OS HIGIENISTAS E A EDUCAÇÃO FÍSICA: A HISTÓRIA DOS SEUS IDEAIS por Edivaldo Gois Junior ___________________________ Dissertação de Mestrado Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho Como Requisito Parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação Física Rio de Janeiro, Março de 2000 Dedico a Soraya e à minha família Homenagem ao professor Primeiramente eu gostaria de declarar meu amor a esta profissão. Algumas vezes desacreditada, outras creditada, não importa, o que interessa é que escolhi este ofício, e tenho muito orgulho dele. Contudo este amor não é por acaso, pois teve origem no trabalho daqueles outros, que um dia foram e são meus professores. Foram eles que ensinaram-me a gostar e optar pelo magistério. Eram e são tão talentosos, que me despertaram admiração. Então perguntei a mim mesmo: por que não? E estou aqui hoje escrevendo este texto cafona que antecede minha dissertação de mestrado. Pensei, desta forma, que seria justo homenagear aqueles que me ajudaram no caminho da Educação. Aos sete anos eu entrei em uma escola para até hoje, dezessete anos depois, nunca mais sair. Naquele ano, 1983, eu observava com certa preocupação aquelas crianças chorando copiosamente, não querendo de forma alguma deixar a mãe e ficar com uma senhora desconhecida. Esta senhora era uma professora, a primeira que tinha visto em toda minha vida, pelo menos que me lembre. Passado algum tempo, estávamos todos nós, chorões ou não, em uma sala de aula. Dentro daquele ambiente, aquela senhora, que me lembro o nome, era Yolanda, nos ensinava as coisas mais simples como escrever, ler, desenhar. Porém o mais simples é o mais complicado, que talento e paciência tinha aquela senhora, que por inúmeras vezes pegava na mão de cada um, sem excluir ninguém, mesmo aqueles que não tinham interesse. Eu tenho muitas lembranças para contar da Professora Yolanda, que certamente já faleceu, pena que o espaço e tempo sejam pequenos agora. Outro professor importante era o Joel. Sua disciplina era Educação Física, sua pedagogia era tecnicista, como era comum. Contudo o tecnicismo não o desqualificava, pois valores como cooperação, amizade, eram muito valorizados em sua aula. Lembro que quando disputávamos os campeonatos escolares, e um parceiro errava um passe, ou uma jogada simples, ele exigia que nós déssemos apoio ao menino. Ele foi um professor muito importante na formação de seus alunos, ensinando valores como a solidariedade. Já na faculdade, eu conheci um professor um pouco louco, um maluco beleza. Seu nome: Antônio Geraldo Magalhães Gomes Pires. Eu devo muito a este professor, pois ele acreditou mais do que ninguém em meu potencial. Fora este aspecto, que didática ele possui. É impossível não prestar atenção, não entender o tema mais complicado se ele está na frente do quadro-negro. Sua aula é um espetáculo, gestos, bocas e caras, andando o tempo todo para lá e pra cá. Transparências nem pensar, só o giz basta. Para ele, transparência sofisticada é estratégia de professor sem talento. Eu tento seguir seu exemplo, mas não é todo mundo que tem seu carisma. Na faculdade no interior de São Paulo, também, eu tive o prazer de ser orientado por um tal de Pedro Pagni. Quantas histórias eu tenho para contar desse cara. O fato é que em 1995, eu buscava, destemperadamente, alguém que me pudesse orientar em História da Educação Física, então me indicaram o Pedro, que não era meu professor. Então fui procurar o tal do Pedro, entrei no restaurante universitário, sentei na mesa do professor, e fiz todo um discurso e perguntei: e então, Professor? Ele respondeu: “Acho interessante, por que você não procura o Pedro?” Eu tinha me enganado de pessoa, o cara do cavanhaque era o Geraldo, que mais tarde foi meu professor e que já homenageei neste texto. O engano foi uma gafe, contudo ele me indicou que o Pedro ia palestrar naquele dia, foi quando o conheci. Disse ao Pedro que queria estudar a Educação Física na Grécia Antiga. Minha primeira leitura indicada por um orientador foi o Paidéia, umas mil páginas, acho que ele queria que eu desistisse, isto não aconteceu. Nos três anos em que ele me orientou eu aprendi muito. Existe muito do Pedro nesta dissertação. No mestrado, eu conheci melhor uma cidade e uma pessoa maravilhosa. Um sotaque muito reconhecível, jeito latino, um argentino meio desconfiado, fumando sem parar, me entrevistava na seleção do mestrado. Achava que ele não tinha ido com minha cara. Acho que me enganei, além de ter passado na seleção, acabei sendo seu orientando, e que sorte a minha. Não só pelo intelectual que ele é, pelo professor dedicado, pelo profissionalismo, qualidades que divide com o Antônio Jorge Soares, mas pelo amigo que se revelou. Eu só tenho palavras carinhosas para este amigo. Obrigado Hugo Lovisolo. Foi esta maneira muito simples que encontrei para dizer obrigado a estes profissionais, que piegas não? GOIS JUNIOR , E (2000) . Os higienistas e a Educação Física: a história de seus ideais. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: PPGEF, Universidade Gama Filho. 2 Orientador: Prof. Dr. Hugo Lovisolo RESUMO Esta dissertação tem como objetivo refletir sobre a homogeneidade ou heterogeneidade do discurso do “movimento higienista” e sua influência sobre a Educação Física. Para isto, enfatizamos a análise de discursos teóricos e propostas de intervenção dos higienistas. Chegamos à conclusão que havia uma mentalidade heterogênea e difusa entre os mesmos. Sendo que suas propostas iam da regulamentação dos casamentos entre indivíduos mais aptos, esterilização, até a democratização da saúde e da educação, ambas estratégias divulgadas por periódicos da Educação Física. Assim sendo, o que pode caracterizar os higienistas é o interesse comum na divulgação de hábitos higiênicos, normas profiláticas e cuidados com o corpo. Seus objetivos não eram simplesmente atender os interesses de determinada classe social, mas sim, fazer que seus conhecimentos científicos pudessem melhorar a vida de todos. Isto ficou claro a partir da análise de documentos que despertam a atenção pelo caráter reivindicatório do discurso de vários higienistas, que apontam a necessidade urgente da intervenção nos problemas sociais da sociedade em voga. 3 GOIS JÚNIOR, E (2000). The higienistas and the Physical Education: the history of its ideals. (Master Dissertation ). Rio de Janeiro: PPGEF, Gama Filho University. Adviser : Prof. Dr. Hugo Lovisolo ABSTRACT This dissertation has as objective to contemplate on the homogeneity or heterogeneity of the speech of the " movement higienist" and its influence on the Physical Education. For this, we emphasized the theoretical and proposed of intervention of the higienists analysis of speeches. We reached the conclusion that there was a heterogeneous and diffuse mentality among the same ones. And its proposals went of the regulation of the marriages among more capable individuals, sterilization, until the democratization of the health and of the education, both strategies disclosed by newspapers of the Physical Education. Like this being, what can characterize the higienistas it is the common interest in the popularization of hygienic habits, medics norms and cares with the body. Its objectives were not simply to assist the interests certain social class, but yes, to do that its scientific knowledge could improve the life of everybody. This was clear starting from the analysis of documents that you/they wake up the attention for the character chritical of the speech of several higienists, that aim the urgent need of the intervention in the social problems of the society in vogue. 4 ÍNDICE CAPÍTULO INTRODUÇÃO.................................................................................. - Problema e posição Página 001 - Delimitando o objeto - Caminhando para uma hipótese - Metodologia - Relevância e Justificativa - Revisitando a historiografia da Educação Física - O que o leitor pode esperar desta dissertação 1– O “MOVIMENTO HIGIENISTA” NA EUROPA..................... 019 - Do contexto - Industrialização - A urbanização e as epidemias - Uma nova filantropia - O paradoxo do Liberalismo - O idealismo do “movimento higienista” - O motor humano - Desenvolvimento e debates da Medicina 2 – OS HIGIENISTAS DO BRASIL............................................... 060 - Brasil : início do século XX - Abandono do povo: as epidemias - Pessimismo em relação à raça e ao povo - A resposta nacionalista - Discussão intelectual sobre os problemas do Brasil - Os higienistas: crítica da sociedade e polêmica racial - O “movimento higienista”: seus contrastes e suas complexidade - Como mudar? A intervenção higienista 3 – A EDUCAÇÃO FÍSICA E OS HIGIENISTAS......................... 142 - O exemplo francês - Os intelectuais brasileiros, os higienistas e os métodos ginásticos no Brasil - O melhor método - Outras propostas, os mesmos objetivos - A Educação Física e as teorias higienistas - Precisamos nos legitimar CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................... 166 BIBLIOGRAFIA BÁSICA.............................................................. 169 5 INTRODUÇÃO " enquanto houver historiadores, suas explicações serão incompletas, pois nunca poderão ser uma regressão ao infinito”(Veyne, 1995, p.56.). Problema e posição Em meados do fim do século XIX e início do século XX, surgia um novo discurso. Suas propostas residiam na defesa da Saúde Pública, na Educação, e no ensino de novos hábitos. Convencionou-se chamá-lo de “movimento higienista”. O movimento tem uma idéia central que é a de valorizar a população como um bem, com capital, com recurso talvez principal da Nação (Rabinbach, 1992). O movimento se expandiu pelo mundo e chegou ao Brasil, embora mediante reapropriações e reinterpretações. Preconizando normas, hábitos, que colaborariam com o aprimoramento da saúde coletiva, do povo, da raça. Nas últimas décadas, a interpretação do “movimento higienista” foi abertamente crítica, sobretudo nas obras de história da Educação Física geradas a partir dos anos oitenta. O argumento central dos críticos baseou-se um duas operações: mediante a primeira o “movimento higienista” foi homogeneizado, considerado como um discurso e uma prática de caráter unitário; pela segunda, foi considerado como agindo em bloco a serviço dos interesses das 6 classes dominantes. De fato, a homogeneização estaria a serviço da segunda operação, de sua consideração em bloco como sendo funcional para os interesses das classes dominantes. A crítica depende da homogeneização, ela é seu pressuposto lógico. Esta dissertação pretende mostrar que o “movimento higienista” era altamente heterogêneo sob o ponto de vista teórico (fundamentos biológicos e raciais), ideológico (liberalismo e anti-liberalismo). Já no campo das medidas ou das políticas públicas de educação, saúde, habitação e trabalho, entre outras, encontramos uma maior unidade. Isto não é de se estranhar. É bem conhecido o fato que embora contrapostos em termos de adesão, as teorias “bacteriológica” e “dos miasmas”, na própria Europa, propuseram as mesmas medidas profiláticas. Sobre este exemplo voltaremos adiante, aqui apenas pretendemos indicar para o leitor que teorias explicativas diferentes podem levar a práticas de intervenção semelhantes. Outra preocupação nossa, mediante a descrição desse objeto de estudo, foi a questão do posicionamento. Embora sejamos críticos dos críticos, ou seja, reelaboremos as críticas, tentamos evitar as predefinições partidárias e ideológicas. Não porque as excluamos, mas porque tentamos controla-las metodologicamente. O envolvimento com o objeto de estudo não significa a assunção da parcialidade. As leituras de, entre outros, Eric Hobsbawn e Quentin Skinner fortaleceram em nós a confiança em podermos orientar-nos pela procura da imparcialidade, embora ela jamais seja absoluta. Autores, que se não nos deram um modelo metodológico, nos deram indicações de como realizar a tarefa de contar a História. Nosso orientador Hugo Lovisolo, por exemplo, sempre cita o argumento de Thomas Merton: se de fato é impossível um ambiente estéril, poderíamos fazer cirurgias nos esgotos. Contudo, 7 sábia e praticamente procuramos os ambientes cirúrgicos “mais estéreis possíveis”. Não acreditamos que as coisas sejam diferentes no campo da história e das ciências sociais Em Hobsbawn, primeiramente, percebemos a importância da imparcialidade ou isenção1. Este autor recomenda: “É muito importante que os historiadores se lembrem de sua responsabilidade, que é , acima de tudo, a de se isentar das paixões de identidade política - mesmo se também as sentirmos.” (Hobsbawn, 1998, p.20). O que ele nos quer ensinar é que uma história deve ter universalidade, e não identidade de um grupo político, racial. Por exemplo, uma história pode ser contada para os que pretendem revolucionar o mundo, outra para quem pretende reformar, outra para quem é conservador. Uma história para os judeus, outra para os alemães. Hobsbawn pensa que a construção dessas histórias de identidades (políticas, nacionais, raciais) podem fazer com que a História perca sua universalidade, tornando-se uma história de identidade. Muitos pesquisadores voltam-se ao passado procurando uma legitimação para seus atos no presente. Eles utilizam a história para justificar suas posições (Hobsbawn, 1998). Ensina-nos, também Quentin Skinner: “Quando digo que a tarefa do historiador é a do anjo registrador quero dizer que sua aspiração deve ser a de recapturar o passado nos seus próprios termos deixando de lado, no possível, as dúvidas pós-modernistas quanto à total viabilidade disso. (...) O que quero dizer é que nossos valores devem nos motivar a escolher os assuntos que queremos 1 Da mesma forma nos orientou Antônio Jorge nas suas aulas sobre Popper. 8 estudar. Mas, uma vez feita a escolha, a recuperação do passado exige grande imparcialidade.”(Skinner, 1998, p.7) Com esta passagem podemos entender que a escrita da história exige imparcialidade. Deste modo, ao descrevermos o discurso do “movimento higienista” brasileiro, optamos nem por defendê-lo, nem por atacá-lo, mas sim, vislumbrar sua complexidade, seus próprios termos no seio da sociedade que se formou entre as últimas décadas do século passado e as primeiras deste, ou seja, no seu próprio contexto. À medida que o trabalho se intensificava, percebíamos que havia matizes de valores da época que eram diversos dos da sociedade atual, o que ocasionou mais obstáculos na sua caracterização. Vimos que o discurso higienista, também era fruto de uma sociedade em processo de industrialização, o que acarretou certas ênfases na questão do preparação do trabalhador, na urbanização, no controle de novas doenças epidêmicas e ocupacionais. Ou seja, o discurso higienista voltava-se para questões pertinentes ao seu tempo, aos valores da época como trabalho, disciplina, intervenção. Como qualquer discurso é datado, por isso, sua interpretação descontextualizada apenas pode produzir anacronismos. Descobrimos que ignorar este contexto e valores da época, comprometeria esta narrativa. Segundo Gramsci, devemos ter historicidade, que é ter “a consciência da fase de desenvolvimento de nossos tempos e do fato de que ela está em contradição com outras concepções de outros tempos." (Gramsci, 1978, p.13) Enfim, nós não poderíamos julgar pensamentos e atitudes envolvidas por valores que às vezes são contrários aos valores de hoje. Tentamos olhar para o passado sem pré julgá-lo. 9 À partir destas dificuldades encontradas por nós, tentamos desenrolar nosso objeto de estudo. Vimos que os problemas estavam apenas começando. Delimitando o objeto A primeira dificuldade revelou-se na delimitação do recorte histórico. Seria muito difícil determinar uma data que fosse considerada como a inicial e a terminal na vigência do discurso higienista, estabelecendo sua periodização. Poderíamos ter adotado uma periodização determinada pela história política, isto seria possível caso considerássemos este discurso como específico das tendências ideológicas do século XIX e, menos ainda, como Ghirardelli entendeu, como específico produto do liberalismo (Ghiraldelli, 1988). Contudo, quando examinamos as fontes, esta prerrogativa não se manteve pois, no caso brasileiro, sua consolidação se deu em plena Ditadura Vargas, momento brasileiro caracterizado pelo domínio ideológico das tendências centralizadoras, não-liberais. Nos parece mais coerente, determinar um marco inicial baseado em ocorrências que tornaram possível a demanda do “movimento higienista” europeu, como a industrialização, a urbanização, a bacteriologia e a fisiologia, a filantropia e as diversas ideologias que militam na segunda metade do século XIX, como o liberalismo mas, também, o socialismo. Com isto, podemos adotar este recorte temporal inicial na segunda metade do século XIX e o corte final, por decisão da dinâmica da pesquisa, corte por certo arbitrário, em 1945. Pretendemos, no futuro, alongar a pesquisa para o nosso presente. 10 A segunda dificuldade foi definir o que era um higienista. As definições enciclopédicas eram muito restritas, definindo-os como estudiosos da Higiene, como médicos sanitaristas. Porém o “movimento higienista” era muito mais amplo. Contava com apoio de educadores, políticos, advogados, engenheiros, instrutores de ginástica. Enfim, uma gama bastante diversa de profissões foi influenciada pelos pressupostos higienistas. Assim, não entendemos os higienistas como apenas médicos. Então, pensamos em caracterizá-los como intelectuais que tinham em comum o desejo de melhorar as condições de saúde coletiva da população brasileira. Somente dentro deste modelo podemos dar uma certa unidade aos higienistas. Contudo a tarefa não era tão simples, pois o que é um intelectual? Em Gramsci é encontrada a definição mais usual de intelectual. Em sua obra “Os intelectuais e a organização da cultura”, ele defende a existência de dois tipos específicos de intelectuais: os intelectuais tradicionais e os orgânicos. Os primeiros teriam o papel de manter e justificar o constituído. Já os intelectuais orgânicos, defenderiam determinadas classes sociais, organizando seus interesses, aumentando seu poder.(Gramsci, 1978a) Esta tipologia acaba criando duas polarizações, uma entre o orgânico e tradicional, e outra entre os defensores das classes dominantes e das classes dominadas. Dentro desta lógica, um intelectual está à favor ou contra os interesses dos trabalhadores ou empregadores. Contudo, percebemos que seria muito difícil caracterizar o “movimento higienista” e seus intelectuais dentro desta perspectiva. Não poderíamos caracterizá-los como intelectuais orgânicos favoráveis ou contrários aos interesses dos trabalhadores, sem imputar-lhes uma homogeneidade de discurso inexistente. Em outras palavras, esta história não poderia ser narrada com “vilões” e “mocinhos”. 11 Neste sentido, tornou-se mais interessante o uso da definição de Hugo Lovisolo. Segundo ele, o que caracteriza um intelectual é seu desejo de formar mais intelectuais, ou seja, tornar a sociedade mais crítica e intelectualizada. Com esta definição, podemos considerar os higienistas como intelectuais, e muitos outros que não se adaptam à tipologia gramsciana. Deste modo, para Lovisolo, podemos compreender porque os educadores físicos, que também se consideram intelectuais, procuram que o atleta seja criticamente consciente de seus movimentos físicos e dos jogos sociais e políticos que participam. Na verdade, eles estão tentando intelectualizar aquela prática. Em seus termos, do mesmo modo: “Os médicos que insistem para que conheçamos e administremos criticamente nosso próprio organismo para crescermos em “autonomia”. Em todos os casos, o pensar por si mesmo, o ser intelectualmente adulto está presente. Pareceme que é este o bojo da tradição na qual os intelectuais são emotivamente formados e talvez seja esta a grande ligação com o cotidiano e com os diferentes segmentos da sociedade. Em definitiva, autores críticos dos intelectuais, como Foucault, Bourdieu ou Habermas procuram, nem sempre explicitamente, que pensemos por nós mesmos, autonomamente, de forma emancipada. Eles também querem reproduzir intelectuais.” (Lovisolo, 1998a, p.7) Se os intelectuais tem em comum o desejo de formar outros, seria difícil não considerar os higienistas como tal. Eles tinham um discurso heterogêneo, e às vezes oposto, contudo tinham algo em comum: o desejo de educar a população nas 12 normas higiênicas. Eles tinham a missão de convencer e racionalizar muitas práticas, por exemplo a Educação Física, a classe dirigente, da importância da Educação Higiênica. Fora esta caracterização, Lovisolo, ainda identifica outras categorias dentro do termo intelectual. Segundo ele, existem os intelectuais academicistas e os intervencionistas/cientificistas (Lovisolo, 1997). Os primeiros são aqueles interessados no saber pelo saber, não se preocupando imediatamente com a aplicação de suas descobertas teóricas, separando o político do científico. Já os intervencionistas propõem a reestruturação do mundo à partir da ciência, postulando a necessidade de um conhecimento útil para a sociedade. Estabelece formas de interação com o povo, tentando conduzi-lo, educálo, conscientizá-lo (Lovisolo, 1997). Os higienistas se definem como intervencionistas na medida que usam suas pesquisas para indicar as melhores formas de evitar a doença, quando procuram explicações econômicas, sociais, biológicas, para o estado de doença do povo. Quando propõe estratégias, ainda que de forma difusa, para o equacionamento de problemas da Saúde Pública. Podemos, então, desta forma, encarar os higienistas como intelectuais cientificistas que tinham como ideal o melhoramento das condições da Saúde coletiva e individual, através do encaminhamento de propostas de intervenção, que por muitas vezes iam em direções opostas, mas queriam alcançar este mesmo objetivo. 13 Caminhando para uma hipótese Se tivéssemos o intuito de analisar os higienistas como intelectuais dentro da tipologia gramsciana, teríamos que defini-los como intelectuais orgânicos, e então teríamos que enfrentar o problema de definir a favor de qual classe social teriam atuado. A historiografia dos anos oitenta optou por esse modelo e também optou, com argumentos pouco sólidos, em defini-los como intelectuais a serviço das classes dominantes. Nesta visão, os higienistas seriam defensores do capital. Seu discurso e ação, homogêneo ou unitário, seria determinado pelos interesses das elites sociais. Ainda em uma perspectiva gramsciana, poderiam ser montados argumentos que salientassem sua participação como defensores dos trabalhadores e opositores do Capital. Ou seja, a tipologia de Gramsci levaria na direção de um jogo no qual estamos obrigados a distinguir e agrupar os defensores de um e outros, opressores e oprimidos. Consideramos, a partir da leitura de seus escritos e da avaliação de suas ações, que a tipologia cria uma polarização que se torna difícil conceber na análise do discurso dos higienistas. Seria mais preciso caracterizá-lo como um discurso heterogêneo, que por muitas vezes, mediava os interesses entre as classes sociais, sem necessariamente assumir os interesses dos opressores ou dos oprimidos. Se as coisas ocorreram desse modo, teríamos, então, que pensar a possibilidade que além dos interesses dos oprimidos e opressores podiam também estar em jogo os interesses dos próprios intelectuais. Assim, os interventores intelectuais estariam interessados em construir uma sociedade que favoreça aos intelectuais. Acredito que seja esta a hipótese que pode ser derivada do trabalho de Lovisolo citado anteriormente. 14 Em termos concretos partiremos da hipótese de que os ideais do “movimento higienista” não eram determinados pelos interesses da camada dominante, embora em sua função de mediadores os levassem em conta. Desta forma, a hipótese central que será defendida neste estudo é que o discurso de vários higienistas, que influenciaram a mentalidade da época, chegando até nossos dias2, e de modo particular aos discursos e a intervenção da Educação Física, partilhavam do intuito de cuidar melhor da população através de uma intervenção estatal, melhorando sua saúde, tendo como estratégias às vezes a esterilização, regulamentação dos casamentos e, em outras, a conquista de direitos trabalhistas, a defesa da democratização da Saúde e da Educação, enfim, constituindo um ideário heterogêneo, que atingiu diversos setores da sociedade, como a Educação Física. No fundo, tratava-se de fazer uma população mais sadia, mais disciplinada, mais educada e, porque não, física e intelectualmente mais preparada. Metodologia Esta pesquisa qualitativa, de modelo bibliográfico, tem por objetivo estudar fontes primárias e secundárias sobre o tema. As técnicas de pesquisa consistem na análise de documentos do período: Adotamos como fontes primárias, trabalhos de intelectuais brasileiros da primeira metade do século XX, como Monteiro Lobato (1961, 1961a, 1961b), Fernando de Azevedo (1920, 1933, 1950, s.d.) Affonso Celso (1943), Manoel Bonfim (1905, 1926, 1996), Alberto Torres (1982, 1990), Oliveira Vianna (1959), 2 Nos dias de hoje o próprio movimento das saúde pode ser considerado como derivado do discurso higienista do início do século. 15 Pena Belisário (1923), Afrânio Peixoto (1913, 1938), Miguel Couto (1932, 1933), e outros. Assim como, atas de congressos de Higiene, manuais de Higiene, periódicos da época, traduções de Inezil Penna Marinho (s.d, s.da,) dos métodos ginásticos. Do mesmo modo adotamos, diversas fontes secundárias que deram suporte às nossas interpretações, principalmente na descrição do movimento higienista na Europa, onde tivemos como base principal, os trabalhos de Anson Rabinbach (1992), Jacques Donzelot (1980), Georges Vigarello (1985), George Rosen (1994). No caso brasileiro, nos interessaram, principalmente, trabalhos de Gilberto Hochman & Nízia Trindade (1996), de Thomas Skidmore (1989, 1998), Vera Marques (1997), Dante Moreira Leite (1976), e outros. Relevância e Justificativa Esta pesquisa torna-se justificável e relevante na medida que contrapõe a idéia dominante em nosso campo sobre o “movimento higienista”, que algumas vezes considera a Educação Física dita higienista como uma prática autoritária ligada ao militarismo e aos médicos. Tendo a idéia de progresso em mente, julgam que a Educação Física hoje e o “movimento de saúde” são melhores, progrediram. Ou seja, acredita-se que as orientações da Educação Física progrediram e ainda progridem. Há, no entanto, aqueles que quando escrevem a história da Educação Física, passam a idéia de que o “movimento higienista” representou um mal e, que o mal ainda persiste, embora possam postular que o progresso ainda deve ser alcançado no desenvolvimento, por exemplo, de uma consciência crítica. 16 Diferentemente dessas perspectivas, queremos entender o “movimento higienista” destacando seus ideais, motivações, interações sociais. Para, então, observarmos até que ponto esta idéia de progresso se sustenta. Nosso trabalho busca a crítica do que já foi contado na historiografia da Educação Física, respaldando outras interpretações para sua a história. Revisitando a historiografia da Educação Física Na década de noventa algumas críticas foram elaboradas com o intuito de relativizar muitas das teses da historiografia da Educação Física da década de oitenta. Pedro Ângelo Pagni (1995), Alberto Pillati (1994), Ademir Gebara (1994), e mais recentemente, na ocasião da orientação deste trabalho, Hugo Lovisolo (1998)3 apontaram muitas lacunas na produção da “História crítica” (como ficou conhecida a historiografia da década de oitenta). A tese principal desta historiografia representada, principalmente, por Lino Castellani Filho (1988), Paulo Ghiraldelli Júnior (1988) e Carmem Lúcia Soares (1990), com os seguintes textos: “Educação Física no Brasil: uma história que não se conta”; “Educação Física Progressista”; “O pensamento médico higienista e a Educação Física no Brasil: 1850-1920”, é que a teoria e a prática dos higienistas e dos professores/instrutores de Ginástica/Educação Física era 3 Ademir Gebara (1994) e Luís Alberto Pillati (1994) questionaram a questão da periodização política adotada pela “História Crítica”. Pedro Ângelo Pagni no “História da Educação Física no Brasil: notas para uma avaliação”(In: FERREIRA NETO, As Ciências do Esporte no Brasil) faz uma crítica sobre a produção de Fernando de Azevedo, Inezil Penna Marinho e Lino Castellanni Filho sobre história da Educação Física, ressaltando lacunas na historiografia destes autores. Hugo Lovisolo no “História Oficial e história crítica: pela autonomia do campo” ( In: Coletânea do VI Congresso Nacional de História da Educação Física, Rio de Janeiro, UGF, 1998) vê semelhantes essas duas formas de escrever história na Educação Física Brasileira, pois estiveram da mesma forma preocupadas mais com a legitimação de uma pedagogia do que com a reconstrução da história. 17 determinada pelos interesses das classes dirigentes. A este respeito Francisco Caparroz, afirma, com propriedade que, "Não que as condições a este respeito estivessem totalmente equivocadas ou que não se devessem operar análises neste sentido, não se trata disso, mas sim de mostrar que operar análises única e exclusivamente nesta perspectiva pode levar fatalmente a certos reducionismos, como acreditar que o processo histórico é totalmente determinado pela macroestrutura, o que levaria então a crer, que não há espaços para as contradições e conflitos, já que há apenas e tão somente um movimento (paradoxalmente) estático e linear de reprodução da ideologia dominante." (Caparroz, 1997, p.74-5) Concordamos com a análise de Caparroz. Não precisamos desconsiderar as interpretações desses autores, mas devemos testa-las, não simplesmente, aceitá-las como verdades absolutas. Por exemplo, Castellani considerou, baseado em um livro de Jurandir Freire Costa, que os higienistas colaboravam em um projeto racista de supremacia da raça branca e, também, de opressão da classe trabalhadora. Com comprovamos nesta passagem: “Os médicos higienistas, então, através da disciplinarização do físico, do intelecto, da moral, e da sexualidade, visavam ‘...multiplicar os indivíduos brancos politicamente adeptos da ideologia nacionalista...’ ‘É por isso 18 que nos cumpre – dizia o Dr. Joaquim José dos Remédios Monteiro, citado por Jurandir – envidar todos os esforços para o melhoramento da geração atual pela garantia da procriação, pela educação física...’ Educação Física associada à Educação Sexual, a qual segundo os higienistas ‘ deveria transformar homens e mulheres em reprodutores e guardiões de proles e raças puras...’4 Castellani baseado nesta citação considerou o “movimento higienista” unido na questão da superioridade da raça branca, atribuindo a este movimento um discurso unívoco e homogêneo. Demonstraremos nesta dissertação, que por muitas vezes, higienistas como Fernando de Azevedo, Miguel Couto e outros, teceram duras críticas a esta ideologia. Outra crítica, desta vez da autoria de Hugo Lovisolo, caminha no mesmo sentido à medida que considera que uma história narrada sem uma maior imparcialidade, como foi feito na década de oitenta, está sujeita a acreditar que questões como: de que lado está a história narrada? a quem defende? quais são seus heróis? qual sua moralidade ou sua política? tem mais importância, enquanto critérios de aceitabilidade, do que a consistência da narrativa, das provas fatuais, da originalidade no tratamento dos materiais da história. O problema, então, não é porque ou com qual intencionalidade se pensa que os ideais higienistas alienavam o povo ou eram funcionais ao liberalismo. O problema é como se demonstra essa convicção. Não se trata de expulsar as convicções, trata-se de afinar o como. Nos termos de Lovisolo: 4 CASTELLANI FILHO. Op. cit., p.44. COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 19 Os autores e as produções da "história crítica" da educação física tornaram-se parte dos dogmas e seus autores, citados e recitados, por vezes contra sua vontade, parece que estão além da crítica teórica e empírica. A citação dogmática pode ser resultado de que estamos, alguns dos de dentro, com disposições favoráveis para aceitar como válida e boa sua narrativa da história dos esportes e da educação física. Uma narrativa altamente ideologizada pelas preocupações de denunciar "projetos" e "ações" de dominação e de justificar os contraprojetos, por vezes supostos, de emancipação dos grupos historicamente subordinados ou dominados. Esta é sem dúvida uma dimensão da história, contudo, não é a única nem sempre a mais relevante. Assim, a história crítica inventa sua própria redução histórica para se contrapor a outros reducionismos. Reproduz, em espelho deformado, aquilo que pretende combater. (Lovisolo, 1998, p.57) Esta historiografia, segundo Lovisolo, preocupou-se mais em revisar trabalhos da historiografia da Educação5 que fossem de encontro às suas interpretações, do que a reconstrução da história de uma forma consistente. Assim, por exemplo, ainda segundo Lovisolo, a história crítica não poderia ter ignorado que os fisiologistas e higienistas, no século passado na Europa e no Brasil, foram aliados importantes da classe trabalhadora (Lovisolo, 1998). Pois, despertaram o público para a idéia de que um povo sadio e educado é um capital de inestimável valor para o país, dando fundamento a reivindicações dos trabalhadores, ajudando-lhes a Rio de Janeiro, Graal, 1983, p.213. 20 consolidar a idéia de que Saúde e Educação deveriam ser prioridades do Estado. Defenderam a redução da jornada de trabalho como medida profilática no combate às doenças ocupacionais. Enfim, por diversas vezes, colaboraram na melhoria das condições de vida da população em geral, como demonstraremos nesta dissertação. A historiografia comentada nesta crítica, também, parte do pressuposto de que a população em geral não pode resistir a ideologia dos governos. Se o governo é liberal, todos passam a ser influenciados a ter um pensamento liberal. Se transportarmos esta lógica para nossos dias entenderíamos que o pensamento dos professores de Educação Física era autoritário até 1985 e passou a ser neo-liberal? Neste sentido, Max Weber pode nos ensinar que o indivíduo deve estar no centro da problemática. No seu trabalho mais paradigmático mostra, por exemplo, que o desenvolvimento do capitalismo vai depender da mentalidade das pessoas. Temos que entender que o protestantismo não foi criado para ser funcional ao capitalismo, mas em uma lógica de interação entre os atores sociais contribuiu na consolidação do espírito capitalista. Nas suas palavras: "...o racionalismo econômico, embora dependa parcialmente da técnica e do Direito Racional, é ao mesmo tempo determinado pela capacidade e disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta racional." (Weber, s.d., p.11) Finalizando, ressaltamos que uma interpretação comum à todos os autores é que o “movimento higienista” atendia aos interesses da camada dominante da população. Defenderemos a tese que esta relação é mais complexa, mais “weberiana”, procurando afinar esta reflexão. 5 Demerval Saviani (1983), Maria Luísa Santos Ribeiro (1982), Otaíza Romanelli (1984), Libâneo (1985), Alcir Lenharo (1986), Jurandir Costa (1983 ), Edgar de Decca (1988). 