As contribuições de Antonio Gramsci para Sociedade Contemporânea. Ms. Cleide Calgaro1 Ms. Cláudia Maria Hansel2 RESUMO: A presente investigação tem como temática o estudo sobre os intelectuais e o poder hegemônico, procurando enfocar em um primeiro momento quem são os intelectuais e qual o significado de hegemonia para Gramsci. A partir disso verifica-se quais as aplicações da teoria de Gramsci na Sociedade Contemporânea e suas conseqüências à mesma. Palavras—chave: hegemonia; intelectuais; sociedade contemporânea; poder; Sumário: Introdução; 1. A fonte Marxista inspiradora de Gramsci; 2. Os intelectuais e a hegemonia na visão de Gramsci; 3. Papel dos intelectuais e da hegemonia na sociedade contemporânea; Considerações Finais; Referências bibliográficas; Introdução Neste trabalho analisam-se a temática do estudo sobre os intelectuais e o poder hegemônico, procurando enfocar em um primeiro momento quem são os intelectuais e qual o significado de hegemonia para Gramsci. E, num segundo momento transpor esses conceitos para a sociedade contemporânea fazendo uma analise da atual conjuntura social. Importante frisar que Antonio Gramsci nasceu em 22 de janeiro de 1 Doutoranda em Ciências Sociais na Universidade de Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Mestre em Direito (UCS); Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS); Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica (UCS); 2 Doutoranda em Ciências Sociais na Universidade de Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Mestre em Direito (UCS); Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS); 1 1891 em Ales, uma ilha da Sardenha. Filho de Francesco Gramsci e Giuseppina Marcias. Em 1911 ganha por concurso uma bolsa para estudar na Universidade de Turim e começa a freqüentar o a Faculdade de Letras. Já, em 1913 filia-se ao Partido Socialista Italiano. Por volta do ano de 1914 começa a escrever descobrindo sua paixão pelo jornalismo. Em agosto de 1917 é eleito secretário da comissão executiva provisória da secção socialista de Turim e, junto com seus companheiros, em 1919, lança o seminário de cultura socialista. No ano de 1921 participa com resistência da cisão do seu partido para se tornar o Partido Comunista. Já, por volta de 1922 viaja para Moscou, com o cargo de delegado do PCI na executiva internacional, mas no mês de setembro acaba sendo internado num sanatório onde irá conhecer sua esposa (Giulia Schucht). Em 1923 deixa Moscou e vai para Viena sempre a serviço do partido. No ano de 1925 volta a Moscou para participar dos trabalhos da executiva do partido. Mas, no ano 1927 é levado a Milão para o seu primeiro julgamento e em 1928 vai ao Tribunal Especial de Roma, onde é penalizado com a condenação de 20 anos, 4 meses e 5 dias de prisão. Em junho é transferido para o Cárcere de Turi, no sul da Itália. No dia 08 de fevereiro de 1929 começa a escrever as notas referentes à sua obra Cadernos do Cárcere. Foi em 1931 que começa a passar mal com uma súbita hemorragia. Em 1933 instala-se outra crise de saúde comprometendo rapidamente seu quadro clínico. No dia 27 de abril de 1937 morre Antonio Gramsci por hemorragia cerebral com 46 anos de idade. Gramsci deixou grandes contribuições, sendo um político, filosofo e cientista político, um comunista que lutava contra o fascimo italiano, além de um intelectual orgânico. Foi o sociólogo da cultura e das classes subalternas, criando uma série de conceitos importantes para o nosso tempo. O presente trabalho busca analisar a fonte de inspiração de Gramsci o qual continua com a dialética e o marxismo ocidental. Num segundo momento analisar-se-á os conceitos de intelectuais - que formam o grupo heterogêneo com pessoas que acabam produzindo formas de consciência - e, de hegemonia – ou seja, a capacidade de direção ou a dominação pelo consentimento -. 