005, p. 236 e 237)
Evidencia-se, portanto, que a transformação radical da sociedade não é papel da
educação, mas do trabalho na perspectiva da ontologia do ser social, na forma histórico-social
do trabalho associado, que não é o foco da análise, embora conectado, através de múltiplas
determinações, a ela, mas que exige uma reflexão específica e outras mediações objetivas para
138
ser compreendido, não comportadas aqui.
Logo, à educação, em sentido amplo, cabe a contribuição na construção dos meios
qualitativamente adequados para a maior aproximação possível do fim, que é a emancipação
humana. Isso significa dizer que não são quaisquer meios, como já foi frisado, nem qualquer
patrimônio histórico-cultural, mas aquele selecionado através do critério dos valores,
conhecimentos, objetivos fundamentais que fundamentam o desenvolvimento, o mais pleno e
integral possível, do ser social, numa perspectiva histórica-ontológica.
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139
Agenda
Social
VOLUME
NÚMERO
ISSN 1981-9862
ELETRONIC JOURNAL
www.revistaagendasocial.com.br
PasseiO de sOMBrinHas: POÉTiCas UrBanas,
sUBJeTiVidades COnTeMPOrÂneas e MOdOs de
esTar na Cidade.
Umbrellas Tour: urban poetics, contemporary subjectivities and
ways of being in the city.
aZeVedO, Maria Thereza.
1.ProfessoradoDepartamentodeArteseProgramadePósGraduaçãoemEstudosdeCultura
Contemporânea-ECCO da Universidade Federal do Mato Grosso UFMT.
RESUMO
Tomandocomoreferênciaapoéticaurbana
Sombras que passeiam, uma ação do
Coletivo à deriva, da UFMT ligado ao Grupo
de Pesquisa Artes Híbridas Intersecções,
contaminações transversalidades, o artigo
propõe uma reflexão sobre possíveis
processos de subjetivação e singularização
engendradas por ações coletivas em
territórios inventados por meio da arte.
Deleuze e Guattari apoiam a discussão.
PaLaVras-CHaVe
CIDADE; POéTICAS URBANAS; SOMBRAS
QUE PASSEIAM; COLETIVO À DERIVA.
140
7
2
aBsTraCT
Referring to urban intervention Sombras
que passeiam a action occurred at UFMT
by Coletivo à deriva on the Research
Group Arts hybrid crosses transversalities,
contamination, the article proposes a
reflection on the possible processes of
subjectivity and singularity generated
by actions collective territories invented
through art. Deleuze and Guattari support
the discussion.
KEY-WORdS
CITY; POETIC URBAN; WALKING SHADOWS;
SUBJECTIVITIES.
A cidade enquanto um sistema complexo regulado pela produção, pelas relações
formalizadas de trabalho e de família, pelos valores de consumo impulsionados pelas
mídias, pelas burocracias que às vezes impedem o fluxo das coisas, cria um universo
de sociabilidades obrigatórias, cheia de funções, horários e distribuição de tarefas,
de regras inventadas para controlar-nos uns aos outros. Isso fortalece em nós uma
subjetividade capitalística.
As subjetividades para Guattari (2008) são engendradas pelas determinações
políticas, éticas, econômicas, tecnológicas, culturais, sociais, pela mídia, pelas
instituições. É no conjunto de todos estes subjetivadores misturados e vivenciados
que a nossa subjetividade é constituída como um jogo em movimento que lida com
uma multiplicidade de instâncias e relações de saber e de poder. Guattari observa
que:
O que caracteriza os modos de produção capitalísticos é que eles não
funcionam unicamente no registro dos valores de troca, valores que
são de ordem do capital, das semióticas monetárias ou dos modos
de financiamento. Eles funcionam também através de um modo de
controle da subjetivação... (GUATTARI, 2008, p.16).
Costa e Magalhães afirmam que “o processo de subjetivação capitalístico
efetiva-se, na medida em que o projeto social dominante se apropria e controla os
meios de vida, se estabelecendo, se rotinizando”. Para elas isso apoia na fabricação
de subjetividades serializadas. E Peter Pal Pelbart diz “a depreciação da vida atinge
um grau extremo: esvaziada de suas determinações qualitativas, ela se oferece como
matéria bruta para a infinita manipulação calculadora.” Desta forma, ações artísticas
na cidade surgem como possibilidades de engendramento de devires singularizadores
que nos aproximam da vida.
Sombras que passeiam: desvios de rota.
Desviar das rotas conhecidas e sedimentadas como mapas fixos da cidade pode
subverter a geografia calculada e funcionar como um processo de desterritorialização,
ou como linha de fuga na tentativa de ensaiar devires e desabrochar potencias
criativas de singularização na relação com a cidade. Um exercício de reconfiguração
dos modos de estar na cidade, na contramão desta subjetividade capitalística.
Assim, uma das quatro propostas para intervenção urbana do projeto de
pesquisa em interface com a extensão: Intervenções artísticas no espaço da
Universidade: Ação, reflexão, diálogo e ressignificação desenvolvido na Universidade
Federal de Mato Grosso, com o apoio da FAPEMAT, foi um passeio de sombrinhas
pelo campus Cuiabá da UFMT.
A proposição decorreu de uma conversa com um grupo de alunos para
observação da maneira como viam o espaço do campus Cuiabá da UFMT. Uma
aluna do grupo observado disse que para caminhar pelo campus era preciso correr
de uma arvore para outra, mencionando certo trajeto demarcado pelas arvores do
141
142
caminho. Assim, imaginei que seria interessante se existissem sombras móveis que
protegessem as pessoas do sol e as acompanhassem até o seu destino. Daí surgiu
a ação sombras que passeiam, um passeio de sombrinhas pelo campus, criando
desvios nas costumeiras rotas.
É bom lembrar que a cidade de Cuiabá tem uma temperatura bastante
elevada e o clima é muito seco. Muitas vezes é superior a 40 graus e a umidade
do ar chega a 12 por cento. Cuiabá já foi chamada “cidade verde” devido ao grande
número de arvores principalmente as frondosas mangueiras dos quintais das casas
de seus habitantes. Hoje o número de arvores caiu vertiginosamente, por causa das
construções, sacrificando o clima da cidade e interferindo nos modos de vida da
população, que não anda mais a pé pelas ruas. É de carro e com frequentes idas aos
shoppings por causa do ar condicionado.
Para o passeio de sombrinhas pelo campus trinta e seis pessoas entre alunos,
professores, técnicos e moradores do bairro vizinho da universidade participaram
da experiência coletiva que consistiu num simples caminhar juntos de sombrinhas
coloridas, pegando atalhos. Neste perambular, surgiram conversas fugazes,
comentários sobre folhas caídas no chão, gatos que povoam o campus, passarinhos
que piam mais alto do que os outros. No desvio do caminho principal, que é o caminho
determinado pelos muitos carros que passam velozes com uma só pessoa, sem
olhar para os lados, paramos para observação dos movimentos cotidianos, às vezes,
braços dados debaixo da mesma sombrinha.
Este andar por aí sem roteiro fixo, pode lembrar a flânerie de Baudelaire, a
figura do vagabundo observador, perambulador. O flâneur circulava sem destino
pelas ruas de Paris deixando-se encantar com tudo que a compunha, como se a
cidade fosse um filme ou uma exposição de arte que instigasse sua curiosidade e
proporcionasse certo êxtase estético. Envolver-se numa flânerie é envolver-se com
a deriva, com o desvio. Mas a ação de passear com as sombrinhas pode também
lembrar as psicogeografias dos situacionistas que construíam mapas afetivos a partir
das derivas e da criação de situações.
A Internacional Situacionista (IS) considerada por Mario Perniola como a última
vanguarda do século XX foi um movimento de intelectuais e artistas europeus que
se constituiu em torno de uma crítica radical ao urbanismo e à cidade contemporânea
– transformada em espetáculo e à passividade dos citadinos reduzidos à condição
de espectadores. Os situacionistas faziam uma reivindicação de transformação no
cotidiano urbano através da participação e intervenção de seus habitantes.
Estas práticas tinham como princípio uma apropriação do espaço que
ultrapassava a lógica da definição de funções. Para os situacionistas, era preciso
explorar o espaço e suas possibilidades contrapondo-se à passividade diante
dos usos pré-definidos, decorrentes da estruturação das cidades. Henri Lefébvre,
pensador do fenômeno urbano, que foi ligado ao grupo até o início dos anos 60,
ressalta a possibilidade de criar situações como uma experiência que é capaz de
revelar a cidade.
A cidade dos homens lentos
Milton Santos comenta em A natureza do espaço (1996 pag. 260) que “durante
séculos acreditávamos que os homens mais velozes detinham a inteligência do
mundo. (...) Agora estamos descobrindo que, nas cidades, o tempo que comanda
ou vai comandar, é o tempo dos homens lentos.” Os homens lentos de Santos são
aqueles que estão à margem e não participam da correria urbana em busca de “não
sei que”, não estão inseridos no mundo dos acelerados do trabalho, dos motorizados
das ruas, dos que produzem muito e dos que querem vender mais. Estes deixam
marcas das relações de poder nos espaços, marcas que podem ser lidas através das
práticas pactuadas com o que é permitido e o que é aprovado. Os homens lentos
têm outra maneira de se apropriar da cidade, subvertem o modo permitido e o tempo
acelerado a partir das práticas de desvio.
As experiências com intervenções urbanas aqui chamadas de poéticas urbanas
realizadas neste projeto são exercícios de homens lentos, como em Sombras que
passeiam em que flanamos de sombrinhas 1coloridas pelo campus da universidade
sem roteiro fixo e por caminhos não traçados, o que nos possibilitou experimentar e
descobrir outro espaço e outro tempo diverso daquele que convivemos no cotidiano.