21 O que o leitor pode esperar desta dissertação No primeiro capítulo, faremos uma revisão de literatura com o intuito de construir o cenário europeu em que o “movimento higienista” se moldou. Portanto usaremos as interpretações de historiadores europeus que discutiram o tema. Nestes autores procuraremos a descrição das condições de vida na Europa antes do “movimento higienista”. Perceberemos, então, que a crise que vivia esta sociedade produziu uma mentalidade de mudança. Descreveremos este discurso, enfocando seus objetivos, seus ideais. Também saberemos como a Saúde Pública era tratada, para entendermos que o Estado não atendia as demandas da Saúde, sendo assim, o povo encontrava-se em um estado de abandono. Então surgem diversos movimentos sociais defendendo e exigindo a intervenção do Estado nas questões sociais. Entre estes, existia um movimentos de intelectuais reformadores, médicos, educadores, que constituía o grupo “higienista” agindo em diversos setores da sociedade. Em segundo lugar, veremos se no Brasil as condições do trabalho, do ensino, da sociedade se diferenciavam das condições européias. O quadro que será descrito não é diverso do europeu, porém observaremos determinadas ênfases no discurso higienista brasileiro. Encontraremos outros postulados, como a idéia de que o “povo estava doente e abandonado” que substituiria a mentalidade que pregava que o povo brasileiro era debilitado racialmente por suas característica genéticas herdadas de raças inferiores. Estas teses eram discutidas entre os intelectuais brasileiros, que influenciaram o “movimento higienista” no Brasil. Como era este debate? Como influenciou os higienistas? São indagações respondidas nesta dissertação. 22 Então, finalmente, analisaremos as fontes primárias da Educação Física, onde destacaremos o discurso higienista. Finalmente, ratificaremos outras interpretações sobre a história da Educação Física relacionada ao “movimento higienista”. 23 MOVIMENTO HIGIENISTA NA EUROPA Do contexto Para entender a influência do “movimento higienista” no Brasil e na própria Educação Física, deveremos começar descrevendo, de forma sintética, o contexto no qual suas idéias tiveram origem e ganharam repercussão. Pareceu-nos pertinente consultar obras de historiadores europeus que revelassem os aspectos do 24 movimento para, posteriormente, estabelecer suas relações com o movimento no Brasil, tentando aprender tanto semelhanças quanto diferenças. O que podemos perceber, inicialmente, é que o movimento surgiu em um contexto de crescimento do capitalismo industrial, manufatura e grande indústria, na Inglaterra, França e Alemanha. O quadro de constante crescimento da indústria e da pobreza constituíram um cenário propenso às reformas de vários setores da sociedade. Nesse mesmo contexto, Marx, no Capital, elaborou sua famosa lei da “pauperização” crescente do proletariado.6 Assim, as relações entre trabalhadores e industriais, com alta exploração e sérios problemas de saúde, influenciaram na construção de um ideário que pretendia torná-las mais justas (Rabinbach, 1992). Mas este não é o único aspecto que caracteriza o contexto até o século XVIII. Inicia-se, também, um novo discurso de valorização da população, caracterizando uma mudança na filantropia, que começa a ser adotada por novos governos liberais na Inglaterra e França. Posteriormente, analisando o século XIX, constataremos que o “movimento higienista” já se encontrava em alicerces sólidos. Vários profissionais de diversas áreas começam a disseminar seu discurso de melhoria dos padrões de vida. O argumento de autoridade deste ideário eram as pesquisas científicas que comprovavam a urgência na intervenção da sociedade nos problemas da população. Como resultado deste processo, o surgimento da ciência do trabalho colaborou na redução da jornada, intervalos, melhores condições de vida para o trabalhador (Rabinbach, 1992). 6 Lembramos que a primeira edição do Capital é de 1868. Sobre a “manufatura” e a “grande indústria” e suas condições de operação e vida dos trabalhadores sua obra continua sendo uma excelente fonte. 25 Outro aspecto relevante neste contexto é o resultado da urbanização, que causa novas doenças e epidemias (Rosen, 1994). Uma demanda que não é ignorada pelos médicos, que defendem diferentes formas de prevenir e tratar as moléstias. E, isto, exige pesquisas, que contribuíram para o desenvolvimento da ciência no campo da medicina e da Saúde Pública. Sendo assim, a ciência passa a determinar a melhor forma para cada um cuidar de seu corpo, em um projeto de mudanças de hábitos em relação à ele (Rabinbah, 1992). Todos estes aspectos colaboraram na efetivação da idéia de que a população era a grande riqueza da nação. Industrialização O século XVIII marcou na Inglaterra o desenvolvimento das tecnologias industriais. Modificando profundamente o panorama social e econômico do país. Segundo o historiador francês Andre Alba (1986), a Inglaterra passou de país agrícola, onde predominava a média propriedade, para um país de grandes propriedades, de agricultura renovada, para por fim tornar-se a potência industrial daqueles anos. Os ingleses que trabalhavam, principalmente, com lã, com o desenvolvimento do comércio internacional, começaram a trabalhar com tecidos de algodão. Ao mesmo tempo, uma série de aperfeiçoamentos técnicos aumentaram cada vez mais a produção. Com o surgimento dos teares, nasce o maquinismo. A indústria metalúrgica, também, teve um crescimento considerável. O ferro é 26 trabalhado de forma cada vez mais eficaz. As tecnologias iam se aperfeiçoando, até que, aproximadamente, em 1780, Watt pautando-se em pesquisas anteriores de Papin e Newcomem, cria a máquina à vapor (Alba, 1986, p. 210). O desenvolvimento dessas tecnologias possibilitaram à Inglaterra a supremacia no campo da indústria. Fato que gerou riquezas, aumento da produtividade e da produção. Principalmente, a Inglaterra, mas também a França, tinham a sua disposição a tecnologia necessária para o desenvolvimento da indústria. E, foram os dois países que primeiro sentiram as conseqüências sociais da industrialização. Ainda não preparados para o trabalho industrial, os trabalhadores do campo perderam seus empregos na zona rural. As pequenas propriedades também perderam representação econômica. Muitos trabalhadores rurais migraram para as cidades na Inglaterra. Segundo Alba (1986, p.257), se fazia uma imensa concorrência entre os trabalhadores, portanto os salários eram muito baixos. O desemprego tornar-se-ia um problema de proporções imensas, aumentando a pobreza. Este aumento da pobreza, que assolava a Inglaterra desde o fim da Idade Média, passou a ser a preocupação central de alguns autores na Europa. George Rosen nos mostra que vários projetos foram elaborados para amenizar o problema. Em 1601 a lei Elisabetiana tornou-se a base da administração inglesa da Lei dos Pobres. (Rosen, 1980) Inicialmente, ela delegava o cuidado dos pobres às comunidades locais. Como as paróquias, que tiveram a incumbência de atender esta demanda. Segundo Rosen: 27 “A despeito de várias ações, porém, o problema da massa de trabalhadores, permaneceu sem solução. Na segunda década do século XIX, a pobreza e o infortúnio social se espalhavam mais do que nunca, em virtude das mudanças na agricultura e na indústria.”(Rosen, 1994, p.153) No século XVIII, a pobreza cada vez mais passou a ser encarada como uma doença social. Interessante é observarmos que o trabalho nesta época é visto como uma virtude moral, e o ócio um vício. Se o indivíduo está ocioso, é por falta de vigor moral. A pobreza era encarada como um vício individual e eticamente condenável. No Antigo Regime, os Hospitais Gerais eram reclusões para os vagabundos. A esmola, as companhias de caridade eram ineficazes no combate à pobreza. Existiam projetos, datados desde o século XVII, propondo a utilização da força de trabalho dos pobres. Rosen cita os mais relevantes da Inglaterra. Estes são os trabalhos de Samuel Hartlib, Willian Petty e Jonh Graunt. Samuel Hartlib, segundo Rosen, estava interessado em propostas de reforma econômica e social. Em 1641, publica “A Description of the Famous Kingdom of Macaria”. Nesta obra o autor demonstra vários experimentos sobre remédios obtidos através das experiências científicas. Ele também defendia que alguns padres teriam mais utilidade às comunidades se adquirissem mais conhecimentos sobre a arte de curar. Hartlib vê no padre, que atende aos pobres, a possibilidade de dar uma atenção médica mais preparada às classes populares. E porque não o médico? Esta classe era inacessível aos pobres, pois seus serviços tinham um alto custo econômico, sem falar que existiam em pequeno número. 28 Autores da esquerda também adotaram esta proposta de atenção médica por conta dos padres, como exemplifica Rosen com Gerrard Winstanley. Este era membro do Partido Democrático Popular conhecido como “levellers” (Rosen, 1980). Hartlib também desenvolveu outro plano de atenção aos pobres, onde propunha uma lista de médicos dispostos a prestar serviços gratuitamente. Outro autor citado por Rosen é Petty. As propostas de Petty estavam coerentes com uma tendência do puritanismo de esquerda e direita, que era um desejo pragmático de aplicar os conhecimentos às necessidades práticas e imediatas da sociedade. Ele propõe um hospital onde os médicos dariam e receberiam instruções. Este seria bem equipado, comandado por um médico mais experiente, que dissecaria os corpos e supervisionaria às pesquisas experimentais sobre às doenças. Esta inclinação para a elaboração de projetos é o início da composição de uma estrutura teórica e prática dentro do qual os problemas sociais da saúde seriam enfocados no século XVIII e XIX no “movimento higienista”. Petty também foi pioneiro em estudos aritméticos de medição dos fatores sociais e econômicos da população. Graunt também seguiu esta orientação estatística de análise dos fatores sociais. Ele começou a considerar os números de morte e nascimento em relação às doenças, chegando à várias conclusões. Entre suas descobertas percebeu que o número de mortes no campo era menor em comparação com a cidade. Fazendo estas descobertas, demonstrou a utilidade da aritmética política de Petty. Todavia, ainda foi este último que deu a maior contribuição a esta área. Petty percebeu que não bastava considerar a fertilidade natural e a população como condições primordiais de alcance da prosperidade econômica, era preciso ultrapassar os obstáculos ao 29 desenvolvimento da população. Achava necessário criar condições sociais necessárias ao desenvolvimento da população, capazes de promover a saúde e prevenir a doença. E para ele, o Estado tinha o dever de criar estas condições. Vimos que as políticas de Saúde Pública até o início do século XVIII na Inglaterra eram inestruturadas, entregues aos poderes locais sem recursos para investir na saúde. A urbanização e as epidemias Outro problema gerado pela industrialização era a urbanização sem planejamento. A medida que os trabalhadores do campo migravam paras as cidades encontravam condições higiênicas precárias. Antes estavam isolados no campo, portanto a transmissão das doenças era dificultada. Mas agora estavam todos juntos em ambientes insalubres. Para os médicos isto significou uma maior proliferação das enfermidades. Não havia saneamento básico apropriado. Somente à partir do século XVII, o Estado passou a cuidar deste problema. Anteriormente, isto cabia aos indivíduos. Mesmo assim o Estado não cumpria seu dever, segundo Jonh Stow, “há muito negligenciada e forçada a ser um canal, muito estreito e imundo, ou por completo obstruído” (STOW apud ROSEN, 1994, p.100) De fato as epidemias se proliferaram pelas cidades. Surgindo novas doenças. Segundo Rosen, Rudolf Vircow elaborou uma teoria segundo a qual a doença epidêmica seria uma manifestação de desajustamento social e cultural. Ele defendia que com o novo contexto histórico apareciam novas doenças epidêmicas. 30 Nos séculos XVI e XVII, entre estas novas doenças estavam o suor inglês, o tifo exantemático, o escorbuto, e outras (Rosen, 1994) O suor inglês apareceu repentinamente no meio dos soldados ingleses, e rapidamente espalhou-se pela população. Os principais sintomas eram febre alta, dores no corpo, profunda angústia. Incidiu em muitos ingleses. Em Londres, segundo Rosen, matou em uma semana dois prefeitos e seis vereadores. Da mesma maneira que surgiu a doença desapareceu de repente, para retornar em outras ocasiões (Rosen, 1994) O raquitismo foi outra doença que se alastrou pela Inglaterra. Rosen observa que esta doença transformou-se em uma ameaça para a saúde das crianças. Não se tem certeza de que o raquitismo teve origem no século XVII, mas a causa da manifestação e aumento da incidência da doença, nos conta Rosen, tem origem “na severa pressão econômica e à terrível pobreza, em especial no sul da Inglaterra” (Rosen, 1994, p.80). O raquitismo poderia ser evitado pelo consumo de cálcio, fósforo e vitamina D. Mas como o leite (rico nestes componentes) estava sendo pouco consumido, pois os preços estavam altos e o desemprego aumentava abruptamente, a população se absteve de seu consumo, possibilitando a incidência da enfermidade. Na França a industrialização começa efetivamente no século XIX, trazendo os benefícios, mas também os problemas enfrentados na Inglaterra. Durante o século XIX este país enfrentou muitos problemas referentes à saúde pública. A urbanização apressada e sem estrutura condicionou os novos operários a péssimas condições de vida. Rosen observa a semelhança dos sótãos lotados de pessoas em Manchester e Liverpool aos de Lille e Ruão. 31 Essas paupérrimas condições de vida despertaram uma mentalidade de reação contra este quadro. Diversos escritores, médicos, filósofos, começaram um discurso de melhoria de vida da população. Sem duvida esta mentalidade que começa a ser construída vai dar suporte ao “movimento higienista”. Como podemos observar até agora neste capítulo, os governos praticamente não se preocupavam com a população. Não existe uma política nacional de saúde que pudesse cuidar dos problemas da prevenção, da nutrição, da habitação, do saneamento. Neste momento surge uma mentalidade de intervenção nesta situação de extrema pobreza . Este discurso cria os alicerces do “movimento higienista”, que usaria a autoridade científica para convencer governos, industriais e a própria população. Observem este discurso do poeta francês Charles Baudelaire: “Como pode alguém seja de que partido for, e sejam quais forem os preconceitos sobre os quais se criou, não se sensibilizar diante dessa multidão doentia que respira a poeira das fábricas, engole a penugem de algodão, tem seus organismos saturados com chumbo branco, mercúrio e todos os venenos necessários à criação de obras de arte, e dorme, em meio a vermes, em bairros onde a maior e a mais simples das virtudes humanas se aloja ao lado dos vícios mais emperdernidos e do vômito do penitenciário?” (BAUDELAIRE apud ROSEN, 1994, p.188) Esta mentalidade parece atingir diversos segmentos profissionais. A busca do melhor por meio da intervenção, influenciou a Filantropia em novas maneiras de cuidar do povo, como veremos à seguir. 32 Uma nova filantropia O crescimento da pobreza constrangia o Antigo Regime. E, a pobreza continuou depois da Revolução Francesa. Contudo, a estratégia para cuidar da população mudou no discurso da filantropia. Se antes a filantropia se resumia a um assistencialismo, ela busca agora o aconselhamento. O objetivo prometido pela Filantropia é ensinar o povo a se cuidar. Para exemplificar como se procede o tratamento do cuidar do povo, tomemos as metáforas de Paul Veyne. Ele dá o exemplo dos motivos que levaram ao fim dos espetáculos dos gladiadores no Império Romano. Por que os combates entre os gladiadores terminaram no século IV? A resposta evidente para isto aponta para o fato dos imperadores tornarem-se cristãos, portanto não aceitariam a gladiadura. Mas o autor responde: "não é nada disto" (Veyne, 1995) . Na opinião de Veyne não é o cristianismo a causa do fim das lutas, mas sim, a mudança das práticas governamentais em relação ao povo. Estas práticas poderiam considerar o povo como um rebanho: que morava nas terras do dominador. O povo vive bem se as circunstâncias forem favoráveis ao imperador, levando seu rebanho em uma determinada ordem, ao mesmo tempo, embrutecendo seus súditos. Ele não quer que seu rebanho enfraqueça. Outra prática seria tratar seu povo como crianças: O imperador iria considerar seus súditos como indefesas crianças. 33 E a última é tratar o povo como um fluxo de águas, que guiam-se por si próprias. A função do Estado é só fiscalizar este fluxo. Veyne identifica esta prática no Welfare State. No caso do Império Romano, o líder deste considerava o povo como um rebanho, e não queria que este enfraquecesse, determinando o que era melhor para o povo. Sendo assim, permitia as lutas que familiarizavam a população com o sangue e a morte. Até que o Senado de Roma é desfeito. Isto pode ter originado pavor na população. Deste modo, o imperador não consegue ver limites em seu governo, e começa a agir de forma paternalista. Considera seu povo como crianças que devem ser afastadas da imoralidade. Estes imperadores paternalistas julgam o assassinato gratuito da gladiatura uma imoralidade mais grave que o teatro. Dá-se desta maneira o fim da gladiatura no decorrer do século IV. Portanto, segundo Veyne, são três formas de cuidar do povo por parte dos governos. (Veyne, 1995) Aqui está nosso problema. A Filantropia vê o povo europeu do século XVIII como imorais. Ela quer afastá-lo dos vícios, educar, modificar seus hábitos. O povo passa a ser pensado como uma criança que não sabe o que é bom, então, o filantropo pretende ensiná-lo a viver. Racionaliza que isto fará o povo crescer e ganhar autonomia, podendo se sustentar sem o auxílio financeiro dos governos. Para isto usa duas estratégias: ensinar, principalmente, a criança; e plantar o hábito de poupar dinheiro. Jacques Donzelot nos mostra que a Filantropia incorporava uma mentalidade de economizar gastos públicos e conservar energias humanas em prol 34 do Estado. Era preciso convencer o Estado a intervir efetivamente sobre a pobreza, gerando uma riqueza nacional. Na extremidade mais pobre do corpo social, o que é denunciado é a irracionalidade da administração dos hospícios. Estes cuidavam de muitas crianças abandonadas. O Estado por sua vez, segundo os filantropos, se beneficiava pouco da criação de uma população que só excepcionalmente chegaria a uma idade onde poderia reembolsar os gastos que provocou. Trata-se, neste caso, da ausência de uma economia social. (Donzelot, 1980) O Poder judiciário denunciava que existiam um número considerável de crianças mal cuidadas e que escapavam de toda e qualquer autoridade. Não queriam colocá-las na prisão. Orientavam seus funcionários para fazerem o necessário para que os pais cumprissem seus deveres. “Eles não poderão vos rechaçar pois acabamos de promulgar uma série de leis de proteção a infância que vos autorizam a passar por cima da autoridade paterna.”7 Conservar as crianças significaria por fim aos malefícios da imoralidade. Poderíamos agrupar sob a etiqueta de "economia social" todas as formas de direção da vida dos pobres com o objetivo de melhorar suas condições de vida, de obter um número desejável de trabalhadores com o mínimo de gastos públicos. Em suma, o que se convencionou chamar de filantropia. A filantropia preocupava-se em formar moralmente o homem. Por exemplo, segundo Donzelot, o que perturbava a moralidade das famílias eram os filhos adulterinos, os menores rebeldes, as moças de má reputação, enfim, tudo o que poderia prejudicar a honra familiar, sua reputação e sua posição. Em compensação, o 7 Donzelot cita uma fala de um juiz, 1980, p.138. 35 que inquieta o Estado é o desperdício de forças vivas, são os indivíduos inutilizados ou inúteis. (Donzelot, 1980) A filantropia tenta dar conta dos dois aspectos. Ela tenta conter um excesso de liberdade, o abandono nas ruas. Instauram técnicas que consistem em limitar esta liberdade, em dirigir as crianças para espaços de maior vigilância, ou seja, a escola e a habitação familiar, tendo o objetivo de controlar e inculcar novos hábitos. Essa estratégia de educação, além da conservação das crianças, pretendia ensinar o povo a poupar. Assim, ao invés de um direito à assistência do estado, cujo papel seria aumentado, vindo a perturbar o jogo dessa sociedade, ela pretendia fornecer os meios para o povo alcançar uma futura autonomia através do ensino da virtude da poupança. Por parte do Estado, o papel seria sancionar, através de uma tutela cuidadosa, as demandas de ajuda que ainda permanecessem, já que elas constituiriam indício flagrante de falta de moralidade. (Donzelot, 1980) A filantropia prega o conselho eficaz em vez da caridade humilhante, norma preservadora no lugar de repressão destruidora. É isso que os filantropos se propõe a mudar, fazendo da incitação a poupança a chave mestra do novo dispositivo da assistência. O Paradoxo do Liberalismo Podemos, agora, refletir um pouco sobre os paradoxos desta mentalidade que vem se construindo aos poucos até desembocar no “movimento higienista”. Temos um problema aqui. Como fica o papel do Estado na intervenção? Vimos que começa a se sedimentar um discurso de melhoria das condições de vida, o 36 que só se sustentaria com a intervenção do Estado. Já a Filantropia quer reduzir o papel do Estado assistencialista, quer que o povo aprenda a se cuidar sozinho, mesmo que para isto seja necessária a intervenção do Estado através de uma Educação moralizadora. Mesmo de maneiras diferentes, os dois convidam o Estado a modificar uma realidade caracterizada pelas más condições de vida. Eles fazem isto porque o Estado não cumpre seu papel de atender as necessidades básicas da população. Ele não intervém. Com a Revolução Francesa, que significou o advento do Liberalismo Econômico, as políticas públicas de saúde estavam fadadas ao abandono. Se antes em governos absolutistas, o Estado não se manifestava efetivamente em relação a estas questões, imaginem agora com o Estado Mínimo do Liberalismo, onde os gastos dos governos devem ser reduzidos. Mas é aqui que a História se torna surpreendente. O Liberalismo promoveu o crescimento do Estado, quando atendeu às solicitações do “movimento higienista” para a construção de políticas públicas de saúde. Segundo Rosen, Robert Owen tinha antevisto, nos primeiros anos de Revolução Industrial, a necessidade de ação do Estado para pôr freio em algumas das conseqüências da liberdade econômica: “A difusão geral de manufaturas em um país gera um novo caráter em seus habitantes; e como esses caráter se molda sobre um princípio muito nocivo à felicidade individual ou geral, produzirá os males mais lamentáveis e permanentes, a não ser que essa tendência seja neutralizada pela interferência de leis.” (Owen apud Rosen, 1994, p.172) 37 O discurso higienista vai convencer os governos da necessidade da intervenção do Estado. Mesmo este sendo Liberal. Estas interpretações mostram que somente a História Política não dá conta da descrição de todo o contexto histórico. Parece-nos que revela, neste caso, a ponta desta montanha de gelo. Contudo, toda a história tem seus limites. Não queremos criar um antagonismo entre história política e história social. Até mesmo quem começou com a “micro-história” (uma das possibilidades da história social) contando a realidade por baixo em “O queijo e os vermes”8, como Carlo Ginzburg9, se preocupa com o fato deste modelo se efetivar como o único modo de escrever história10, segundo ele, não podemos esquecer a história política. Contudo devemos admitir que a história social tem mais a contar sobre o objeto Saúde pública. Conforme o objeto de estudo, tanto a história social como a história política dão conta de determinados aspectos. Todos importantes para compreendermos a realidade. 8 Publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 1976. Carlo Ginzburg, historiador italiano, é autor da obra O queijo e os vermes onde inaugura uma concepção de história preocupada com a visão de determinado ator social sobre a realidade, o que se convencionou chamar micro-história. Este modelo ganhou força dentro da história social, o que preocupa este autor que considerar este modismo perigoso, pois não podemos esquecer a história política. 9 38 O idealismo do “movimento higienista” No início do século XVII, as doenças ocupacionais começaram a ser temas de obras médicas. Ramazzini11 publicou o primeiro tratado geral sobre doenças dos trabalhadores. A classe trabalhadora da indústria crescia vertiginosamente na Europa. Devido este fato, estes trabalhadores foram os primeiros, juntamente com os mineiros e marinheiros, a terem seus ofícios investigados pela Medicina. Mas o clássico de Ramazzini foi “De Morbis Artificum Diatriba” (Discurso sobre as doenças dos artífices). Este autor dedicou-se a chamar a atenção para necessidade de prevenir as enfermidades dos trabalhadores, estudando mais de quarenta profissões. As jornadas de trabalho eram intensas e tomavam quase todo o dia. O trabalhador esgotava-se em pouco tempo, ocasionando várias enfermidades, falta de disposição, que eram encarados como tendência à ociosidade, como falta de virtude para o trabalho, e não uma doença. A produção industrial era, na Inglaterra, central para a atividade econômica. Portanto, o trabalho ocupava posição de destaque nas preocupações da sociedade. No século XVIII e XIX, o trabalho industrial já representava o centro das preocupações sociais e econômicas. Era ele que iria garantir a riqueza da nação. E qualquer infortúnio que fosse causado ao trabalho era fonte de discussões. Neste 10 Cf. Ginzburg apud Maria Pallares-Burke. Descobertas de um Espectador, Folha de São Paulo, caderno mais, 13 de junho de 1999. 11 George Rosen cita este autor por sua obra “A doença dos trabalhadores”, São Paulo, Fundacentro, 1985. 39 quadro o trabalhador passa a ser importante, o gerador das riquezas, portanto deveria ser cuidado: “Uma população grande e sadia estava no centro do interesse dos aritméticos políticos porque era um meio, essencial, para se aumentara riqueza e o poder da nação do Estado. Em conseqüência, estadistas, legisladores, administradores, médicos, homens de negócio reconheceram suas responsabilidades ante o povo. Responsabilidade, por exemplo, pelos cuidados da saúde, pela prevenção das doenças, pela assistência médica aos necessitados.” (Rosen, 1994, p.95) O século XIX, como nenhum outro, colocou em pauta o corpo e seus cuidados. Foi neste século que o homem tentou identificar a importância e os limites do corpo. Mais do que isto, foi a época de debate em defesa de uma melhoria das condições de vida do trabalhador industrial. Para retratarmos esta época explicaremos os ideais populacionistas e a idéia da fadiga. São todos tópicos que levam o homem a cuidar de seu corpo, buscando novas formas de preservá-lo. No século XIX, dois pensamentos colaboram com o discurso do corpo como uma máquina. São estes: a idéia populacionista; e a descoberta da fadiga. Estes dois eventos apoiados pelas descobertas científicas no campo da fisiologia sustentaram o discurso do “movimento higienista” na Europa. Mas em que consistem estas representações que constituíram a base do pensamento higienista? Começaremos pela a idéia populacionista. 40 Cada homem fazia parte da força social, que por sua vez dependeria da qualidade e quantidade dos trabalhadores. Então, a riqueza de uma nação media-se pelo número de trabalhadores que ela poderia ter. A idéia populacionista defendia a livre procriação, que garantiria uma maior força social. Portanto, cada mulher e cada homem é visto como um capital da nação. Imaginem uma máquina que por falta de cuidados quebra-se, isto representa um prejuízo. Se o corpo do homem passa a ser visto como uma riqueza, qualquer adversidade que faça este homem adoecer ou falecer representa um prejuízo irreparável para a força social da nação. Com isto, surgem discursos que defendem o cuidado e a relevância de cada trabalhador para o país. Se os seres humanos passam a ser vistos como o capital da nação, como recursos, devem ser cuidados. É neste contexto que é descoberto o conceito de fadiga, que é fundamental para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. A fadiga parece ser o termo do século XIX para expressar o que sentimos hoje quando dizemos que estamos com “estresse”. Estamos esgotados, a vida conturbada nos deixa abatidos. Da mesma forma, o trabalhador industrial do século passado sentia a fadiga, que parecia limitar a produção. Anson Rabinbach em “The Human motor” nos explica como deu-se esta descoberta dos limites do homem. Segundo ele, os primeiros sinais de uma mudança na percepção de trabalho aparecem na literatura médica em 1887. Os médicos começaram a considerar o excesso de trabalho como causa de degenerações físicas. Esta literatura apontou a fadiga como o sinal principal da recusa do corpo em aceitar as disciplinas da sociedade industrial moderna. Se a fadiga existiu antes da sociedade moderna, ainda não havia aparecido como um termo médico, nem recebeu atenção 41 significante. Em 1870, porém, um discurso médico novo começou a desenhar a topografia de fadiga e colocar marcos em seu terreno previamente inexplorado. (Rabinbach, 1992) Rabinbach cita médicos que começaram a publicar artigos tematizando a fadiga. A definição de fadiga do francês Carrieu defende que o uso exagerado dos elementos anatômicos causam problemas, muitas vezes irreversíveis ao organismo. A imagem moderna da fadiga revela a crescente preocupação do homem com sua saúde e com a saúde do trabalhador. A doença, a invalidez, ou a morte representam imediatamente uma perda para a economia do país. A fadiga era o grande mal, com ela não se produzia, desanimando os trabalhadores, representando prejuízo. Lovisolo encontra na obra de Comênio (1592-1670), no século XVII, a idéia de fadiga. Ele preocupado com os processos educacionais, via que a fadiga atrapalhava a absorção dos conteúdos. Observava que longas horas de estudo sem descanso comprometia a eficiência e produtividade do estudo. Dois séculos antes da fadiga se tornar o centro das pesquisas sobre o trabalho, este pedagogo já a identificava como um mal que deveria ser evitado na Escola que idealizou. (Lovisolo, 1999). Rabinbach busca em Nietzsche explicações para esta idéia de fadiga no século XIX. Segundo este último, e outros pensadores desta época, a fadiga foi identificada com a própria modernidade. A desintegração caracteriza este tempo, e também a incerteza: nada está firmemente em seus pés ou em uma fé dura, um vive para o amanhã porque o dia após o amanhã é duvidoso. Tudo em nossa vida é 42 escorregadio e perigoso, e o gelo que nos suporta tornou-se finamente arriscado, onde nós andamos, logo ninguém poderá andar (Rabinbach, 1992). No pensamento do século XIX, a noção de fadiga representava um pessimismo em relação ao futuro da humanidade. A idéia de conservação da energia e da entropia, também, acarretaram uma grande preocupação com o esgotamento destas energias, que resultaria em uma situação apocalíptica. Por exemplo, Balzac planejou escrever “uma patologia da vida social”, para mostrar como o estoque de forças dos homens é diminuída por demasiada despesa do esforço. A descoberta da entropia atestou uma visão pessimista da natureza, em que, a quantidade disponível de energia estava diminuindo continuamente. Esta idéia de energia que deve preservada, também foi apoiada pelas descobertas científicas da fisiologia. As descobertas da termodinâmica. Anson Rabinbach explica que no século XIX, depois de controvérsias entre fisiologistas da época, aplicou-se o princípio de conservação de energia no corpo humano. Este princípio mostrou que através da respiração e ingestão de substâncias químicas (como gorduras e proteínas), os músculos absorviam calor do meio externo, transformando este combustível em energia, ou seja, transformando energia em energia a ser utilizada. O músculo é uma ferramenta por meio da qual a transformação de força é efetuada. Mas não é a própria energia, esta será absorvida do meio externo. Então, uma nutrição apropriada cuidaria da melhoria das forças, a capacidade de produzir aumentaria. 43 Da mesma forma que a máquina precisava de um combustível para seu funcionamento, não seria diferente com a máquina mais complexa da história, ou seja, o motor humano. A mesma metáfora que tinha sido inaugurada no século XVI por Descartes, que dizia que o corpo do homem era como uma máquina. Vejamos a seguinte passagem deste filósofo: “O que não aparecerá de maneira alguma estranho a quem, sabendo quão diversos autômatos, ou máquinas móveis, a indústria dos homens pode produzir, sem aplicar nisso senão pouquíssimas peças, em comparação à grande quantidade de ossos, músculos, nervos, artérias, veias e todas as outras partes existentes no corpo de cada animal, considerará esse corpo uma máquina que, tendo incomparavelmente sido feita pelas mãos de Deus, é mais bem organizada e capaz de movimentos mais admiráveis do que qualquer uma das que possam ser criadas pelo homem.” (Descartes, 1999, p.11) As novas descobertas da física, especialmente a termodinâmica, e da fisiologia do século XIX legitimaram o discurso higienista, que adotou a estratégia da metáfora do motor humano para realizar seus objetivos. Foram os higienistas que pregaram novidades no cuidar do corpo. Novidades que prometiam alcançar um melhor bem-estar para a vida quotidiana, que afastariam as epidemias, que tornariam os homens mais dispostos para o trabalho, que buscariam riquezas para o país. A metáfora da máquina humana formou parte de uma estratégia de popularização dos novos hábitos higiênicos. Que pretendiam responder questões 44 como: Como atingir os trabalhadores da indústria? Como melhorar as condições de vida da população em geral? Um dos papéis centrais da metáfora do “homem-máquina” foi o de convencer os capitalistas a cuidar de seus recursos humanos. O motor humano O contexto histórico legitimou a necessidade de cuidar do trabalhador. Rabinbach elenca várias comprovações empíricas desta tese na Europa, como veremos neste capítulo. Durante as últimas décadas do século XIX, o liberalismo europeu alinhou-se com as doutrinas científicas da conservação da vida. Seus pilares gêmeos eram medicamento e biologia. A higiene social sancionou a visão de que a sociedade seria melhor através da noção de equilíbrio. Para os reformadores, era a sociedade um delicado organismo, cujas funções dependiam da intervenção estatal. Estatísticas sociais poderiam atestar o custo da negligência em relação às condições sociais, como também para os benefícios potenciais de remover seus efeitos danosos. Teorias científicas foram adotadas através dos estudos estatísticos para enfatizar as raízes sociais da doença. O discurso higienista pregava a melhoria na saúde, a longevidade, e a conservação do trabalhador, que poderiam aumentar as forças produtivas da nação. Na obra de Louis Querton (1905), o catecismo da energia social era patente. Reunindo argumentos biológicos, estatísticos, e sociológicos, para apoiar o aumento da intervenção estatal para a construção, conservação, e encarecimento da máquina humana. 