2 1. A fonte Marxista inspiradora de Gramsci Karl Marx foi fonte inspiradora para as idéias de Gramsci, onde o autor crítica ao pensamento de Marx em torno do papel da cultura política. Marx desenvolveu seu pensamento, numa relação com os acontecimentos sociais, econômicos, políticos e históricos de seu tempo, sendo que a base da concepção marxista acaba por ser a totalidade, relacionando o conhecimento das relações históricas, políticas e ideológicas. Toda a base da sociedade para Marx seriam as condições materiais. Percebe-se analisando os seus conceitos que a totalidade dessas relações e da produção que forma a estrutura econômica da sociedade, base que levanta superestrutura. Ou seja, o conjunto de forças e das relações produtivas de uma sociedade que foram sua base ou estrutura que irá constituir o fundamento as instituições políticas e sociais, e, a superestrutura deriva da produção na vida os homens que acabam por gerar outras formas de produtos que não possuem força material, como por exemplo, as ideologias, os códigos morais, as concepções religiosas, etc., assim as classes os criam derivando-os de suas bases materiais e de suas relações sociais. Marx define-se por uma perspectiva materialista, baseada na concepção de construção de uma outra sociedade que busca a transformação capitalista. Karl Marx avalia a vida social especialmente quando analisa a sociedade capitalista. Na visão de Quintaneiro, o capitalismo inicia a sua expansão pelos países que incorporam o Ocidente. Nesse sentido, O desenvolvimento do modo de produção capitalista tomou rumos imprevisíveis para um analista situado, como Marx, em meados do século XIX. Sua organização econômica e política ancorou-se cada vez mais firmemente em níveis internacionais e, no interior de cada sociedade, esses processos adquiriram feições muito singulares, referidas à diversidade de elementos que conformaram suas experiências históricas. (QUINTANEIRO, 1995, p. 79-80). 3 Foi neste contexto que Karl Marx viveu acabou desenvolvendo o seu pensamento, ou seja, numa relação com os acontecimentos econômicos políticos e históricos de sua época. Além disso, na sua análise, a transformação da sociedade se dá através das contradições e conflitos, por isso não sendo linear e espontânea, porém, fruto das ações do próprio homem. A filosofia idealista do hegeliano Feuerbach acaba por ser outro marco na construção dos fundamentos de Marx que reconstrói o conceito de alienação. Conforme analise de Quintaneiro, Feurerbach sustentava que a alienação fundamental tem suas raízes no fenômeno religioso, que cinde a natureza humana, fazendo com que os homens se submetam as forças divinas, as quais, embora criadas por eles próprios, são percebidas como autônomas e superiores. O mundo religioso é concebido por Feurerbach como uma projeção fantástica da mente humana, por isso mesmo alienada. A supressão desse mundo, por meio da crítica religiosa, faria desaparecer a própria alienação, promovendo a liberação da consciência. (QUINTANEIRO, 1995, p.29) Com esta crítica Feuerbach exprime uma concepção materialista e naturalista de homem, ao contrário da concepção idealista que havia sido proposta por Hegel. Mas, Marx supera essa visão e define o seu pensamento através de uma perspectiva materialista, baseada na concepção de construção de uma outra sociedade que busca a transformação do regime capitalista. Nesse sentido, Quintaneiro, [...] método de abordagem da vida social [...] foi denominado posteriormente de materialismo histórico. De acordo com essa concepção as relações materiais que os homens estabelecem, o modo como produzem seus meios de vida, formam a base de todas as suas relações. [...] a perspectiva material e dialética, todo fenômeno social ou cultural é efêmero, e a análise da evolução dos processos econômicos e de produção deve partir do reconhecimento de que as formas econômicas sob as quais os homens produzem, consomem e trocam são transitórias e históricas. Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam seu modo de produção, e como o modo de produção mudam as relações econômicas, que não eram mais que as relações necessárias daquele modo concreto de 4 produção. [...] (QUINTANEIRO, 1995, 67-68). Comprova-se que Marx estabelece suas bases metodológicas e seus princípios que vão dar a orientação para explicar a história e a sociedade. O autor faz a análise desse contexto através da articulação do materialismo histórico e do materialismo dialético, que para alguns autores, tem sido interpretado de modo indissociável. Nesse sentido Quintaneiro, [...] método de abordagem da vida social [...] foi denominado posteriormente de materialismo histórico. De acordo com essa concepção as relações materiais que os homens estabelecem, o modo como produzem seus meios de vida, formam a base de todas as suas relações. [...] a perspectiva material e dialética, todo fenômeno social ou cultural é efêmero, e a análise da evolução dos processos econômicos e de produção deve partir do reconhecimento de que as formas econômicas sob as quais os homens produzem, consomem e trocam são transitórias e históricas. Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam seu modo de produção, e como o modo de produção mudam as relações econômicas, que não eram mais que as relações necessárias daquele modo concreto de produção. [...] (QUINTANEIRO, 1995, p. 67-68). Ao analisar o fator “trabalho” Marx chega à constatação que o trabalho livre que produzia a mercadoria, no processo de produção, “alienavase” deixando de ser produção humana, produzindo exploração, expropriação, ou seja, a “mais valia”. Desse modo Marx emprega a idéia de que: O capitalismo é um sistema de marcantilização universal e de produção de mais valia. Ele mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas. Ao mesmo tempo, pois, mercantiliza a força de trabalho, a energia humana que produz valor. Por isso transforma as próprias pessoas em mercadorias, tornando-as adjetivas de sua força de trabalho. (MARX, 1987, p. 08) Esse fenômeno foi produzido pelo próprio homem, que criou a divisão social do trabalho e acabou diferenciando os indivíduos que produzem e não se apropriam do que produzem que são os proletários, dos outros indivíduos (capitalistas) que são donos dos meios de produção e que acumulam por apropriarem-se do labor de quem trabalha. 5 Marx (1987, p. 9) afirma que a mais valia e a mercadoria são a condição e o produto das relações de dependência, alienação e antagonismo do operário e do capitalista, em face de um do outro. Começa assim, uma sociedade de classe, se dividindo em classe operária, ou seja, o proletariado que trabalham e que era explorado e, de outro lado, os capitalistas, que vivem do trabalho da classe proletária, cuja relação é produzida pela alienação do trabalho. Por fim, nota-se que Gramsci continua com a dialética e o marxismo ocidental, criando conceitos importantes para uma visão nova da sociedade, como por exemplo, hegemonia, bloco histórico, intelectuais e cultura, classes subalternas, infra e superestrutura, guerra de posição e de movimento. Assim, pode-se analisar em Gramsci que a consciência social não é um reflexo das condições materiais de existência, mas acaba sendo um agente relativamente autônomo que possui a capacidade de intervir na realidade e até modificá-la. 2. Os intelectuais e a hegemonia na visão de Gramsci Gramsci (1982, p. 03) ao relatar os intelectuais indaga se os mesmos constituem em um grupo social autônomo e independente, ou cada grupo social possui sua própria categoria especializada de intelectuais. A resposta para o seu questionamento consiste, inicialmente, em dizer que o problema é complexo em virtude das formas assumidas, até os nossos dias, pelo processo histórico real de formação das diversas categorias de intelectuais. Frente a isso, destaca duas formas, que são: os intelectuais orgânicos e os intelectuais tradicionais, eclesiásticos. Para Gramsci, esse primeiro grupo, é o grupo social que nasce no terreno originário, cada grupo social que nasce no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, gera para si, simultaneamente, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria 6 função, não apenas no campo social e no político, como por exemplo, o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da econômica política, o organizador de uma nova cultura de um novo direito, etc. (GRAMSCI, 1982, p. 1-2). Como visto, denomina-o de intelectual orgânico, uma camada social de origem complexa, sendo ele o responsável por organizar uma nova cultura e um novo direito, pois de acordo com Gramsci, ao mesmo tempo, que esse grupo exerce uma função essencial no campo da produção econômica, acarreta também a formação de uma nova categoria de intelectual, que exerce a hegemonia, visto que