Foucault observa que:
Estamos na época do simultâneo, estamos na época da justaposição,
do próximo e do longínquo, do lado a lado, do disperso. Estamos numa
época em que o mundo se experimenta, acredito menos como uma
grande via que se desenvolveria através dos tempos do que como
uma rede que religa pontos e que entrecruza sua trama. (FOUCAULT,
2006, p. 411)
A cidade, desta maneira, pode ser percebida por meio dessas lógicas
de justaposição, do próximo e do longínquo, do lado-a-lado e do disperso, pois
é composta de várias camadas de tempo e camadas de espaço, de utopias e
heterotopias. Para Foucault, (2006, p. 413) as utopias são os posicionamentos sem
lugar real e as heterotopias são lugares reais, variadas formas de posicionamento
que ele os distingue por princípios. Um dos princípios da heterotopia é o poder de
justapor em um só lugar real, vários espaços, vários posicionamentos que são em
si incompatíveis. O ralentamento dos movimentos de algumas das ações pode levar
à percepção dessas camadas, dessas justaposições, de outros tempos e lugares
possíveis. Na intervenção Lual no Bosque, por exemplo, um grupo de quase sessenta
pessoas se juntou no bosque do campus, que de dia, é um belo lugar de passagem,
com sombra e luz filtrada pelas árvores, mas à noite, um escuro e perigoso espaço
para quem o atravessa. Inventamos, então, um encontro com lanternas, à noite, ao
som de um concerto de percussão com música de câmara. Foi criado um cenário
para este encontro que vislumbrou outras possibilidades para este espaço.
Corpografias urbanas
A experiência de caminhar juntos pelo campus com sombrinhas coloridas
pode estar sintonizada também com o conceito de corpografias urbanas trabalhado
143
por Paola Berenstein Jacques. Para Jacques, uma corpografia urbana é um tipo de
cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja, a memória urbana inscrita no corpo,
o registro de sua experiência na cidade, uma espécie de grafia urbana, da própria
cidade vivida, que fica inscrita mas também configura o corpo de quem a experimenta.
(JACQUES, 2008) Ela entende que um estudo das relações entre corpo e cidade
pode mostrar caminhos alternativos, desvios, linhas de fuga, micropolíticas.
Para Felix Guattari é indispensável o trabalho coletivo dentro do que ele chama
de “ecosofia” que é a junção das três ecologias, a social, ambiental e a subjetividade
humana: “Parece-me essencial que se organizem assim novas práticas micropoliticas
e microssociais, novas solidarieda-des, uma nova suavidade juntamente com novas
praticas estéticas.” (GUATTARI, 1992, p. 35)
Assim, essas poéticas urbanas estariam dentro desta proposta de ecologia
de que fala Guattari, pois é uma prática artística colaborativa e está entre as novas
formas criativas de participação social. A intervenção urbana, como situação criada
na cidade por coletivos artísticos, interrompe o fluxo da padronização e do estigma,
propõe outra forma de olhar e pensar sobre os espaços urbanos; instiga a participação,
potencializa a criatividade dos sujeitos envolvidos no processo. Guattari observa
que “a organização material das cidades, os personagens do espaço urbano são
máquinas enunciadoras. Geram um discurso que nos atravessa, manipulam em nós
impulsos cognitivos e afetivos, produzindo, portanto, subjetividades”. ( GUATTARI,
1992)
Cidade, multiplicidades
A cidade aqui é vista como um espaço multíplice, onde se embatem as
diferenças, lugar dos encontros e desencontros, constroem-se histórias, numa rede
de memórias e significações e lugar de experimentação da alteridade no interior do
qual novas subjetividades podem ser geradas. A multiplicidade é definida por Italo
Calvino, como “método de conhecimento e principalmente como rede de conexões
entre os fatos, entre as pessoas e entre as coisas do mundo.” ( CALVINO, 1990 p.
121)
São muitas as experiências de intervenções urbanas realizadas no tempo
presente que se proliferam de várias formas e em várias circunstâncias e possibilitam
a intersecção entre artes e o exercício da interdisciplinaridade que supõe o exercício
da intersubjetividade. Coletivos organizados no mundo inteiro se articulam através
da intervenção urbana: flashs mobs1, mp3, da performance, na construção plástica,
os stensils, o grafitti, cultura jamming, a mídia tática, mídia radical, e ações táticas.
São estratégias de visibilidade silenciosa ou barulhenta de apropriação
das cidades entupidas de carros que se deslocam a 100 por hora carregando
uma só pessoa. Se Michel de Certeau afirma que o espaço é um lugar
144
1 Os flash Mobs são aglomerações instantâneas de pessoas em um local público, para realizar determinada ação
inusitada, previamente combinada, após o que, as pessoas se dispersam tão rapidamente quanto se reuniram. A expressão
geralmente se aplica a reuniões organizadas através de e-mails ou dos meios de comunicação social
praticado,( 1996, p. 202)
ao caminhar pelo campus da universidade de
sombrinhas talvez estivéssemos praticando o lugar, uma forma de explorar o
cotidiano da universidade e construir um conhecimento crítico sobre os usos
do espaço urbanos. Em Sombras que passeiam estávamos praticando um lugar.
Estes desvios provocados pelas intervenções são como linhas de fuga. Se
a cidade é um sistema em mutação com várias camadas de tempo e de espaço:
“Conhecer a cidade significa, pois, acessar o emaranhado de relações que a constitui.
Tais relações conectam visibilidades, enunciações, linhas de força e linhas de fuga”.
(ALZAMORA, Geane, ALENCAR Renata 2009)
Devemos inventar nossas próprias linhas de fuga. Mesmo que para
alguns indivíduos ou grupos nunca seja possível construí-las. Outros
já as perderam. As linhas de fuga são uma questão de cartografia.
Elas nos compõem, assim como compõem nosso mapa. Elas se
transformam e podem mesmo penetrar uma na outra. (DELEUZE,
GUATTARI, 2008).
Intervenção urbana, poéticas urbanas
Estas práticas coletivas de intervenção urbana interrompem o fluxo da
padronização e do estigma, propõe outra forma de olhar e pensar sobre os espaços
urbanos; instiga a participação e a convivência.
Com esta compreensão é possível perceber interconexões entre a cidade e as
práticas artísticas heterogêneas formuladas dentro dos princípios da complexidade e
da multiplicidade.
As situações criadas como intervenções estão no âmbito das experiências
com práticas artísticas contemporâneas, que inclui artistas e não artistas e buscam
por meio de processos colaborativos, também o exercício do estar junto. Para
Deleuze: “Os processos são os devires, e estes não se julgam pelo resultado que
os findaria, mas pela qualidade de seus cursos e pela potência de sua continuação”.
(1992, p.183)
É na força das intersecções entre várias artes: cênicas, artes do corpo, visuais,
plásticas, performances, música, entre outras, que esses coletivos se apropriam da
cidade e compartilham sensibilidades. Essas propostas de relações com a cidade
por meio de intervenções artísticas aproximam-se do pensamento de Helio Oiticica o
“deslanchador de invenções” na busca de conjugar arte e vida, pois seus processos
têm como fundamento a concepção da Arte como experiência e a cidade como o
lugar por excelência para os experimentos, que estimulam a apropriação crítica e
inventiva destes tempos e espaços. Suely Rolnik observa que:
Todo ambiente sócio-cultural é feito de um conjunto dinâmico de universos.
Tais universos afetam as subjetividades, traduzindo-se como sensações que
mobilizam um investimento de desejo em diferentes graus de intensidade.
Relações se estabelecem entre as várias sensações que vibram na subjetividade
a cada momento, formando constelações de forças cambiantes. (ROLNIK, 1999)
145
Se para Duchamp: “A arte é um caminho que leva para regiões que o
tempo e o espaço não regem” (apud GUATTARI, 1992 p. 129), essas vivências em
coletivos propiciam outras formas de relação com o tempo e com o espaço que não
as obrigatórias e estandardizadas e estão no foco da arte relacional, uma arte que
toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social,
“mais que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado- dá conta de uma
mudança radical dos objetivos culturais e estéticos culturais e políticos postos em
jogo pela arte moderna.” ( BORRIAUD, 2008, p. 13)
A arte relacional é “Uma forma de arte que parte da intersubjetividade e tem
como tema central o estar junto.” (BORRIAUD 2008 p. 14) Poderíamos dizer que
essas intervenções de certa forma são artes relacionais, pois criam espaços livres,
durações cujo ritmo se opõe a vida cotidiana, favorecem o intercâmbio humano
diferente das zonas de comunicação impostas. (BOURRIAUD, 2008 p. 16)
Neste projeto, a cidade é compreendida como uma rede, uma grande malha
hipertextual, lugar do acontecimento e da experiência coletiva, espaço em movimento,
mutante, que se configura e reconfigura de acordo com as ações dos sujeitos que nela
habitam. Se “a cidade produz o destino da humanidade” com afirma Guattari (1992,
p. 173), no caso da intervenção aqui apontada, os entrelaçamentos e as situações
inusitadas provocadas pela ação de flanar de sombrinhas, podem tornar possível
novas formas de apropriação da cidade e engendramento de novas singularidades.
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NÚMERO
7
2
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TraBaLHO fLeXÍVeL e MeTrÓPOLe COnTeMPOrÂnea:
JUVenTUde e a ressiGnifiCaçÃO da idenTidade
OPerÁria
Flexible work and contemporary metropolis:
Youth and the reframing of worker identity.
araÚJO, renan (1).