45 O Solidarismo, uma doutrina desenvolvida por Léon Bourgeois, enfatizava a moral mútua e coletiva, as obrigações sociais de todos os sócios produtivos da sociedade. Reformas que poderiam reduzir a exploração, promover a produtividade, aumentando a justiça social. Em 1900, em uma exposição em Paris, o ministro socialista do comércio, Alexandre Millerand, apontou os resultados positivos de tais agrupamentos incentivadores da defesa social, aumentando a solidariedade social. Segundo ele, as reformas reduziram as fraquezas individuais, permitindo superar os obstáculos do ambiente. Economistas do Solidarismo, inclusive Charles Guide, Charles Rist, Paul Cauwès, e Raoul Jay, fundaram uma revista onde enfatizavam os custos sociais da saúde debilitada do trabalhador. Este periódico criticava os baixos padrões de vida da população, o que causava uma queda na produtividade pessoal do trabalhador. O Solidarismo era a base ideológica dos reformadores republicanos, que acreditaram que melhorando a saúde dos trabalhadores, melhorariam a produtividade e preservariam o capital da nação. Raoul Jay resumiu o cálculo essencial do positivismo social francês em 1904. Para ele, uma nação que permitisse a destruição ou redução das forças mentais e físicas dos trabalhadores manuais faziam um péssimo planejamento. Essas forças físicas e morais são uma parte do capital nacional como as máquinas. O industrial que para reduzir os custos de produção, não faz a manutenção das máquinas, seria considerado um tolo. Segundo ele, se nós não pensamos o mesmo de um industrial que impõe um trabalho excessivo aos trabalhadores, paga um salário insuficiente, é porque nós sabemos que ele nunca terá 46 que consertar o dano causado pela negligência criminal de deteriorar a saúde do indivíduo. O dano é assumido pela nação. (Rabinbach, 1992) O interessante é observarmos, que o “movimento higienista” elabora uma estratégia para convencer os governos e empresários baseada no produtivismo. Mas seu interesse não é colaborar em uma maior exploração do povo. Eles estavam preocupados, também com a saúde da população. Pois se não fosse assim, o quadro de exploração do século XVII poderia ser mantido. Quando um trabalhador adoecesse, e tivesse sua produção diminuída era fácil substituí-lo devido às altas taxas de desemprego. Deste modo, a produtividade se manteria. Mas os higienistas querem regular esta exploração com o objetivo de diminuir a pobreza, melhorando as condições de vida. O poder operário deveria ser visto, segundo os higienistas, como um capital da nação. Em meados de 1900, a ciência de trabalho se tornou uma arma intelectual poderosa no arsenal dos reformadores de classe-média. Na atmosfera de intenso debate sobre a duração da jornada de trabalho, nos riscos à saúde do trabalho industrial, nas controvérsias em cima de salários e normas de trabalho, a ciência do trabalho começou a representar um papel importante nos esforços dos reformadores liberais em mediar o conflito social. Armand Imbert, em um estudo, tentava estabelecer uma solução mais eqüitativa do conflito entre trabalho e capital. Em 1903, no Congresso de Bruxelas de Higiene e Demografia, os líderes do movimento de higiene social americano e europeu uniram-se para debater como a ciência de trabalho poderia ultrapassar os limites do laboratório, formando políticas e legisladores com argumentos em defesa dos métodos específicos para a organização 47 de trabalho. Quatro anos depois quando o delegados do congresso voltavam a se encontrar em Berlim, os cientistas e reformadores queriam que o Estado cooperasse na aplicação da ciência de trabalho para reduzir fadiga, acidentes, e as horas de trabalho. A preocupação destes reformadores refletiam as ansiedades de uma sociedade que entrava na idade industrial. Mas também mostrou as realidades de uma fábrica nova, mecanizada, nascida no auge da Revolução Industrial. Os argumentos contra a fadiga, à favor da qualidade do ambiente de trabalho, pautavam este contexto. Imbert via na redução da jornada de trabalho uma forma de aplicação da lei da Conservação da energia, que para ele, não se aplicava a um músculo, mas sim, à sociedade como um todo (Rabinbach, 1992). Os deterioradores do motor humano que causavam danos ao trabalhador, substituíam a mão-de-obra facilmente, deixando ao Estado as conseqüências das doenças. Por estas razões, a ciência experimental era impreterível no papel de achar uma solução verdadeiramente eqüitativa para estes conflitos. Uma questão que pode ser colocada neste momento é como alguns pensadores de esquerda daquela época viam estes ideais higienistas. Será que eram tão rigorosos como os “marxistas” da Educação Física em suas crítica? Muitos socialistas europeus compartilharam o universo mental do “movimento higienista”. Mesmo se eles às vezes fossem céticos em relação aos motivos das reformas liberais. Mas em face do quadro de abandono em que se encontrava a população, a necessidade da intervenção estatal era uma questão que superava as barreiras ideológicas. Segundo um sindicalista francês, a solidariedade 48 entre os indivíduos é ferida pela exploração e pelo o esgotamento pessoal, com isto a energia de produção está correspondentemente reduzida. Um panfleto que circulou com o título “Travail et sumenage” (Trabalho e Esgotamento) reivindicou contra o esgotamento das energias, como regra na experiência do trabalho. Alguns economistas, e até mesmo empresários industriais, compartilharam esta percepção do poder operário como um recurso nacional precioso. O discurso em preservar o poder operário como a solução para as questões sociais, emergiram gradualmente, ao término do século XIX, em um espaço entre o sindicalismo e o liberalismo. Depois de 1900, a conservação da energia foi aplicada a vários assuntos sociais: a jornada de trabalho, acidentes industriais, seguro de saúde, a duração do serviço no exército, o método formal de educação, e o papel de mulheres na força operária. Na França e na Alemanha, no período até o Primeira Guerra Mundial, a ciência do trabalho contribuiu a uma constelação nova de conhecimentos e políticas dedicadas a conservar a energia do corpo social. (Rabinbach, 1992) Se pensarmos que estas comprovações empíricas de que, na Europa, a ciência do trabalho legitimou as lutas sindicais, podemos refutar interpretações que vislumbram o “movimento higienista” como apenas um aliado dos interesses dominantes, embora pudessem existir convergências e até elas serem enfatizadas para se atingirem os objetivos . Muitos empresários e economistas, segundo Rabinbach, resistiram, no entanto, as propostas dos higienistas. Diziam que os custos dos salários mais altos para o Capital fariam a indústria perder competitividade. Outros diziam que com menos horas de trabalho, o trabalhador iria mais freqüentemente para a botequim, 49 consumiria mais bebidas alcoólicas e então chegaria ao trabalho sem condição para produzir. Em contrapartida, os higienistas explicitavam exemplos que provavam o crescimento da produtividade com a redução da jornada e aumento do salário. O economista Lujo Bretano acreditava neste pressuposto, argumentando que com o aumento dos salários, o trabalhador ganharia em satisfação e bem-estar, refletindo este benefícios em maior produtividade. (Rabinbach, 1992) Este discurso não foi aceito sem muita resistência, como do economista alemão Wilheim Hasbach. No entanto, cresceu o número de obras que defendiam a melhoria nas condições de vida dos trabalhadores e a redução do tempo de trabalho. Na Alemanha, um exemplo que defendia a melhoria das condições de trabalho e de vida é a obra “O Comércio de Algodão na Inglaterra e no Continente”, uma pesquisa das indústrias de algodão inglesas e alemãs, escrita em meados de 1890 por Gerhard Schulze-Gãvernitz. Para ele, a superioridade física da operação de fábrica inglesa quando comparada com o Continente é reconhecida pelos alemães da mesma maneira que a própria superioridade física deles (Rabinbach, 1992). Sua análise atribuía esta superioridade a salários mais altos e aumento do consumo. Ainda, parafraseando este autor, o investimento que a indústria inglesa fez em saúde almejava, principalmente, um padrão melhorado do viver. O progresso enorme na nutrição do trabalhador, que a Inglaterra viu durante o século XIX, é o fator mais importante favorável à capacidade para competição da indústria inglesa. (Rabinbach, 1992) Outro exemplo a ser citado é o da “Gainsborough Commission”, que quando completou sua investigação na Alemanha, concluiu, em 1905, que para a 50 comprovação das teses dos reformadores alemães, que apesar de horas mais longas, o trabalhador daquele país era inferior ao trabalhador inglês em produtividade pessoal. Uma comparação detalhada dos germânicos com os trabalhadores americanos, administrada no mesmo ano, mostrou resultados semelhantes. John Rae, um economista socialista britânico, defendia a experiência européia na Jornada de Oito Horas. Segundo este, era possível para os fabricantes da Europa melhorar a capacidade de cornpetição deles como foi feito na Inglaterra, reduzindo as horas de trabalho. Outra desvantagem que poderia diminuir a produtividade, era uma nutrição não adequada do trabalhador. Estudos foram feitos comparando trabalhadores de vários países com os ingleses. Descobriu-se que a nutrição inglesa baseada em rosbife era superior à do francês baseada em sopa e vegetais, portanto pobre em proteínas. Hector Denis, reformador socialista , discutiu na Câmara belga de Deputados, que era possível expressar a quantia de poder operário em calorias de energia. Émile Waxweiler, analisando a dieta do trabalhador americano, também observou que o trabalhador nos Estados Unidos tinha um rnodo de vida mais alto que o competidor europeu, e assim, mais condições favoráveis para a expansão da força produtiva. Não só a energia física foi melhorada pela elevação do padrão de vida, também foi ampliada a capacidade mental. O progresso enorme na nutrição do povo, que a Inglaterra viu durante este século, é um elemento relevante ao aumento da capacidade de competição da indústria inglesa. 51 O discurso do solidarismo higienista e o discurso socialista elaboram argumentos para convencer os governos e empresários da necessidade do aumento dos salários, da redução da jornada e da melhoria das condições de vida. Com a ascensão na economia da Alemanha e França, depois de 1895, o dia de oito horas se tornou, segundo Rabinbach, a demanda universal do movimento operário internacional, superando até o assunto do salário. Os socialistas europeus viram o dia de oito horas como o oferecimento de numerosos benefícios permanentes, como proteção contra a exploração excessiva, um lazer mais produtivo, e salários no final das contas mais altos. A celebração de Dia Primeiro de Maio em nome do dia de oito horas, em 1889, dirigiu o movimento internacional dos trabalhadores a esta meta: a redução da jornada de trabalho. Como Cross discute, o movimento das oito horas era o resultado trinta anos de luta política e ideológica. Que teve o apoio das investigações científicas dos higienistas, que reivindicavam o cuidado com trabalhador. Com tanto movimento e argumentos favoráveis, os empresários começaram a fazer experiências no exemplo inglês, reduzindo a jornada de trabalho. Depois de 1890, um número de pequenos industriais começaram um experimento com a semana de trabalho encurtada, para deste modo, observar os números da produtividade. Estes esforços foram empreendidos por razões econômicas, mas também era pretensão que eles servissem como modelos para outros industriais. Um experimento particularmente influente era o do industrial belga e engenheiro L.C. Fromont. Ele tentou aplicar a doutrina da conservação de energia aos seus trabalhadores. Ele contou sua experiência com a jornada de dez horas em dois turnos. Observou que os trabalhadores sempre estavam sonolentos, 52 desatentos, intoxicados. Os trabalhadores constantemente estavam reclamando de náuseas. Quando a administração anunciou, em 1897, que apresentaria um sistema de três turnos de oito horas cada, os trabalhadores ameaçaram boicotar o sistema por causa de uma esperada redução dos salários. Mas os salários não foram reduzidos. Os resultados foram positivos, havendo uma sensível redução nos casos de doença. Neste regime novo, informou Fromont, a produtividade subiu um terço em um período de seis meses, as relações operárias melhoraram, custos mais baixos de produção, e um declínio no alcoolismo e indisciplina. O sucesso de Fromont foi divulgado amplamente na Bélgica pelo Instituto de Solvay e pelo Escritório do Trabalho Belga, em nome de uma redução legal da jornada de trabalho. Em 1906, a firma industrial alemã “Bosch” também introduziu um dia de oito horas com resultados semelhantes. Porém, na Alemanha, quem fez este experimento com maior repercussão e cuidados foi a indústria de Ernst Abbe, diretor da “Carl-Zeiss”. Em 1901, Abbe foi o primeiro industrial alemão a introduzir o dia de oito horas, monitorando a produtividade dos trabalhadores cuidadosamente. Ele , ainda, entrou em acordo com os trabalhadores que manteriam a produtividade, que em troca, não teriam uma redução dos salários. Abbe considerou a experiência dele como prova conclusiva da observação inicial nas características sociais e fisiológicas do trabalho moderno. Trabalho mecânico é caracterizado por uma uniformidade que deve evitar o esgotamento, a fadiga progressiva, sempre usando o mesmo organismo, o mesmo músculo, o mesmo sistema nervoso central, e as mesmas partes de cérebro. Segundo ele, quanto mais longo o dia de funcionamento, maior a necessidade de períodos mais longos de atividade improdutiva, de ócio, comparando ao estado ocioso de qualquer máquina. Abbe, também observou, no começo da experiência, o 53 esgotamento extremo dos trabalhadores, mas logo não notou a fadiga e que a produtividade deles tinha aumentado. O poder de concentração tinha aumentado. Abbe resumiu sua experiência no seguinte axioma: para cada pessoa, em cada tipo de trabalho, e para o produto diário de uma determinada quantia de tempo de trabalho, há um limite; a redução de tempo operário tem que resultar em uma subida de desempenho de trabalho (Rabinbach, 1992). Na França, várias experiências com o dia de trabalho reduzido também não revelaram nenhum declínio significante na produtividade. Em 1907, no Congresso de Berlim de Higiene e Demografia, cientistas e peritos da saúde argumentaram sobre várias propostas de redução da jornada de trabalho. Do ponto de vista da higiene social, a maior eficiência alcançada pela eliminação do excesso de trabalho, pela redução da jornada, pela introdução de intervalos durante o dia, e pelo descanso no fim de semana, segundo os delegados deste congresso, aumentaram o bem-estar do trabalhador e a produtividade. (Rabinbach, 1992) O que podemos considerar nestas passagens citadas por Rabinbach, é que a preocupação do “higienismo” não era somente com a produtividade, mas também com o bem-estar da população, tese que é facilmente comprovada com as fontes primárias destes congressos na Europa. E, no caso do Brasil, faremos mais adiante esta investigação. A descrição dos vários exemplos citados por Rabinbach, o sanitarista industrial alemão Emmanuel Roth, também, apontou para o fato de que a redução do dia de trabalho era desejável em um ponto de vista higiênico. 54 Vários anos mais cedo, Armand Imbert tentou demonstrar a utilidade da ciência do trabalho para solucionar o debate sobre os salários entre os trabalhadores e as companhias de comércio do porto de “Sète”. Comparando os mais baixos salários ganhos pelos trabalhadores da vinicultura (quatro a cinco francos em dez horas por dia) com os salários mais altos dos trabalhadores das docas (oito francos durante oito horas), concluiu que a diferença estava garantida, substancialmente, pelo mais alto grau de fadiga. Para ele, aquela desigualdade de salário não correspondia à quantidade de trabalho dinâmico produzida, mas pela intensidade de fadiga, quer dizer, pelo valor da energia interna gasto no trabalho. Se fosse adotado este método, os salários não seriam medidos pela produtividade, mas pelo dispêndio de energia que ele provocasse. Imbert quer demonstrar que só a ciência do trabalho pode mediar as relações entre o capital e o trabalho, tornando esta relação mais justa. A ciência poderia ser imparcial, provendo uma solução baseada na experimentação. A distinção que Imbert faz entre desempenho de trabalho e fisiologia soam para o trabalhador como a possibilidade de basear as reformas no trabalho, não só por uma porcentagem de produção e desempenho, mas em uma taxa fisiológica objetiva do trabalho. Outros componentes da ciência do trabalho eram mais cautelosos na legislação da duração do dia de trabalho. André Liesse advertiu que se a proposta de Imbert fosse adotada, não poderíamos estabelecer um padrão na jornada de trabalho para todas as indústrias em todos os países. Seria impossível ter uma padronização, já que cada profissão teria que ser investigada para obter as despesas fisiológicas, e determinar o salário. Amar também caracterizou a demanda da jornada de oito horas 55 como “não científica”, pois desconsiderava a quantia de trabalho com o tipo de trabalho, a idade, e sexo do trabalhador . O sanitarista alemão Theodor Sommerfeld concordou que a diversidade de métodos e situações de trabalho requeriam uma diferenciação e aproximação específica em lugar de uma política nacional. Kraepelin também defendeu, em última instância, que a produtividade deveria levar em conta a procedência dos resultados dos estudos sobre a fadiga . Porém, a maioria dos peritos em fadiga acreditavam em um limite de máximo em horas de trabalho, e deste modo, este era o novo problema da ciência do trabalho. Na França, as dificuldades encontradas pelos reformadores para afiançar uma lei de dez horas na jornada (debates entre 1899 e 1904) e o impacto de uma lei que ordenou, em julho de 1906, à todos os estabelecimentos comerciais a darem um dia de folga durante a semana, produziu extensos debates sobre o valor do poder operário e as implicações fisiológicas de reforma . Em 1910, Renê de Viviani, o ministro do trabalho no governo de Georges Clemenceau, propôs em uma lei nova, reduzir gradualmente o dia de funcionamento para todos os trabalhadores para dez horas . Houve resistência por parte dos empresários, mas nos debates os argumentos fisiológicos da ciência de trabalho (especialmente o de Imbert) garantiram a execução da lei proposta. Os Partidários da ciência do trabalho comemoraram a vitória de seus argumentos, depois de duas décadas de debate. A ciência de fadiga persistia com seu discurso de que o trabalho físico excessivo progressivamente, arteriosclerose geral, afetava as funções do aparato circulatório prejudicando gradualmente o coração, provocando uma restringindo a circulação das veias. O desenvolvimento corporal do trabalhador é retardado em comparação a outras classes sociais. Para os 56 higienistas era preciso garantir uma nutrição saudável, para manter um equilíbrio da despesa e consumo do organismo, um trabalho diário de dez horas é em geral o limite máximo, sendo o ideal dois períodos de quatro horas de trabalho separado por um intervalo de duas horas (o dia de oito horas). Numerosas experiências demonstraram que quatro horas era o limite máximo até a ocorrência de um intervalo. A quantia máxima absoluta de trabalho no curso de um dia, sem dano para o organismo humano, era calculado em Calorias (Kcal), sendo que, o limite era de 100.000 Cal por dia. Um trabalhador fadigado estaria impossibilitado de descansar o bastante para compensar esta perda de energia, e freqüentemente, teria como recurso uma excitação, como o alcoolismo para estimular artificialmente o corpo, diminuindo a sensação de fadiga . Dr. Maurice de Fleury, um sócio proeminente da Academia do Medicamento de Paris, alertou que para todo trabalhador era necessária uma “higiene racional” que poderia determinar uma dose diária de trabalho sem deteriorar suas forças. Ele calculou o limite de oito horas. Fleury advertiu isso em um estudo nos Estados Unidos, onde pesquisou trabalhadores franceses empregados em grandes fábricas de Chicago. Constatou que os trabalhadores reclamavam da intensidade de trabalho e falta de períodos de descanso durante o dia. Os franceses reivindicavam, junto ao consulado da França, os intervalos. Reclamavam que não havia bastante tempo para fumar um cigarro, ou até mesmo o simples entretenimento de assobiar. (Rabinbach, 1992) Edouard Vailliant, socialista francês, foi quem introduziu a frase “limite fisiológico” durante uma fala em defesa da jornada de oito horas na Câmara de Deputados, em novembro de 1910. De acordo com Vaillant, o “limite fisiológico” 57 do trabalhador era a duração máxima de tempo de trabalho e esforço que poderiam ser gastados razoavelmente. O limite poderia ser precisamente fixado pela fisiologia. Segundo ele, a renda (nutrição) necessária e as forças que um organismo tem que gastar devem se equilibrar. Os desperdícios acumulados conduzem a um estado de esgotamento que poderia terminar em enfermidade ou óbito. Em numerosos livros e artigos, Vaillant enfatizou a conexão entre fisiologia e política. Parafraseando-lhe, no trabalho, muscular ou mental, há limites de tempo e intensidade que não podem ser ultrapassados sem representar um perigo ao trabalhador. O Esgotamento deve ser evitado. O trabalhador tem o direito a nutrição adequada, a um sono regenerativo, ao relaxamento da noite, merecendo também um dia de repouso. Vaillant também era partidário de um laboratório nacional para o estudo da fisiologia do trabalho que foi fundado em 1913. Mais que qualquer outro político na esquerda francesa, Vaillant fez uso extenso da ciência do trabalho nos argumentos em nome da questão social. Vaillant considerou os trabalhos de Imbert e os estudos experimentais de Amar prova conclusiva da necessidade não só da redução de horas, mas da melhoria das diversas condições de trabalho. Vaillant também estava preocupado com a produção. Sua proposta era especializar cada trabalhador em um setor que ele se familiarizasse melhor, conforme suas aptidões. Assim, a produtividade aumentaria e permitiria uma redução geral na duração do dia de trabalho. Ele almejava um equilíbrio entre um dia de funcionamento menor e a intensidade de trabalho. Este equilíbrio poderia ser fixado para cada ocupação, e a fisiologia poderia estabelecer os limites de desempenho não danosos ao “motor humano”. O argumento ilusório que as horas menores fariam a indústria perder competitividade, foi desmentida pelo fato que as 58 nações que se desenvolveram menos economicamente, adotavam horas mais longas e salários mais baixos. Vaillant pressentiu um futuro extraordinário para a França que adotou as soluções científicas da higiene do trabalho. Para ele, a nação que procura pautar sua legislação trabalhista aos estudos da ciência do trabalho, recolhe dados suficientemente úteis para organizar o trabalho, de forma a extrair no limite do possível as energias dos trabalhadores e todo o poder operário. Baseado nestas premissas, a nação poderia aumentar sua produtividade sem alterar o organismo do trabalhador. Para ele, tal procedimento é o mais eficaz à nação para estabelecer um sistema normal e natural de produção. Simultaneamente a isto, a nação estaria se preparando para a competição internacional. (Rabinbach, 1992) Em fevereiro de 1911, em resposta a Vaillant, surgiu, uma comissão de peritos com a incumbência de realizar estudos experimentais sobre o trabalho industrial. Neste mesmo ano foi criada uma cadeira em “higiene industrial” no “Conservatoire et de Artes de des Nacional Métiers”. Em 1913, o rninistro do trabalho, Henri Chéron, entregou um relatório ao Presidente Rayrnond Poincaré que propunha desenvolver um programa para o estudo do trabalho, aptidões ocupacionais, e sobre as condições de vida dos trabalhadores e suas as famílias. O relatório de Chéron foi a primeira declaração oficial que o conhecimento da ciência do trabalho tem significado para as políticas públicas. Segundo este relatório, o desenvolvimento rápido da indústria moderna deu lugar, inevitavelmente, ao esgotamento de forças, e em certos casos, até mesmo arriscando a saúde dos trabalhadores, e se tornou um obstáculo ao desenvolvimento da nação. Pelo trabalho excessivo requerido de mulheres e crianças, esvaziaram-se as fontes de energia da 59 população. Os meios para sistematizar a organização do trabalho, porém, deveriam ser sempre ancorados em procedimentos empíricos. Era relevante desenvolver métodos científicos de regulação do trabalho. Coletando os resultados de um número respeitável de experiências, poderiam elaborar as relações entre a natureza de trabalho, sua especialização e organização, o estado atual da tecnologia, aptidão pessoal, energias despendidas e eficiência do trabalho. Para colocar em prática este discurso o Governo francês organizou uma comissão de especialistas. Uma comissão composta por fisiologistas e engenheiros sanitaristas (inclusive Amar, Chauveau, Imbert, Paul Langlois, Henry Le Chatelier, Richet, e Weiss) para coordenar o uso das estatísticas, monitorar o laboratório e outros dados, para propor modos de melhorar os problemas do trabalho industrial. Logo após isto, Amar foi nomeado para encabeçar um laboratório novo montado para este fim. Os resultados destas pesquisas foram publicados na obra “Le Moteur humain et les bases scíentifiques du travail profissional”, cerca de seiscentas páginas sobre a história, método, e estado contemporâneo da pesquisa fisiológica do trabalho. Como vimos, na Europa, a questão da intervenção nas relações de trabalho por parte do Governo foram legitimadas pelo discurso científico dos higienistas do trabalho. A pesquisa também avançou no sentido de controlar as doenças. Só nos resta perguntar: e a pesquisa fisiológica da doença? 60 Desenvolvimento e debates da Medicina O “movimento higienista” também teve seu debate interno. O mais fervoroso na Europa foi o debate entre as teorias do contágio e dos miasmas. A teoria dos miasmas defendia que o que causava as enfermidades e epidemias eram as más condições do ambiente. Determinada doença se desenvolveria conforme sua adaptação a determinadas condições de ambiente. Estas variavam desde a temperatura à insalubridade das habitações. Sustentavam esta opinião baseados na observação de que as doenças tinham maior inserção em ambientes insalubres. Os odores, a falta de saneamento, sem esgotos, sem água potável, sem asseio corporal, faziam das classes trabalhadoras pessoas mais suscetíveis às doenças. A proposta desta linha de pensamento sustentou os argumentos dos higienistas que queriam convencer as autoridades públicas da eminência de uma intervenção em nível de políticas de saneamento básico, educação higiênica, prevenção e atendimento médico. Rosen diz que muitos dos reformadores sanitários defendiam esta opinião12 (Rosen, 1994). Em contraposição às teorias miásticas , os contagionistas defendiam que as doenças se propagavam pelo contato com o indivíduo enfermo. Defendiam o isolamento do indivíduo para controlar a doença e prevenir as epidemias. Excetuando estas duas posições, tínhamos uma terceira que conciliava a duas correntes. Esta defendia que existiam agentes contagiosos, mas que 61 estes só poderiam se manifestar em conjunção com outros fatores, como os sociais, climáticos e econômicos. Segundo Rosen, “no confronto entre as teorias do miasma e do contágio, até a última do século XIX a primeira dominou. Em um estudo excelente sobre o anticontagionismo, E. Ackernecht apontou que ‘pouco antes de sua vitória final e avassaladora, as teorias do contágio e do contágio vivo experimentaram as mais profundas depressões e desvalorizações em sua longa e tormentosa carreira; e pouco antes de seu desaparecimento o anticontagionismo alcançou seu auge de elaboração, aceitação e respeito científico.” (Rosen, 1994, p.212, grifos nossos) Portanto o século XIX representou o domínio das teorias miásticas sobre as teorias do contágio. Isto posto, podemos entender o porquê da reforma sanitária dar tamanha ênfase as condições ambientais e sociais da população, discursando pela necessidade do cuidar do população. Desta maneira, podemos imaginar que quando as renovadas teorias do contágio ganham repercussão, a necessidade de cuidado com a melhoria das condições sanitárias perdem espaço. Porém, na verdade, é que a metáfora do motor humano continuou viva. O discurso de cuidar da população continuou. E os próprios pesquisadores da medicina continuaram a exigir melhorias nas condições de vida. Como isto acontece? Apesar da vitória da bacteriologia, o discurso moral da saúde continuou? 12 José Luís dos Anjos (1995) considerou que esta explicação teórica (os miasmas) não eram adotadas pelos higienistas, pois iam contra os interesses das elites sociais. Nesta passagem comprovamos que a 62 As teorias miásticas foram superadas pelas do contágio, sobretudo, com as descobertas de Louis Pasteur. Foram, também, suas pesquisas que renovaram as teorias contagionistas. A microbiologia trazia novidades. A primeira descoberta de Pasteur foi no campo da química. Ele queria saber porque no processo de produção de vinho e cerveja, ocasionalmente, eles deterioravam. Estudando os processos de fermentação, ele descobriu que o processo desandava em virtude da contaminação por organismos vivos. Para prevenir esta contaminação, ele formulou o método de pasteurização, que consiste em elevar a temperatura do produto em um nível de intolerância a estes microorganismos. Com isto descobriu-se a existência de micróbios no ar e em líquidos. Em 1856, Pasteur foi convidado a investigar uma doença que se propagava sobre viveiros de “bicho-da-seda” . Depois da pesquisa ele estava convencido que duas doenças estavam atingindo os viveiros, sendo causadas por agentes externos específicos, por diferentes micróbios. Somando isto as noções de vetor, portador humano, inseto hospedeiro, a bacteriologia estava respaldada a estudar a causa de cada enfermidade. Em 1868, Antoine Villemin relatou em seus “Études sur la Tuberculose” que esta doença não se originava em homens ou animais, ou em virtude da atmosfera insalubre, ambiente. Seu motivo seria um processo virulento, um germe microscópico, capaz de se multiplicar no organismo e de se transmitir pelo ar, contaminando outros indivíduos. Outras pesquisas sobre outras doenças surgiram derrubando o princípio dos miasmas e as antigas teorias do contágio. Era o fim da intervenção sobre os hábitos da população? O fim da campanha de reforma sanitária? teoria dos miasmas era central no movimento higienista até o início do século XX. 63 Ao contrário, Georges Vigarello explica que com as teorias de Pasteur inaugurou-se uma nova concepção de cuidados com o corpo. Com estas teorias descobriu-se que o grande inimigo do asseio corporal estava além de nossa percepção, ou seja, os invisíveis micróbios. Portanto a lavagem deveria ser diária e rigorosa. Roupas limpas não eram suficientes para conter as doenças, era preciso expulsar estes microorganismos com a água. (Vigarello, 1985) Depois de séculos de história, o microscópio de Pasteur mostrou que as doenças eram transmitidas por agentes invisíveis. Mostrou que no banho eliminavase milhões destes agentes nocivos à saúde. E, em tempos de Revolução industrial, Vigarello cita uma passagem que retrata a metáfora usada para dar conta da conscientização em torno da higiene: “Toda a máquina exige a limpeza freqüente das suas engrenagens e a rejeição, não menos freqüente, das escórias ou partes inutilizadas do carvão. Sendo o corpo humano uma máquina das mais delicadas, é necessário velar pela sua limpeza e pela expulsão regular dos seus dejetos.” (Vigarello, 1985, p.165) Como podemos observar a metáfora do motor humano, que deve ser cuidado continuou com as novas descobertas da ciência. E chegaram até o Brasil? 64 OS HIGIENISTAS DO BRASIL Eu falo em nome das crianças dos meios rurais e operários, filhos da rua e da miséria, brotadas em lares onde escasseia o pão e sobram as provações e onde o agasalho do corpo e a própria subsistência não provém do _salário certo, mas de expedientes aleatórios. Eu falo em nome dessas crianças enfezadas e anêmicas, quase maltrapilhas que enchem grande número de escolas públicas, bem perto do bulício e do fausto dos grandes centros da cidade, e trazem, na tristeza apática, nas olheiras fundas e no olhar sem brilho, quando não nas escolioses, e em toda espécie de estigmas, a marca do meio social em que definham, e todos os sinais de uma debilidade congênita agravada pelas taras hereditárias e pela penúria de meios malsãos, e oferecida como presa fácil à contaminação ambiente. (AZEVEDO, Fernando. Novos Caminhos Novos Fins) Brasil: início do século XX Como vimos no capítulo anterior, o “movimento higienista”, na Europa, tem como objetivo central a proteção da população. Mediavam gerando “soluções científicas” nos conflitos entre o capital e os trabalhadores. No Brasil, o movimento teve o papel semelhante no início da industrialização. Porém, havia um aspecto 65 especialmente preocupante para alguns higienistas brasileiros, qual seja, a formação do povo, daí suas tendências eugênicas. Mas antes de discutirmos esta premissa, é mais adequado descrever o contexto brasileiro. O início deste século, no Brasil, representou no campo político, a tentativa de consolidação da República, dominada pelo poder econômico dos grandes agricultores. O principal papel do Estado parecia ainda ser continuidade da tarefa valorizada no Império: manter a unidade política territorial do Brasil. Então, os investimentos no exército brasileiro superavam qualquer outra prioridade política. A República, muitas vezes pelo uso da força bélica, reprimiu revoltas, com o intuito ou mediante a justificativa de manter unificado o país. Nesse momento o Estado prioriza a unidade do poder. A sociedade, no entanto, crescia em complexidade e diversificação dando lugar à emergência de novos setores e atores sociais. Alguns políticos e intelectuais do início do século postularam como tarefa pensar os problemas do Brasil e formular propostas que os solucionassem. A sociedade do início de século reclama a modernização do Brasil e de suas cidades. Incomodava aos brasileiros o paradoxo do atraso econômico e social sob o pano de fundo da riqueza natural, assim, a explicação do fracasso econômico de um país com amplas condições de ocupar um lugar entre as nações mais prósperas passou a formar parte do debate político e intelectual. O Brasil era ainda um país jovem, que no futuro poderia ser um orgulho de civilização. Esse sentimento chega até nossos dias: Brasil, país do futuro. Mas quando observavam o também jovem país da América do Norte, se perguntavam o porquê de nosso fraco desenvolvimento em comparação aos Estados Unidos. À partir deste questionamento central, os intelectuais brasileiros construíram ou importaram as mais variadas explicações. 