nascida do mesmo terreno industrial, sobrepõe-se, exercendo o domínio e a influência na cultura, na política e nas leis sobre os demais. Isso ocorre em virtude da sua capacidade de exercer essa organização, por conseguir a homogeneidade e ter a consciência da própria função. Mas sua tarefa não se limita à elaboração racional da concepção de mundo, mas um grupo social que queira se tornar hegemônico deverá combater os intelectuais tradicionais. Nesse sentido, Gramsci: Deve-se anotar o fato de que o empresário representa uma elaboração superior, já caracterizada por uma certa capacidade dirigente e técnica (intelectual): ele deve possuir uma certa capacidade técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua iniciativa, mas ainda em outras esferas, pelo menos nas mais próximas da produção econômica (deve ser um organizador de massa de homens; deve ser um organizador da ‘confiança’ dos que investem em sua fábrica, [...]. (GRAMSCI, 1982, p.4). Gramsci analise os empresários e coloca que eles pertencem a essa classe social em ascensão, isto é, a burguesia, exercendo forte influência cultural, política e jurídica sobre a classe operária. Continua ele, dizendo que os intelectuais “orgânicos”, Que cada nova classe cria consigo e elabora em seu desenvolvimento progressivo, na maioria das vezes “especializações” de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que a nova classe deu a luz. (GRAMSCI, 1982, p. 04). 7 A importância dos “intelectuais orgânicos” – que são agentes especializados da superestrutura - consiste no fato de os mesmos exercerem uma função mediadora da relação entre a estrutura econômica e as superestruturas, da relação entre a classe dominante e o sistema de organização da sociedade. (SANTOS, 1978, p. 99). Os intelectuais dessa categoria são os grupos que produzem ideologias e são os organizadores de função econômica de classes que acabam se ligando organicamente, além de controlar o mundo da produção. São esses intelectuais que organizam a hegemonia da classe burguesa. A outra categoria, que de acordo com Gramsci, são os intelectuais tradicionais, os eclesiásticos: Cada grupo social “essencial”, contudo surgindo na história a partir da estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento desta estrutura, encontrou menos na história que se desenrolou até aos nossos dias – categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam como representantes de uma continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas. (GRAMSCI, 1982, p. 05). Durante um longo período eles exerceram o monopólio, inserindo a ideologia religiosa através da filosofia, da ciência, da educação, da moral, da justiça, da beneficência, da assistência etc. Essa categoria pode ser considerada como sendo a categoria intelectual orgânica vinculada à aristocracia fundiária, sendo juridicamente comparada à aristocracia, com a qual dividia o exercício da propriedade feudal da terra e os usos dos privilégios estatais ligados a propriedade. Adiante Gramsci, verifica que essas várias categorias de intelectuais tradicionais sentem com “espírito de grupo” sua ininterrupta continuidade histórica e sua “qualificação”, eles consideram a si mesmos como sendo autônomos e independentes do grupo social dominante. Esta autocolocação acaba não deixando de ter conseqüência no campo da ideologia e da política: a filosofia idealista pode ser facilmente relacionada com esta posição assumida pelo complexo social dos intelectuais e pode ser definida como a expressão desta utopia social 8 segundo a qual os intelectuais acreditam ser “independentes”, autônomos, revestidos de características próprias, etc. (GRAMSCI, 1982, p. 6). Gramsci demonstra também que todos os homens são intelectuais, mas que nem todos os homens desempenham a função de intelectual dentro da sociedade. (GRAMSCI, 1982, p. 7) Portanto, no período que Gramsci observou a classe que domina a sociedade, ou seja, a que detém o poder hegemônico é a burguesia, que irá se constituir nos intelectuais orgânicos. Já, por outro lado, os intelectuais tradicionais, os eclesiásticos, dentro da sociedade, já não mais exercem o poder hegemônico sobre a cultura, política e as leis como anteriormente o faziam. Assim, por