1.DoutoremSociologiapelaFaculdadedeCiênciaseLetras-Unesp/Araraquara.Professordo
Colegiado de História da Universidade Estadual do Paraná/Paranavaí. Coordenador do Curso de
Especialização em Ciências Humanas - CEICH. Membro da Comissão Executiva da Rede de
Estudos do Trabalho - RET e Co-organizador do livro “Trabalho, Educação e Sociabilidade”. Editora
Praxis,Marília,2010.Autordolivro“OnovoperfilmetalúrgicodoABC”.EditoraFecilcam,Campo
Mourão,2012.([email protected]).
RESUMO
aBsTraCT
Neste artigo discutiremos o complexo
processo de reestruturação produtiva
desencadeado na região do ABC paulista
a partir de 1992. Relacionaremos a
emergência do novo perfil operário e a
reconfiguração dos espaços/territórios
como um duplo movimento inerente ao
metabolismo de produção e reprodução
social do capitalismo contemporâneo,
processos que combinados encontramse indelevelmente na base da construção
identitária desse novo segmento
operário.
In this article we will discuss the complex
restructuring process triggered in the
ABC region of São Paulo from 1992. Will
relate the emergence profile of the new
worker and the reconfiguration of spaces /
territories as a double movement inherent
in the metabolism of social production and
reproduction
of
contemporaneous
capitalism, processes which combined are
indelibly on the basis of identity construction
of this new worker segment.
PaLaVras-CHaVe
REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA;
JUVENTUDE;
ESPAÇO/TERRITÓRIO;
SOCIABILIDADE
148
KEY-WORdS
PRODUCTIVE REESTRUTURING; YOUTH;
SPACE/TERRITORY; SOCIABILITY.
identity construction of this new worker segment.
Key Words: productive restructuring, youth, space/territory, sociability.
1. Reestruturação produtiva no ABC e “metrópole contemporânea”
Anthony Giddens (1991), em “As conseqüências da modernidade”
(1991), pontua que o conteúdo sócio-histórico moderno é marcado por
descontinuidades, por rupturas substantivas capazes de separar as civilizações
modernas das ordens sociais tradicionais, pois a essência da modernidade estaria
relacionada ao:
A-) ritmo de mudança nítido, que a era da modernidade põe em movimento [...]
a rapidez da mudança em condições de modernidade é extrema. Se isso é
mais óbvio no que toca à tecnologia, permeia também todas as outras
esferas;
B-) Conforme diferentes áreas do globo são postas em interconexão, ondas de
transformações sociais penetram virtualmente toda a superfície da terra;
1
Doutor em C-)
Sociologia
Faculdade
Ciências simplesmente
e Letras - Unesp/Araraquara.
Professor em
do
algumaspela
formas
sociaisdemodernas
não serem encontradas
Colegiado de História
da
Universidade
Estadual
do
Paraná/Paranavaí.
Coordenador
do
Curso
de
períodos históricos precedentes, tais como o sistema político do EstadoEspecialização em Ciências Humanas - CEICH. Membro da Comissão Executiva da Rede de
Nação, a dependência por atacado da produção de fontes de energia
Estudos do Trabalho - RET e Co-organizador do livro "Trabalho, Educação e Sociabilidade". Editora
inanimadas, ou a completa transformação em mercadorias de produtos e
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Mourão, 2012. trabalho assalariado.
Os avanços no campo da ciência, particularmente àquelas relacionadas
às novas tecnologias de base mecânico/informática, além de proporcionar maior
competitividade aos setores produtivos e de serviços, sua disseminação por todos os
cantos do planeta contribuiu para superação das arcaicas formas de vida política,
econômica e social baseada em tradicionalismos que vão sendo celeremente
superados pela lógica societária capitalista.
É essa permanente e contraditória dinâmica social moderna que confere
significado a afirmação de que “tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que
era sagrado é profanado”. A emergência do jovem-adulto flexível2 do ABC
paulista, relaciona-se neste caso, justamente a esse processo histórico,
considerando-se evidentemente o contexto e os traços que definem nossa
contemporaneidade.
Na esteira desse processo, ao defender a centralidade do trabalho
enquanto categoria ontológica, Ricardo Antunes (1997) indicou que as
metamorfoses sofridas pela classe operária era a causa fundamental da sua
fragmentação, a (des) reconstrução da sua forma “símbolo” tal qual a conhecíamos
quando do período de hegemonia da clássica indústria taylorista/fordista, e da
consequente fragilização em organizar e desenvolver ações coletivas, tal qual se
caracterizam os movimentos de massas na Europa do pós-guerra, ou no Brasil, em
fins da década de 1970.
Por outro lado, o autor enfatizou que o processo de desproletarização do
trabalho industrial, atestado pela contração numérica do operário fabril fordista, não
significou a superação do proletariado enquanto fonte insubstituível à criação do
valor, mas que a expansão do trabalho assalariado precário, parcial, temporário,
terceirizado; enfim, a subproletarização, reconstituiu em novas bases a criação do
sobretrabalho conforme se verifica no expressivo contingente de operários
“expulsos” do território fabril, processo intensificado com a disseminação do
complexo da reestruturação produtiva que concebido por Taiichi Ohno (1997),
implicava na incorporação seletiva de novas técnica/tecnologias, um novo layout
para a produção que passou a ser organizada na forma de “U”, uma nova concepção
2
Trata-se de um novo segmento metalúrgico que emergiu do processo de reestruturação produtiva
verificado nas montadoras da região do ABC paulista entre os anos de 1992 e 2010. O operário
jovem-adulto flexível corresponde à parcela de “colaboradores” que, situados entre 15 e 35 anos de
idade, podem ser considerados legítimos filhos da re-estruturação produtiva. Se por um lado tem a
escolarização, a qualificação profissional e a condição salarial situada bem acima da média nacional,
149
transformações sociais penetram virtualmente toda a superfície da terra;
C-) algumas formas sociais modernas simplesmente não serem encontradas em
para a gestão deperíodos
pessoal históricos
que procurou
combinar
e coerção,
além
da
precedentes,
taisconsentimento
como o sistema
político do
Estadocriação e expansão
de
inúmeras
empresas
terceirizadas
cuja
conexão
em
rede
Nação, a dependência por atacado da produção de fontes de energia
possibilitou
o
fluxo
rápido
e impiedosa
inanimadas,
oudeprocurou
a informação
completacombinar
transformação
em subordinação
mercadorias
dedessas
produtos
para a gestão de
pessoal
que
consentimento
e coerção,
alémàsdae
indústrias
monopolistas
ligadas
ao
setor
montador.
trabalho
assalariado.
criação e expansão de inúmeras empresas terceirizadas cuja conexão em rede
Poroconta
processo,
a região do
paulista
vivenciou profundas
possibilitou
fluxodesse
rápido
de informação
e ABC
impiedosa
subordinação
dessas às
transformações
econômicas,
sociais
e
políticas
na
medida
em que havia se
indústrias monopolistas
ligadas
ao
setor
montador.
Os avanços no campo da ciência, particularmente àquelas relacionadas
consolidado Por
enquanto
berço processo,
da primeira
“geração”
das paulista
indústrias automobilísticas
conta desse
a região
do ABC
profundas
às novas tecnologias
de base mecânico/informática,
além de vivenciou
proporcionar
maior
instaladas
no
Brasil
a
partir
do
período
JK.
Decorrente
desse
“modelo”
dese
transformações
econômicas,
sociais
e
políticas
na
medida
em
que
havia
competitividade aos setores produtivos e de serviços, sua disseminação por todos os
desenvolvimento
se
ergueu
uma
determinada
forma
de
ocupação
espacial
urbana
consolidado
enquanto
berço da
primeira
“geração”
das indústrias
automobilísticas
cantos do planeta
contribuiu
para
superação
das arcaicas
formas de
vida política,
caoticamente
centrada
necessidades
da indústria
o que converteu ade
instaladas
Brasil nas
a partir
do período
JK. monopolista,
Decorrente
econômica no
e social
baseada
em
tradicionalismos
que vão desse
sendo “modelo”
celeremente
região
no
locus,
no
espaço
privilegiado
de
reprodução
da
vida
social
um
desenvolvimento
se ergueu
umacapitalista.
determinada forma de ocupação espacialdeurbana
superados pela lógica
societária
expressivo
segmento
do nas
proletariado
brasileiro.
caoticamente
centrada
necessidades
da indústria monopolista, o que converteu a
É essa
permanente
e contraditória
dinâmicaeconômica
social moderna que
confere
Foi,
portanto,
no
contexto
da de
abertura
além
região no locus, no espaço privilegiado
reprodução da vidaque,
social
de do
um
significado
a
afirmação
de
que
“tudo
que
era
sólido
e
estável
se
esfuma,
tudo
que
fechamento
Ford motores
(1991), obrasileiro.
ABC assistia um processo de demissãooem
expressivo da
segmento
do proletariado
2
era sagrado
é profanado”.
A montadoras
emergência do jovem-adulto
flexível
do ABC
massa
no setor.
conjuntonodas
demitidos
mais
de cinco
Foi, No
portanto,
contexto da foram
abertura
econômica
que,
alémmildo
paulista,
relaciona-se
neste
caso,
justamente
a
esse
processo
histórico,
trabalhadores:
57.939
operários
no oano
de assistia
1990, houve
uma diminuição
para
fechamento dadeFord
motores
(1991),
ABC
um processo
de demissão
em
considerando-se
evidentemente
o contexto
e os traçosnaque
definem
nossa
52.959
em
1992.