66 Durante bastante tempo a tese de maior repercussão para o fracasso econômico foi a fatalista, na qual os componentes explicativos raciais eram fortes. Segundo esse pensamento, os brasileiros estavam constituídos por raças inferiores, com baixa capacidade para o trabalho. Portanto, o Brasil nunca poderia ser uma nação economicamente forte. A pergunta de Von Martius, sobre se a miscigenação era boa ou ruim para o Brasil, respondia-se negativamente. O Brasil tinha que ser um país bem visto pelos estrangeiros. Com o intuito de melhorar sua imagem, as elites brasileiras tentaram “embranquecer” o país. Elas estavam preocupadas com o peso desfavorável, sobretudo, da raça negra. Embora a porcentagem da população classificada como branca no censo nacional tivesse aumentado entre 1872 e 1890, este crescimento era modesto, e grandes parcelas de brasileiros eram ainda classificadas como negros ou mulatos. (Thomas Skidmore, 1998) Como acreditavam que o negro e o índio eram inferiores, os brasileiros sentiam-se em desvantagem. Para confirmar suas teses, esta corrente fatalista adotou as teorias racistas de europeus como Conde Gobineau, Gustave Le Bon e Vacher Lapouge. Estes apontavam a “evidência” biológica e histórica para justificar suas afirmações de superioridade branca. O Brasil dificilmente poderia ter esperanças de alcançar algum êxito na tentativa de “embranquecer” o país devido a grande quantidade proporcional de negros. Como poderia então o país branquear-se? Os brasileiros brancos estavam apostando basicamente na mistura de raças e na imigração branca em massa, para gradualmente, tornarem-se o equivalente da raça superior, com o desaparecimento do elemento negro no país. (Skidmore, 1998) Uma outra corrente de pensamento do Brasil do início do século pregava um orgulho nacional cego aos problemas nacionais. Representante deste pensamento, 67 Afonso Celso demonstrava que o Brasil já era um motivo de orgulho. Um país gigantesco, belo, formidável, berço de raças diferenciadas. E as raças brasileiras, para ele, eram valorosas. (Celso, 1943) Este pensamento representa a primeira reação às críticas estrangeiras. Esboçam um nacionalismo de defesa, que nos ensina Adalberto Marson, é aquele nacionalismo que desmente a inferioridade e ressalta as qualidades do país. (Marson, 1979) Mas é ainda um terceiro pensamento, este sim, que tem a maior inserção entre os higienistas, que criticaria, substancialmente, as duas linhas acima. Era o pensamento intervencionista. Este defendia que o povo brasileiro não era produtivo, porque estava abandonado pelas autoridades governamentais, que pouco faziam pela Educação e Saúde dos brasileiros. O povo estava doente e abandonado. Diferentemente dos fatalistas e ufanistas, os intervencionistas exigiam do Estado uma atitude construtiva na melhoria das condições de vida da população. Os higienistas tiveram um papel preponderante para que se pensasse, e ainda pensemos, a produtividade mais como resultado das condições dos trabalhadores do que como produto de suas características raciais. Assim, as condições sociais, econômicas e educacionais passaram a ser mais significativas que os determinantes raciológicos. Provocaram, portanto, uma mudança na consciência nacional sobre os problemas brasileiros. À partir da ciência experimental, provaram que o problema da saúde do brasileiro tinha solução. Derrubando as teorias deterministas raciais. Era preciso agir para sanear o país. Segundo Gilberto Hochman & Nízia Lima, 68 “os conhecimentos dos médicos-higienistas sobre a saúde dos brasileiros e sobre as condições sanitárias em grande parte do território nacional, revelados ao público em meados da década de 1910, absolviam-nos enquanto povo e encontravam um novo réu. O brasileiro era indolente, preguiçoso e improdutivo porque estava doente e abandonado pelas elites políticas. Redimir o Brasil seria saneá-lo, higienizá-lo, uma tarefa obrigatória dos governos.” (Hochman & Lima, 1996, p.23) Ao contrário do que pregou a historiografia da Educação Física na década de oitenta, grande parte dos higienistas não eram racistas, mas colaboraram na superação dessa ideologia. Os higienistas, e boa parte da intelectualidade brasileira do início do século, reconheceram a doença como principal problema do País e o maior obstáculo à civilização. O movimento pelo saneamento do Brasil, pelo saneamento dos sertões, concentrou esforços na rejeição do determinismo racial e climático, e na refutação de um nacionalismo ufanista. Para alcançarem seu objetivo, era preciso convencer o Estado a cumprir seu papel nos campos sociais, pois este se encontrava inoperante nas questões nacionais. Abandono do povo: as epidemias. Vários historiadores relatam o panorama de abandono que a Primeira República e os governos anteriores impuseram ao povo brasileiro. Sem condições mínimas de saneamento básico, sem hospitais públicos, sem remédios, sem 69 assistência médica, analfabetos, despreparados para o trabalho, o povo brasileiro, segundo os higienistas, estava doente. Uma doença causada pela falta de intervenção do Estado. Saúde e Educação eram áreas destinadas à responsabilidade dos estados da união. Muitos destes, sem verbas suficientes, atribuíam um plano secundário às questões sociais. Segundo Lycurgo Santos Filho, até “princípios do atual século, a assistência hospitalar esteve praticamente entregue às Irmandades de Misericórdia. Não dependeu, portanto dos governos, mas da caridade pública." (Santos Filho, 1980) Só com o início das epidemias, em uma situação emergencial, que os governos procuraram uma intervenção, como no caso da vacinação contra varíola no início do séc. XIX, ainda, segundo Santos Filho: "Da mesma forma que as câmaras (municipais, na época responsáveis pela saúde pública), os capitães-generais, governadores das capitanias, cuidaram da defesa da saúde, mormente por ocasião da irrupção de epidemias." (Santos Filho, 1980, p.74) Mas esta intervenção, segundo Paulo Marins, era incipiente. No Rio de Janeiro, por exemplo, as habitações da maioria da população encontravam-se em péssimo estado sanitário. As epidemias eram cada vez mais freqüentes. Surtos de cólera-morbo, febre amarela, varíola, malária, tuberculose, peste bubônica, faziam muitas vítimas fatais. Graças às péssimas condições de salubridade oferecidas pelas ruas imundas, mas sobretudo pelas casas lotadas, sem saneamento básico e fornecimento de água. Já a assistência aos pobres era mais acessível na forma de 70 “curandeirismo” africano, muito disseminado na antiga capital brasileira e nas outras capitais do Brasil. (Marins, 1998) No Estado de São Paulo, o quadro não era diferente, para Rodolpho Telarolli Junior, a aceleração da imigração européia para o Estado, resultou em uma aglomeração de estrangeiros no porto de Santos em ambientes insalubres propícios às manifestações epidêmicas. No início da República houve grandes epidemias de febre amarela, além da varíola e febre tifóide. A mortalidade pelas doenças transmissíveis chegou a responder por um terço dos óbitos no Estado na década de 1890. Estas, ainda, não eram atestadas por médicos, e sim, por leigos. Quando os casos epidêmicos eram alarmantes, havia a assistência médica, em decorrência de esquemas especiais montados pelo serviço sanitário estadual para atender estas situações. Quadro que permaneceu em vigência até meados da década de 20. (Tellalori Junior, 1996) As autoridades não davam uma assistência digna à população. Somente em casos extremos poderia se verificar a ação governamental. Este esquema de controle foi chamado por Telarolli Junior, de “campanhista-policial”. Este tinha o objetivo de controlar epidemias, mas não de prevenir, ou, assistir a população. "Em 1899 irrompeu na cidade de Santos, São Paulo, uma epidemia mortífera, que se propagou a diversos pontos do país. (...) Era, de fato, a peste bubônica. (...). Então, as autoridades paulistas e federais cogitaram logo da instalação de estabelecimentos para a fabricação de vacinas e do soro contra a peste. (Santos Filho, 1980, p.103) 71 Contudo este era o início da intervenção dos higienistas junto à sociedade custeada pelo Estado. A campanha social do “movimento higienista”, ainda tinha muitos objetivos a alcançar, fundando a medicina social no Brasil. Como relatamos, o quadro era de abandono nas capitais. Isto era diferente no campo? O interior do Brasil encontrava-se em condições tão precárias quanto das cidades. Euclides da Cunha testemunhou isto no nordeste. Caracterizando o sertanejo como um homem de coragem para resistir aos sofrimentos. O sertanejo não era inferior por sua natureza, mas pelo abandono. Desabafa dizendo: “Não temos unidade de raça (Cunha, 1933, p. 70). O autor não estava falando em “embranquecimento da raça”, teoria em voga no período, ao contrário, defendeu a melhoria das condições de vida do sertanejo, que poderia ser alcançada com a intervenção do Estado. Cunha esboça a necessidade dos governos saírem do gabinete e conhecer os problemas brasileiros, que se refletiam no isolamento do sertanejo. (Hochman & Lima, 1996) Dante Moreira Leite atesta que o pensamento de Euclides da Cunha indicava como características do sertanejo a honra, força, audácia, religiosidade. O escritor ressalta sua simpatia pelo sertanejo, julgando-o um exemplo à ser seguido pelo Litoral. (Leite, 1976) Thomas Skidmore também relata este ideal de Euclides da Cunha, ressaltando que sua principal mensagem era evidenciar o abismo que existia entre os sertanejos, isolados no interior, e os bispos e políticos (Skidmore, 1998). Ainda este mesmo “brazilianist” descreve o interesse no desbravamento do interior do Brasil. Destacando a personagem histórica de Cândido Rondon, relata a viagem do presidente Roosevelt, onde este admirou o potencial econômico de nossas 72 reservas naturais. Paralelo a isto, nós assistíamos ao crescimento de cientistas que tentaram fazer um levantamento da vastidão do interior e de seus problemas sociais. Um deles seria Carlos Chagas, que erradicou a malária em diversas regiões. Segundo Skidmore: “Pioneiros como Rondon e Chagas lideraram um crescente esforço para educar o público no sentido de compreender que muitos brasileiros eram improdutivos por causa das doenças causadas por necessidades médicas e sanitárias não satisfeitas. E os esforços desses pioneiros levariam a importantes campanhas de saúde nas décadas de 1910 e 1920 – campanhas que ajudaram brasileiros esclarecidos a desafiar as teorias deterministas raciais e climáticas que tão freqüentemente dominavam as discussões da elite sobre o lugar do Brasil no mundo. (Skidmore, 1998, p.117) É este ideal que enfocaremos nas obras dos higienistas no Brasil. A intervenção estatal como princípio para melhorar as condições de vida da população. Com esta realização, derrubariam definitivamente as teses pessimistas e deterministas sobre o povo do Brasil. Mas em que consiste este discurso determinista? É o que veremos à seguir. Pessimismo em relação à raça e ao povo. Estava no auge na época, uma teoria que pregava que ter uma raça era mais do que ter determinadas características étnicas, era ter características 73 psicológicas coletivas. Isto era o que Dante Moreira Leite chamou de Caráter Nacional Brasileiro. Caráter nacional brasileiro seria uma análise do nosso povo à partir de características psicológicas coletivas herdadas dos negros, índios e brancos (Leite, 1976). Era um discurso que pretendia explicar a questão do nosso atraso no desenvolvimento econômico e cultural. Queriam saber, afinal, o que havia de específico no brasileiro, e o porquê de nosso atraso em relação aos Estados Unidos e à Europa. Influenciados por escritores europeus, alguns autores acreditavam em um determinismo biológico que condenava o brasileiro a ter certas características, que para eles poderiam ser herdadas geneticamente. Em resumo, nosso povo teria um pensamento e atitude inatos, que eram herdados da raça negra, indígena e branca. O discurso em torno da raça passa ser referência para as elites brasileiras. Intelectuais como Lapouge e Le Bon começam a ser seguidos no Brasil. As idéias destes defendiam a tese de raças superiores e inferiores. Vejamos um texto de Le Bon: "...pelo simples fato de que a raça é diferente e desprovida das qualidades fundamentais que possui aquela que povoa os Estados Unidos, todas essas repúblicas [da América], sem uma só exceção, são perpetuamente presas da mais sangrenta anarquia e, malgrado as riquezas surpreendentes do seu solo, caem uma após outra nas delapidações de toda a sorte, na falência e no despotismo." (Le Bon apud Lima, 1980, p.43) 74 Da mesma forma se pronunciou Vacher Lapouge sobre a América Latina: “elas chegam ao mundo muito tarde, e a raça em si mesmo é muito inferior. O México, onde o elemento indígena a absorveu completamente, e o Brasil, imenso estado negro, que retornou à barbaria, são os dois únicos de uma importância numérica séria." (Lapouge apud Lima, 1980, p.44) O determinismo biológico das limitações das raças dos brasileiros provoca um ambiente de pessimismo em relação ao desenvolvimento do país. Muitos viam as características psicológicas herdadas dos índios e negros como um obstáculo intransponível para o desenvolvimento do Brasil. Leite cita muitos destes deterministas. Podemos destacar aqui Oliveira Vianna, que defendia a tese de que o Brasil era formado por uma aristocracia muito bem dotada geneticamente de qualidades positivas herdadas dos europeus. Porém, em contraposição, possuía um povo inferior, responsável pelo atraso do país. (Vianna, 1959) O povo era inferior por ser formado por raças inferiores. Também, Alberto Sales é influenciado pelas teorias deterministas-racias em voga no Brasil, e acredita em uma raciologia. Esta prega que o Brasil não poderia alcançar os padrões de desenvolvimento da Europa e América do Norte, pois nossa raça era inferior, devido a mestiçagem com os negros. Para ele: “a raça africana, pela sua inferioridade moral e pela sua inaptidão social e política, sendo introduzida brusca e violentamente no seio das populações inteiramente distintas, certamente que não podia contribuir para o seu desenvolvimento moral e intelectual, senão para seu atraso.” (Salles apud Vita, 1965, p.106) 75 A raça era uma discussão muito difundida neste recorte histórico. Todos estavam preocupados com uma raça que desenvolvesse o país e garantisse a formação de um Estado Nacional. A idéia do unidade de Estado Nacional defendia uma território, etnicidade, e língua, na época eram uns dos principais definidores da nação, do povo (Hobsbawn, 1990) Sem estes pressupostos, o Brasil não se formaria como nação. Objetivo que só foi alcançado nos anos 30. Até mesmo um dos intelectuais estrangeiros mais importantes ligados à esquerda, influenciado pelo pensamento da época, indicavam a raça como um elemento relevante na constituição nacional. Antonio Gramsci escreve: " na América do Sul (...) a composição nacional é muito desequilibrada mesmo entre os brancos, mas complica-se ainda mais pela imensa quantidade de índios, que em alguns países formam a maioria da população." (Gramsci, 1978a) A valorização da homogeneidade racial é um discurso seguido no Brasil, a heterogenidade seria um mal, como pode ser entendido a partir da citação de Gramsci. Esta linha adota a tese da inferioridade das raças brasileiras como motivo principal para o nosso atraso. Nossa raça seria inferior, segundo os deterministas, pois em nossa formação o elemento negro e indígena não possibilitariam, por suas características psicológicas negativas, um desenvolvimento de nosso povo. Leite exemplifica estas teses com as fontes de vários escritores brasileiros. Nina Rodrigues achava que os negros e índios deveriam ter um tratamento diferenciado no código penal brasileiro por terem uma mentalidade infantil, inferior a dos brancos. Afonso de Mello Franco aponta o Brasil como uma civilização de duas culturas: uma primitiva e outra mais avançada. Acredita no 76 determinismo racial, colocando cada característica psicológica do brasileiro como influência de determinada raça. Achava, também, que os negros e índios teriam desrespeito à ordem legal. Esta imagem de povo ruim também influenciou, em um primeiro momento de sua obra, Monteiro Lobato, que se redimiu destas considerações pessimistas em relação ao caboclo. Porém, é interessante conhecermos este pensamento. Para Lobato o caboclo, comum no interior do Brasil, ao contrário do que mostrou Euclides da Cunha com o sertanejo, era um parasita , um piolho da nossa terra, incapaz de produzir. Só podendo usufruir o que a natureza poderia lhe dar. Em suas palavras, este funesto parasita da terra era o interiorano, espécie de homem baldio, inadaptável à civilização, que vivia a beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. À medida que o progresso chegava, ele se escondia no interior. (Lobato, 1961a) Lobato achava que o “modernismo”13 passava uma idéia positiva do caboclo que era falsa. Este movimento literário, para Lobato, retomava o “indianismo” da fase romântica da literatura brasileira. Nos seus escritos: “Pobre Jéca Tatú! Como és bonito no romance e feio na realidade. Jéca mercador, Jéca lavrador, Jéca filosofo... Quando comparece ás feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher - cocos de tucum ou jissára, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, 13 Movimento literário. 77 pinhões, orquídeas; ou artefatos de taquara-póca - peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador; ou utensílios de madeira mole - gamelas, pilôesinhos, colheres de pau.” (Lobato, 1961a, p.281) Lobato ressaltava os aspectos negativos do caboclo, o caracterizando como um preguiçoso, que não se movia nem sequer para manter a organização de sua moradia. Não consertava seu telhado, limpava sua casa Tudo era abandonado pelo desleixo daquele habitante. “Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jéca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante.” (Lobato, 1961a, p.282) Mas, ainda, nesta fase pessimista de Lobato, podemos perceber prenúncios de sua futura atividade política em favor da intervenção. Ele começava a descrever a ignorância do Jeca Tatu, a falta de informação, a falta de assistência médica. Isso se dava no momento que o romancista indicava que o caboclo não sabia quem era o presidente da República, pensando que quem fosse o chefe de Estado do país era o imperador. Este isolamento aos principais fatos políticos do país, não se daria pelo fato do caboclo ser uma raça inferior. Era evidente que esta falta de informação era produto do analfabetismo enraizado no Brasil. Da mesma forma, a crença do caboclo no curandeirismo como forma de combate às doenças, provinha da mesma causa: a falta da Educação. Como ele descreve: Doenças hajam que remédios não faltam. Para bronquite, é um porrete cuspir o doente na oca de um peixe vivo e solta-lo: o mal se vai com o peixe água abaixo... Para 'quebranto de ossos', já não é tão simples a medicação. 78 Tomam-se três contas de rosário, três galhos de alecrim, três limas de bico, três iscas de palma benta, três raminhos de arruda, três ovos de pata preta (com casca; sem casca desanda) e um saquinho de picumã; mete-se tudo numa gamela d’água e banha-se naquilo o doente, fazendo-o tragar três goles da zurrapa. É infalível. (Lobato, 1961a, p.288) Escritores brasileiros, influenciados pelas teorias deterministas européias, tentam comprovar suas teses com generalizações de atitudes psicológicas por parte das raças. Comprovando isto, pensam que se nosso povo é geneticamente debilitado, o país sempre será pobre, sem termos muito o que fazer e realizar. Mas esta ideologia tem seus opositores. Entre eles os nacionalistas, alguns intelectuais, e também vários higienistas. Que às vezes se opõem a estas teorias radicalmente, ou por outras, as negam, mas conservam alguns elementos deste pensamento influente na época. Mas isto veremos mais adiante. Neste momento vislumbraremos a oposição nacionalista. A resposta nacionalista Nacionalismo no Brasil. Podemos começar a retratar esta problemática pela explicação do que vem a ser este sentimento. Definir nacionalismo seria inviável. Segundo Marson , não encontramos o nacionalismo em estado puro, o encontramos permeados em teorias mais abrangentes. As correntes ideológicas tendem a se caracterizar pelo emprego do nacionalismo. Ao longo dos períodos históricos, o nacionalismo tem-se relacionado a princípios e valores mais gerais, em consonância à sua incorporação em 79 reivindicações diversas e contraditórias entre si, na mesma época e país. Não se trata, apenas, de simples caso de interpretação, mas do fato de o nacionalismo extrair o seu padrão dessas referências teóricas mais amplas, não sendo possível atribuir-lhe um estado teórico distinto, a não ser em grau de generalidade difusa.(Marson, 1979) Adalberto Marson pontua várias manifestações de nacionalismo, como o religioso, econômico, político, literário, e várias correntes ideológicas e políticas nacionalistas. Marson nos faz refletir que percorrendo uma ampla literatura especializada, é fácil perceber que os esforços dos estudiosos esbarra, geralmente, na mesma dificuldade: como reunir características gerais, capazes de identificar sobre uma única expressão, manifestações de idéias e comportamentos, que se arvoram justamente na particularidade, na autodeterminação, na singularidade, no irredutível nacional? E esta dificuldade, que nos parece a principal, desdobra-se em tantas outras à medida que se aprofunde o estudo da temática nacionalista, se verifiquem os traços tipológicos, as suas expressões conceituais e seus conteúdos, os critérios para sua análise, as conexões com os referenciais determinantes (classes sociais, partidos, comunidades, regimes políticos, formas de dominação social, dependência externa). Não é preciso apelar a muitos argumentos para demonstrar a distância que separa, debaixo do mesmo vocábulo, manifestações com objetivos tão específicos: o nacionalismo monárquico autoritário e reacionário, o nacionalismo liberal, o nacionalismo industrial-desenvolvimentista, o nacionalismo anti-colonilista, o nacionalismo fascista e nazista. No seu significado político, o estudioso vê-se impossibilitado de construir uma tipologia que contenha princípios de generalidade e coerência, pela flagrante diversidade de aplicação contextual deste “ismo” em 80 condições variáveis no tempo e no espaço, em função de países, sistemas sócioeconômicos, regimes políticos e grupos sociais. O impasse é encontrado na tarefa de classificar, descrever e comparar, de construir uma tipologia, enfim. (Góis Junior, 1997) Segundo Marson podemos constituir algumas variáveis secundárias que são: o sentimento de superioridade (caracterizando o nacionalismo ofensivo) ; e uma atitude de defesa e preservação (caracterizando o nacionalismo defensivo) que pode ser exemplificado como o nacionalismo do terceiro mundo. Dentro do Nacionalismo encontramos palavras-chaves, que se estudadas, desvendam esta questão no Brasil do início do século XX, são estas: a unidade e a resistência à cultura estrangeira por parte dos nacionalistas. Podemos também identificar os nacionalistas em duas vertentes: os ufanistas e os desenvolvimentistas. Na questão da unidade podemos caracterizar o esforço da recém proclamada República brasileira em manter a unidade do país, principalmente no que se refere ao seu território. Na Revolta da Armada , na Guerra de Canudos, ambos episódios históricos retratados pela Literatura brasileira, a presença do exército para garantir a unidade política e territorial é preponderante. Os governos do início do século no Brasil tem como prioridade a consolidação do poder. Os símbolos nacionais são divulgados, um nacionalismo de manutenção da ordem toma o Exército brasileiro. Outra característica do nacionalismo brasileiro é a resistência de alguns intelectuais à cultura estrangeira. Como o Brasil é condenado pelos estrangeiros `a barbárie, o país é mal visto. Então começamos a exaltar um nacionalismo defensivo em relação aos europeus. Em vez de aceitarmos as críticas aos brasileiros, porque 81 não criticamos a cultura européia, criando uma cultura genuinamente brasileira? Esta tese atravessa todos os espaços profissionais brasileiros, como a sociologia e o esporte. Peter Burke, historiador inglês, critica os pré-modernistas brasileiros que defendiam esta concepção. Burke diz, que quando Euclides da Cunha classifica o Brasil como uma cultura de empréstimo, parecia obcecado em idéias fora do lugar. Para Burke, todas as culturas são de empréstimo, inclusive as culturas financiadoras como a inglesa, sendo que a idéia de uma cultura pura, sem influência externa, é um mito. (Burke, 1997) Mas esta resistência tem sua explicação contida nas teorias deterministas raciais que depreciavam o país. Era uma tentativa de defesa. Por exemplo, Graciliano Ramos achava que a adoção do futebol pelos jovens era “fogo de palha” (Soares & Lovisolo, 1997). Em seus termos: “Temos esportes em quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O Futebol não pega, tenham certeza. (Ramos apud Soares & Lovisolo, 1997, p.12) Para ele o esporte nacional seria a “rasteria”, valorizando o que é por natureza criado aqui. Outro exemplo pode ser analisado na Obra-prima de Lima Barreto: Triste fim de Policarpo Quaresma. Policarpo, um nacionalista convicto, tinha a idéia de mudar o país. A primeira medida que conseguiu formular foi uma reforma cultural que valorizasse o que fosse verdadeiramente do Brasil. Propõe, então, que a língua portuguesa fosse substituída pela tupi-guarani. (Barreto, s.d) E, outros tantos exemplos, que não explicitaremos neste momento. Em resposta ao discurso determinista-racial queríamos valorizar as culturas nacionais. O sentimento nacional, porta em si mesmo a convicção de suas riquezas culturais, sejam elas religiosas, gastronômicas, intelectuais, sociais. Estas devem se tornar exemplos para o mundo e ultrapassar as fronteiras de seu país, 82 tornando-se universais. No Brasil do início do século, a valorização, por parte dos nacionalistas, de nossos recursos naturais, do índio, de nossa cultura popular tentaram mostrar ao mundo nosso potencial. Com todos esses valores amalgamados, criaram nosso nacionalismo. Que por ser difuso em sua natureza, caminhou para duas vertentes, como já dissemos, a ufanista e a desenvolvimentista. A primeira ignorou as críticas européias, não observou os problemas nacionais, e exaltaram o que tínhamos de bom, como se o país já fosse a nação mais importante do mundo. O exemplo clássico desta vertente é o livro de Affonso Celso, “Porque me ufano do meu país” foi um livro ridicularizado pela maioria dos intelectuais brasileiros, inclusive nacionalistas, pelos seus apelos exagerados que ressaltavam a grandiosidade da nação. Este, escrito no início deste século, aproximava-se do romantismo indianista da metade do século XVIII. Segundo Leite, Celso defendia-se de seus críticos dizendo que em matéria de patriotismo melhor um otimismo ingênuo do que um pessimismo azedo. Sua obra tem uma intencionalidade clara que é o nacionalismo de defesa, para isto argumenta sobre a grandeza do território, da beleza, do valor do povo e das raças. Tudo que era considerado problema para o Brasil, em Affonso era qualidade (Celso, 1943). Os românticos, da mesma forma, faziam a mesma exaltação. Todas as qualidades do Brasil eram ressaltadas pelos românticos nas obras de Castro Alves, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela e Gonçalves Dias. Nas palavras do último: “Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves que aqui gorjeiam 83 Não gorjeiam como lá” (Dias, 1959, p.235) Quem nunca ouviu estes versos? Contudo nos deparamos com um nacionalismo que não questiona os problemas brasileiros. O que não acontece com o nacionalismo desenvolvimentista. Este questiona a necessidade da intervenção. Aponta problemas e soluções para o país. Este nacionalismo está consciente do atraso do Brasil, para então, pautar a questão do desenvolvimento. Este tipo de nacionalismo que representou o papel de estimular o progresso de nacionalismos europeus do último século, como na Alemanha, é claro no Brasil do início deste século, em forma de denúncia à falta de saúde, educação, e a necessidade da modernização. Esta exemplificada tipologia de nacionalismo desenvolvimentista pode ser com o próprio Policarpo Quaresma de Lima Barreto. Esta personagem planeja uma reforma cultural para o Brasil que não faz nenhum sucesso. Depois observa na agricultura a grande vocação nacional, porém se decepciona com as dificuldades do campo. Finalmente, vê que o problema nacional só pode ser resolvido com intervenção estatal, no sentido de reformar o país. Fazendo um estudo que é entregue à Floriano Peixoto, espera ansiosamente pela resposta do seu idolatrado líder. Quando acontece este fato, ele se decepciona com o presidente, que nas suas palavras diz que, “mas, pensa você, Quaresma, que eu hei de pôr a enxada na mão de cada um desses vadios...” 14 Nesta ficção Lima Barreto mostra a missão dos intervencionistas, como Quaresma, em convencer os governantes da 14 In: BARRETO, op. cit., p.143. 84 possibilidade de desenvolvimento. Todavia esta personagem teve um triste fim, sendo fuzilado pelo governo. Mas abandonando a ficção e caminhando para história, podemos encontrar um autor como Alberto Torres, que vê na falta de organização política o mal do Brasil. Um nacionalista que exalta nosso potencial, sobretudo ressaltando nossos problemas. É este nacionalismo desenvolvimentista, que os higienistas e os intelectuais intervencionistas apoiam. Como veremos nos capítulos à seguir. Afinal, por que somos uma nação pobre? Discussão intelectual sobre os problemas do Brasil O Brasil forma, na primeira metade deste século, um conjunto de intelectuais que abandonam as explicações deterministas-raciais sobre nosso país. Para estes pensadores os problemas do Brasil residiam na falta de intervenção do Estado na solução de questões sociais. Tratava-se de cuidar da população brasileira. Com esta tese os intervencionistas combateram e criticaram a literatura estrangeira determinista-racial, apontaram os caminhos a serem seguidos pelo Estado na melhoria das condições de vida do povo, e indicaram como melhor explorar o potencial econômico brasileiro. Neste momento vislumbraremos nuances das obras de Alberto Torres, Fernando de Azevedo, Monteiro Lobato e Manoel Bonfim. Alberto Torres (1865-1917) participou da campanha abolicionista, do movimento republicano, foi Presidente (como era denominado) do Estado do Rio de Janeiro. A obra deste autor é polêmica, embora possa ser apontado como um liberal, 85 sua obra foi referência de integralistas, porém se fossem lidos hoje, afirma Dante Moreira Leite, seus trabalhos suscitariam teses da esquerda brasileira. (Leite, 1976). A obra de Torres em um primeiro instante não causou um grande impacto. Teve mais repercussão na década de 30 com a influência da Sociedade de Amigos de Alberto Torres. Entre os integrantes desta sociedade encontrava-se Oliveira Vianna, um nome de destaque no cenário político nacional, e adepto das teorias deterministas-raciais. Mas se Alberto Torres era um intervencionista e Vianna um determinista, o que aproximava os dois pensamentos? Algumas das idéias organizacionais de Torres eram seguidas por Vianna, principalmente aquela que indicava a necessidade de um poder centralizador e moderador no comando dos Estados; e as que criticavam o absenteísmo liberal do Estado. Fato que faz Nelson Saldanha sugerir uma continuação entre os dois pensamentos (Cf. Saldanha, 1978). Contudo os dois pensamentos possuíam uma ruptura radical, como indica Barbosa Lima Sobrinho: “Havia também, em Oliveira Viana, alguma coisa de desalento e pessimismo. Não confiava no homem brasileiro. Deixara-se aprisionar pelo preconceito de raças e aceitara, em relação aos mestiços, doutrinas estrangeiras que não passavam, no caso brasileiro, de manifestações teorizantes, como tantas outras que êle profligava. Já Alberto Torres, libertando-se de todos êsses preconceitos, manifestava sua confiança no homem brasileiro, confiança no futuro e um otimismo tranqüilo com os seus alicerces firmados na realidade nacional.” (Sobrinho, 1978, p.323) 86 Uma ruptura, que indicava em Alberto Torres, a denúncia da importação de teorias racistas européias, pois percebia que elas nos negavam qualquer otimismo em relação ao futuro. Há raças superiores e raças inferiores? Torres fez esta indagação a si mesmo e aos seus contemporâneos. Para ele, a resposta seria, invariavelmente, negativa. Sobre as teses étnicas, ele dizia: “Pareceu-me oportuno destruir essas ilusões. A dúvida sobre o valor das raças no Brasil, nos centros intelectuais de nossas cidades, é mais um resultado do preparo – todo receptivo – dos que nos dirigem a opinião, que os conduz a tomar por dogmas tudo quanto os livros estrangeiros nos trazem, inclusive suas sentenças condenatórias, arestos com que o instinto político das nações adiantadas, dando por superioridade absoluta a superioridade eventual e relativa que mostram hoje, fazem títulos à dominação das que chamam ‘raças inferiores’.” (Torres, 1990, p.12) Fica patente em sua obra a condenação das teorias deterministas. Para Torres, estas teriam um interesse político – ideológico. Faz uma crítica aberta à Gobineau e Malthus, Vacher de Lapouge, certas filiações políticas e sociais do darwinismo, e à Nietzsche. Conta que estes surgiram, de origens e de fontes diversas, quase na mesma geração, chegando, por métodos todos científicos, à mesma conclusão: a afirmação da superioridade morfológica, irredutível, de certas raças e certos povos. Com este quadro, a antiga aristocracia recorre à ciência na busca de títulos de superioridade. Contudo, outros cientistas, segundo Torres, comprovaram a falsidade destas teses. Por exemplo, a História negou a eterna 87 superioridade branca nos rumos da civilização. Os trabalhos dos egiptólogos já haviam desvendado uma civilização, anterior à helênica, rica em descobrimentos e investigações, arrojada e perita nas construções da arte monumental, relativamente apurada, no desenho das artes plásticas. Esta raça era uma raça trigueira, se não escura. As probabilidades de sua origem, asiática ou africana, excluem qualquer filiação à estirpe dos homens do Centro e do Norte da Europa. Assim, todo o edifício da superioridade ariana ou teutônica, ruiu por terra, com a demonstração irrefragável de que as fontes da nossa civilização brotaram de cérebros de homens do Mediterrâneo, quase, certamente, da margem Sul do Mediterrâneo. (Torres, 1982) Isto posto, Torres mostrava que a relativa superioridade que a Europa usufruía em relação ao Brasil era temporária, e não definitiva. Era possível intervir na raça brasileira, através de meios como a Educação e a Saúde. Para comprovar a possibilidade da melhoria das qualidades do povo brasileiro. Torres adota o culturalismo de Franz Boas: “Esta prova bastaria para aniquilar a pretensão de superioridade das raças loiras, ou antes, da raça loira teutônica, pois que,' dentre os próprios loiros, alguns - a imensa massa dos braqúicéfalos do Centro da Europa, por exemplo são repelidos pelos grandes eleitores da ciência selecionista; mas a ciência, prosseguindo em suas indagações, chegou à conclusão de que, ao lado das diversidades físicas, verificadas na estrutura