Tal
redução
refletiu-se
imediatamente
cadeia
produtiva,
massa no setor. No conjunto das montadoras foram demitidos mais de cinco mil
contemporaneidade.
desencadeando
de operários
46.564 novas
demissões
entre
os metalúrgicos
do ABC
trabalhadores: um
de total
57.939
no ano
de 1990,
houve
uma diminuição
para
(Dieese
subseção
ABC,
2000).
Em
1987,
o
Brasil
havia
exportado
346
mil
veículos,
esteira
processo,
ao defender
a centralidade
trabalho
52.959 emNa1992.
Tal desse
redução
refletiu-se
imediatamente
na cadeiadoprodutiva,
e desencadeando
em 1991 esse
volume
despencou
para
193 demissões
mil (Anfavea,1995:22).
enquanto
categoria
ontológica,
Ricardo
Antunes
indicou do
queABC
as
um total
de 46.564
novas
entre(1997)
os metalúrgicos
As formas
desertificação
fabril
ou
desindustrialização
regional
metamorfoses
sofridas
pela
classe
operária
erahavia
a causa
fundamental
da já
sua
(Dieese
subseção
ABC,de2000).
Em 1987,
o Brasil
exportado
346 mil
veículos,
haviam
sido esse
verificadas
em
cidadespara
importantes
como
Detroittale qual
Michigan,
regiões
avolume
(des) reconstrução
da sua
“símbolo”
a conhecíamos
efragmentação,
em 1991
despencou
193forma
mil (Anfavea,1995:22).
consideradas
berço
dade
indústria
automobilística
Estadostaylorista/fordista,
Unidos da regional
América.
quando do As
período
da clássica
indústria
e da
formas
dehegemonia
desertificação
fabril nos
ou
desindustrialização
já
Erguidas
como
símbolo
de
sucesso
da
indústria
fordista
Ford
e
General
consequente
fragilizaçãoem
emcidades
organizar
e desenvolver
talMotors
qual
se
haviam
sido verificadas
importantes
como ações
Detroitcoletivas,
e Michigan,
regiões
respectivamente-,
a partir
de de
1990,
sofreram
contundente
processo
de
retração
caracterizam os
movimentos
massas
na Europa
do Estados
pós-guerra,
ou no
em
consideradas
berço
da indústria
automobilística
nos
Unidos
daBrasil,
América.
econômica,
desemprego
em
massa
e
o
correlato
empobrecimento
daquela
fins da década
1970. de sucesso da indústria fordista - Ford
Erguidas
comodesímbolo
e
General
Motors
3
população,
esse
passou
a1990,
assombrar
aque
região
do ABCde
.processo
Porfantasma
outro
lado,
ode
autor
enfatizou
o processo
desproletarização
do
respectivamente-,
a partir
sofreram
contundente
de retração
Uma
das
características
da
barbárie
social
contemporânea
conforme
trabalho industrial,
atestadoem
pelamassa
contração
do operário
fabril fordista,
não
econômica,
desemprego
e numérica
o correlato
empobrecimento
daquela
3
analisou
Viviane
Forrester
(1997)
ao fonte
impacto
social
pelodo
significou
aesse
superação
dopassou
proletariado
enquanto
à criação
população,
fantasma
a relaciona-se
assombrar
a região
do insubstituível
ABC
. provocado
desemprego,
dinâmica
acelerada
odafechamento
de precário,
antigas
plantas
consideradas
valor, mas Uma
que adas
expansão
docom
trabalho
assalariado
parcial,
temporário,
características
barbárie
social
contemporânea
conforme
pouco
competitivas
à
luz
da
nova
concorrência
global.
De
acordo
com
a
autora,
ado
terceirizado;
enfim,
a
subproletarização,
reconstituiu
em
novas
bases
a
criação
analisou Viviane Forrester (1997) relaciona-se ao impacto social provocado pelo
desocupação
permanente
combinada
à falta
de
perspectiva
e ausências
de projetos
sobretrabalho
conforme
se verifica
expressivo
contingente
operários
desemprego,
dinâmica
acelerada
com
o no
fechamento
de antigas
plantas de
consideradas
para
o
futuro,
reverbera
de
forma
contundente
no
contingente
mais
jovem
dadoa
“expulsos”
do
território
fabril,
processo
intensificado
com
a
disseminação
pouco competitivas à luz da nova concorrência global. De acordo com a autora,
população.
fenômeno
produz
perdas
não
no
plano por
material,
masOhno
na
complexo Tal
dapermanente
reestruturação
produtiva
que só
concebido
(1997),
desocupação
combinada
à falta
de
perspectiva
e Taiichi
ausências
de própria
projetos
subjetividade
desse
segmento,
considerando
a
desorientação
provocada
peloda
implicava
na incorporação
novas técnica/tecnologias,
layout
para
o futuro,
reverbera deseletiva
forma de
contundente
no contingente um
maisnovo
jovem
sentimento
deTal
serfenômeno
“descartável”,
o “não
sujeito”
sem
nesse
mundo.
para a produção
que passouproduz
a ser
organizada
forma
de “U”,
uma
nova
população.
perdas
nãona
só
noespaço
plano
material,
mas concepção
na própria
Contudo,
a
partir
do
governo
Lula
(2002),
o
sindicalismo
de São
subjetividade desse segmento, considerando a desorientação provocada
pelo
2
Bernardo
do
Campo
passou
a
influenciar
de
forma
propositiva
nas
negociações
entre
Trata-se
de
um
novo
segmento
metalúrgico
que
emergiu
do
processo
de
reestruturação
produtiva
sentimento de ser “descartável”, o “não sujeito” sem espaço nesse mundo.
capital
e nas
Estado,
permitindo
minorar
os Lula
efeitos
provocados
pela
verificado
montadoras
regiãodo
do ABC
paulista
entre(2002),
osdeletérios
anos o
de sindicalismo
1992
e 2010. O de
operário
Contudo,
a dapartir
governo
São
jovem-adulto flexível
corresponde
àmontadoras
parcela de “colaboradores”
que, situados
entre 15 e 35
anos de
reestruturação
produtiva.
Nas
houveram
demissões
negociadas
através
Bernardo
doser
Campo
passoulegítimos
a influenciar
dere-estruturação
forma propositiva
nas negociações
entre
idade,
podem
considerados
filhos
produtiva. Sepaulatinamente
por um lado tem a
dos
Planos
de
Demissões
Voluntárias
e a da
velha
guarda metalúrgica
capital
e
Estado,
permitindo
minorar
os
efeitos
deletérios
provocados
pela
escolarização, a qualificação profissional e a condição salarial situada bem acima da média nacional,
foi
perdendo
terreno
para
o
segmento
metalúrgico
jovem
adulto-flexível.
Através
dedas
reestruturação
Nasa montadoras
negociadas
através
por outro, são os produtiva.
que têm sofrido
intensidade do houveram
processo de demissões
emulação advinda
da aplicação
novos
investimentos
públicos
para aoperária
produção
e setor
serviços
do ABCde
estratégias
de de
captura
da
subjetividade
meio
de de
novas
formas aderegião
gestão/coerção
dos
Planos
Demissões
Voluntárias
e a por
velha
guarda
metalúrgica
paulatinamente
3
pessoal,
processo
revelador
forma de
ser “pedagógica”
novo metabolismo
produtivofoi
perdendo
terreno
paradaonova
segmento
metalúrgico
jovemdoadulto-flexível.
Através
de
social do capital na época do trabalho flexível. Neste artigo, utilizaremos trechos dos depoimentos
novos
investimentos públicos para a produção e setor de serviços a região do ABC
coletados numa importante fábrica produtora de ônibus e caminhões situada na cidade de São
ÉBernardo
instigantedooCampo.
documentário de Michel Moore, intitulado Roger e EU (Roger and me, EUA-1989).
Roger Smith, presidente da Companhia General Motors, levou a cabo o fechamento da fábrica no1
localizada na cidade de Flint – Estado de Michigan. Foram demitidos mais de 40 mil operários e a
3
É instigante
o documentário
de Michel
intitulado
Roger Sua
e EUrede
(Roger
and me, EUA-1989).
cidade
entrou em
colapso, mergulhou
numMoore,
profundo
caos social.
de comércio
e serviços
Roger
Smith,
presidente
da
Companhia
General
Motors,
levou
a
cabo
o
fechamento
da fábrica
no1
sofreu falência, contribuindo para o aumento das taxas de alcoolismo, suicídio, violência
urbana,
localizada
na cidade
de Flint
– Estadocrise
de Michigan.
Forametc..
demitidos mais de 40 mil operários e a
ações
de despejos
de antigos
operários,
na saúde pública
cidade entrou em colapso, mergulhou num profundo caos social. Sua rede de comércio e serviços
sofreu falência, contribuindo para o aumento das taxas de alcoolismo, suicídio, violência urbana,
ações de despejos de antigos operários, crise na saúde pública etc..
150
população. Tal fenômeno produz perdas não só no plano material, mas na própria
subjetividade desse segmento, considerando a desorientação provocada pelo
sentimento de ser “descartável”, o “não sujeito” sem espaço nesse mundo.
Contudo, a partir do governo Lula (2002), o sindicalismo de São
Bernardo do Campo passou a influenciar de forma propositiva nas negociações entre
capital e Estado, permitindo minorar os efeitos deletérios provocados pela
reestruturação produtiva. Nas montadoras houveram demissões negociadas através
dos Planos de Demissões Voluntárias e a velha guarda metalúrgica paulatinamente
foi perdendo terreno para o segmento metalúrgico jovem adulto-flexível. Através de
novos investimentos públicos para a produção e setor de serviços a região do ABC
paulista conheceu entre, os anos de 1992 e 2010, profundas transformações no seu
espaço urbano.
Decorrente dessa modernização, além de novas e amplas avenidas a
3
É
instigante
o
documentário
Michel
Moore,
intitulado
Roger
EU (Roger and
me, EUA-1989).
região passou
a contar decom
uma
notável
rede
de e shopping
centers
e quatro
Roger
Smith,
presidente
da
Companhia
General
Motors,
levou
a
cabo
o
fechamento
da fábrica no1
destacadas universidades, entre as quais, três são públicas: USCS - Universidade
localizada na cidade de Flint – Estado de Michigan. Foram demitidos mais de 40 mil operários e a
Municipal
Caetano
do num
Sul, profundo
Uni-ABC
Federal
doe Grande
cidade
entrou de
em São
colapso,
mergulhou
caos(Universidade
social. Sua rede de
comércio
serviços
ABC),
FSA
(Fundação
Sto
André)
e
FEI
(Faculdade
de
Engenharia
Industrial).
Esta
sofreu falência, contribuindo para o aumento das taxas de alcoolismo, suicídio, violência urbana,
última,
mesmo de
que
particular,
goza
prestigio
ações
de despejos
antigos
operários,
crisede
naenorme
saúde pública
etc.. em face do reconhecimento
dos cursos oferecidos nas diferentes áreas das engenharias.
Do mesmo modo, a região passou a contar com inúmeras escolas
técnicas públicas e privadas, cursos oferecidos pelo Sistema “S” (Senai, Senac, Sesi)
e uma rede extraordinária formada por escolas de informática ou línguas
estrangeiras frequentadas por um número expressivo de jovens operários.
Refletindo esse processo de reconfiguração do espaço urbano,
particularmente da expansão do setor de serviços, é revelador o novo perfil social
dos habitantes encontrados na região ABC. De acordo com o levantamento feitor
por Iram Rodrigues (2005):
“O Grande ABC é uma das regiões mais ricas do país. Sua
renda per capita, medida em dólar, era de 13.054 em 2000.
Apenas para efeito de comparação, a renda per capita
brasileira é de 3.620 dólares, ao passo que no estado de São
Paulo ela é de aproximadamente 6 mil dólares e na região
da Grande São Paulo, de cerca de 6.400 dólares; a renda
per capita na região do ABC é maior que a da Espanha
(12.209) e um pouco inferior à do Reino Unido (14.170).
Além disso, o Produto Interno Bruto dos municípios que
compõem o Grande ABC é superior ao PIB individual de
dezenove estados da federação” (Iram Rodrigues, 2005:4).
Como parte desse movimento contraditório, na esteira do processo de
reestruturação produtiva, os espaços das cidades da região do ABC sofreram
relevantes transformações enquanto lugares, ambientes de (re) produção e vivência
cotidiana. Considerado como sendo o território de existência do jovem metalúrgico,
mais ainda, refletindo as peculiaridades que norteiam o seu modo de vida
contemporâneo, o redimensionamento e a resignificação dos espaços ganha destaque
na análise desenvolvida por Fani Alessandri Carlos (2001) ao afirmar que:
“[...] os diversos elementos que compõem a existência
comum dos homens inscrevem-se em um espaço; deixam
suas marcas. Lugar onde se manifesta a vida, o espaço é
condição, meio e produto da realização da sociedade
humana em toda a sua multiplicidade. Reproduzido ao
longo de um processo histórico ininterrupto de constituição
da humanidade do homem, este é também o plano da
reprodução. Ao produzir sua existência, a sociedade
reproduz, continuamente, o espaço. Se de um lado o espaço
é um conceito abstrato, de outro tem uma dimensão real e
concreta como lugar de realização da vida humana, que
ocorre diferentemente no tempo e no lugar e que ganha
151
materialidade por meio do território” (Fani Carlos,
2001:11)4.
Tratou-se inicialmente de um intenso processo de transformações
internas do espaço fabril e do seu entorno, mas que gradativamente remodelou as
próprias paisagens urbanas das cidades sede dessas indústrias. Um processo
intensamente vivenciado nos países capitalistas centrais, em fins da década de 1970,
e cujos ventos passaram a soprar no Brasil dos anos 1990 quando da adoção de
políticas fiscais promotoras de uma maior abertura da economia brasileira em
direção do mercado internacional, tal qual se caracterizaram os governos Collor de
Melo e Fernando Henrique Cardoso.
Fani Carlos (2001), ao debruçar-se sobre as novas dimensões, redesenhos
e ocupações do espaço urbano contemporâneo, fornece-nos algumas das pistas, dos
traços que, relevantes, são cruciais ao entendimento dessa nova dinâmica
social/produtiva/geo-espacial aqui indicada, dessa lógica expansiva de reocupação e
ampliação dos espaços pelo capital.
Ao analisar as transformações recentes das cidades, das mudanças nos
espaços urbanos consolidados quando da expansão da grande indústria
taylorista/fordista, temos a indicação de que tal processo acompanha o movimento
de acumulação e condiz com as novas necessidades dos grupos transnacionais em
expandir/completando o circuito composto pelas esferas da produção-circulaçãoconsumo. De forma instigante, a autora nos mostra que:
[...] “Neste contexto, se pode dizer que a metrópole
aparece, hoje, como manifestação espacial concreta do
processo de constituição da sociedade urbana, apoiado no
aprofundamento da divisão espacial do trabalho, na
ampliação do mercado mundial, na eliminação das
fronteiras entre Estados, na expansão do mundo da
mercadoria [...] no momento atual a realidade urbana se
generaliza em um processo conflituoso e contraditório, que
engloba as esferas da reprodução social” (Fani Carlos,
2001: 31-32).
Vemos, portanto, que as questões analisadas por Fani Carlos são
relevantes porque procuram associar o processo das mudanças ao nível macro
(Estado, economia, fronteiras nacionais, centros de comando, etc.) às novas formas
de ocupação dos espaços urbanos, pois, “a competição intercapitalista e a fluidez
do capital-dinheiro com relação ao espaço também forçam racionalizações
geográficas em termos de localização, como parte da dinâmica da acumulação”
(Harvey, 2006:214).
Esse processo de transformação econômica da região, de reconfiguração
geo-espacial das cidades metamorfoseadas em “metrópole contemporânea”,
reafirma os lugares concebidos, por excelência, em espaços de vivências e
experiências cotidianas, de inserção social estranhada do jovem metalúrgico do
ABC. De modo a complementar a tese exposta por Fani Carlos (2001), a nova
4
O individuo que segue do centro de São Bernardo do Campo rumo à cidade de Santo André,
seguindo pela Avenida Pereira Barreto, na entrada da cidade irá se deparar com a enorme fachada de
um majestoso, imponente e moderno Shopping Center. Como que alçado à condição de cartão postal,
é uma espécie de “Arco do Triunfo”, Portão de Brademburgo da cidade, do principal acesso de SBC
sentido Santo André sua existência logo é captada pela visão que impõe aos transeuntes.
152
arquitetura do espaço urbano é apreendida por Rita Velloso (2005) como sendo um
espaço “De interfaces tecnológicas e rascunhos de experiências”:
“[...] graças à compreensão das partes constitutivas de um
objeto arquitetônico, alcançada por meio do movimento do
corpo que explora o espaço físico, conforma-se para o
habitante uma situação que cumpre papel sintético de
estruturar a experiência subjetiva, na qual a motilidade é
responsável por conferir à arquitetura não apenas status de
medium, mas também de componente estruturante de
identidade e permanências” (Velloso, 2005:4).
Por sua vez, em consonância com a tese de Veloso (2005), instigante é o
estudo de Regina Maria P. Meyer (2000) quando procura apreender alguns aspectos
dessas tendências recentes, seus fundamentos e significados, caracterizando as
atuais configurações das anteriores cidades industriais ou “metrópoles modernas”,
agora convertidas em “metrópoles contemporâneas”.
A autora expõe a dinâmica segundo a qual tais transmutações não se
reduzem a forma de ser “arquitetônica” das cidades em espaços geográficos
meramente receptores-reflexos, mas como um processo que apresenta novas
peculiaridades, coadunadas com as formas de acumulação do capital à época do
trabalho flexível:
[...] “é correto afirmar que sua organização física (da
cidade) responde a exigências de todo tipo: econômica,
funcionais, simbólicas, estratégicas e outras, todas elas
impostas pelo sistema produtivo que, desde a emergência
da metrópole moderna, não abandonou seu incessante
“impulso renovador” [...] o “impulso renovador” se
tornou a essência da própria dinâmica metropolitana.
Converteu-se numa dimensão observável e analisável, na
medida em que se materializou no padrão de modernização
imposto pela pressão de um crescimento sem trégua
exigido pelo capitalismo industrial [...] alcançando no final
do século XX uma nova fase de seu percurso. A
materialização de novos padrões de modernização oferece
hoje uma face nova à metrópole” (Meyer, 2000:04-05).
Portanto, é também na “arquitetura”, para além das suas formas e estilos,
que a autora sugere a tese de que nela temos subsumidos novos elementos
constituintes, decorrentes mesmo das novas relações sociais, das forças motrizes
capazes de emulando, forçar o individuo a tomar iniciativas, mover-se. No caso do
trabalho flexível, ser participativo e propositivo, cooperar com a empresa nos seus
diferentes projetos e ações, tornou-se condição sine qua non para a tentativa de se
manter no posto de trabalho.