humana, nada, absolutamente nada, autoriza a afirmação de uma desigualdade radical, na constituição cerebral, em seu funcionamento, em seu poder de desenvolvimento. A relação entre os caracteres físicos e os caracteres psíquicos jamais se conseguiu afirmar com dados 88 definitivos e irrefutáveis. Recentes investigações, do mais ilustre, talvez, dos antropologistas americanos, o sr. Boas, demonstraram que os caracteres somáticos de uma raça alteram-se, notavelmente, de uma geração para outra, com a simples mudança para um meio novo.” (Torres, 1982, p.59) Portanto não haveria um caráter hereditário. A cultura e a influência do meio é que determinariam as qualidades psíquicas do povo. Então, condenar o povo brasileiro por suas características hereditárias nacionais, como pregavam os deterministas, não tinha base científica. Ao contrário, era possível mudar o povo, só era preciso educá-lo. Mas como? Pela garantia constitucional de Saúde e Educação. Para mudar este quadro adverso que condenava o povo brasileiro à miséria, a proposta de Torres se pautava na garantia de direitos constitucionais ao povo, que fossem garantidos por recursos estatais. Era preciso mudar as condições de vida, para mudar o Brasil. O primeiro passo seria a formação de um Estado Nacional que garantisse a unidade política. Em seu pensamento, o Brasil seria num primeiro sentido superficial, a associação dos indivíduos e famílias que habitam aqui com ânimo de permanência, protegidos pelo conjunto dos órgãos da sua política, ou seja, o “Estado”; formando posteriormente, graças à consciência de uma continuidade histórica de heranças morais e materiais e de uma simpatia e comunidade entre os mesmos, a nação. Contudo em sua época a formação do Estado Nacional é atrelado `a unidade racial. Tese que ele refuta. Pois, chega à conclusão de que a raça é, de todos os elementos da nacionalidade, talvez fosse o menos ativo. Comprovava sua tese afirmando que nenhum dos povos contemporâneos é formado de uma raça homogênea. A Suíça, com a sua população variada, de origem francesa, germânica, italiana, contém ramos, 89 ainda hoje radicalmente destacados, dos três grandes tipos étnicos europeus: o tipo nórdico, o mediterrâneo e o braquicéfalo central. Os Estados Unidos, dizia ele, reunia representantes de todas as estirpes étnicas; a população austro-húngara forma um verdadeiro mosaico de variedades humanas. Mesmo assim, nenhum desses povos deixou de formar uma nação no aspecto moral, político e social. A Suíça e os Estados Unidos, países federados, eram nações de forte e vigorosa unidade, no sentimento, no espírito e na harmonia dos interesses. O Brasil contava exemplares de raças extremas, mas só um cuidadoso estudo etnológico autorizaria a classificação de cada alemão de Blumenau como germânico, e de cada italiano, espanhol ou português, de São Paulo, de Minas e do Rio de Janeiro, como latino. Portanto a variedade de raças, também, não impediria a formação do Estado Nacional, nem mesmo do sentimento de nacionalidade. (Torres, 1982) Formado o Estado Nacional, o segundo passo seria a intervenção nos problemas do país. Que para ele eram claros: “Nunca tivemos política econômica, educação econômica, formação de espírito industrial, trabalho de propaganda e de estímulo para a aplicação das atividades. Organizamos, pelo contrário, uma "instrução pública", que, da escola primária às academias, não é senão um sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da produção para o parasitismo. A política fiscal, motivada unicamente pelas necessidades dos tesouros, foi sempre adversa à produção - suporte efetivo, afinal, de toda a carga das tributações, diretas ou indiretas. O protecionismo, recente, viu contrabalançadas as vantagens que prometia à produção, pelos entraves à circulação e ao comércio, pelos tributos estaduais e 90 municipais, pelos açambarcamentos, pelo enxerto de intermediários e de especuladores. (Torres, 1982, p.129) Ou ainda: Possuímos uma enorme população ociosa e miserável, sabem-no todos. Esta população ou vagueia pelos desertos, sem polícia, do país, ou apodrece, nas regiões centrais, dia a dia mais alheada do trabalho. Que fazer por esta gente? Nada? Mas por quê? De todos os tempos, a idéia da assistência, do socorro, do remédio à calamidade, à miséria , à fome dominou instituições e regimes sociais, sem que nenhuma teoria as repelisse; a organização secular das sociedades não é outra coisa mais que o lento processo formador desse conjunto de hábitos e de instituições que entretêm a associação espontânea dos compatrícios, para a distribuição dos bens da vida - a partir do mínimo da habitação e do alimento. Hoje, os órgãos e aparelhos desta organização espontânea estão mostrando, em toda a parte, a sua insuficiência: a política acode às necessidades com a legislação social. (Torres, 1980, p.25) As políticas adotadas em seu tempo pelo Estado eram insuficientes para resolver os problemas brasileiros. O nosso povo estava doente e abandonado pela inanição do Estado. Para Torres, as grandes causas de fraqueza física do brasileiro tinham, principalmente, três naturezas: cósmico-sociais, decorrentes da falta de estudo do clima e das condições da vida sã em nossos meios, geralmente úmidos e 91 quentes, e das sucessivas transformações meteóricas e climatéricas; escassez e impropriedade dos alimentos; e causas econômicas, sociais e pedagógicas, relativas à prosperidade e à educação do povo. Os fatores patológicos cooperavam para a nossa decadência física. Em relação às medidas profiláticas, como as campanhas de controle epidêmico, Torres compreendia que todos seus esforços eram incompetentes, ou simples desvios, na localização dos fatos reais. Mal atacavam as moléstias e nunca extinguiam as predisposições mórbidas. Era preciso, antes de tudo, resolver o problema geral da economia nacional. (Torres, 1982) Alcançando o êxito organizacional, o Estado Brasileiro poderia intervir com eficiência, e poderíamos confiar na melhoria das condições de vida e de trabalho de nosso povo. Poderíamos ter otimismo em relação ao futuro. Em seus termos: “Não temos senão motivos, assim, para confiar na energia e na capacidade das nossas raças. Ao fator moral da confiança cumpre juntar, contudo, outros, mais importantes, que devem visar à solução dos nossos mais sérios problemas: a consolidação do caráter do povo, pela educação; a defesa da sua economia física, pela alimentação e pela higiene pessoal, doméstica e pública; a defesa da sua economia social, pela política econômica. A causa principal do êxito de quase todo imigrante nos países novos é o estímulo da esperança de fortuna sobre terras ricas, prometedoras e férteis: é um fenômeno, verificado, de psicologia social, na história das migrações. É preciso que a nossa sociedade mantenha, nos herdeiros, e estimule, nos indígenas e nos descendentes desses colonos forçados que 92 foram os escravos, a mesma ambição laboriosa.” (Torres, 1982, p.71) Nisso consistiu o idealismo de Torres, na negação das teorias deterministas e na busca da intervenção estatal através de uma melhor organização. Segundo Vera Marques, o pensamento de Torres torna-se referência para as teorias higienistas que criticavam as teorias racistas. (Marques, 1997) O segundo autor a ser analisado neste momento desta dissertação é Monteiro Lobato. Ele nasceu em 1882, na cidade de Taubaté, São Paulo. Forma-se em Direito, torna-se colunista do Estado de São Paulo, e escritor. Morre em 1948. Este representa muito bem o debate entre os deterministas e os intervencionistas. Isto porque defendeu as duas posições em momentos diferentes de sua obra. No artigo “Velha praga”, Lobato condena o interiorano como o “parasita” de nossa terra, como vimos anteriormente. Mas, posteriormente, devido ao contato com a campanha sanitária de Penna Belisário, e às viagens ao Estados Unidos, percebeu que o problema brasileiro tinha morada no setor econômico e social. Compreendia que o desenvolvimento dos Estados Unidos se respaldava na pesquisa e na exploração do petróleo, o que não vinha sendo feito no Brasil. Nossas possíveis riquezas naturais mantinham-se inexploradas. E, além disto, o homem do campo estava abandonado e entregue às doenças, sem Educação, sem Assistência Médica. Quando tenta aprofundar-se sobre a questão do caboclo, conhece os higienistas da Liga Pró - Saneamento do Brasil, como Penna Belisário, o mais importante deles. O contato com este higienista faz Lobato refletir sobre os problemas do Brasil. Percebe que a causa primeira da miséria, ao contrário do que tinha pensado, não era o caboclo. Ele não era culpado das doenças, do abandono. A 93 culpa era da falta de saneamento. E, para resolver o problema, não bastava uma reforma constitucional, era preciso a intervenção imediata. Quando Penna expõe este quadro à Lobato, este vê seu ânimo exaltado. O último, na ocasião, era muito criticado pela descrição que fizera do caboclo. Então, reconhece que foi injusto em sua análise. Observa que a culpa residia nas elites, e em um Estado inoperante que deixara o Jeca chegar naquele estado de indolência. Não se passa muito tempo, e Monteiro já era uma das lideranças da campanha higienista. Nos seus escritos: “perdoa-me, pois, pobre opilado, e crê no que te digo ao ouvido: és tudo isso sem tirar uma vírgula, mas ainda és a melhor coisa desta terra. Os outros, os que falam francês, dançam o tango, fumam havanas e, senhores de tudo, te mantêm nessa geena infernal para que possam a seu salvo viver vida folgada à custa do teu dolorido trabalho, esses, meu caro Jeca Tatu, esses têm na alma todas as verminoses que tu tens no corpo. Doente por doente, antes tu, doente só do corpo.” (LOBATO apud LEITE, 1976, p.345). Na publicação “Problema Vital”, ele abandona o pessimismo em relação ao povo brasileiro. Refaz seu pensamento, pautando-se em uma crítica à literatura estrangeira determinista – racial. E, ainda, defende a tese de que o caboclo é a solução e não o problema do Brasil, desde de que a obra do saneamento obtivesse êxito. El diz que, “respiramos hoje com mais desafogo. O laboratório dá-nos o argumento por que ansiamos. Firmados nele contraporemos à condenação sociológica de Le Bon a voz mais alta da biologia.” (Lobato, 1961) Continua adiante: 94 “Em todos os países do mundo as populações rurais constituem o cerne das nacionalidades. Taurinos, torrados pelo sol, enrijados pela vida sadia ao ar livre, os camponeses, pela sua robustez e saúde, constituem a melhor riqueza das nações. São a força, são o futuro, são a garantia biológica dos grupos étnicos. Pela capacidade de trabalho mantêm eles sempre elevado o nível da produção econômica; pela saúde física, mantêm em alta o índice biológico da raça, pois é com sangue e o músculo forte do camponês que os centros urbanos retemperam a sua atividade”. (Lobato, 1961, p.255) O Jeca Tatu, caricatura do caboclo, passa a ter outro sentido em sua obra. Em “Idéias de Jeca Tatu”, defende o que é genuinamente brasileiro. Para ele, influenciado pelos nacionalistas, o que é de criação brasileira deve ter mais valor do que é estrangeiro. Em vez de importarmos as idéias dos estrangeiros no campo da literatura e das artes, era preciso criar um estilo brasileiro, e ignorar os movimentos do exterior. (Lobato, 1961b) Seu idealismo leva-o para a discussão política e econômica. Torna-se um defensor da modernização do Brasil através da industrialização, da exploração de nossos recursos naturais, e na procura do petróleo. Segundo Leite, é um dos primeiros intelectuais brasileiros a buscar em fatores econômicos as explicações para o nosso “atraso”. (Leite, 1976) Sendo sem dúvida um intelectual importante, que teve uma influência sobre o “movimento higienista” na negação das teorias racistas. O que não é diferente no próximo autor a ser trabalhado. Este escritor é Fernando de Azevedo. Este é um velho conhecido da historiografia da Educação Física. Foi o autor estudado por Lino Castellani Filho na descrição do “movimento higienista”. Tem uma ligação com nossa área devido às 95 publicações em periódicos da Educação Física, por ter escrito o livro “Da Educação Física”. Contudo Azevedo não só se dedicou à “causa da educação physica”, mas publicou uma vasta obra em que analisou a sociedade brasileira como um todo, por exemplo em a “Cultura Brasileira”. Ele, também, foi um militante, participando da discussão dos Congressos de Eugenia e de Higiene. Foi um dos educadores responsáveis pelo movimento escolanovista. Obteve cargos no ministério de Gustavo Capanema. O interessante neste momento da dissertação, é analisarmos sua obra no que tange às reformas educacionais e higienistas. O que pensou ele sobre estes assuntos? Pensou que os problemas brasileiros residiam em um povo fraco. Mas esta não era uma situação definitiva. Seu projeto de melhoria do povo ou da raça tinha dois pilares: Educação e Saúde. Então, elabora um projeto de Escola Pública que desse conta destas questões. Neste, ele criticava a precariedade das condições sociais do povo. Conheceremos neste momento a proposta educacional deste intelectual que baseavase na estruturação das escolas, na democratização do ensino, na educação do trabalho, na educação higiênica, e na educação física. Azevedo, como era um intervencionista, via o país em uma situação caracterizada pela degradação e o abandono. Via em nossas crianças o retrato de um povo fraco fisicamente. Percebia que o Estado não dava sequer conta da alfabetização. Ressaltava as precárias condições do sistema de ensino no Brasil. Para ele, no primeiro relance das inspeções nas escolas, no aspecto material, mais acessível à observação, percebia-se o completo abandono. As escolas instaladas, em sua maioria, em velhas edificações de aluguel, e às vezes mesmo em ruínas, ou em prédios mal adaptados aos fins escolares, constituíam um atentado aos nossos foros 96 de cultura e a todos os princípios rudimentares de higiene e educação. Mas além das instalações, as próprias crianças proletárias estavam abandonadas, como diz: “quem tenha tido o ensejo de observar e experimentar ao vivo o estado de miséria física e social de grande parte da população escolar, de centros urbanos e rurais, não pode passar despercebida a necessidade de incorporar, nas reformas, planos de assistência higiênica e alimentar às crianças pobres, de uma população, sem seiva, sugada até à medula menos pela miséria do que pelas verminoses, pela sífilis e pelas endemias. Mas, entregando-me rasgadamente a uma política de assistência social, sentia que todo êsse esfôrço não atingiria os objetivos visados, se, ao mesmo tempo, não procurasse pôr em via de solução o problema do tratamento das crianças enfêrmas das escolas públicas.” (Azevedo, s.d., p.184) “ As graves questões de educação pública ainda não se haviam erguido entre nós, do plano secundário a que foram sempre relegadas” (Azevedo, s.d., p.42). Continua ele, dizendo que, até então, quase todas as reformas realizadas no Brasil eram de superfície. Não procediam, geralmente, se não por inserções arbitrárias de novos processos ou padrões de técnica do sistema tradicional do ensino, isto é, por meio de inovações, acréscimos e substituições que se distribuíam, sem elementos de coesão, sobrepondo-se na legislação escolar, em camadas correspondentes a períodos distintos e a orientações diferentes. O que incomodava, também, Azevedo, é que na maioria das vezes, os destinos da Educação brasileira eram entregues à políticos, ou, à técnicos aprisionados à fórmulas didáticas. Para ele, mudar a Educação no Brasil 97 seria uma questão de modificação do espírito e filosofia educacionais, para que estes caminhassem para a democratização e o liberalismo. Dizia ele: “Ora, se o jogo das causas econômicas e o progresso das máquinas desenvolveram, na sociedade atual, o predomínio da indústria, que criou uma civilização em mudança; o alargamento quantitativo das sociedades, com a multiplicação dos círculos e dos contatos sociais, trouxe, em conseqüência, o desenvolvimento das idéias igualitárias, que presidem à nossa evolução social. A educação nova, nas suas bases, na sua finalidade e nos seus métodos, não podia, pois, fugir, de um lado, às idéias de igualdade, de solidariedade social e de cooperação que constituem os fundamentos do regime democrático, e por outro lado às idéias de pesquisa racional, trabalho criador e progresso científico, que guiam a sociedade cada vez mais libertada da tirania das castas e da servidão dos preconceitos.” (Azevedo, s.d., p. 17) O intuito deste seria a fundação da Escola laica, obrigatória e igualitária. Democratizar a Educação seria um grande passo para a modernização (Azevedo, 1994a) do Brasil, seguindo o caminho de superação do atraso. Para isto, tentou criar um sistema educacional baseado nas mais recentes descobertas científicas. Previa uma instrumentalização das escolas, com o rádio, disco, cinema, como materiais que pudessem auxiliar na relação professor – aluno. Para modernizar, também, era necessária a industrialização, que por sua vez exigia uma educação para o trabalho. Então, propõe uma escola do trabalho. Para ele, a Educação não poderia ficar alheia ao fenômeno da industrialização. Por este motivo, ele foi descrito na 98 historiografia como um utilitarista. Mas ele mesmo já se defendia dessas considerações: “Mas, a escola nova, igual para todos, organizada em regime de vida e trabalho em comum, própria para desenvolver a consciência social de igualdade, solidariedade e cooperação, e a consciência econômica do trabalho produtivo, não deve tender a sacrificar ou escravizar o indivíduo à comunidade, nem a prescindir os valores morais, na formação da personalidade humana. Eu tenho da vida, e , portanto, da educação, uma concepção integral, que não me permite considerar o homem apenas como instrumento de trabalho; que me criou a consciência da necessidade de aproveitar, na educação, todas as forças ideais, isto é, tudo aquilo que dá sentido e valor à vida humana, e , que portanto, me obriga a reivindicar para o indivíduo seu direito em face da sociedade, à qual aliás ele tanto mais se adaptará e servirá, como unidade eficiente, quanto mais desenvolver e aperfeiçoar sua personalidade, 'em todos os sentidos.” (Azevedo, s.d., p.19) Azevedo pensava que seu projeto não era somente pragmática, mas que a Educação integral, e entendia isto como a Educação em todos os sentidos, moral, físico, intelectual, era um direito da criança, e uma obrigação dos educadores. Uma educação completa e não imediatista. Esta concepção educacional pretendia, nas palavras de Azevedo, desenvolver amplamente a criança, incutindo-lhes valores morais, como cooperação, espírito de iniciativa, o sentimento da responsabilidade e perseverança. Ainda, sobre o utilitarismo, Azevedo, diz que não se pode tratar os indivíduos como meios ou máquinas sem pensamento que só devem executar o gesto 99 prático. Mesmo propondo “o esforço produtivo que ordena o pensamento à utilidade imediata de ação, não se contenta apenas com a utilização científica do homem, em vista de seu Rendimento máximo na engrenagem econômica” (Azevedo, s.d., p.21) procura uma base larga sobre a vida. Para ele a Escola, dentre suas funções, deveria cultivar o valor do trabalho, mas isto não seria exclusivo aos proletários, e sim, à todos. As idéias européias do homem como uma máquina influenciam muito Azevedo. Sua proposta também pretendia preencher esta lacuna. Preparando a criança para o trabalho, não no sentido de lhe ensinar uma profissão, isto era papel da Educação Profissional, mas ensinar o valor do trabalho produtivo. E, através da educação física preparar esta máquina , pois “a intensidade febril da vida moderna, com todas as emoções que nos faz constantemente experimentar, obrigando-nos a trabalhar e a produzir como máquinas, não se pode suportar senão, a expensas do sistema nervoso que se mantém em alta tensão, sempre vibrante em seu máximo grau. Ao lado e simultaneamente com esses fatores que contribuem para o esgotamento das energias individuais, trabalhadas e enervadas por toda espécie de solicitações externas, o veículo fácil e a máquina reduziram, nas grandes cidades cada vez mais industrializadas, as oportunidades para os exercícios e para as fadigas físicas, multiplicando as ocasiões de contágios pela interpenetração cada vez mais profunda dos círculos sociais e profissionais, nas ruas, nas escolas, nas fábricas, no teatro”. (Azevedo, s.d., p.174) 100 Fica claro que a educação teria um papel de preparação dos futuros trabalhadores, mas isto na época longe de ser um mal, era uma unanimidade entre todas as posições políticas no Brasil e na Europa. Vivíamos um tempo de grande valorização social do trabalho produzida no século XIX. Não podemos esquecer que o próprio marxismo é uma antropologia do trabalho que valoriza seu papel criador. Azevedo assistiu a importação de mão-de-obra estrangeira, fato que incomodava os nacionalistas e intervencionistas. Então, propõe que a Educação, que se completaria com a educação higiênica, auxilie na formação de trabalhadores brasileiros. Tratavase de um voto de confiança de Azevedo no povo brasileiro. A proposta de Azevedo não mediria esforços no sentido de ensinar as concepções higiênicas aos alunos. A escola teria um papel preponderante no Saneamento do país. Como Saúde e Educação eram preocupações centrais no pensamento deste, as duas esferas acabam se completando em uma estrutura sólida que mudaria o país. Pelo menos, foi assim que pensou o educador. Ele criticou a forma que a educação tradicional tratou os assuntos da saúde, sempre deixando-os em plano secundário, sem uma estrutura que possibilitasse o ensino da higiene e da Educação Física. Na Escola Nova construíram-se edifícios amplos, arejados. As crianças teriam assistência médica que se prolongaria até a casa do aluno com as visitas das enfermeiras. Da escola partiria um atendimento que visava atingir toda a sociedade. O projeto pretendia inculcar novos hábitos higiênicos que se difundiriam em todos os lares através da educação da criança. Para ele, pela educação sanitária, se estabeleceria uma vigilância constante, reprimindo-se imediatamente qualquer negligência, mostrando a importância da saúde. Para isto, seriam usadas palestras, filmes, exposições, cartazes e folhetos, e 101 todos os meios de difusão de práticas higiênicas, como dramatizações e concursos infantis, associações e patrulhas sanitárias. O projeto educacional de Azevedo teria um outro pilar: a Educação Física, mas isto discutiremos em outro capítulo desta dissertação. Vimos que para que a escola pudesse alcançar este nível estrutural, a intervenção estatal era imprescindível, e isto não feria os princípios liberais de Azevedo. Ele sabia que o investimento do Estado na Educação e na Saúde deveriam estar em primeiro plano. Neste sentido tenta convencer o Estado à intervir. Ele nega as teorias deterministas raciais quando prega que a nossa raça estava ruim, mas poderia ser melhorada com a intervenção estatal na Saúde e Educação, fazendo com que o povo adquirisse qualidades físicas e intelectuais que seriam transmitidas para gerações futuras. Este é o projeto eugênico que Fernando de Azevedo defende em suas publicações. Ele não defendia o embranquecimento da raça, nem mesmo, a regulamentação dos casamentos entre raças consangüíneas. Para entendermos o que pretendia Azevedo, temos que observar esta passagem: "A superioridadei ethnica de um povo é uma equação entre os elementos de sua formação e as condições históricas que sobre eles actuaram. A quem atende na heterogeneidade de elementos ancestrais que, fusionando-se, deram o produto híbrido e impreciso de nossos genes, e nas condições, que os influenciaram, não pode surpreender o espetáculo desagradável desse povo sem um tipo ainda para o qual tenda um tipo ethinico definido, mas ao contrário, imperado raquítico, e, por isto, destinado aos pessimistas á absorção ou ao menos á quase impossibilidade de se tornar um 102 dia uma força viva de humanidade e uma glória real de civilização latina.(...)” (Azevedo, 1933, p.14) Pode-se entender deste modo que o pensamento de Azevedo tentava unir duas teorias: a determinação genética e a determinação do meio. Entendia que o povo brasileiro estava em formação, portanto adquirindo características do meio (Educação, saúde), e estas seriam herdadas geneticamente pelas gerações futuras. (Azevedo, 1950). O que pretendia era melhorar a raça através da democratização da saúde e da educação. Este pensamento era uma das tendências da Eugenia, como veremos mais adiante. Ainda, nos resta, nesta descrição do pensamento destes intelectuais brasileiros, analisar um pensador da esquerda daquela época. Estamos falando de Manoel Bonfim (1868-1932). Ele foi um dos primeiros intelectuais da esquerda brasileira. À historiografia da Educação Física, ele só foi reapresentado15 em 1998 por José Tarcísio Grunenvalt no VII Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física. Grunenvalt apresentou Bonfim como uma mentalidade que destoava da unanimidade dos intelectuais da época, como Alberto Torres, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna. Era a voz que se erguia contra o determinismo racial (Grunenvalt, 1998). Porém, já pôde ser visto que esta afirmação pode ser relativizada. Pois, em primeiro lugar, não havia unanimidade entre os intelectuais da época. Uns eram seguidores de Gobineau (determinismo racial) como Oliveira Vianna, e outros eram críticos, como Monteiro Lobato, Fernando de Azevedo e Alberto Torres. Em segundo lugar, Bonfim não é o primeiro, nem o único a criticar o 103 determinismo racial. Os autores supracitados também faziam esta crítica. Terceiro, Grunenvalt cita Dante Leite para afirmar que as análises daqueles autores eram simplistas. E, realmente, Leite procura e encontra lacunas em todos os autores, inclusive em Manoel Bonfim. Mas, Grunenvalt omite a crítica de Leite à Bonfim, dizendo que este último representa uma superação ideológica no pensamento brasileiro. Para Leite, Bonfim e Torres representam apenas prenúncios de libertação. Estavam adiantados em relação aos racistas de sua época, contudo não superaram este pensamento (Leite, 1976). Pois, segundo Leite, a superação das ideologias racistas é alcançada por Monteiro Lobato e Caio Prado Júnior (Leite, 1976). Veremos à seguir que sua mentalidade longe de destoar de todos, ia ao encontro à mentalidade higienista intervencionista de Fernando de Azevedo. Para isto, ressaltaremos sua crítica da sociedade, o que ele pensava sobre raça, nacionalidade (caráter nacional brasileiro), e sua proposta Educacional. Como os autores intervencionistas, Bonfim via um Brasil que abandonou seu povo. A miséria do povo do interior e das periferias dos grandes centros, lógico, incomodava muito aquele marxista. Nas suas palavras: “Na luz ofuscante da terra pátria como fundo vivo de tradições constantemente contrariadas, um Povo apagado, deprimido sob um século de esperanças mortas, singela melancolia, que só Coração aviventa. É a Própria substância da nação brasileira. Em reverso de miséria, o estado da massa Popular explica-se pela degradação dos dirigentes: fúria de desejos materiais, sugestões de cobiça, embate de egoísmos grosseiros... depressão de apetites saciados, ou desfalecimentos 15 Inezil Penna Marinho, no livro História Geral da Educação Física, cita Manuel Bonfim com um dos defensores da educação Física bem orientada. 104 de vontades, no despeito de ambições insatisfeitas... deposita-se em vasa, onde afundou toda a nobreza das consciências dominantes, e sobre a qual há de decantar-se um povo esgotado, pois que a vida lhe tem sido o perpétuo labor de pariá, a nutrir a renascente infecção. (...) Pobre povo! Tão naturalmente simples na grandeza destas paisagens! Pobres gentes, essencialmente boas, para aceitar a secular espoliação que as avilta! (...) Mal se explica o amesquinhamento atual; mal se explicaria, se não soubéssemos como até agora, esse povo, que é a própria nação brasileira, tem sido, apenas, o manso e ignaro rebanho, desleitado e tosquiado, pelos três ou quatro milheiros de politicantes, e as centenas de mil outros parasitas, senhores da produção, carrapatos sobre a distribuição da mesma produção.” (Bonfim, 1996, p.538-9) A imagem que Bonfim passa do povo brasileiro reflete a apatia, bondade, depressão. Para Bonfim, as elites tinham o interesse de manter este estado de degradação da população, pois assim, ela poderia ser eternamente explorada. Um povo que não tem Educação, não se conscientiza de seus direitos, aceitando a espoliação. O único interesse de nossos dirigentes, para Bonfim, era manter seus privilégios. Eles eram os culpados do atraso do Brasil, e não o povo. Bonfim denunciava a inoperância do Estado. Mais uma voz clamava por reformas sociais que possibilitassem ao Brasil superar as dificuldades econômicas. A explicação de Bonfim para o quadro depreciativo que nos atingia era a falta de vontade política em investir no povo. Para ele, as teorias racistas eram pretexto para a dominação européia. Dizer que os brancos são superiores é reservar-lhes o lugar de comando na sociedade. Pela sua superioridade, seriam mais capazes de manter a ordem da 105 sociedade. Portanto, as teorias racistas pregavam que o domínio das elites brancas era natural. Isto revolta Bonfim. Mas para ele, o que era a raça? No livro Brasil Nação, ele reserva no capítulo IX, um subtítulo para discutir a raça. Começa dizendo que “num povo que exprime em patente nacionalidade, caracterizada numa história inconfundível, com tradições seguras, o primeiro esforço de engrandecimento político está em apurar o seu valor nacional” (Bonfim, 1996, p.484). Para ele, é a explicação histórica que dá conta das características raciais dos povos. Quando fala sobre as teorias deterministas raciais ele é taxativo: “À questão da raça – para reduzir à inanidade do próprio merecimento, as baboseiras, pretensiosas e erradas, dos que, brasileiros, e das classes dirigentes, têm feito para esta pátria um estigma de irremissível inferioridade – o ter, na massa da população característica, a combinação dos três fatores, onde entra o caboclo e o negro, condenados, inumanamente, antipatrioticamente, e asmaticamente, por inferiores. (...) Nesse critério, o francês Gobineau, mesquinha mentalidade de diplomata, que se promoveu a conde, considerou-se promovido também em sangue, e proclamou, sobre as raças desiguais, a absoluta superioridade dos germanos. (Bonfim, 1996, p.485) Para ele, a superioridade da Alemanha não vinha de um determinismo racial, mas sim, da cultura e disciplina do povo. Exemplifica dizendo que a organização das colônias italianas e alemãs no sul do Brasil, que servia de argumentação aos deterministas, se explicaria por aspectos culturais. Seria difícil 106 para o caboclo brasileiro, acostumado historicamente à uma forma de vida influenciada pelo regime de trabalho escravo, organizar-se melhor que os imigrantes. Mas isto não significava que o caboclo era naturalmente inferior, ele estava inferior. Para Bonfim, a formação da raça, no aspecto étnico, estava completandose no Brasil. A raça brasileira seria o mestiço. Com vemos nesta passagem: “Há, reconheçamo-lo, uma fortíssima proporção de sangue índio, hoje contado nos pretensos brancos - morenos, de cabelos corridos; há, também, em muitas partes do país, forte dosagem de sangue negro. Mas como o número de misturas é ainda maior; dada a tradicional ausência de preconceitos preto no mulato, o mulato no claro, o claro no branco... em dois, ou três séculos, com o infalível afluxo de estrangeiros brancos, teríamos uma população relativamente homogênea, com o negro, muito esmaecido, e o caboclo incorporado ao branco.” (Bonfim, 1996, p.486) Como o problema racial estava prestes a se resolver, com a formação de uma raça tipicamente brasileira, ou seja, o mestiço, o moreno, só restava formar o sentimento de nacionalidade. Para Bonfim, criar o Brasil Nação, não diferente de seus contemporâneos, era além de ter uma raça homogênea, era ter um sentimento de nacionalidade. O brasileiro deveria ter algo que o diferenciasse dos estrangeiros, para assim, se sentir brasileiro. Por isso em sua obra constrói uma história do Brasil que ressalta o sentimento de amor à pátria, vislumbrados pelo romantismo de Castro Alves, e da valorização de nossos antepassados (os índios), exaltado pelo indianismo de José de Alencar. Bonfim tece uma série de elogios a poetas e romancistas deste movimentos literários, inclusive, dedica seu livro a Castro Alves. Bonfim é um 107 nacionalista, mas não deixa que este sentimento o faça esquecer os problemas do Brasil. Conta a história do Brasil, com o objetivo de análise das nossas características. Influenciado pelo seu tempo ele acredita na teoria do Caráter Nacional. Esta defendia a tese que cada povo tinha características psicológicas coletivas que eram transmitidas hereditariamente. Ele cita Ribot para dizer que: “num povo esta soma de caracteres psíquicos, que se encontram em toda a sua história, em todas as instituições e épocas, chama-se caráter nacional (...) a permanência do caráter nacional é o resultado a ao mesmo tempo a prova experimental de hereditariedade psicológica nas massas.” (Bonfim apud Leite, 1976, p.255). Adotando esta teoria Bonfim chega à conclusão que o Brasil é um país atrasado por ter sido colonizado por portugueses. Fazendo críticas aos ibéricos, Bonfim faz generalizações sobre estes povos. Dizendo que depois das lutas contra os mouros, os ibéricos tornaram-se agressivos, conquistadores, fazedores de escravos (Bonfim, 1905). Na tentativa de defender o brasileiro, constrói um estigma psicológico para o ibérico. Apesar de procurar explicações econômicas, sociais e culturais para o que ele considerou atraso dos mestiços do Brasil, ele acredita em um Caráter Nacional Brasileiro. Ele não se liberta da idéia da transmissão de traços psicológicos, bastante preconizada em seu tempo. Portanto o brasileiro teria uma raça, que tinha características psicológicas adquiridas que seriam transmitidas às gerações futuras. Diante desta teoria, o que deveria ser feito era investir na cultura e educação deste povo, ensinando-lhe valores que se transmitiriam hereditariamente aos seus filhos. Mas quais eram estes valores? No que consistia o projeto pedagógico de Manuel Bonfim? 