Por tratar-se de uma sociedade contraditória é que ganha relevância a
preocupação de Veloso (2005) em destacar os lugares como sendo parte (s), do (s)
ambiente (s) em que os indivíduos não só se relacionam, mas os espaços do
cotidiano em que também possam, interagindo, endossar, ou ainda recusar, repelir
ou recriar os conteúdos que lhe são apresentados nesses diferentes
“espaços/territórios” recriados com o complexo de reestruturação produtiva. Sendo
153
espaços onde se desenvolve as contradições sociais, a metrópole contemporânea,
eleva-se também a condição de território de novas possibilidades.
Trata-se dos novos espaços onde a forma arquitetônica encontra-se
intimamente vinculada, é intrínseca às formas de sociabilidade, da tessitura que
compõe o modo de vida nesses novos lugares/ambientes urbanos.
Espaços/territórios onde se desenvolvem formas de sociabilidades, e onde
encontramos subsumidas também, as ideologias que afirmam, negam ou se adaptam
às relações sociais cotidianas. Processo ideológico definido por Terry Eagleton
(1997):
“[...] como processo material geral de produção de ideias,
crenças e valores na vida social [...] ideias e crenças
(verdadeiras ou falsas) que simbolizam as condições e
experiências de vida de um grupo ou classe específico,
socialmente significativo [...] promoção e legitimação dos
interesses de tais grupos sociais em face de interesse
opostos [...] promoção e legitimação de interesses sociais,
restringindo-a, porém, às atividades de um poder social
dominante [...] ideias e crenças que ajudam a legitimar os
interesses de um grupo ou classe dominante mediante,
sobretudo, a distorção e a dissimulação [...] as crenças
falsas ou ilusórias, considerando-as, porém, oriundas não
dos interesses de uma classe dominante, mas da estrutura
material do conjunto da sociedade como um todo”
(Eagleton, 1997:38-40).
Com isso, temos que a ideologia (as) não pode ser apreendida como
construção abstrata, carente de materialidade ou apartada da vida real, pois “[...] a
produção de ideias, de representações, da consciência, está, em princípio,
imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material
dos homens, com a linguagem da vida real. Ou ainda, de acordo com o formulador
do materialismo histórico; [...] os homens são os produtores de suas representações,
de ideias e assim por diante, mas os homens são reais, ativos, tal como são
condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e
pelo intercâmbio a que ele corresponde (Marx, 2007: 93-94).
Ao encontro das premissas acima enunciadas, no esforço de apreender o
conteúdo ideológico apresentado nos “espaços/territórios”, temos que a
interpretação da essencialidade da “arquitetura” urbana, das suas contradições e
significados, expressa um processo subordinado ao conjunto das relações sociais
que traduzem os sentidos sócio/histórico das relações cotidianas nas cidades.
Dessa forma, em consonância com o conceito de “motilidade” utilizado
por Veloso (1995) e a definição marxiana do que é ideologia, encontramos nos
novos “espaços/territórios” da região do ABC paulista os lugares das convivências
“impostas” (aquelas que se desenvolvem no interior da fábrica flexível com o
processo de reestruturação produtiva), ou “espontânea/condicionado” reproduzidas
nos “espaços/territórios” como as escolas, universidade, família, vida afetiva,
relação com os amigos, etc. Processo prenhe de motilidade e que contribui para a
permanência/superação/reconfiguração das relações sociais que repletas de
elementos racionais/irracionais, constrói/desconstrói, promete/descumpre a
154
possibilidade de emancipação do gênero humano, mas que também atua no sentido
de definir a identidade do metalúrgico jovem-adulto flexível.
Trata-se de uma tendência composta por múltiplas dimensões, que
refletem, repercutem e se desdobram na “instauração do cotidiano”, um processo
intrínseco às formas da acumulação flexível contemporânea, cujas “profundas e
rápidas transformações em suas formas ocorrem concomitantemente com uma
profunda transformação da vida cotidiana, que agora constitui paisagem em
metamorfoses” (Fani Carlos, 2001:30).
Ou seja, estamos diante de um único movimento contraditório da
sociedade capitalista que na sua múltipla processualidade, redesenha determinadas
localidades, cidades ou regiões, numa dinâmica que, conforme salientamos,
acompanha as novas formas de acumulação, processo inerente à reestruturação
produtiva, pois sua disseminação implica (re) construir novos espaços, que,
acompanhando as determinações do seu uso pelo capital, ampliam e redefinem os
ambientes de vivência cotidiana.
Diante do que foi exposto até aqui, podemos aferir que
concomitantemente à emergência do segmento metalúrgico jovem-adulto flexível,
processo correlato ao complexo de reestruturação produtiva, verificou-se
significativas transformações nos espaços/territórios urbanos. A cidade/região do
ABC incorporou mudanças arquitetônicas, um novo território social do qual se
forjou a identidade desse segmento metalúrgico. Vale ressaltar, identidade
transmutada em diferentes aspectos quando comparada com a velha guarda operária.
Basta recordar que a tessitura identitária dos antigos operários foi forjada nas ações
coletivas de massa como os movimentos grevistas em fins dos anos 70. O jovem
metalúrgico dos dias atuais, por sua vez, surgiu da ofensiva do capital, do novo
corolário flexível que compõe o complexo da reestruturação produtiva e do
propositivismo sindical, das ações fundamentadas na tese da parceria entre capital e
trabalho.
1.2 A identidade do jovem metalúrgico do abc
É no bojo desse processo de transformação do espaço urbano, da
correlata ampliação por excelência dos territórios, aqui entendidos como sendo
lugares de vivência, dos ambientes que se caracterizam por ser quase uma extensão
do cotidiano fabril, os lugares por excelência de (re) produção e de (re) definição de
alguns dos aspectos relativos ao modo de vida que se apresentam as particularidades
das formas de sociabilidade do operário jovem-adulto flexível.
Disso decorre que compreender o espaço enquanto o “lugar de
realização da vida humana [...] lugar que ganha materialidade por meio do
território”, conforme salientou Fani Carlos (2001:11), significa reconhecê-lo como
a instância/referência social contemporânea onde, de fato, são tecidas as relações
sociais desse novo segmento metalúrgico.
Conforme temos salientado, valorizar o reconhecimento dessa dimensão
social dos lugares/espaços se faz necessário, pois é nesses ambientes de
convivências que se estabelecem alguns dos parâmetros e das referências que
compõem a identidade dessa nova geração operária. Trata-se, portanto, de
considerar que a “ocupação” dos lugares/espaços, converte-os em território das
vivências cotidianas.
155
É por isso que, ao enfatizarmos alguns dos aspectos sociais relacionados
à nova faceta da “arquitetura urbana”, queremos reforçar a premissa de que a,
“metrópole contemporânea” é “o espaço físico [...] que
cumpre o papel sintético de estruturar a experiência
subjetiva [...] é responsável por conferir à arquitetura não
apenas status de médium, mas também de componente
estruturante de identidade e permanências” (Velloso,
2005:04).
Ou seja, mormente ao processo de “reestruturação-espacial” das cidades,
de transmutação da vida urbana em vida na “metrópole contemporânea”, esse
movimento avassalador impulsionado pela “força da grana que ergue e destrói
coisas belas”, na verdade, “responde as exigências de todo tipo: econômica,
funcional, simbólica, estratégica, e outras, todas elas impostas pelo sistema
produtivo” (Meyer, 2000:04).
Com base nesses pressupostos, temos que a metrópole contemporânea se
impõe como sendo o palco privilegiado de construção da identidade do jovemadulto flexível. Da identidade aqui entendida como sendo um:
“[...] processo de construção de significados com base em
um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos
culturais inter-relacionados, o (s) qual (s) prevalece (m)
sobre outra fonte de significado. Para um indivíduo ou
ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas.
No entanto, essa fonte de pluralidade é fonte de tensão e
contradição, tanto na auto-representação quanto na ação
social” (Castells, 1999:22).
A partir da interpretação de Manuel Castells (1999), vemos que os
diferentes signos definidores de uma determinada tessitura social não são imutáveis;
ao contrário, expressam um processo permanente de (des-re) construção, um
dialético, intenso, agudo momento de formação/confrontação entre “atributos
culturais, ou um conjunto de atributos culturais inter-relacionados”, cujos embates e
contradições estão na base da tessitura que compõe a identidade dos indivíduos,
grupos ou classes sociais.
É um processo que, no seu bojo, não só se desnudam alguns elementos
sociais constitutivos dessas novas tendências, mas também se desvela dialeticamente
que, pari-passu às mudanças e permanências, é do seio dessa nova realidade que,
gradativamente, o novo em construção pode irromper seu invólucro para se
apresentar como sendo expressão do presente, do agora, das novas tendências
sociais.
Em seu estudo sobre as formas de coexistência entre as duas gerações
operárias, a anterior e a posterior ao processo de reestruturação, Kimi Tomizaki
(2007) nos apresenta alguns dados relevantes à compreensão da nova identidade
metalúrgica. Assim, informa-nos que:
“A primeira geração, na maioria absoluta, tem origem rural
e foi introduzida em uma fábrica tipicamente
taylorista/fordista. Trata-se, portanto, de trabalhadores
formados pelo “trabalho pesado”, que, por conseqüência,
valorizam a força física como recurso identitário
156
importante. Alem disso, os aspectos que definem a
masculinidade e a virilidade são bastante visíveis, tanto na
forma conservadora de se vestir ou de cortar e manter o
cabelo quanto no cultivo dos hábitos de beber (geralmente
cachaça) e fumar. A segunda geração (no caso os jovensadultos flexíveis aqui estudados), por sua vez, fortemente
influenciada pela cultura escolar e gozando de padrões de
vida da classe média, apresenta outra relação com o corpo.