108 Bonfim acreditava que a educação deveria servir a nação e a humanidade. Por sua vez esta humanidade se realizava nos grupos nacionais. Então, a tarefa primeira da Educação era disponibilizar os conhecimentos, fórmulas, métodos, que constituíam os valores. Com este aprendizado, ele dizia, que uma geração superaria a outra nos valores sociais, fazendo que o homem caminhasse para uma melhor organização. Ensinando a criança a abandonar valores egoístas, cultivando a justiça, para que os interesses nacionais não fossem sacrificados (Bonfim, 1996). Segundo Bonfim, a Educação era o grande projeto para o Brasil. Se diziam que faltavam homens valorosos em nosso país, o caminho era formar estes homens. Esta seria, para Bonfim, a suprema virtude da educação: pode sempre, de uma criatura normal, fazer um indivíduo inteligentemente produtor e moralmente disciplinado para uma vida livre. A questão da produção e do trabalho eram patentes na proposta de Bonfim. Vivíamos um período de valorização do trabalho. Educar também significaria preparar para o trabalho. Bonfim afirma que a campanha de que resultasse a efetiva instrução, tinha que ser, antes de tudo, uma excelente escola de disciplina e de apuro moral: estudar significava rnetodizar o esforço, disciplinar-se para o trabalho assíduo e conscientemente livre. Tenta, então, definir o que é educação, pois para ele era um termo vago em sua época, dizendo que não bastava repetir o termo, como se nele houvesse qualquer valor. A educação deveria ser pautada em valores claros (Bonfim, 1926) . Um desses valores era o trabalho. Afirma: “...apuram a instrução superior, antes de propagara primária – fazem doutores para boiarem sobre uma onda de 109 analfabetos. Em vez do ensino popular, que prepare a massa geral da população – elemento essencial numa democracia, em vez de instrução profissional – industrial, onde tem saído o progresso econômico de todas as nações...” (Bonfim apud Grunenvalt, 1998, p.534, grifos nossos) A preocupação com a formação dos trabalhadores justificava-se pela importação de mão-de-obra estrangeira, a imigração. Bonfim via que a formação educacional do povo brasileiro era mais eficaz do que a simples imigração. Este era o caminho que o Brasil devia percorrer, a exemplo do que ocorreu nos países europeus. Ele afirmava que todas as nações modernas tinham investido na educação do povo. Citava a Inglaterra do começo do século XVIII, que em tempos de crise, não titubeou em tratar a educação como o recurso mais sólido nas recuperação das energias sociais. Na Alemanha do pós – primeira guerra, com o país destruído, criou a Escola Nacional Única, que instituía o ensino profissional obrigatório dos 14 aos 17 anos de idade. E, como não poderia deixar de ser, cita como exemplo a Rússia da revolução de 1917, que segundo ele, apesar dos imensos obstáculos, conseguiu, através da Educação, criar uma nova Rússia. Dizia ele: “A Rússia antiga desapareceu irremissivelmente, que da obra educativa, empreendida e em parte realizada pelo bolchevismo, sortiu uma Rússia nova, potente nas energias essenciais do seu povo”. (Bonfim, 1996, p.546) Outra missão da educação era ensinar os preceitos higiênicos. Absolutamente, Bonfim não era contra a educação higiênica, ao contrário, a achava imprescindível. Como esses preceitos eram científicos, Bonfim, os aceitava, e defendia sua divulgação entre as crianças. Ele não pensava que estes novos hábitos eram imposições da burguesia, ou ainda, uma estratégia de dominação do 110 proletariado. Pensava que a saúde do trabalhador e das crianças devia ser cuidada através do ensinamento das novas descobertas científicas. Para efetivar na Escola um clima propício para o ensino da higiene, Bonfim propõe uma reforma das instalações escolares que atendesse às normas da engenharia higiênica. Com salas amplas, arejadas, com iluminação natural. E, ainda, restrições no tempo de estudo, com o intuito de não fadigar o estudante. Enfim, seguindo todos os pressupostos adotados pelos higienistas. (Bonfim, 1926) Parte integrante deste princípios, a Educação Física também foi abordada por este autor. Não diferentemente de Fernando de Azevedo, ele observa que a importância desta prática reside na formação de um povo forte, disposto ao trabalho, nos seus termos: “...temos que considerar a educação physica como um desenvolvimento apurado do organismo, no sentido de bem adaptá-lo às condições normaes da vida que lhe é dada. É obvio que esta expressão – condições de vida inclui, não só as condições climatericas, como as proprias condições sociais, porque elas exigem no homem real capacidade de trabalho e produção.” (Bonfim apud Grunenvalt, p.536) Como vimos o pensamento do educador Manoel Bonfim não se diferenciava do de Fernando de Azevedo no seu aspecto central. O Brasil tinha um povo fraco, que não poderia desenvolver o país, pois estava doente. Mas esta não era uma condição definitiva. Através da Educação e da Saúde poderíamos melhorar este povo, torná-lo apto ao trabalho. Por isto estes autores são intervencionistas, que tem a incumbência de convencer a sociedade da época da importância das reformas sociais. Pensamentos tão próximos, apesar das opostas posições políticas. 111 Assim, podemos conhecer um pouco deste intelectuais intervencionistas que debateram e derrubaram as teses deterministas – raciais. Mostraram que nosso povo não estava condenado ao fracasso eterno de suas predisposições genéticas, mas ao contrário, só precisavam de assistência médica, de alfabetização, de preparação para o trabalho. Nisto consistiu o idealismo deste intelectuais, que viram muitos dos seus objetivos não serem alcançados. Jorge Nagle mostra que a maioria de seus objetivos foram alcançados apenas no seu aspecto jurídico, não passando do papel na Primeira República (Nagle, 1974). Estes debates dos intelectuais descritos até o momento, chegam até os higienistas e médicos. O que acontece, então? Os higienistas : crítica da sociedade e polêmica racial . Quando os intelectuais começam a exigir da sociedade uma intervenção no sentido de melhorar as condições sociais da população, segundo eles, um passo impreterível para a modernização do país, os médicos que trabalhavam na área da Higiene se interessaram por este debate. E, às vezes esta discussão partia dos próprios “higienistas”, influenciando intelectuais como Monteiro Lobato. Da célebre frase de Miguel Couto: “O Brasil é um imenso hospital” em 1916, ao aumento do papel do Estado nas áreas sociais em 1930, os higienistas debateram, se opuseram, fizeram antagônicas propostas de intervenção e mudaram um quadro político de apatia para um debate polêmico em torno da modernização. Atingiram todos os setores da sociedade com o argumento da Higiene. Para eles, Higiene seria uma área de conhecimento da Biologia que teria por objetivos: 112 melhorar a qualidade de vida humana, prevenir as doenças, aprimorar a saúde, descobrir cientificamente os melhores hábitos para a defesa da saúde individual e coletiva.16 Com esta autoridade, os médicos prescreveram novos hábitos sobre todas as condições que pudessem afetar de algum modo a saúde, ou seja, todas as atividades humanas (trabalho, escola, moradia, asseio corporal, moralidade). Se o país estava doente, cabia curá-lo, ou em seus termos, saneá-lo. Os “higienistas” tomam como referência a idéia dos intelectuais intervencionistas da falta de Saúde e Educação do povo, e dizem que tem a melhor fórmula para resolver o problema. A situação de miséria do Brasil tinha explicações nestes fatores sociais, então eles podiam, com o simples apoio financeiro do Estado, cumprir o papel de modernizadores do Brasil. E, muitos deles foram atrás deste título. O primeiro passo que tomaram foi a crítica da situação de abandono, e depois a negação do determinismo-racial Como se estivessem afirmando aos intelectuais que concordavam com suas explicações para o atraso, e estavam dispostos a colaborar na intervenção. Como veremos à seguir. Miguel Couto sobre a questão do determinismo racial era categórico: "Não há raças humanas, nem superiores nem inferiores, o que há são povos adaptados ao meio em que nasceram e se formaram, e que transferidos para outros se constituem o centro do metabolismo longo e eficiente(...). Um país de imigração como o nosso, na altura em que se acha, já está em tempo de cuidar de sua seleção social não tanto pelo medo do contágio dos efeitos, como pela necessidade de apuro de qualidades.” (Couto, 1932, p.82) 16 Cf. todos os manuais de higiene estudados nesta pesquisa concordavam com essa definição. 113 Couto se afastava do pensamento determinista racial. Para ele as características do indivíduo não eram somente transmitidas geneticamente. As características dos indivíduos tinham a influência do ambiente, e para ele, assim como para Fernando de Azevedo e Manoel Bonfim, estas qualidades adquiridas com a influência do ambiente poderiam ser transmitidas às gerações futuras, como era defendido pela teoria evolucionista de Lamark. Esta teoria consistia na tese da influência das variações do meio sobre a evolução do seres vivos, isto é, a mudança das condições de vida provoca uma mudança das necessidades, a seguir dos hábitos, para finalmente mudar o próprio organismo geneticamente.17 Portanto se o povo brasileiro se encontrava fragilizado no aspecto da saúde, isto não era devido sua constituição genética inferior, como pregavam os deterministas – raciais, mas pelo ambiente, pela condição de abandono, que vinha inferiorizando a raça no decorrer dos tempos. Então o que fazer? Melhorar a raça através da educação, como ele mesmo indica: "só há um problema nacional: a educação do povo. A decadência da raça não se há de fazer na nossa terra e o remédio do soberano é a cultura; o culto se faz são, o são se torna forte e o forte herda à prole a sua robustez." (Couto, 1933, p.142, grifos nossos) Através da Educação se formaria uma cultura brasileira e um povo mais saudável, com melhores condições de vida. Se a educação fosse democratizada, o 17 Cf. Lamarckismo. Encicclopédia Larrousse Cultural. São Paulo, Abril, 1998, p.3479. Cf. Vera Marques . Op. cit. 114 povo poderia adquirir virtudes valorizadas na época, também cuidaria melhor de si próprio, educaria melhor seus filhos. E seria preparado para o trabalho moderno, possibilitando ao Brasil um maior desenvolvimento. Seria mais saudável, pois aprenderia os novos hábitos higiênicos indicado pelos cientistas. O brasileiro criaria um sentimento comum de nacionalidade, uma cultura própria. Este era o objetivo da intervenção através da Educação e da Saúde. Com este discurso estes higienistas colaboraram na melhoria das condições de vida do trabalhador. Também Penna Belisário, o líder da Liga Pró-Saneamento do Brasil compartilhava da idéia de povo doente e abandonado pelo Estado. Ele não acreditava nas teorias européias sobre a inferioridade da raça brasileira. “N’um país de doentes e analphabetos. Como o Brasil, a preocupação máxima, primordial, de governantes conscientes deveria ser a do saneamento physico, moral e intelectual dos seus habitantes. Não há prosperidade, não pode haver progresso entre indivíduos ignorantes, e muito menos quando á ignorância se juntam as moléstias e os vícios, o abatimento physico e intellectual, as lesões de orgãos essenciais.” (Belisário, 1923, p.25) Nos escritos deste higienista encontramos o ideal da intervenção do Estado no sentido de promover a Saúde e Educação do povo. Não encontramos referências sobre a adoção de uma teoria evolucionista lamarkista (melhoria do genótipo pela modificação do fenótipo) como encontramos na obra de Manoel Bonfim, Fernando de Azevedo e Miguel Couto. Este autor aproxima-se mais do 115 pensamento de Alberto Torres. Para ele, o problema do Brasil era falta de vontade política e organização. Em seus termos: “todos os problemas relativos à salubridade das regiões e à saúde dos seus habitantes prendem-se intimamente aos de sua organização política e social. Cada um delles não pode ser resolvido sem o concurso dos outros; são rodas conjugadas de uma maquina, que só funciona regularmente quando suas engrenagens se ajustam e os seus eixos não se deslocam.” (Belisário, 1923, p. 68) Na sua opinião era preciso organizar o país. Recursos, dizia ele, não faltavam ao governo, e criticava a política de empréstimos financeiros e emissão de títulos da dívida pública (precatórios). Belisário tinha uma preocupação central: sanear o interior do Brasil. Citando os relatórios de Carlos Chagas e Oswaldo Cruz, ele verificou o estado de completo abandono do povo, sem assistência de nenhuma espécie, entregue à malária, e outras doenças. O povo do interior não tinha informações sobre as formas de prevenção das moléstias. Mesmo que a população soubesse todas as indicações médicas, as formas de profilaxia, não teria condições de praticá-las, afirmava aquele autor, pois não tinha nem recursos para se alimentar, quanto mais para se medicar. Belisário tinha claro que não bastava ensinar a população a se cuidar. Era preciso ensinar-lhe a trabalhar, a garantir seu sustento através de um emprego com salário justo. Como indicar ao indivíduo que tomasse banhos todos os dias, usasse roupas limpas, se ele não tinha nem o que comer? Diante deste quadro o higienista poderia direcionar seu discurso para outros setores da sociedade, mas ao contrário, discursou 116 em favor da mudança deste panorama desolador, denunciando um país que deixava seu povo padecer isolado no campo. Dizia ele, “eis a causa da apavorante mortandade de crianças, de que não há muito os jornais se ocuparam, gastando muita tinta sem descortinar o seu principal factor – a fome.” (Belisário, 1923, p.90) Ele aponta a fome do povo da interior e, também dos centros urbanos , como a causa de nossa debilidade física. Portanto nosso problema era social. Mas a pobreza não só vitimava o povo do interior. O quadro repetia-se nas capitais. Ele propunha uma visita às periferias do Rio de Janeiro, pois ali encontraríamos o mesmo contexto desolador, criado pelas más condições de vida dos trabalhadores. Para ele, longe de ser o problema brasileiro racial, eram os fatores sociais determinantes da situação de debilidade de nosso povo. E o caminho de superação era o investimento no ensinamento da ciência em todos os ramos da atividade humana, assistidos pela medicina e higiene, e no ensino do trabalho profissional. O que exigia intervenção do Estado. Nos seus escritos: “Nós ficamos mais ou menos impassíveis, alegando que o mal foi importado da África ou de alhures, que está generalizado, que é próprio do clima e da raça, que é muito difícil de combater-se, e queijandas tolices.” (Belisário, 1923, p.56) Para o leitor que conhece o “movimento higienista” pela historiografia da Educação Física dos anos oitenta, e por muitos autores da historiografia da Educação, a leitura dessas passagens deve causar no mínimo uma reflexão. Vale lembrar, que este autor foi um dos mais representativos do “movimento higienista” 117 do Brasil, influenciou intelectuais como Monteiro Lobato, organizou expedições pelo interior do Brasil, diagnosticando várias doenças e denunciou a falta de responsabilidade do Estado com o problema da saúde. Unido à Arthur Neiva liderou a Liga Pró-Saneamento do Brasil, um dos movimentos de maior repercussão no meio dos médicos. Sempre tendo em mente que a obra do saneamento era um projeto de intervenção social. Definitivamente, o nosso problema era social. Outro importante nome da história de intervenção da higiene é João de Barros Barreto. João de Barros Barreto (1890-1956), médico carioca, foi diretor do Departamento Nacional de Saúde durante o Estado Novo e professor de Higiene. Estudou a Higiene profundamente, publicando um tratado sobre o tema, onde discutia a área em diferentes aspectos, ensinando suas normas para os diversos setores da vida. Não é um crítico do governo, como Belisário, mesmo porque este último criticava os governos da Primeira República, que tinham uma política de completa abstenção nos setores sociais. Barreto é um pouco posterior à Belisário, e torna-se um membro do Governo Vargas, este mais disposto a intervir nos setores sociais, muitas vezes seguindo as orientações de higienistas como Barreto e Fernando de Azevedo. Mas o que é interessante perceber na obra de Barreto é a insistência em comparar nossos índices sociais aos dos países europeus, mostrando o quanto ainda tínhamos que construir para atender nossa população. Era claro para aquele médico, que o Brasil não tinha realizado nem uma parcela ínfima das reformas sociais necessárias. Destacaremos, portanto, neste momento como ele via os problemas sociais da mortalidade infantil e pré-natal e a questão do trabalho industrial. 118 Sobre a mortalidade infantil e pré-natal, Barreto começa questionando o alto de índice de mortes das mães no parto. Diz que no Brasil, os coeficientes de mortalidade materna (por 1000 nascidos vivos) variavam, em 1944, nas capitas, entre 2.9 (Curitiba) e 21.9 (Terezina), sendo 6.4 o coeficiente mediano, correspondente à Cuiabá. Afirma ele que, “enquanto isto, em muitos países Escandinavos, a Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, o Uruguai, a Austrália estão na vanguarda de todos, com os mais baixos coeficientes” (Barreto, 1948, p.626). Para reverter estas estatísticas, Barreto indica o exame pré-natal, que dependeria da construção de uma rede pública de atendimento à gestante. Ainda indicava o afastamento das mulheres do trabalho industrial e pesado, as direcionando à oficinas de trabalho leve, uma primeira etapa até a Lei de licença Maternidade. Sempre mostrando os índices sociais de países desenvolvidos, o autor vai denunciando a precariedade da Saúde no país. O mesmo se repete com as taxas de mortalidade infantil. Já no que tange às causas dos altos números, ele pensa que a maior influência reside nos fatores médicos e econômico-sociais. Diz que “a má situação econômica mostra correlação acentuada com a mortalidade infantil” (Barreto, 1948, p.662). Para combater estas causas, ele propôs a educação higiênica da mulher com o objetivo de superar a ignorância e negligência delas nos cuidados com os recém-nascidos e crianças. Afirma que a ignorância materna era um elemento importante, que na prática, para quem procurava combater a mortalidade infantil, era o grande desvelo pela educação higiênica da mulher (Barreto, 1948). Barreto tenta mostrar como se construiria um programa de combate à mortalidade, considerando as causas sociais como um dos fatores a ser combatidos. O outro aspecto que vamos tratar na obra deste higienista é o trabalho industrial. 119 Ele descreve a introdução dos maquinismos no mundo do trabalho como umas das características da modernização. Mas defende a tese que este trabalho exige, por parte do operário, muita atenção, fadigando-o mais rapidamente. O ambiente industrial tornou-se ruim para a saúde do trabalhador. O automatismo das máquinas, o ruído, a repetição de gestos constituíam fatores importantes no desgaste físico e mental do trabalhador. Mas além desta modificação na rotina do trabalho, a duração da jornada de trabalho era outro fator onde a higiene deveria interferir. Barreto aponta vários trabalhos científicos que mostravam a melhoria da produção e da qualidade de vida do trabalhador, quando estes tinham uma jornada de trabalho reduzida de 53 horas/semana para 48. O que significa oito horas de trabalho diário, possibilitando um sono adequado (8 horas) e período de ócio (8 horas). Mostra, também, a inconveniência do trabalho noturno para a saúde do trabalhador, o período de férias, os repousos durante a jornada. Regras que se fossem adotadas protegeriam os trabalhadores(Barreto, 1937). E, é realmente na década de trinta que a legislação brasileira, assim como na Europa do século XIX (Rabinbach, 1992), por pressão social dos higienistas e sindicalistas, alcança estes objetivos no aspecto jurídico. Mas isto, descreveremos mais adiante, quando discutiremos a intervenção do “movimento higienista”. Barreto é um autor que aponta as formas de intervenção da Higiene, entendendo que os médicos não devem ficar alheios às causas sociais das doenças, à falta de educação do povo, da necessidade de proteção dos trabalhadores. O que interessa à ele é a intervenção. Barreto pauta seu discurso em causa médicas e sociais para a doença, aliando as descobertas da bacteriologia com as teorias de Higiene do meio (miasmas). Escreve quando o discurso intervencionista é o mais aceito, quando 120 vários manuais de higiene são publicados. Neste momento o discurso determinista racial já não representava um obstáculo às reformas higienistas intervencionistas. Mas trinta anos atrás não era este contexto que viveu Afrânio Peixoto. Afrânio Peixoto (1876-1947) é um médico baiano, que fez carreira no Rio de Janeiro, foi membro da Academia Brasileira de Letras, foi professor de História da Educação e reitor da Universidade do Brasil. Ele , também, escreveu contra as idéias pessimistas em relação ao futuro do Brasil, contidas nas explicações deterministas (raciais e climáticas). Sobre a raça uma boa referência de Peixoto é o livro “Clima e Saúde”. Neste livro propõe a discussão das teorias que pregavam que o Brasil não poderia se desenvolver devido uma raça inferior, e por ter um clima tropical, propício à proliferação de epidemias. Seu objetivo foi de refutar estas teorias. Para isto, faz uma análise das mais importantes obras (de brasileiros e europeus) sobre o tema. Mostra que não é partidário de nenhuma das teorias, ao contrário, mostra-se um observador atento às lacunas dos autores ambientalistas e deterministas-raciais. Começa criticando os últimos, afirmando que o sentimento humano de superioridade de um grupo sobre outro está presente em todos os povos. Cita, por exemplo, os Tupis que chamavam sua língua de boa, e a dos inimigos, os Tapuias, ruim; já para os romanos (latinos), todos os outros grupos europeus eram bárbaros; e para os nórdicos europeus, que eram os arianos, os puros, os outros eram latinos, semitas, mediterrâneos e negros. Com isto, quer mostrar que existe em todos os povos um sentimento de superioridade em relação ao outro. Neste sentido, elogia a iniciativa de Affonso Celso de glorificar o seu país em detrimento ao outro. 121 À partir deste ponto, começa a fazer a refutação de teorias racistas, como a de Gobineau, que para ele, só está preocupado em valorizar sua própria linhagem, construindo uma série de dogmas. Os povos europeus necessitavam dessas ilusões, segundo Peixoto, até mesmo para justificarem seu domínio sobre os outros. Porém, a raça ariana era um mito. Ele mostra que não existem raças puras, todas se misturaram. Finaliza sua crítica ao determinismo-racial, dizendo que estas idéias ganham maior repercussão quando são adotadas pelos outros povos, como era o caso do Brasil de Oliveira Vianna (Peixoto, 1938). Era preciso não aceitar, ao contrário, provar que o Brasil tinha futuro. Se para Gobineau, a população do Brasil iria desaparecer, Peixoto aponta para o fato do Brasil ter passado de 10 milhões em 1872 para 47 milhões em meio século depois. Mas este autor ainda guardava suas críticas para as teorias climáticas. Essas tinham como um de seus pressupostos a tese que o clima tropical era propício à transmissão de doenças, portanto o clima era determinante para as epidemias (teoria miástica). Se o Brasil tinha um clima favorável para as epidemias, isto explicava as doenças. Peixoto rejeitava esta tese por ser adepto das novas teorias bacteriológicas. Já a teoria dos miasmas, como já explicamos, atribuía ao ambiente a causa das doenças. Entende-se por ambiente as causas sociais e climáticas. Posto isto, a Bacteriologia comprovou experimentalmente a fragilidade de alguns dos pressupostos dos miasmas. A Bacteriologia provou que as condições de temperatura não são determinantes na transmissão das doenças, e que os fatores sociais poderiam influir (adotou este pressuposto da teoria miástica), mas o grande responsável pela maioria das epidemias seria um determinado microorganismo que através de um vetor se propagava na população. Armado desta argumentação, Peixoto defende: 122 “Não existem doenças climáticas, porque nenhuma é produzida pelo clima, ou cuja sua etiologia seja feita por ele (...) Sem mosquito não há transmissão, portanto, não há febre amarela. Combatemo-lo para extinguir a febre amarela (...) A ancilostomose depende de um verme, deposto no solo que nele pisam e por aí se infestam. Esta é a verdade verdadeira, provada, experimentada. Por que chamá-la doença climática, tropical?” (Peixoto apud Marques, 1997, p.56) Ele tem a função intelectual de renegar as teorias estrangeiras sobre determinismo racista e climático. Para ele, a solução para os problemas do Brasil estavam distantes. Segundo ele, faltava a “educação higiênica do povo, competência técnica e administrativa aos governos” (Peixoto, 1938, p.290). Ele quer deixar claro que basta a intervenção competente para o Brasil tornar-se um país moderno, em suas palavras: “O clima com juízo, educação, higiene, não nos impede nada. Antes, tudo teremos com ele vencido, se tivermos juízo, educação, higiene. (...) A Europa e até a América do Norte nos querem dissuadir disso... Não cremos mais neles, pois que a evidência nos mostra que se enganaram (... ) O perigo não está no clima nem na saúde. O perigo está em nós mesmos... Educação...educação...Com ela virá a higiene, e tudo mais...” (Peixoto, 1938, p.295) Não obstante ao colocado, Peixoto é um intelectual que apesar de seu nacionalismo, na tentativa de refutar as terias pessimistas em relação ao Brasil, é um 123 autor que não se desprende do racismo das teorias que critica. Pois coloca em sua obra que o Brasil necessita também do embranquecimento de sua raça. Mas não como se fez nos Estados Unidos com a eliminação dos negros em pró de uma raça branca pura. Ele diz que as imigrações “nos dão esperança de uma mestiçagem proxima dos europeus, integrados no tipo branco.” (Peixoto, 1913, p. 359). Ele julga o embranquecimento um fato positivo para o Brasil, mesmo sendo proveniente das misturas de raças, o que era condenado pelos eugenistas americanos. Para estes, esta mistura degeneraria a raça branca (Skidmore, 1998; 1989). Já Peixoto achava que a mistura de raças poderia embranquecer o país, combinada com a alta mortalidade dos negros. Apesar de ser um higienista que via na Educação do povo uma intervenção impreterível, ele é influenciado pela escolha em relação à raça branca, juntando-se à João Batista de Lacerda em um ideal de Brasil embranquecido. Esta posição deste higienista e de outros causa muita polêmica no “movimento higienista”, e é nos Congressos de Higiene e Eugenia que veremos que o movimento tinha inúmeras controvérsias. Peixoto é um higienista que vive um momento de grande discussão sobre a intervenção higienista. Às vezes, vai contra o determinismo – racial, outras, prega o embranquecimento, talvez por opções culturais. Isto reflete um campo polêmico e aberto a interpretações contrastantes, contudo, o valor das condições sociais aparece como um ponto de consenso e, então, a intervenção como necessidade. São os contrastes políticos e intelectuais do “movimento higienista”. Que descreveremos à seguir. 124 O “movimento higienista”: seus contrastes e sua complexidade. O “movimento higienista” compunha-se de uma frente ampla que abrigava várias posições políticas, que iam da esquerda à direita, e vários métodos de intervenção, que iam da democratização da Educação e Saúde à regulamentação de casamentos, esterilização, segregação (correntes da Eugenia). Com o intuito de descrever melhor este panorama à partir das fontes primárias, pretendemos desvelar as complexidades deste movimento no Brasil. Depois da descrição que fizemos até aqui, podemos perceber que o “movimento higienista”, como todo movimento social amplo, aglutinava meios teóricos e práticos diversos para chegar a mesma finalidade, ou seja, melhorar a saúde da população. Esta é a finalidade que aglutina. Por exemplo, o movimento estudantil “Fora Collor” reuniu milhares de estudantes com um único objetivo comum: derrubar o presidente. Mas se formos discutir os meios teóricos e práticos para chegar até este objetivo, as idéias iam do anarquismo ao liberalismo. Não se pode rotular esse movimento, com várias bandeiras comunistas, de esquerda. Isso só se faria de maneira precipitada. Da mesma forma aconteceu com o Movimento “Diretas Já”. Também, no MST, onde encontramos stalinistas, trotskistas, reformistas, e pessoas que só querem trabalhar. Enfim, quando um movimento é amplo e democrático, várias mentalidades influenciam sua intervenção e teoria. Embora os higienistas não fizessem passeatas, tinham outras formas de pressionar. Que eram discutidas nos Congressos de Higiene e Eugenia. Discutiam quais deveriam ser os meios para se chegar ao objetivo. Na bibliografia da época podemos observar que não havia discordância sobre as normas das várias divisões da 125 Higiene. Assim sendo, as normas sobre a Higiene da Escola, do Trabalho, das Ruas, do Asseio Corporal não se contradiziam.18 Com exceção de um tema: a Higiene da Raça, ou, Eugenia. Pedro Ângelo Pagni afirma que: “A leitura do movimento eugênico feita apenas por um de seus integrantes poderia fazer com que se tivesse uma leitura homogênea desse movimento. O próprio Renato Khel, todavia, apressa-se em desmistificar essa idéia, dizendo que dentro desse movimento há uma disputa entre os "consangüinaristas" e os "anti-consangüinaristas". O que implica dizer que havia divergências dentro desse movimento, sobretudo teóricas. Disputas essas que também podem ser verificadas, por exemplo, nos próprios textos e documentos de seus integrantes. Um exemplo típico desse conflito é uma análise antropológica, realizada por Fraés da Fonseca sobre a questão da raça, onde ele chega a concluir que o problema do Brasil não é racial...” (Pagni, 1994, p. 123-4) Para entender esta primeira divisão entre os higienistas, que se resume nos favoráveis a regulamentação dos casamentos entre os mais aptos (até mesmo entre primos) e os que eram contra, cabe analisar as teorias em voga na época sobre o tema. Então, descreveremos, sucintamente, as teorias da antropologia física (corrente etiológica-biológica), do darwinismo social, de Galton, Lamarck, e dos interventores sociais, em relação a raça. 18 Cf. Os Manuais de Higiene: Ellis Junior, Alfredo. Noções elementares de hygiene e de biologia. São Paulo, Saraiva, 1933. Baptista, Amaro Augusto de Oliveira. Elementos de higiene. Porto Alegre, Livraria do Globo, 1941. Abreu, Henrique Tanner de. Estudos de hygiene. Rio de Janeiro, Quaresma, 1929. Barroso, Sebastião. Hygiene para todos. São Paulo, Melhoramentos, s.d. Takaoka, S. Tratado pratico de hygiene no brasil. S. l, s. c. p., s.d. 126 A corrente etiológica-biológica baseava-se no estudo das características físicas das raças. Paul Broca, médico francês, um dos maiores nomes desta corrente, constatou que o cérebro dos negros era menor que dos brancos, que pressupunha superioridade intelectual dos últimos. Esta primeira teoria defendia um determinismo racial. (Marques, 1997; Skidmore, 1989) Interessante constatar que nenhum higienista faz alusão a esta teoria nos Congressos de Higiene e Eugenia. Comprovando que o movimento estava interessado em correntes teóricas mais avançadas que justificassem a intervenção. Os darwinistas sociais usam a teoria evolucionista de Charles Darwin para comprovar a tese de raças superiores e inferiores. Segundo eles, as raças superiores teriam uma melhor adaptação ao meio em que viviam, e sobreviveriam. O que não aconteceria com as raças inferiores, estas estariam condenadas a desaparecer. Portanto a humanidade evoluiria, chegando a uma raça homogênea, mais apta. (Marques, 1997; Skidmore, 1989) Esta teoria baseou a campanha de embranquecimento do Brasil. A alta mortalidade dos negros, causada por sua inferioridade, e a mistura de raças com tendência de embranquecimento, fariam o elemento negro desaparecer do país. Afrânio Peixoto, como mostramos, tinha esta certeza, pois confiava na base desta teoria. Por outro lado, não poderíamos dizer que Peixoto e outros eram darwinistas sociais “strictu sensu”, pois apostavam na mistura de raças, o que era condenado pelos darwinistas sociais. Uma outra corrente da Eugenia era a de Galton. Galton baseia sua teoria na evolução biológica de Darwin. Para ele, esta evolução natural poderia ser auxiliada pela intervenção médica. Isto se daria através da regulamentação de casamentos. Os médicos identificariam os mais aptos e 127 favoreceria seus casamentos, além disto esterilizaria os doentes mentais. Sobre a hereditariedade, Galton tinha a seguinte posição: caracteres adquiridos como educação, robustez, não se transmitiam hereditariamente. (Marques, 1997). Um adepto desta teoria, como veremos mais adiante é Waldemar Areno, médico e professor da cadeira de Higiene da Escola Nacional de Educação Física e Desportos. Ele diz que excetuando as discussões em setores da Biologia, já era evidente que características adquiridas não eram transmitidas às gerações futuras. Também era favorável a regulamentação dos casamentos, e da esterilização de indivíduos “disgênicos” (Areno, 1949). Cabe destacar que os eugenistas não determinavam estes indivíduos “disgênicos” pela raça, mas sim, por portarem determinadas doenças. O maior nome destas idéias no Brasil era Renato Kehl. Ao contrário da teoria de Galton, Lamarck pregava que caracteres adquiridos para adaptação ao meio poderiam ser transmitidos hereditariamente. Isto justificava a evolução do pescoço da girafa, uma adaptação ao meio, que possibilitou que ela se alimentasse de vegetais de altas árvores (esta teoria não é aceita atualmente). A necessidade do meio gerou uma característica que passou a ser codificada geneticamente. (Marques, 1997). Esta teoria foi usada para justificar a intervenção higienista na Educação e na Saúde do povo. Adquirindo cultura, a população adquiriria um caráter que seria passado hereditariamente aos descendentes. Era esta teoria, juntamente com a dos interventores sociais, que basearia o higienismo intervencionista. Que objetivava a democratização da Saúde e Educação para melhorar a raça. Podemos exemplificar esta teoria na obra de Manoel Bonfim, onde ele narra que quando os ibéricos tiveram contato com os mouros, adquiriram uma agressividade contundente, que foi transmitida de geração em 128 geração pelo caráter nacional (características psicológicas coletivas herdadas geneticamente) (Bonfim, 1905). Ele acreditava que características psicológicas adquiridas na história de um povo, fossem transmitidas hereditariamente. Talvez Bonfim nunca tivesse lido Lamarck ou Mendel19, mas por influência de seu tempo, acaba usando pressupostos da teoria lamarkista. Outra linha bem próxima a este pensamento é a intervencionista social. Os interventores sociais queriam uma intervenção higienista com o objetivo de prestar assistência médica aos pobres, de democratizar as normas higiênicas, de tornar o trabalho justo. Viam, porém, que isto só seria alcançado através de reformas sociais profundas que atingissem a organização política e fomentassem um Estado interventor. Queriam sanear o país através da Higiene. Não se pautavam no discurso racial, sobretudo, para eles, o problema brasileiro era social. O mais representativo deles no “movimento higienista” seria Penna Belisário. Portanto todas estas mentalidades foram amalgamadas nos Congressos de Higiene e Eugenia, o que resultou um grande debate entre as correntes. Muitos higienistas em meio a esta conturbada discussão, acabaram abandonando as correntes teóricas, e defendendo uma prática interventora, que muitas vezes unia pressupostos de teorias diferentes. O que corroboraria para uma maior complexidade no entendimento do pensamento higienista. O que se reflete na descrição de Vera Marques sobre as divergências dos congressos. Como evidenciaremos à seguir. À partir dos anos vinte, o discurso da eugenia afasta-se dos pressupostos arianistas defendido por Oliveira Vianna e as teorias deterministas raciais, e começa a se sintonizar com um pensamento mais próximo de Galton, que não tinha tanta 19 As experiências mendelianas na época, serviram de prova empírica para o Lamarckismo. 129 ênfase em um determinismo racial, e sim, no melhoramento da espécie. Renato Kehl foi o defensor da tese de melhoramento racial através de uma intervenção da eugenia. Ele queria a aprovação em várias entidades e congressos de movimento pela regulamentação dos casamentos. Por exemplo, na Sociedade Eugênica de São Paulo, sua proposta foi derrotada, que resulta no seu desligamento da mesma. Mais tarde ele se expressa desta forma sobre a primeira: “Meus senhores (...) a associação eugênica que tive a honra de fundar sob os auspícios de Arnaldo Vieira de Carvalho, depois da morte deste ilustre patrício e depois de minha transferencia para esta capital (Rio de Janeiro) caiu em estado de latencia, para não dizer que morreu, devido a inconstância no entusiasmo que despertam as iniciativas sérias e altruísticas no nosso país .” (Kehl apud Marques, 1997, p.58) Kehl abandonou a entidade e partiu com sua campanha para o Rio de Janeiro, céptico em relação aos progressos paulistas na questão da raça. Mas esta não seria a primeira, nem a última vez que as teorias sobre a Eugenia entrariam em confronto. Ele teria que enfrentar, ainda, a influência do pensamento de Alberto Torres no “movimento higienista”, que resultava na rejeição às teorias deterministas – raciais. Os higienistas perceberam que a causa da debilidade do povo era a incapacidade das elites em cuidar dos problemas sociais. No Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, o antropólogo Fróes da Fonseca, ao ler “Lições de Eugenia” de Renato Kehl, que foi distribuído no Congresso, assim se pronunciou: 130 “Não nos parece pois que a organização das populações brasilienses seja problema racial. Como o têm reconhecido todos os grandes espíritos que têm procurado pôr em equação o nosso futuro, o problema fundamental é o da educação em geral e o da higiene em especial” (Fonseca apud Marques, 1997, p.66) Era a defesa dos interventores sociais, que vinham na Eugenia uma forma de melhorar o homem brasileiro, mas despiam-se de qualquer idéia de características raciais superiores ou inferiores. Concordavam com eles os adeptos da teoria Lamarkista. Era preciso intervir nas condições sociais do país. Mas estas não eram as únicas explicações para o atraso brasileiro. Assim defende Roquete Pinto: “...é uma questão bastante difícil, á primeira vista; pois que o resultado dos casamentos é condicionado não somente por fatores biológicos mas também por fatores sociais.” (Pinto apud Marques, 1997, p.66). Ele deixava claro que não adiantaria os casamentos entre indivíduos mais aptos, se estes não tivessem as condições sociais favoráveis. Mas por outro lado, diz que não é só o aspecto social, o biológico também conta. É preciso que o povo adquira características positivas, pois estas iriam ser transmitidas aos filhos. Tínhamos que melhorar as condições sociais para melhorar a raça. Tínhamos que progredir, como alude Fernando de Azevedo: “Progredir ou desaparecer, que significará isto, senão regenerar ou desaparecer! A regeneração physica é incontestavelmente um dos maiores factores do progresso, senão for, talvez, este o próprio progresso.” (Azevedo, 1933, p.14) Indutivamente, se não podemos definir uma mentalidade higienista, posto as várias divergências teóricas em relação à intervenção no Brasil. Podemos definir o “movimento higienista” pelo que tinha de comum, ou seja, seu objetivo. Que era o 131 estabelecimento de normas e hábitos para conservar e aprimorar a saúde coletiva e individual. Contudo, alguns autores defendem a tese de que à partir da década de trinta, o pensamento social brasileiro e os seus intelectuais abandonaram as teorias que julgavam nossa raça debilitada, como aponta Lilia Schwarcz: “Raça permanece, porém, como tema central no pensamento social brasileiro, não mais como fator de desalento, mas talvez como fortuna, marca de uma especificidade reavaliada positivamente. (...) No país, vez por outra, é ainda possível ouvir a utilização do argumento, seja para reafirmar certa diferença cultural entre as raças, seja para afirmar uma valorização da mestiçagem.” (Schwarcz, 1993, p. 287) Segundo Vera Marques, parafraseando Renato Ortiz, à partir de meados da década de trinta a cultura brasileira superou as teorias sobre raça, e a preocupação do recém formado Estado Nacional de Getúlio Vargas, estaria centrado no desenvolvimento social, impondo as explicações sociais para o atraso do Brasil, como já pregava os escritores modernistas (Marques, 1997). Se estes autores estiverem corretos em sua análise, esta mudança na mentalidade dos intelectuais brasileiros pode ter influenciado, decisivamente, os debates higienistas sobre a Eugenia. Por que? As teorias da eugenia de Galton perderiam espaço, pois qualquer pensamento que se aproximasse de alguma forma do determinismo-biológico estaria fora do campo mais moderno do debate brasileiro, dado que poderia ser entendido e traduzido como determinismo racial. A raça brasileira no debate intelectual não era 132 mais considerada ruim, ao contrário, era motivo de orgulho. Então para que eugenizar a raça? Portanto a corrente galtoniana fica descontextualizada com a nova realidade do pensamento social brasileiro. Já as teorias intervencionistas sociais e lamarkistas poderiam encontrar uma maior legitimidade na discussão. Se não podemos comprovar este fato, podemos colher indícios que caminhem nesta direção. Primeiro, quando Fróes da Fonseca diz no Congresso de Higiene que Renato Kehl estaria equivocado, pois o problema do Brasil era social, e não racial, ele usou o argumento de autoridade: “Como o têm reconhecido todos os grandes espiritos”, ou seja, os intelectuais. O consenso sobre a dominância das condições sociais estava consolidado. Em segundo lugar, as sucessivas derrotas dos seguidores de Galton, como Renato Kehl, nas tentativas de aprovação da regulamentação de casamentos. Terceiro, o fato do primeiro Governo Vargas (19301945) nunca ter seguido as orientações galtonianas. Não houveram leis regulamentado o casamento, ninguém foi esterilizado. O que não aconteceu com as propostas dos higienistas intervencionistas que, de modos diversos, insistiam sobre a mudança das condições sociais mediante a intervenção estatal. Com estas reivindicações, o Estado criou leis trabalhistas, como o salário mínimo, a jornada de oito horas, e outros direitos dos trabalhadores. Ele aumentou o seu papel interventor nos aspectos sociais. Estes indícios podem nos levar a crer na interpretação de que o “movimento higienista” se aglutinou, à partir da década de trinta, em um interesse maior na intervenção política e social do que na teorias galtonianas de Eugenia. A década de trinta também traria um novo Governo. Seria com o apoio deste, que os higienistas, finalmente, teriam poder político de ação. Como veremos à seguir. 133 Como mudar? A Intervenção higienista. A historiografia da Educação Física da década oitenta sustentou a tese que a predominância das concepções higienistas/liberais20 na Educação, perdurou até 1930, sendo substituída por uma tendência autoritária. Concordaríamos com esta divisão, concebida pela tomada de poder em 1930, no campo político. Porém no campo educacional é a partir deste momento que os higienistas tem a sua disposição o Aparelho Estatal para intervir nos setores sociais. Com a mudança do espírito político (do liberalismo para a Ditadura) não há uma mudança de mentalidade da teoria da Educação Física, por exemplo. (Góis Junior, 1996; 1997a) Ou seja, não é mudando o governo que se mudam as mentalidades. E os higienistas seguiram com o mesmo ideal, com as tendências intervencionistas ocupando lugar de destaque no discurso. Afinal, o Estado absenteísta da primeira República tinha caído, dando lugar a um Estado mais disposto a intervir. Os higienistas aproveitam-se deste contexto. Vários deles são nomeados para cargos burocráticos, como Fernando de Azevedo no Ministério da Educação. A relação desses com o Governo parecia muito boa. Por exemplo, Fernando de Azevedo sofreu fortes críticas por parte da Igreja (segmento de importância política), pois esta não queria a instituição de uma Escola laica. O Governo, representado por Gustavo Capanema, mediou o conflito, dando liberdade de ação à Azevedo (Schwartzman, Simon, 1982) Isto mostra o prestígio que os higienistas gozaram no governo Vargas. Portanto a mentalidade higienista não data até 1930, ao contrário, no Brasil, é a partir desta que a intervenção higienista é mais presente. Por que isto ocorre? 134 O governo Vargas representou o início da centralização do poder do Estado, assim sendo, a formação do Estado Nacional. Antes da década de trinta, os poderes locais tinham autonomia. Deste modo cada estado da Federação cuidaria dos aspectos sociais em seu território. Porém a maioria dos Estados não disponibilizavam recursos para áreas sociais. Fora isto, a área da Saúde precisava de uma intervenção nacional, sendo inócua a regional. Quando ocorre a centralização do poder, há a possibilidade de uma intervenção nacional, e o Estado aumenta seu papel na intervenção (Hochman, Gilberto, 1993). Era o que ansiava os higienistas de esquerda e direita. Com os recursos garantidos pelo Estado, tratava-se naquele momento de agir. Mas afinal, que intervenção era esta? Com o objetivo de aprimorar a saúde coletiva e individual, os higienistas estipularam várias normas em vários setores da vida humana, para não dizer todos. No campo teórico, os higienistas brasileiros (desde o início do século nas campanhas sanitárias) não importaram o debate entre miasmas e bacteriologia que aconteceu na Europa. Por via das dúvidas, adotaram as duas formas de prevenção: combatendo o microorganismo causador da doença (bacteriologia) e propondo a melhoria das condições de vida (miasmas) (Telallori Junior, Rodolpho, 1996). Com isto o discurso higienista estava presente não somente nas campanhas de vacinação, como já evidenciamos, mas na urbanização das cidades, na Educação, na industrialização, e em outros vários setores. Mas quais eram suas indicações? 20 Eles entendem que há uma relação determinista entre o movimento higienista e os princípios liberais. Porém mostramos que esta relação é mais complexa, haja visto que o movimento tinha o apoio de diversos posicionamentos políticos. 135 Com relação a urbanização das cidades, os higienistas criaram normas para construção da Habitação, das vias públicas, e indicaram a urgente necessidade de construção de redes de água e esgoto. Sobre a habitação, os higienistas diziam que a vida moderna, industrial, urbanizada, criara novas demandas para o organização do lar. Os higienistas deveriam ser ouvidos na construção das casas. Eles indicariam o melhor material, o local ideal, a distância entre uma habitação e outra. Por exemplo, Afrânio Peixoto criticava, os ainda recentes, apartamentos dos Estados Unidos (Peixoto, 1913). Imaginem se ele pudesse dar uma olhada no futuro. Este, ainda, cita o exemplo de Belo Horizonte, onde era legalizada a necessidade dos conselhos higienistas na construção das moradias. As normas para o local eram as seguintes: este deveria ser elevado, em declive suave, bem ventilado, mas não exposto aos ventos fortes, tendo árvores, e águas de percurso na proximidade, mas nunca na vizinhança de floresta. O terreno deveria ser poroso, permeável, evitando a contaminação por impurezas e infecções. As casas deveriam ser isoladas do chão por um alicerce impermeável e separadas das mais pelo isolamento. Isto protegeria o solo contra novas infecções e, sobretudo, as casas e as ruas da cidade contra elas.21 No que diz respeito às vias públicas, os higienistas indicavam a boa limpeza destas, que dependia do tipo de pavimentação. Na escolha do tipo de pavimentação, eles descreviam a vantagem e desvantagens dos vários materiais, levando em consideração a resistência ao tráfego, durabilidade, a ação das águas que escorrem à superfície, os efeitos do calor e das variações de temperatura. Teriam ainda, de ser levados em conta o custo, a sonoridade do material de revestimento, o 21 Cf. Os manuais de higiene. Op. cit. 136 grau de impermeabilização, e o seu desgaste com formação de poeiras. Depois desta análise, eles chegam à conclusão que o asfalto e o macadame (cascalho e areia) são as melhores pavimentações. Mas conforme o local, poderia se usar outros materiais. Eles, ainda, indicavam a organização de coleta de lixo, como uma tarefa impreterível, assim como, a varredura das ruas. As ruas deveriam largas e arborizadas. Outra tarefa da sociedade seria, em caráter de urgência, construir uma estrutura de Saneamento Básico. Esta obra era imprescindível para o controle de doenças que se transmitiam através da água e dos dejetos. Desde o início do século, os sanitaristas defendiam esta proposta. Oswaldo Cruz, adepto e seguidor da bacteriologia, como já tinha estudado a influência da água contaminada na transmissão de doenças (Cruz, 1972), defendeu em um artigo a construção de rede de água e esgotos. Neste, Cruz mostra que a morosidade da construção das redes no Bairro da Gávea, unido aos hábitos não higiênicos da população, provocou a insalubridade do local. Para sanear definitivamente o bairro, Cruz indica as seguintes medidas: o aterro total da Lagoa Rodrigo de Freitas; construção de habitações higiênicas para os operários, interligadas com a rede e com latrinas; demolição das estalagens; calçamento das ruas; abastecimento suficiente de água (Cruz, 1972a). Isto posto, vimos que os higienistas influenciaram a urbanização das cidades. Isto também se deu no campo educacional. Mais quais eram as propostas higienistas? A primeira crítica que reinava entre os higienistas era a questão estrutural das escolas. A Escola era insalubre. Os prédios eram muito antigos, não possuíam janelas amplas, que pudessem ventilar o ambiente das salas de aula. Não havia 137 estrutura para a prática de hábitos higiênicos como a Educação Física. (Sá, Carlos, 1942; Amaral, João Ferraz do, 1932) As carteiras eram desconfortáveis. A iluminação era insuficiente. Os horários escolares eram muito prolongados, e sem intervalos. Tudo isto colaboraria na infelicidade do estudante no ambiente de ensino, impossibilitando seu aprendizado. Com o intuito de melhorar esta situação, o Movimento dos pioneiros da Escola Nova traziam novas propostas, que se baseavam na estruturação de uma Escola mais liberal. Que deveria ser gratuita, obrigatória, e laica. Com isto, eles visavam democratizar a educação. Um dos seus principais colaboradores era Fernando de Azevedo. Este educador via interligado o problema higienista e educacional. Tentou estruturar uma Escola que desse conta da união destes dois aspectos. Nesta escola a prática de hábitos higiênicos e saudáveis era central. No seu programa a educação higiênica e a Educação Física tem lugar de destaque. Como afirma abaixo: “A escola nova é, pois, nova ainda uma vez porque, encarando a educação corno um "processo", eleva a formação física do indivíduo ao mesmo nível da formação moral e intelectual, encorporando-a no sistema como um aspecto fundamental do processo educativo; fazendo da atividade o princípio do aprendizado e dando à escola uma organização que, por si mesma satisfaz às necessidades de movimento das crianças e abre largas perspectivas a tôdas as formas de atividade favoráveis à criação de hábitos higiênicos e à educação sanitária.” (Azevedo, s.d., p.172) 138 A crítica de Azevedo era dirigida à escola tradicional. Onde as normas de higiene e os princípios de saúde não podiam ser ensinados por falta de um estrutura apropriada, e pela excessiva valorização da educação intelectual. Os higienistas querem mudar este espírito. Com este intuito, ele valoriza o ensino da higiene e da Educação Física. Para os higienistas, a higiene escolar era uma obra de profilaxia, antes de tudo, mais do que conhecimento de princípios e de regras, era, de fato, uma disciplina prática. Queriam ensinar a importância da higiene para preservação e aprimoramento da saúde individual e coletiva. A higiene cuidaria de todos os aspectos da vida humana, como dizia Azevedo: “desde os mais humildes trabalhos da criança, até às operações mais delicadas da cirurgia, passando por tudo o que exige justeza e precisão, a higiene é uma virtude capital” (Azevedo, s.d., p.177). Ainda, seriam proferidas palestras elementares, ilustradas, sobre higiene corporal, sobre o uso dos alimentos e das bebidas, os perigos do alcoolismo e do fumo, os micróbios e as enfermidades contagiosas. Deste modo a Escola poderia contribuir com os ideais higienistas. Além da escola, outra instituição atingida pelos ideais higienistas foi a Indústria. Como vimos, segundo Rabinbach, o “movimento higienista” europeu teve um papel importante na conquista dos direitos trabalhistas. E, no Brasil, isto aconteceu? Os higienistas no Brasil, inicialmente, mostravam que as mudanças no mundo do trabalho ( industrialização) era uma preocupação da higiene. O que mudaria na vida cotidiana com a industrialização? 139 Chegaram à conclusão de que a vida moderna sofreria uma intensificação. Fazendo que a pressão da produtividade obrigassem-nos a trabalhar como máquinas, em um ritmo insuportável, caso não fosse seguidas as indicações higienistas. Conscientes da discussão que a Europa passou com “the human motor”, os brasileiros, já no início da industrialização do país, indicaram normas para o trabalho industrial. Para isto, descreveram o que era a fadiga industrial, o que ela poderia acarretar ao país, e como evitá-la. Segundo eles, a velocidade das máquinas veio exigir maior atenção dos operários E, ao lado desta, surgiram novas causas de fadiga, decorrentes: do ritmo das máquinas, ao qual pode não estar adaptado o operador; dos ruídos; da repetição das mesmas operações, com o automatismo; da monotonia, que traz ao trabalho; das posições fixas.22 Esta nova realidade tornara o operário tenso, cansado. Isto interferia na produtividade do operário, baixando-lhe o rendimento, e causando acidentes. Quando isto acontecia, o empregador sentia-se em uma posição tranqüila para demitir o funcionário, substituindo-o imediatamente. Os higienistas sabiam e provavam que a fadiga, porém, não era só produto da intensificação da atenção e automatismo dos operários. As condições do ambiente em que vivia e trabalhava, ou seja, a qualidade de vida, e os fatores psicológicos também influenciavam na ocorrência da fadiga. 22 Cf. Os manuais de higiene que tratam da Higiene do Trabalho. Barreto, João. Hygiene do Trabalho Industrial. Rio de Janeiro, Oscar Mano, 1937; Barreto, João. Tratado de Higiene, 2ª edição. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1948; Assali, Nicolai. Hygiene do Trabalho. São Paulo, s. c. p., 1942; Peixoto, Afrânio. Elementos de Hijiene. Rio de Janeiro, Francisco Alvez, 1913; Ellis Junior, Alfredo, Noções elementares de hygiene e de biologia. São Paulo, Saraiva, 1933; Baptista, Amaro Augusto de Oliveira. Elementos de higiene. Porto Alegre, Livraria do Globo, 1941; Abreu, Henrique Tanner de. Estudos de hygiene. Rio de Janeiro, Quaresma, 1929; Barroso, Sebastião. Hygiene para todos. São Paulo, Melhoramentos, 19--.; Takaoka, S. Tratado pratico de hygiene no brasil, s. l, s. c. p., 19-?; Bandeira de Mello, Jorge.; Atmosfera do interior dos edificios e locais de trabalho. Rio de Janeiro, 1945; Fontenelle. Compendio de Hygiene. 3ª edição. Rio de Janeiro, s. c. p., 1930. 140 Nicolau Assali, ao analisar a produtividade dos funcionário em relação à jornada de trabalho diária e semanal, concluiu que haviam ciclos de produtividade no trabalho do funcionário, identificando três fases. A primeira é a motivada, onde o funcionário executa com prazer sua profissão; a segunda é uma fase estacionária, onde o operário não tenta aprimorar seu serviço; e a terceira é a fase da fadiga, nesta o trabalhador não consegue exercer suas funções com atenção e prazer. Segundo os higienistas, com algumas medidas higiênicas, poderia se evitar a fadiga, prolongando a primeira fase de trabalho. Estas normas iam no sentido de dar ao trabalhador melhores condições de vida e trabalho. O que não foi aceito por muitos empresários, como alude o higienista Nicolai Assali: “Mas, apezar de tudo isto, e todo esses progresso notavel, nem todos os capitalistas seguem este método. Há certo número de fábricas e usinas, cujos os donos tem a única preocupação de acumular a maior quantidade de lucros. Não se importam com a vida do operário e nem com a exploração do povo.” (Assali, 1942, p.6) Os higienistas no Brasil, como na Europa, percebiam que poderiam mediar as relações de trabalho entre os patrões e empregados. Somente a ciência poderia julgar o que é justo nesta relação. E é o que fazem. Propõem uma série de normas higiênicas com o intuito de proteger o funcionário da fadiga e dos acidentes, como descreveremos abaixo. Primeiramente, os higienistas identificaram as causas da fadiga. Sabiam que a automação, assim como as condições de vida e o fator emocional do 141 trabalhador tinham influência nesta doença. Mais especificamente, os higienistas descobriram que o regime de carga horária, o trabalho prolongado e pesado, o trabalho noturno, as condições estruturais da fábricas, como iluminação, ventilação, poluição sonora, no mundo trabalho poderiam causar fadiga. Contudo as condições de vida do trabalhador fora da fábrica também repercutiam sobre o cansaço do funcionário. Assim sendo, ele não poderia estar mal alimentado, ser um alcoólatra. Seria ideal que tivesse uma moradia digna , tempo de lazer. Conhecendo as causas, como os higienistas propunham a solução deste problema? Eles indicaram a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias, assim o operário teria tempo suficiente para o sono, e para se dedicar à família e ao entretenimento. Além desta redução, propunham, fora o horário de almoço, intervalos periódicos para descanso. Sobre a jornada semanal, indicavam que o ideal seria eliminar o trabalho aos sábados, chegando a uma jornada de quarenta horas semanais. Ainda indicavam as férias remuneradas de quinze dias por ano de trabalho.23 Desta forma, segundo eles, a produtividade aumentaria e a saúde do trabalhador seria conservada. Os acidentes de trabalho, também, seriam reduzidos substancialmente. Além disto, visando dar segurança ao trabalhador, indicaram a adoção de equipamentos de segurança. Os higienistas em seus manuais propuseram a adoção obrigatória de equipamentos de proteção ao trabalhador, como máscaras, visores, luvas, capacetes, protetores de engrenagem. Todo este material deveria constar em legislação como itens obrigatórios a serem fornecidos pelo empregador. Havia um ideal higienista que tinha o objetivo de proteger o trabalhador, como atesta Afrânio Peixoto: 23 Cf. Manuais de higiene. 142 “A concurrencia da máquina venceu ao operario e para subsistir coajiu-o a um salario de miseria, ou para aumentá-lo a um trabalho extenuante. (...) E o mal é crescente porque o consumo não aumenta na medida das capacidades de produção, e esta, para subsistir, e para desenvolver-se, exonera-se no operario. Resultado: salarios de fome, embora a estafa no trabalho.” (Peixoto, 1913, p.405) Os higienistas tinham claro que as melhores condições de vida (moradia, alimentação, educação, saúde) dependiam do aumento dos salários. Com isto, eles se aliaram no plano do discurso ao movimentos sindicais. Quando pediam pela redução da jornada de trabalho, melhores condições de trabalho, visando proteger a saúde do trabalhador. Isto é claro para eles quando criticam os empresários exploradores e a crise de emprego provocada pela Revolução Industrial. Se a população não tinha recursos para o pão, ela cuidaria de seus hábitos higiênicos? Eles sabiam que não. Este fato poderia suprimir qualquer otimismo em relação aos seus ideais. Portanto devido esta demanda social, os higienistas se colocam contra a exploração desmedida do trabalho. Por exemplo, no que diz respeito ao trabalho infantil, eles se posicionaram contra. Usando dos seguintes argumentos: “Há, ademais, a imprescindível necessidade de atender às medidas de outra ordem, econômicas, sociais e muito especificamente as que se incluem na esfera educacional. A) Vêm à baila, deste modo, o problema dos sem trabalho e o da fixação dos salários mínimos; atendidos, contribuem para 143 melhorar o padrão de vida para a família, do qual depende, indisputivelmente, muito do que diz respeito à saúde e ao bemestar dos menores. O estabelecimento, para estes, de um salário mínimo tem, também, a significação valiosa de por termo à exploração, de que freqüentemente os menores são vítimas, de parte de empregadores inescrupulosos. B) A instrução, a seu turno, será passível freqüentemente de modificações, nos seus tipos e modo de organização. E isto, principalmente; para atender às crianças de mentalidade abaixo da normal, já que se sabe que são sobretudo elas que deixam precocemente a escola, à procura de emprego. Fora daí, e mais generalizadamente, valerão de muito as medidas que, fazendo obrigatória a instrução, elevam o limite da compulsoriedade, aquém do qual a ocupação só será permitida, se exercida fora das horas de aula ou nos períodos de férias, e, assim mesmo, para número reduzido de ofícios. A tendência é para, apenas, tolerar a ocupação, já assim restrita, dos 14 anos 16 anos, o que importa em fixar, nesta idade, o limite mínimo habitual, para início do trabalho, embora se reconheça a vantagem de se continuar a instrução até aos 18 anos (...) C) Visando a proteção dos menores empregados nas indústrias, é, de fato, de suma importância estabelecer, para a admissão, um limite mínimo de idade. Poupar o mais possível, aos menores, os malefícios da ocupação, é o que se tem em vista. Na impossibilidade, então, de se ir de chofre ao extremo, tem-se procurado elevar, progressivamente, o mínimo de idade em que o trabalho será consentido. A tendência, já se viu, é para tê-lo nos 16 anos, pois que, na vasta maioria dos casos, os reajustamentos fisiológicos e psicológicos da puberdade não se completam antes desta época. Assim, formalmente, ressalvas, porém: se deve prescrever, com duas a das profissões que oferecem, para o adolescente, grande perigo, físico ou moral, e para as quais o 144 limite ascende até aos 18 e mesmo aos 21 anos; e a dos ofícios leves, em que, ao contrário, se tolera o trabalho dos 14 aos 16 anos, idealmente com a restrição de que não ultrapasse oito horas diárias, o período total, dedicado à escola e à ocupação.” (Barreto, 1948, p.821-2) A melhoria dos fatores sociais eram impreteríveis para o projeto higienista. Com estas propostas nas mãos, eles colaboram na pressão social que se fazia ao Governo, no sentido de conquistar direitos trabalhistas. Datam desta época (década de trinta) a elaboração de leis que reduziam a jornada de trabalho, instituíam as férias, o salário mínimo. Todas esta conquistas que foram produto não só do movimento sindical, mas também, dos conselhos e normas higienistas. A conservação e aprimoramento da saúde do trabalhador era visto pelos higienistas como responsabilidade da sociedade. Com a era industrial, a força de trabalho começa ser valorizada, o homem é a grande riqueza das nações. Os higienistas sempre alertavam para este aspecto: “se o povo brasileiro não se desenvolvesse estava fadado ao desaparecimento”. Quando se percebe a grande influência dos aspectos sociais sobre este desenvolvimento do povo, os higienistas buscam as referências dos intelectuais para respaldar uma intervenção social. Mesmo se colocando contra o interesse dos industriais, eles viam como sua obrigação primeira o zelo pela saúde coletiva e individual. Depois das considerações realizadas neste capítulo, podemos perceber que não é fácil afirmar, como fazem diferentes autores e não apenas do campo da educação física, que eram os interesses econômicos das elites que moviam o discurso higienista. Sobretudo, se consideramos que os interesses são conscientes ou explicitados por organizações ou atores privilegiados ou reconhecidos das elites, ao 145 invés de serem afirmações de conteúdos –inconscientes ou estruturais-- que apenas os analistas podem ver ou distinguir. Ou seja, segundo Gilberto Hochman, não são os interesses dominantes que regem os ideais higienistas do início do século, pois “as políticas de saúde são partes constitutivas de um processo mais amplo e complexo, no qual o Estado e as elites estatais têm especificidades que lhe fornecem autonomia em relação aos interesses societais, e têm objetivos também específicos, diversos e mesmo divergentes dos das elites societais." (Hochamn, 1993, p.41) Quando foi necessário, alguns higienistas se colocaram contra o governo e as elites, outras vezes se uniram. Isto era determinado pelo contexto que a história ditava. Daí a complexidade do “movimento higienista” e do seu entendimento. Pois, como mostramos, era um movimento amplo, influenciado por várias concepções políticas, pelos intelectuais, pelas teorias em voga sobre raça. Influenciados por todo um contexto que desautoriza o historiador a considerá-lo, simplesmente, de interesse às elites econômicas. Às vezes, pelo contrário, os higienistas nos mostraram, já em sua época, os verdadeiros problemas nacionais, como a falta de Saúde e Educação. Agora, só nos resta refletir e descrever como a área de Educação Física aproprio- se e especificou o debate. 146 A EDUCAÇÃO FÍSICA E OS HIGIENISTAS O exemplo francês A relação dos higienistas com a Educação Física possui uma história que extrapola as fronteiras brasileiras. Na verdade vários países da Europa, como Alemanha, Suécia, Dinamarca, dentre outros, tiveram sua história influenciada pela mentalidade da Educação Física, que por sua vez, foi influenciada pelos ideais higienistas. Por que e como isto acontece? A resposta para esta indagação guarda histórias interessantes sobre os ideais da Higiene e Educação Física. Inicialmente, descreveremos, sucintamente, o contexto francês que possibilitou esta relação. Na França do século XIX, tinha-se a idéia de que a população do país poderia desaparecer, contrariando as teorias de Malthus. 147 Este economista inglês indicava que o mundo estava prestes a uma explosão demográfica. Calculou que a população crescia vertiginosamente, como nunca antes na história da humanidade. Com isto as reservas de alimentos na Terra seriam esgotadas. Porém, já no século XIX, suas teorias são abandonadas, pois a industrialização fizera a produção de alimentos crescer da mesma forma que a população. Portanto afastada a ameaça malthusiana, outra teoria torna-se mais aceita, e não menos preocupante para os franceses. Esta seria a fadiga. Nos termos dos higienistas, a população francesa estava debilitada, indisposta, fraca fisicamente. Isto poderia comprometer a supremacia do país. Era preciso cuidar da energia social, recuperando os franceses. Mas como fazer isto? Anson Rabinbah descreve que os higienistas apontaram os caminhos. E, as suas indicações caíram, também, sobre a necessidade de criação de uma ginástica racionalizada e científica, capaz de recuperar o francês do estado de fadiga. E, neste momento, que se inicia na França a relação entre os ideais higienistas e a Educação Física. (Rabinbach, 1992) Durante o século XIX, os exercícios ginásticos feitos pela mocidade francesa caíam no descrédito das autoridades militares. Eles eram praticados de uma forma irracional, que mais poderia debilitar o homem que prepará-lo fisicamente. Segundo os higienistas, era necessário metodizar a ginástica, torná-la contemporânea às teorias da fisiologia, que refutavam o valor do desgaste físico, defendendo uma economia e desenvolvimento da energia no treinamento. Com este objetivo, nos conta Rabinbach, que o governo francês organizou uma reforma da Educação Física do país. Ouvindo as várias propostas para esta reforma formou-se dois grupos: de um lado estavam os adeptos do esporte inglês, como Pierre de Coubertin, no outro, os 148 protagonistas da ginástica racional, como Philippe Tissié, Fernand Langrage, Georges Demeny, Etienne-Jules Marey e Angelo Mosso. Estes cientistas da fadiga condenaram o esgotamento e descuido do ritmo do corpo, inerente no treinamento atlético dos esportes. Mas até mesmo entre os fisiologistas, não havia nenhum acordo sobre qual método ginástico era preferível (Rabinbach, 1992) O movimento de reforma da Educação Física caminhou. Foi realizada uma coalizão entre higienistas e fisiologistas que foram convencidos que a nação estava em um estado de declínio físico, e que uma baixa taxa de crescimento populacional ameaçava a existência de França. O exercícios físicos não poderiam ter uma distribuição desorganizada e difusa de esgotamento ou dores, mas um rigoroso jogo unificado de atividades baseado no desenvolvimento repetitivo e calculado de energia física. Nas palavras de Lagrange, a higiene nos exercícios não é nenhum esforço extenuante, é trabalho (Langrage apud Rabinbach, 1992) Em 1891, com a iniciativa do higienista francês Vaillant, Georges Demeny recebeu a autorização para criar um curso de Educação Física, o primeiro do gênero na França: a Escola Joinville-le-Point. Em 1900, Marey foi designado para encabeçar um Comissão de Higiene, que teria o objetivo de indicar qual seria a melhor prática para os jovens franceses, ou seja, decidir entre a ginástica e os esportes. Ele optou pela Ginástica. Da mesma forma optou o Congresso de Fisiologia Educacional . Alguns meses mais tarde, o ministério de Guerra pede uma modificação substancial na educação nas escolas e no Exército. Como resultado, Demeny foi comissionado para desenvolver um programa novo de Educação Física adequado às demandas de um exército moderno. Isto posto, a Escola Joinville-le-Point cria uma regulamento de treinamento militar. 149 Este regulamento passa a ser adotado no exército, e também nas escolas, fato que foi criticado severamente por Tissié (Rabinbach, 1992). Posteriormente o método francês recebeu outras contribuições com o objetivo de melhorar a condição física dos franceses. O método francês, principalmente pela influência de Demeny, estava preocupado em erigir práticas físicas que possibilitassem a economia do esforço e a execução dos exercícios. Era um estudo anatomo-fisiológico que procurava determinar o aperfeiçoamento do gesto técnico. Ou seja, o movimento deveria ser executado com o menor dispêndio de energia possível (Goellner, 1996). Assim sendo, o método francês era baseado nas mais recentes teorias da fisiologia da época, as que atestavam a necessidade de se evitar a fadiga. E o método tenta ser construído respeitando estes princípios. Por exemplo, na prática dos exercícios do método eram prescritas algumas orientações higiênicas. Estas tinham o objetivo de não estafar (fadiga mental) e fadigar o praticante, portanto orientavam o tempo de duração da atividade e o horário, a temperatura climática ideal, o uniforme adequado, o local. (Marinho, s.d.a) A prática destes exercícios colaboraria na formação de um homem apto ao trabalho industrial e de um bom soldado. Os higienistas consideram que o método poderia auxiliar no desenvolvimento físico e moral da população, o que significava desenvolvimento econômico para a nação. Na França estes objetivos são alcançados. O país torna-se uma das potências econômicas mundiais. Os higienistas comemoram a reabilitação do povo, o crescimento populacional, o crescimento da indústria, enfim, o desenvolvimento econômico. 