A força física é mais eufemizada; o cuidado com as roupas,
por exemplo, causa estranheza entre os mais velhos, além
dos brincos, cabelos longos (ou cabeça raspada) e outros
acessórios inimagináveis para a primeira geração, tais
como anéis, pulseiras, colares e as inevitáveis tatuagens”
(Tomizaki, 2007:168-169).
Com base em nossa pesquisa de campo acrescentaríamos às informações
trazidas por Tomizaki a existência de diferentes formas de linguagem
exaustivamente utilizadas pelos jovens, seja na forma de comunicação verbal ou
gestual.
Ao mesmo tempo, contribui para o entendimento da identidade do
operário jovem-adulto flexível o fato de que, na coleta de depoimentos, com o intuito
de sempre deixá-los mais tranqüilos, soltos, com algum controle sobre a situação,
adotamos como critério que cabia ao depoente a escolha do local para nossa
conversa. É interessante destacar que quando perguntávamos o local de preferência
para a realização da atividade a maioria respondia de pronto: “Tem um shopping
aqui perto. Vamos lá, pode ser?”
Como essa atitude se repetia, passei a perguntar: “Você sempre vem
aqui”? Márcia, por exemplo, nos respondeu: “quase sempre”. Insistíamos: “Você
pode nos falar um pouco mais sobre esse quase sempre”? A resposta é bastante
elucidativa:
“olha, minha vida é uma correria, quase não tenho tempo
pra nada. Quando tenho, venho aqui. Aqui você tem as
lojas se precisar comprar alguma coisa, tem a praça da
alimentação e tem o cinema. Tá tudo aqui, você não perde
tempo correndo por ai”.
Em seu relato, Jorge, outro jovem operário nos informou sobre seu
relacionamento com a namorada:
“[...] a vida dela era corrida também. Então ela pegava o
fretado (ônibus), ela acordava às cinco da manhã, ia pra
Universidade e depois ia direto pro curso de inglês, ficava
lá uma parte da tarde, trabalhava até onze horas da noite
mais ou menos. Como eu saía da universidade às dez e
quarenta da noite, nesses vinte minutos eu conseguia sair
de carro e buscá-la lá às onze horas, exatamente no horário
que ela saía. E neste pequeno tempo, meia hora, quarenta
minutos eu passeava com ela, eu ia no Habib’s com ela, ou
deixava ela na casa dela...ficava namorando um pouquinho,
a gente sempre se via”. A gente sempre se via [...] a gente
sempre dava um jeito de se encontrar” .
157
Manter-se organizado, antever e planejar, encontrar rapidamente as
respostas sem perder a objetividade e a eficiência, eis aqui uma demonstração cabal
de como se aplicam alguns dos princípios dos 5s (Seiri: Senso de utilização. Seiton:
Senso de organização. Seisō: Senso de limpeza. Seiketsu: Senso de padronização.
Shitsuke: Senso de auto-disciplina) na vida cotidiana.
Disso decorre que, a partir da constatação de Manuel Castells (1999),
temos a possibilidade de apreender que os diferenciados traços de aparência física,
novos comportamentos, atitudes, hábitos e costumes, escolaridade, qualificação
profissional, aspectos físicos e sociais, constituem enquanto traços que, entranhados,
são indicativos do modo de vida do jovem-adulto flexível.
Ou ainda, revelam-se como aspectos de uma nova identidade que, em
construção, acompanham a transição, as metamorfoses das cidades em metrópoles
contemporâneas concomitantemente ao processo de expansão da reestruturação
produtiva. Da emergência do jovem metalúrgico que convive conflitivamente com o
antigo perfil metalúrgico forjado na indústria taylorista/fordista strictu sensu.
1.3 Consumismo, comportamentos e fetiches
É por isso que, como parte das formas de sociabilidade contemporânea,
momento de tensão e confronto entre diferentes identidades operárias, fazem-se
oportunas algumas das reflexões que procuram abordar tendências, fundamentos e
significados recentes que guardam relação com as problemáticas aqui analisadas.
Em suas ponderações sobre a “sociedade de consumo”, Isleide
Fontenelle (2002) e Valquíria Padilha (2006), trazem à baila aspectos relevantes
para a compreensão das novas formas de sociabilidade/identidade no capitalismo
contemporâneo.
Discorrendo inicialmente sobre as múltiplas contradições sociais
recentes, sobre a modernidade fundada na busca de realização do valor,
privilegiando as esferas da circulação e do consumo, analisam o elo que vincula
nossa contemporaneidade aos elementos caracterizadores da sociedade capitalista
tal qual se estruturou nos países industrializados durante o século XIX, instante de
consolidação da “metrópole moderna” (Fani Carlos, 2001).
Dessa forma, indicam que a instauração da “cultura do consumo”
remonta à emergência das lojas de departamentos, processo que, ao reconfigurar os
hábitos do cotidiano, determinam a formação de novos valores sociais, base sobre a
qual se assentaram as relações interpessoais. Como parte dessas tendências, a
própria concepção dos espaços e do seu uso sofreram fortes impactos a partir da
emergência da grande indústria conforme temos afirmado.
Assim, a disseminação da “cultura do descartável” (expressão já
presente na vida da “metrópole contemporânea”), vista como desdobramento da
sociedade de consumo, ao interpenetrar de diferentes modos o conjunto das relações
humanas tende a impor mediações ancoradas em valores sociais oriundos desse
novo padrão de consumo.
Trata-se de um processo impulsionado pelas novas possibilidades de
diversificação, de ampliação da produção de mercadorias numa dinâmica
diretamente vinculada à emergência do trabalho flexível, que, a partir da
intensificação do grau de exploração do trabalho vivo, permite ao capital obter
aumento dos índices de produtividade.
158
Enquanto o capital – como é próprio da sua natureza – reduz os homens
à condição de coisa (força de trabalho), esse processo de homogeneização
massificada dos indivíduos, ao retirar parte essencial daquilo que lhe dá sentido de
vida, reduz a existência humana à lógica intrínseca do trabalho alienado. Nesse
caso, a busca pela satisfação individual é canalizada quase que totalmente para a
esfera do consumo.
Já nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, Karl Marx (1844), numa
análise crítica à interpretação da economia política indica alguns dos fundamentos
históricos sobre os quais se assentam as relações trabalho-abstrato/propriedade
privada.
A partir dai, discorre sobre a origem (ou razão essencial) do processo de
alienação que, à época moderna, resulta do contraditório processo histórico
(portanto, não natural) de dissociação da relação homem/trabalho, pois:
“O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais
riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em
poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria
tão barata quanto mais mercadorias ele cria. Com a
valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção
direta a desvalorização do mundo dos homens. O
trabalhador não produz somente mercadorias; ele produz a
si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria [...] A
efetivação do trabalho tanto aparece como desefetivação
que o trabalhador é desefetivado até morrer de fome [...]
sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o
trabalhador só pode se apossar com os maiores esforços e
com as mais extraordinárias interrupções. A apropriação do
objeto tanto aparece como estranhamento que, quanto mais
objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e
tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital”
(Marx, 2004:80-81).
É, portanto, nesse contexto de produção moderna, de excessos de
mercadorias - particularmente em nosso tempo presente - que as classes, segmentos
de classes ou grupos sociais específicos são incitados a introjetar comportamentos
que, ao reafirmar um determinado modo de vida, faz com que a identidade do
individuo, grupo ou classe social seja fundada/reforçada na idéia de um hedonismo
calcado no consumo desenfreado, no consumismo propriamente dito5.
5
Para José Saramago (2000), “as pessoas não saem de dentro de moldes”, não podem viver o tempo
todo sendo “moldadas”, ou seja, é preciso recuperar o verdadeiro sentido da vida, é possível, é
preciso resistir!. O conceito de trabalho alienado empregado em nosso texto parte do entendimento
de que “alienação é sempre alienação em face de alguma coisa e, mais precisamente, em face das
possibilidades concretas de desenvolvimento genérico da humanidade” (Heller, 1989:37). Nesse
sentido, vemos quão é revelador o filme intitulado “A classe operária vai ao paraíso” dirigido por
Elio Petri (1971), particularmente na cena em que o operário metalúrgico “Lulu”, (Gian Maria
Volontè) após o fracasso da greve, demitido e abandonado pela mulher e pelo filho, vê-se sozinho.
No quarto, seu olhar penetrante e reflexivo faz uma varredura pelo ambiente. Transbordando em
exaustão, seus olhos transcorrem lentamente pelo teto, descem pelas paredes e, inertes, focalizam as
mobílias repletas de brinquedos. Com a cabeça pesada realiza leves movimentos, ora para esquerda
hora para a direita, ora para cima ora para baixo. Desiludido, observa tudo em sua volta. É como se a
cena sugerisse o momento máximo do “absurdo”, as formas de alienação da época contemporânea
sendo reveladas. Lulu, o ex-metalúrgico vê-se negado enquanto humano-genérico, e com seu olhar de
“morto-vivo” pergunta a si mesmo: “Em que mundo eu vivo? Qual o sentido disso tudo”?.
159
Um processo de exacerbação das diferentes formas de fetiches correlatos
à produção de mercadorias em grande escala, revelador de que “durante o tempo de
trabalho, o operário não mais se pertence; não é mais ele mesmo, transformado
não só em objeto, mas em objeto pertencente a outro, ele é, ao mesmo tempo,
reificado e alienado” (Goldmann, 1979:142).