150 E, é com esta prerrogativa que o método chega ao Brasil, encarado por muitos como a solução dos problemas nacionais. Os intelectuais brasileiros, os higienistas e os métodos ginásticos no Brasil. A inserção do método francês no Brasil não foi dificultada pelo contexto histórico que vivíamos, ao contrário, ajustava-se perfeitamente às nossas demandas sociais. Se percebermos que o discurso intelectual brasileiro passava a valorizar a população e exigir uma intervenção estatal, que os higienistas viam o método francês como o mais científico, e as atividades físicas como uma das prioridades do sistema educacional, podemos afirmar que a Educação Física vivia um momento favorável para a consolidação da mesma perante à sociedade. Pois: Primeiro: o discurso dos intelectuais brasileiros, à partir de trinta, se afastavam paulatinamente das teorias deterministas raciais. O povo brasileiro não era debilitado por natureza biológica, apenas estava abandonado, sem assistência, entregue às doenças. Diante disto, o que se tinha a fazer era pressionar o governo no sentido de intervenção social. Era preciso educar o povo, ensiná-lo a trabalhar na indústria, a prevenir as moléstias, dar atendimento médico. Desta forma nosso povo se reconstituiria. Segundo: os higienistas tem a mesma finalidade, melhorar a saúde da população. E, ainda seriam eles que orientariam a intervenção social. Diriam como ela deveria ser feita. E é na constituição deste plano de intervenção, que todos os higienistas mostram-se favoráveis a atividade física como hábito higiênico. Por exemplo, João de Barros 151 Barreto dizia que os exercícios físicos eram a coordenação e sistematização dos movimentos musculares, que deveriam ser regradas, sem abusos, pois assim traria inúmeros benefícios ao organismo humano. Segundo ele, a ausência das atividades físicas poderia prejudicar o pleno funcionamento do corpo, causando deformações no aparelho digestivo, respiratório e no sistema cárdio-vascular. Segue na descrição dos vários motivos que deveriam convencer o homem da necessidade da adoção das atividades físicas como um hábito impreterível (Barreto, 1948). A Educação Física como uma medida profilática para se evitar a fadiga estava presente nos manuais de higiene da época. Diziam os higienistas, que o treinamento físico, que era resultante da prática continuada e metodicamente intensificada dos exercícios musculares até um certo limite, ia acarretando uma adaptação funcional a maiores exigências, um aperfeiçoamento da resistência ao esforço requerido, um rendimento mais nítido do trabalho solicitado, enfim, um aumento na resistência à fadiga. Com esta adaptação às exigências acrescidas de esforço, poderia se alcançar um ponto ótimo, reduzindo-se em torno de 40 % do dispêndio de energia, necessário a um determinado exercício; tudo isto, graças à melhoria de ação do sistema nervoso, ao apuro na coordenação dos movimentos, eliminando-se os supérfluos.24 A Educação Física teria o papel de aprimorar a condição de saúde do indivíduo. Isto possibilitaria uma melhor adaptação ao trabalho industrial, pois ela reduziria a fadiga do trabalhador, aumentando a produção. Apenas a partir desses argumentos, a historiografia da Educação Física, da década de oitenta, considerou a prática da ginástica uma estratégia de dominação gerada pelas elites. Mas, já vimos 24 Cf. Os manuais de higiene da época. 152 anteriormente, que o discurso em torno da fadiga não era determinado pelos interesses dominantes e, muitas vezes, ia à favor dos interesses do trabalhador. Um dos objetivos do discurso da fadiga era convencer os industriais da necessidade das reformas higienistas, como a da redução da jornada de trabalho e o investimento na saúde dos trabalhadores, e para isto usavam como argumento o aumento da produção que resultaria na formação de um trabalhador mais descansado e melhor alimentado, mais sadio e, não raro, melhor educado. Contudo, houve grande resistência por parte dos empresários, orientados pelo lucro imediato, e pela idéia banal de que quanto maior a jornada de trabalho mais lucro, colocando em campos opostos os interesses higienistas e empresariais. De fato, nos parece que alguns higienistas pretendiam reeducar os próprios capitalistas, uma reiterada aspiração dos intelectuais. Outro intuito principal dos higienistas era conservar e aprimorar a energia social. Era preciso cuidar da população para pautar a questão do desenvolvimento econômico nos termos da época. Assim, a Educação Física, sem ter outra escolha, fazia parte do projeto higienista e desenvolvimentista no Brasil. Mas qual seria a melhor aplicação da Educação Física respeitando estes ideais? Era o método francês. O método ginástico francês tinha mais respaldo da Fisiologia. Compartilhava da idéia de cuidar do corpo para retardar a fadiga: [O método] Manifesta-se, de um lado, por uma luta mais eficaz contra as doenças, e de outro, por ser um melhor rendimento da máquina [o motor humano, segundo Rabinbach] e por uma melhor reparação das despesas e daí o retardamento da fadiga." (Bases Pedagógicas do Método Francês apud Marinho, s.d.a, p. 90) Nos termos de Amoros: 153 "...Os benefícios e a utilidade comum, são os fins principais da Ginástica; a prática de todas virtudes, de todos os sacrifícios, os mais difíceis e generosos são os meios, a saúde, o prolongamento da vida, o melhoramento da espécie humana, o aumento da riqueza e fôrça individual e pública, são os seus resultados." (Amoros apud Marinho, s.d.a, p.62) A Educação Física teria uma posição central no projeto higienista. Inclusive as orientações desta área são pautadas nos pressupostos da Higiene. Pois a sistematização das atividades físicas nasce da demanda higienista de aprimoramento da saúde da população. E, o método francês é uma das melhores expressões desta ligação. Percebendo isto, as autoridades brasileiras não demoraram para adotá-lo como modelo no Brasil, até se elaborar um método brasileiro. A partir deste contexto, nossa área começa a se estruturar com o apoio do Governo e dos higienistas na década de trinta. Datam desta época a inauguração de diversos cursos de Educação Física, organização de livros e periódicos sobre o tema. Assim começa a se construir o debate de nossa área, diante das teorias higienistas e na discussão do melhor método de ensino. O melhor método Em meados da década trinta no Brasil, era consenso entre os professores/instrutores de Educação Física que nossa área deveria ter como objetivo a educação integral do indivíduo. 154 Educar integralmente era formar física, moral e intelectualmente o homem. Este discurso se pautava em uma contraposição em relação à educação tradicional, muito centrada nos estudos intelectuais. Para formar integralmente era imprescindível o ensino da Educação Física. Por este fato, é comum encontrarmos em diversas propostas educacionais a defesa desta prática. Dentro desta perspectiva podemos citar Rousseau, Pestallozzi, Locke, Manoel Bonfim, Fernando de Azevedo. Isto tem explicação no caráter utilitário que se atribuiu a Educação Física. Há de se entender utilitarismo, nos termos da época, como reação a Ciência academicista, desinteressada pela aplicação imediata de seus conhecimentos. Era preciso inaugurar uma Educação e Ciência utilitária e interventora que auxiliasse na resolução dos problemas da sociedade em voga. Dentro deste quadro, seria a Educação Física grande auxiliar da Educação utilitária na Escola. Ao lado de disciplinas como Higiene, Biologia, teria como objetivo o ensino dos preceitos higiênicos que significavam muito mais que normas profiláticas, mas também ensinamento de valores. A Educação passa a ter um papel transformador da sociedade, ensinando novos valores e hábitos, que segundo seus defensores, construiriam uma sociedade mais próspera. A Educação Física se consolida como parte integrante deste projeto que descrevemos nesta dissertação, que via na saúde individual e coletiva o alicerce de uma sociedade moderna. Sendo assim esta área aceita este papel, tendo a saúde como o seu objetivo principal. Pois, no fim das contas, só sobreviveriam os povos realmente fortes, preparados para o trabalho. Segundo o editorial da Revista Educação Física 155 seria indispensável que todos sem exceção cuidassem seriamente de sua saúde (1939, n. 30). Todos os editoriais desta revista ressaltavam os benefícios sociais, morais e educativos da Educação Física. Inezil Penna Marinho em artigo nesta mesma revista indicou que a falta de cuidados com sua própria saúde seria um crime ou pecado físico.25 O indivíduo que agisse dessa forma, estaria cometendo um pecado que não só o atingiria diretamente, mas toda a sociedade (Marinho, 1943). Podemos entender desta forma, que o interesse pela saúde era cada vez mais crescente em nosso século, fato que possibilitou a consolidação da prática educacional Educação Física. Ainda, a Revista Educação Physica apontava em 1937, que a grande demanda da área era a educação higiênica: “A prática da Educação Physica abrange a aplicação em larga escala de principios e methodos hygienicos. Além disso oferece um campo de acção sem igual para a divulgação de conhecimentos de Hygiene Pessoal. Em resumo, a Educação Physica presta uma contribuição bem definida para attingir aquellas condições que tendem não só para o prolongamento da vida, como também para sua amplitude, por exemplo, boa saúde.” (Revista Educação Physica, 1937, n.13, p. 12) Dentro desta perspectiva podemos pensar que a mentalidade higienista foi a grande responsável pela estruturação da Educação Física. Mas além da saúde do corpo, a Educação moral se torna um das preocupações centrais de nossa área na primeira metade do século. 156 O debate da Educação Física também estava preocupado com a questão dos valores. Deste modo, construiu críticas a algumas orientações de atividades físicas. É aqui que podemos encontrar as primeiras divergências. Se os educadores físicos eram unânimes em considerar o desenvolvimento da saúde moral e física os seus objetivos, eram divergentes na indicação da melhor forma de atingir seus anseios. Alguns optavam como melhor forma educativa o esporte, outros a ginástica, e se a opção era a última, ainda restava escolher o melhor método ginástico. Como já descrevemos no século XVIII e XIX havia certa oposição entre Esporte e Ginástica. Isto pode ser observado muito bem na obra de Spencer, que se caracteriza como um defensor dos jogos e opositor dos exageros da ginástica (Lovisolo, 1999a). Mesmo assim, ainda considera a ginástica melhor do que o sedentarismo.26 Por outro lado, Georges Hébert apontou os perigos morais do Esporte mal orientado, em artigo traduzido na Revista Educação Physica. Segundo ele, a competição leva ao excesso e à fadiga, prejudicando o alcance do valor utilitarista do esporte. Nos seus termos: “No esporte exclusivo, o individualismo e exaltado pela idéia de chegar em primeiro lugar ou de ser o mais forte. Tanto mais se afirmam e se expressam os sentimentos egoístas, quanto maior o exagero do esforço. Se o sucesso corôa os esforços, o amor próprio super excitado tende a gerar a vaidade.” (Hébert, 1941, p. 31). 25 26 Esta idéia tem origem nos pensamentos de Hébert Spencer. (Lovisolo, 1999a) Cf. Inezil Penna Marinho. Os clássicos: Spencer. In: Revista Educação Physica, n.73, 1943. 157 Podemos perceber uma oposição entre atividade física para saúde e esporte de rendimento. Para Hébert, quando se considera o Esporte apenas com meio de se definir os melhores, o valor utilitarista da saúde moral e física acaba se perdendo. Para que o Esporte tivesse um valor educacional era preciso incutir-lhes valores como cooperação e altruísmo. E esta mentalidade se consolida. Alguns artigos passam a demonstrar o valor moral do Esporte bem orientado. Por exemplo, Octávio Resende mostra os benefícios morais do Esporte bem orientado: “Para o adestramneto physico, tomado como meio de melhor servir à sociedade, devemos, pois, dar preferência aos jogos que desenvolvam o espírito de corporação, de muito auxilio, bem caracterizado no vocabulo ‘association’ como que é conhecido, na Inglaterra, o football.” (Resende, 1932, p. 15) Com isto, passou-se a pensar o Esporte como um meio educacional, desde que bem orientado nos valores da época. A oposição entre ginástica e Esporte passa a ser substituída pela oposição entre Ginástica e Esporte bem orientados e mal orientados. Isto suscitou uma concorrência entre os métodos ginásticos, criando defensores e opositores. Contudo eles tinham em comum a valorização de uma Educação Física que preparasse o homem física e moralmente, dentro dos preceitos da Higiene. Então, o que diferenciava as propostas dos métodos ginásticos não eram seus objetivos (o alcance da saúde moral e física), mas sim as melhores formas de alcança-los. Como demonstraremos abaixo com o Método Natural e o Sueco. 158 Outras propostas, os mesmos objetivos O debate da Educação Física começava a se construir tendo como norte a discussão do melhor método, como já dissemos. Mas o que os diferenciava não eram os objetivos, mas sim os meios. Desta forma, por exemplo, o Método Natural de Hébert, idealizado no início deste século, tinha como objetivo melhorar a saúde, que estava debilitada pela facilidade da vida moderna, nos seus termos: “Nos países civilizados, os hábitos legados pelos ascendentes, as obrigações sociais, as convenções, os preconceitos afastam o homem da vida natural ou ar livre e o impedem freqüentemente, desde a própria infância, de exercer sua atividade num sentido conveniente. Em conseqüência desse fato, seu desenvolvimento físico encontra-se travado ou limitado, para maior prejuízo de sua saúde e de seu vigor.” (Hébert apud Marinho, s.d.a, p.140) Assim sendo, este Método tinha como objetivo compensar o artificialismo da vida moderna, melhorando a saúde coletiva e individual. Mas o que o diferenciava dos outros era sua proposta de intervenção. A proposta central deste método era desenvolver exercícios naturais do homem primitivo, que foram abandonados parcialmente ou integralmente na modernidade. Pois o homem primitivo tinha uma saúde exemplar, portanto tratava-se somente de seguir seu exemplo, praticando atividades físicas naturais em contato com o meio ambiente. 159 Esta proposta tenta se legitimar como a melhor, defendendo esta tese e refutando outras. Com isso, Hébert, também, direcionou críticas aos outros métodos, por exemplo, condenando a valorização do gesto técnico. O importante era desenvolver atividades naturais do homem (lançar, nadar, correr) sem ter uma preocupação exagerada com o gesto, mas sim com a atividade. Da mesma forma, preocupava Hébert, o domínio político de médicos na orientação da Educação Física. Para ele, um método não poderia ser baseado centralmente na fisiologia e anatomia, como determinavam os médicos, mas sim na pedagogia. (Marinho, s.d.a) Mesmo sendo contra a grande influência da Medicina na área, não era contra a saúde como objetivo principal da Educação Física. Um segundo exemplo a ser citado, pode ser descrito no Método Sueco. Sua criação dá-se no início do século XIX, tendo como idealizador Henrik Ling. A influência dos ideais do “movimento higienista” é notável no seu texto. Ling dividiu a Ginástica em quatro partes, de acordo com diferentes objetivos. A primeira seria a Ginástica pedagógica ou educativa, que teria como objetivo: “...assegurar a saúde, evitar a instalação de vícios e defeitos posturais e enfermidades, desenvolvendo normalmente o indivíduo.” (Ling apud Marinho, s.d.a, p. 187). Acrescentando as Ginásticas médica, militar e estética, o método estava completo. Contudo o eixo principal era a ginástica pedagógica, como alude Ling: “Dos quatro tipos de ginástica, o que mais diretamente nos interessa é a pedagógica ou educativa, base de todo o moderno sistema sueco.” (Ling apud Marinho, s.d.a, p.187). 160 Portanto o objetivo era, também, a demanda higienista, do aperfeiçoamento da saúde coletiva e individual. O que diferenciava este método de outros, era a organização metodológica dos exercícios. Podemos, então, concluir que os objetivos higienistas criaram a possibilidade de organização de nossa profissão, que se deu dentro das instituições militares, mas de acordo com os ideais higienistas de alcance da saúde. Consolidando este objetivo como a grande tradição da Educação Física. A Educação Física e as teorias higienistas Sobre a questão da importância da nossa área no aprimoramento da saúde e na prevenção da fadiga, os higienistas e os instrutores/professores de Educação Física não discutiam. E, para alcançar este objetivo, para a maioria, o melhor método era o francês, devido o estudo fisiológico de Demeny. Apesar de se ter a idéia que nenhum método seria melhor para o povo brasileiro do que um nacional. Na tentativa de incentivar esta iniciativa, Inezil Penna Marinho e Hollanda Loyola, na década de quarenta, escreveram artigos defendendo a elaboração de um método nacional.27 O que também era aceito por todos, mas nenhum método nacional foi adotado. Além do método, o que também dividia as teorias da Educação Física era a questão da colaboração da Educação Física no aprimoramento racial da população. 27 Cf. Hollanda Loyola. Para um método nacional. In: Revista Educação Física, Rio de Janeiro, Cia Brasil Editora, n.º 39, 1940. Cf. Inezil Marinho. Método Nacional de Educação Física. In: Revista Educação Física, idem, n.º 85, 1945. 161 Nesta havia o embate de duas orientações, uma lamarkista defendida por Fernando de Azevedo, e outra Galtoniana defendida pelo Professor de Higiene da Escola Nacional de Educação Física da Universidade do Brasil, Waldemar Areno. Fernando de Azevedo, quando é entrevistado pela Revista Educação Physica, onde foi considerado pelos redatores um apóstolo da área no Brasil, é definitivo sobre as questões deterministas raciais. O entrevistador perguntou a ele se acreditava na tão falada inferioridade física de nosso povo, ou julgava que a pobreza orgânica de nosso mestiço era produto de fatores sociais como falta de alimentação e educação. Fernando de Azevedo respondeu desta forma: “Existe sem duvida uma inferioridade physica, que se prende, porém, não á raça ou melhor, ás raças que entraram na composição de nosso povo, mas ás condições de vida de nossas populações rurais, sertanejas, ou praieiras. A inferioridade physica do nosso povo não é uma questão racial, mas um problema social e econômico, de saúde publica e de educação. A solução desse problema está numa política de engenharia sanitária ou de saneamento das regiões em que vegetam e se arruinam as nossas populações. (...) Melhoram-se as condições de vida de um povo, e o estado de saúde melhorará, em conseqüência.” (Azevedo, 1933, p.46). A intervenção de Azevedo era pautada na democratização da Educação e da Saúde. Através desta reforma social o povo iria superar sua debilidade, adquirindo condições de trabalho, hábitos higiênicos. Este projeto regeneraria o povo brasileiro como aludia Azevedo. Para ele, como já mostramos, a superioridade étnica de um povo era resultante de sua história e de sua formação genética. Sendo que o primeiro 162 influenciaria o segundo formando a raça (lamarkismo). Azevedo acreditava que a raça brasileira ainda estava sendo definida, portanto se o povo tivesse melhores condições de vida, adquirissem hábitos saudáveis, estas características adquiridas poderiam ser transmitidas geneticamente a gerações posteriores. O papel da Educação Física em seu projeto pedagógico seguia estes princípios lamarkistas, como comprovamos abaixo: “Uma vez introduzida pela educação nos habitos do paiz, a pratica desta cultura physica sustentada durante uma larga serie de gerações, depuraria a nossa raça de diatheses morbidas, locupletando-a, progressivamente, pela creação incessante de individuos robustos. Os mortos governam os vivos. As gerações de amanhã apuradas, por systema, pela educação physica – afinadora da raça e collaboradora do progresso – imprimiriam assim, nas que lhes succedessem, o cunho de seu caracter, para que pudessem, com o augmento do patrimonio biologico hereditario, aperfeiçoar ainda mais a natureza humana.” (Azevedo, 1933, p. 14) Com este referencial podemos perceber que a Educação Física no pensamento de Fernando de Azevedo, fazia parte de um projeto de inculcação de novos hábitos, que por sua vez construiriam um novo homem brasileiro (Góis Junior, 1998). Sendo este apto ao trabalho, saudável, disposto, colaborador no desenvolvimento de uma grande nação. Exatamente como almejávamos, se é que perdemos este sentimento hoje. Deste modo, a importância da Educação Física em seu projeto pedagógico é patente. Azevedo quase não pensa a Higiene sem ela. Segundo ele, a 163 educação popular, para desenvolver o país economicamente, teria que começar pela proteção higiênica e formação física da população escolar. No seu pensamento o problema da saúde era capital, em toda e qualquer organização educativa. Era preciso intervir urgentemente, e a escola tradicional não poderia auxiliar seu projeto. Pois nele, a ginástica seria obrigatória, praticada em ambientes destinados para este fim, e regrada pelas normas higiênicas. Assim sendo, a escola tradicional não poderia servir a este fim, devido as antigas instalações e a valorização do ensino intelectual. Mas este não era a único problema. Também era necessário criar os cursos de formação de professores da área. Onde eles pudessem aprender os métodos científicos dela. Sem dúvida a opinião deste educador foi determinante para a estruturação, ainda insípida e precária em sua época, da Educação Física (Azevedo, s.d.; 1920). Ele foi um percursor da escolarização da ginástica no Brasil. Seu projeto era o da democratização da Educação e Saúde. Para isto o seu melhor instrumento pedagógico era a Educação Física. Mas nem por este motivo, foram lhe poupadas criticas por parte dos professores Galtonianos. Como podemos destacar com Waldemar Areno. Ele era professor catedrático de Higiene Aplicada, Fisiologia e Anatomia da Escola Nacional. Este, aprioristicamente, discorda de Azevedo na questão do lamarckismo. Para ele, caracteres adquiridos como valores educativos, robustez, não eram transmitidos geneticamente (Galton) (Areno, 1949). Mas nem por isso a Educação Física perde o sentido em sua proposta. Nela aquela área teria outro papel, não menos importante do que na proposta de Azevedo. Para Areno, na sua época, os interesses econômicos em certas profissões impediam a aplicação dos princípios higiênicos, com sacrifício para a saúde. O erro, 164 dizia ele, era flagrante, porque a recompensa do trabalho excessivo convertida em benefício econômico era insignificante diante da riqueza imensa que representaria o bem viver. O corpo e o espírito teriam o direito aos mesmos cuidados e a conservação da saúde seria verdadeiramente um dever. Qual seria realmente o valor de um indivíduo intelectualmente rico, que se apresentasse incapaz no físico, enfraquecido no seu vigor e na base fundamental que é a saúde? Por isto, ele afirmava que a Educação Física tinha muita importância, pois era um hábito higiênico capaz de aprimorar e conservar a saúde coletiva e individual. O exercício físico orientado e praticado sob as suas variadas modalidades, adaptado às várias idades, ao sexo, ocupação e condições individuais, proporcionaria acentuada melhoria na circulação e respiração, melhoraria as trocas metabólicas e aumentaria a atividade do sistema nervoso, por causa da melhor irrigação. Já o sedentário, na sua opinião, apresentaria uma diminuição geral da força muscular e um menor desenvolvimento dos músculos. Ainda teria diminuída a sua capacidade de trabalho intelectual, e em resumo, seria um doente, um inferior, vencido por si próprio, alegando as mais variadas enfermidades. Porém, portador realmente de um único mal responsável: a falta de exercício físico.(Areno, 1941) Daí a importância da Educação Física para Areno. Contudo ele dizia: “A educação física é elemento indissociável da educação, é uma das partes dela e a educação não se transmite por herança. Os filhos dos ginastas ou desportistas não usufruirão qualquer vantagem genética, em virtude do passado dos pais. Não há assim ação sôbre as células germinadoras dos efeitos dos exercícios físicos sôbre o organismo humano, efeitos que só alcançarão as células corporais, as células somáticas. E 165 não se deve portanto repetir a afirmativa errônea, de que a educação física se destina a melhorar a raça.” (Areno, 1949, p.32) Se não era a Educação Física que melhoraria a raça brasileira, o que seria? Na sua opinião seria a eugenia nos termos de Galton, ou seja, através da regulamentação de casamentos e da esterilização. Com isto ocorreria? Areno defendia a existência de uma legislação que regulamentasse o casamento. Os casais passariam por um exame pré-nupcial que diagnosticaria se aqueles indivíduos eram “disgênicos”. Se não fossem, seria emitida uma autorização governamental para o casamento. Outra medida seria a esterilização dos indivíduos “disgênicos”. Estes eram os doentes mentais, criminosos, tarados, nos termos dos galtonianos. Com isto o patrimônio hereditário seria conservado e aprimorado. A raça melhoraria. Como alude Reinaldo Busch: “O Homem como rei da natureza, faz uso de sua inteligência conseguindo, pelo cruzamento experimental e seleção de genitores entre animais domésticos, produtos de bela perfeição física e de apuradas capacidades inatas. Os exímios cavalos de corrida, as vacas ricamente leiteiras, os porcos de rápida e rendosa engorda, os cães de faro ultra sensível e possuidores em alto grau de tendências específicas para diversos tipos de caças, são exemplares raciais obtidos através de pacientes investigações em que o homem interesseiramente gasta sua inteligência em observar, experimentar e raciocina para aperfeiçoar esses animais. (...) Entretanto, sem descrer da hereditariedade de caracteres bons ou maus de robustez ou de fraquezas orgânicas 166 na sua espécie, o homem não faz uso em si mesmo da ciência que aplica para selecionar animais. Esquece que traria reais benefícios para sua descendência se assumisse uma atitude eugênica quando tivesse de contrair núpcias. Ao invés de controlar suas impressões e sentimentos afetivos por raciocínios, em face de observações e investigações mórbidas na pessoa e na ascendência de quem é objeto de suas inclinações, ele deixa-se levar só pelo coração, ou usa o cérebro para previsões estranhas aos interesses da saúde da prole. Do ponto de vista eugênico, casa-se às vezes bem, por acaso, outras vezes mau, conhecendo ou não as predisposições hereditárias do outro cônjuge.” (Busch, 1943, p.58) Os galtonianos defendiam a tese de que a seleção natural de Darwin deveria ser auxiliada através da intervenção do homem. Porém os seus métodos nunca foram seguidos no Brasil. Mas sem dúvida, tiveram influência na mentalidade da Educação Física, representada pelos periódicos da época. Também é interessante constatar que não encontramos nestas revistas nenhuma referência direta a uma suposta inferioridade dos negros e índios, como encontramos na bibliografia brasileira anterior aos anos vinte. Como estes periódicos se organizam à partir dos anos trinta, divulgavam as teorias mais modernas, que já não falavam de uma culpa da raça negra e indígena em nossa debilidade física. Mas os professores/instrutores optaram por qual teoria? Embora existam indícios, como já mostramos, que a mentalidade higienista optou pela proposta de intervenção social (lamarkista ou não). A Educação Física, entre os higienistas lamarkistas e os higienistas galtonianos, não se decidiu nem por uma, nem por outra. Podemos constatar isto nos periódicos da época. Pois 167 estes divulgam as duas teorias, como em um debate democrático. E, além de que, as duas correntes atestavam a importância da Educação Física. E, era isto que interessava a nossa área, como vislumbraremos em seguida. Precisamos nos legitimar A mentalidade da Educação Física é muito influenciada pelos ideais higienistas. Isto é claro. Diríamos até, que é a grande influência da Educação Física, em detrimento do pensamento militar. Por que? A influência militar na área reside nos métodos ginásticos, na formação dos primeiros instrutores, na ênfase na disciplina, dos valores físicos. Isto é inegável, mas também é inegável que estes pressupostos de uma Educação Física rotulada como militarista, tem origem no pensamento higienista. Haja visto, que até mesmo a obra do militar espanhol Amoros é baseada nas teses da fisiologia higienista, com referências a economia de energia e fadiga. Em segundo lugar, o ideal higienista também pregava a formação de valores morais, disciplinadores, como era valorizado na época. Estas características que são chamadas de militaristas, na verdade são produtos do pensamento da época, e portanto, do pensamento higienista. Não concebemos uma divisão entre os valores do chamado “higienismo” e militarismo. Se entendermos que a sistematização das práticas físicas, ou seja, a Educação Física moderna, foi uma exigência dos higienistas, saberemos que a Higiene não é irmã da primeira, mas sim, a própria mãe. Com isto, fica evidente, que nossa área ficou exposta aos diferenciados objetivos das linhas do “movimento higienista”, objetivando o aprimoramento da 168 saúde coletiva e individual. Contudo tínhamos algo que nos aglutinava: a necessidade de legitimação. Tentamos compactuar vários pensamentos que valorizavam a Educação Física, não nos interessava a posição política ou teórica. Portanto não tínhamos uma posição teórica definida. O que importava era provar que a Educação Física tinha grande utilidade para a sociedade. Construindo um discurso legitimador a favor desta prática (Góis Junior, 1998). Se pesquisarmos os periódicos especializados da época, perceberemos que eles divulgavam todos os métodos e teorias com bastante neutralidade, sempre destacando o valor da Educação Física. Hollanda Loyola, por exemplo, na Revista Educação Physica nunca condenou nenhum método, porém publicou um livro separadamente, onde defendeu o Método Francês. O interesse dos periódicos era divulgar e legitimar qualquer forma de valorização da atividade física. Assim, teceu elogios ao método Alemão, Francês, Dinamarquês, Sueco, Natural de Hébert, ao Esporte Inglês, a tese da capoeira como método nacional. Nos termos de Loyolla: “Tivemos uma única preocupação – ampliar cada vez mais o nosso raio de ação para melhor servir à divulgação da educação física, ao aperfeiçoamento dos nossos técnicos e à educação de nossa juventude. Mantivemos relações com os principais centros de cultura especializada do mundo, (...), traduzimos e divulgamos as mais modernas teorias sobre educação física...” (Loyola, 1942, p.11) 169 Sempre afirmando que para se ter uma nação forte era preciso ter um povo forte, o que passava pela consolidação da Educação Física. 170 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para nós esta dissertação teve como objetivo (re) abrir a questão dos ideais do “movimento higienista” na Educação Física. Pois, este vislumbra uma complexidade não revelada nos textos de Ghiraldelli, Soares e Castellani28. Podemos entender que o “movimento higienista” não era um movimento uniforme, mas sim repleto de divergências. Uns defendiam a Educação, outros a regulamentação dos casamentos, a esterilização. Mas é importante perceber que o desejo de desenvolvimento do país era consenso, as melhores condições de vida eram consenso e, principalmente, a defesa da saúde. Compreender os ideais higienistas movidos pelos interesses dominantes, parece não ter sentido quando vemos militantes da esquerda da época compartilharem as idéias sanitaristas. Exemplificamos isto com Manuel Bonfim. E, 28 Nesta linha podemos indicar também os trabalhos de Mauro Betti (1991), José dos Anjos (1995), Damasceno et all (1990), Hélder Resende (1992), Carmem Soares (1997). 171 quando constatamos o discurso de higienistas criticando a exploração, o abandono do povo, como vislumbramos com Penna Belisário, Monterio Lobato, e outros. Também, fica sem sentido rotularmos o “movimento higienista” de racista, quando lemos as fontes primárias de Fernando de Azevedo, dizendo que nosso problema não era racial, e sim, social. Concluímos que a mentalidade higienista não era determinada pelos interesses das elites sociais. Eles eram intelectuais que pretendiam tornar a humanidade melhor, ou seja, com as características moldadas pelo “higienismo”. Para isto, acreditavam, que a conservação da saúde pública e individual seria o primeiro passo para o progresso. Alguns dos ideais dos higienistas podem ser referenciais em nosso tempo, por seu caráter de reivindicação e intervenção. Eles se preocupavam com uma política de democratização da Saúde e Educação, discursavam e intervinham neste sentido. Mais do que isto, sabem que para alcançar este objetivo era necessário garantir o alimento na mesa do povo, salários dignos, melhores condições de vida. Já os movimentos em defesa da saúde de hoje não tem como central este aspecto. Em geral, eles importam um conceito de saúde dos países desenvolvidos, mostrando os benefícios da atividade física, de uma alimentação balanceada. Mas não discutem como tornar tudo isto acessível à população mais pobre, como faziam muitos higienistas. Como diz Lovisolo, há uma perda do caráter público da intervenção da Educação Física, no extremo, como no dito personal training, ou no tratamento do estresse, os interesses privados e individuais tornam-se mais relevantes que os públicos. A intervenção sobre as condições públicas e sociais deixa espaço para a 172 ação individual no plano da saúde, para a responsabilidade de cada um com sua própria saúde. Esta proposta não reflete, por exemplo, qual é o sentido para um indivíduo que passa fome ou que luta desesperadamente por condições mínimas de reprodução, fazer trinta minutos de exercícios aeróbicos? Afinal, porque este indivíduo gostaria de alcançar uma maior longevidade? Para quê, se sua vida não tem nada de qualidade? Também, não defendem uma maior democratização do saneamento básico. Ignoram que no mundo, segundo o Fundo das Nações Unidas para a População, três quintos da população mundial não tem acesso a rede de águas e esgotos.29 Com isto, não estamos defendendo a volta do “movimento higienista” do início do século. Mas alertando que o discurso da Educação Física e da Saúde Pública não evolui, como muitos pensam, mas em alguns aspectos regrediu. Contudo estas comparações são objetos de outra história. 29 Cf. FNUAP apud Revista Veja. São Paulo e Rio de Janeiro, Abril, 29 de setembro de 1999, p.87. 173 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ABREU, Henrique Tanner de. Estudos de hygiene. Rio de Janeiro, Quaresma, 1929. ALBA, Andre. Tempos Modernos. São Paulo, Mestre Jou, 1986. AMARAL, João Ferraz do. Escolas ao ar livre contribuição para estudo do problema da hygiene escolar em São Paulo. São Paulo, Graphico Rossolillo, 1932. ANJOS, José. Corporiedade, Higienismo e Lingüagem. Vitória, UFES, 1995. ARENO, Waldemar. Higiene aplicada à Educação Física. 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