Segundo Fontenelle (2002), o termo fetichismo foi criado no século
XVIII, por volta de 1750, oriundo da palavra fetiche, por sua vez derivada do
português feitiço, artifício. Jean Baudrillard foi buscar a etimologia do termo
fetiche, surgido na França do século XVII, para nos mostrar como ele sofreu, nos
nossos dias, uma distorção semântica, pois,
“O termo, usualmente utilizado para se referir a uma
propriedade sobrenatural do objeto, significa, em sua
origem, o inverso: “fabrico, um artefato, um trabalho de
aparências e de signos”. O português feitiço vem do latim
facticius (fazer), cujo sentido é “imitar por sinais”, como,
por exemplo, “fazer-se devoto”. Por isso, o que é forte no
sentido da palavra é o aspecto de fingimento, de disfarces,
de inscrição artificial, numa palavra, de um trabalho
cultural de signos na origem do estatuto do objeto-feitiço
e, portanto, em parte também no fascínio que ele exerce”
(Fontenelle, 2002: 280-281).
Não é por acaso que as imagens transmitidas, tanto aquelas relativas ao
corpo quanto as que se manifestam pelas ideias, atitudes e pelos comportamentos do
jovem-adulto flexível nos fornecem pistas sobre o seu novo conteúdo social
identitário. São ilustrativas de alguns dos signos que compõem nossa
contemporaneidade, aqui entendida como processo de vigência plena da
modernidade, da modernidade do capital.
De forma conflitiva, esse novo conteúdo social identitário, peculiar ao
novo perfil operário, na fábrica, é apreendido pelos operários antigos da seguinte
maneira:
“O jovem hoje, ele só pensa em comprar carro, roupa [...] o
dia inteiro andando, e assim ficam, daqui a pouco chega:”
“ô mano, ô vagabundo, vem aqui”, esses papos assim”.
Ou ainda, segundo depoimento coletado por Tomizaki (2005):
“[...] Ele sai do Senai, vai fazer uma faculdade... Então, ele
pensa: ‘Pô! Eu estando aqui já é um caminho pra poder
estar lá em cima! Pegar um cargo de chefia, vir pra área
administrativa.’ Então, ele vem com esse pensamento”.
Nesse contexto, no momento em que o jovem-adulto flexível é visto
pelos mais antigos como sendo a síntese portadora de um comportamento
marcadamente consumista, individualista, preferimos percebê-lo como expressão
das peculiaridades da sociabilidade capitalista contemporânea, que condiciona a
existência/identidade/reconhecimento do indivíduo ao que é capaz de consumir,
sejam as mercadorias, sejam as “idéias difundidas” como parte da ideologia do
capital à época do trabalho flexível.
160
Mais ainda, não podemos nos esquecer de que o jovem metalúrgico é
profundo conhecedor dos dramas relativos à fase de “estagiário”, momento em que
passou por entre as “portas do inferno” na busca da sua efetivação no emprego.
Nesse caso, como sugere Padilha (2006), consumir pode representar uma tentativa
de se perceber importante, um “instante fetichante” em que a vida parece ter algum
sentido.
Contudo, tais comportamentos, idéias e atitudes correspondem, ao que
tudo indica, à manifestação cabal do processo de desefetivação, pois, “com a
valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização
do mundo dos homens” (Marx, 2004:81). A partir desse pressuposto, Goldmann
analisou:
“[...] a economia mercantil, em particular a economia
capitalista, tende a substituir na consciência dos produtores
o valor de uso pelo valor de troca, e as relações humanas
concretas e significativas por relações abstratas e
universais entre vendedores e compradores; tende, assim a
substituir, no conjunto da vida humana, o qualitativo pelo
quantitativo” (Goldmann, 1979:125).
Sendo assim, uma marca de nossa contemporaneidade - como
consequência das formas mais agudas de manifestação desse comportamento social
alienado - é dada pela intensificação, pelo acirramento brutal das disputas entre os
próprios operários pela manutenção do emprego.
Um dos significados dessa nova forma de emulação diz respeito à
incorporação do conteúdo ideológico que, subsumida, no conceito de
empregabilidade, à época do trabalho flexível, é exaustivamente disseminada pelas
empresas, particularmente nas indústrias automobilísticas encontradas na região do
ABC paulista.
Com isso, desnuda-se o fato de que, estando o conhecimento e a ciência,
de modo geral, vinculados direta ou indiretamente ao processo de
acumulação/produção de mercadorias, as relações sociais, em face da racionalidade
instrumental alienada, tendem cada vez mais a incorporar/reproduzir, no cotidiano,
formas alienadas de sociabilidade, cujos fundamentos estão na base das “rusgas”
entre o antigo e o novo perfil operário:
“[...] à medida que a reificação foi fazendo progressos, a
ruptura entre a realidade social e a busca do humano
acentuou-se a tal ponto - pelos menos no mundo capitalista
- que a expressão dessa busca teve de ceder lugar à simples
constatação e descrição de uma realidade social reificada
inumana e privada de significação” (Goldmann, 1979:137).
É com base nesses pressupostos teóricos que devemos compreender, por
exemplo, o empenho de Valquíria Padilha (2006) em analisar as tendências da
“sociedade de consumo” como sacramentadas em espaços como os shoppings
centers, momento em que os freqüentadores dessas “catedrais” se enredam em
novas formas de sociabilidade alienada:
“A sociedade do consumo faz com que os indivíduos
organizem sua vida – o trabalho, o lazer, a família, as
161
relações – fora do mundo e da sua história, num mundo
fundado no privado, fechado e abstrato dos signos, por
intermédio das mercadorias e do consumo” (Padilha,
2006:102).
Nesse processo, a publicidade, ao manipular/construir “vontades”,
direcionando-as fundamentalmente para o consumo, não só facilita o fluxo das
mercadorias, fechando o circulo da acumulação (produção-circulação-consumo),
mas também, sofisticadamente, projeta a “sociedade de massa” como uma
sociedade sem classes sociais antagônicas, projeta uma imagem da sociedade
capitalista “sem sua essência”, que são as contradições e os interesses de classes
distintas. Essa constatação não escapa a Valquíria Padilha, quando destaca que;
“[...] procurando um paradoxal movimento de
personificação das pessoas, acabando por fazer
desaparecer, na verdade, a hierarquia social [...] a
publicidade vende de tudo a todos, indistintamente, como
se a sociedade de massa fosse uma sociedade sem classes”
(Padilha, 2006:104).
Vê-se, portanto, que atualmente a publicidade desempenha importante
papel ao alcançar um número cada vez maior de consumidores, apresentando a eles
uma infinidade de mercadorias e “ideias” disponíveis em escala sempre ampliada
num processo em que, do centro à periferia do planeta, alcançando os mais
recônditos lugares, visa “provocar” desejos de consumo por meio do uso de
sofisticadas linguagens e técnicas de manipulação:
“O desejo da marca em fazer-se presente na “mídiarealidade”, através de acontecimentos surpreendentes, vai
ao encontro do funcionamento de mídia de notícias, em
que se misturam, cada vez mais, informação e diversão. E
os profissionais de marketing embaralham ainda mais essas
fronteiras, em busca do tom de “realidade” que precisam
imprimir às suas marcas” (Fontenelle, 2002:266).
Ou seja, é preciso se comunicar, ser verdadeiro, ser notícia. É
nesse contexto onde tudo se encontra conectado que a indústria montadora aqui
tomada como referência criou uma série de informativos direcionados aos
colaboradores, fornecedores e ao público externo, um caminho mais estreito e
direto, facilitador da comunicação e da aproximação entre capital e trabalho.
Com isso, cria-se uma rede de co-responsabilidades na medida em que
todos devem ser percebidos, sentir-se pertencentes ao grupo - direção, gerência,
colaboradores e fornecedores-, os responsáveis mesmo pelo aumento da
produtividade, pela melhor qualidade das mercadorias produzidas na nova fábrica
flexível e pela participação ampliada no competitivo mercado global. Ou seja,
prosperarem “juntos” enquanto uma invejável “grande família coorporativa”
segundo definição de Taichi Ohno (1997).
Nesse peculiar contexto de nossa modernidade, da cotidianidade vivida
na metrópole contemporânea e da disseminação do processo de reestruturação
produtiva. Do aumento da produtividade e da inédita oferta de mercadorias, da
pasteurização das relações sociais em meio a massificação impulsionadora das
formas de estranhamento entre o “ser” e o “ter”, que problemáticas relativas às
162
formas de sociabilidade contemporânea, particularmente as identidades e os
conflitos entre o antigo metalúrgico e o jovem-adulto flexível, devem ser percebidas.
Se a atual “crise de valores” são fomentadas por uma nova moral que
dissemina/justifica as atitudes consumistas e individualistas, é do seio dessa luta
permanente de todos contra todos, de negação contingente da cooperação enquanto
essência humana que se assentam algumas das facetas da barbárie social
contemporânea, pois o capital precisa reeditar em nosso tempo alguns dos princípios
modernos caracterizados do self-made-man.
Uma espécie de versão caricata do competitivo Robinson Crusoé que
agora, rompendo o isolamento de sua ilha, conecta-se com a multidão solitária que
trafega pela rede. Talvez isso explique a afirmação do Dr. Drauzio Varela ao
afirmar que o grande mal da depressão está no fato de que ela se tornou permanente.
E assim, todos juntos se convertem em cidadãos consumidores; seja das
mercadorias em excesso, seja a solidão compartilhada, ou no limite, uns aos outros.
Por outro lado, os defensores do liberalismo clássico, ao reinterpretá-lo, invertem a
ideia original da canção e só fazem ressoar a máxima de que “é preciso saber
viver”. Uma manifesta tentativa ideológica de fazer prevalecer, tão somente, uma
forma de sociabilidade ungida pelos valores do mercado.
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VOLUME NÚMERO - Revista Agenda Social