intelectuais deve-se entender toda a massa social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no campo da cultura, seja no campo administrativo-político, mas não se pode esquecer que a sociedade possui alguns não-intelectuais, ou seja, homens que estão fora de suas profissões. No que se refere ao conceito de hegemonia provém de uma interpretação do pensamento de Marx. Gramsci destaca que somente uma leitura esquemática pode levar a crer que o que Marx define como superestruturas que tenha uma relação de dependência mecânica com as estruturas. Assim, percebe-se que Gramsci foi o teórico que mais instituiu o conceito de hegemonia e o fez na ótica de reclamar de Lênin. O termo hegemonia deriva do grego eghestai, que quer dizer “conduzir”, “ser guia”, “ser líder”, ou também do verbo eghemoneuo, que significa “ser guia”, “preceder”, “conduzir”, e do qual decorre “estar à frente”, “comandar”, “ser o senhor”. Por eghemonia, o antigo grego entende a direção suprema do exército. Trata-se, portanto, de uma expressão militar, pois hegemônico era o chefe militar, o guia e também o comandante do exército. Na época das guerras do Peloponeso, mencionou-se em cidade hegemônica para designar a cidade que conduzia a aliança das cidades gregas em luta entre si. 9 (GRUPPI, 1980, p. 01). Santos apresenta que na concepção gramsciana da ideologia, a relação entre os níveis da estrutura interna da ideologia era mediada pela política. Esta mediação exerce-se não diretamente, mas através do sistema institucional dos aparelhos de hegemonia e dos intelectuais orgânicos. [...] O Estado desempenha uma dupla função nas relações entre as classes sociais: por um lado, suporta, pela via coerciva, a dominação que uma classe exerce sobre as classes subalternas; por outro lado, legitima esta dominação pela via hegemônica, isto é, pela consecução da direção ideológica da sociedade. (SANTOS, 1978, p. 101). Entretanto, para que se efetive a conquista da hegemonia, esta deve ocorrer na direção ideológica da sociedade por uma classe e só sendo possível, pela intervenção dos intelectuais orgânicos – e em especial dos grandes intelectuais que tornam coerente, homogêneo e uma a nova concepção do mundo e que, simultaneamente, exercem influência sobre outros intelectuais menos representativos (elemento autoritário e elemento formal) – e pelo funcionamento dos aparelhos de hegemonia que constituem a estrutura material onde se elabora e difunde a ideologia (elemento organizativo). (SANTOS, 1978, p. 102103). No ponto de vista de Gramsci, o mesmo define hegemonia como sendo algo que opera não apenas sobre as estruturas econômicas e sobre as organizações políticas de uma sociedade, mas também, sobre o mundo do pensamento, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de pensar. (GRUPPI, 1980, p.3) A hegemonia nesta analise acaba sendo uma forma de conquista, uma direção através do consentimento das classes subalternas assumindo uma posição exercida no campo das idéias e da cultura, sem o uso da coerção, ou seja, é uma forma de submissão sem a presença do uso da força. Adiante GRUPPI (1980, p. 5), coloca que hegemonia é a capacidade de direção, de conquistar alianças, capacidade de fornecer uma base social ao Estado proletário. Nesse sentido, pode-se 10 dizer que hegemonia do proletariado realiza-se na sociedade civil, enquanto a ditadura do proletariado é a forma estatal assumida pela hegemonia. Depreende-se assim que para Gramsci, a hegemonia da sociedade civil é a prática política da classe dominante, no seio das sociedades capitalistas avançadas, visando suscitar o consentimento ativo dos dominados, através da elaboração de uma função ideológica particular que visa à constituição da ficção de um interesse geral. É o exercício não-coercitivo do domínio e da dominação de classe nomeadamente pela hegemonia ideológica. Porque a dominação de classe pode fazer adotar os seus valores e as suas convicções pela restante sociedade através de instâncias de socialização sem ter de recorrer à força ou à repressão. Ou seja, verifica-se que a dominação se da pelo consentimento e não pelo uso da coerção. Na visão de SIMIONATTO (1995, p. 43), a hegemonia funciona como: Direção intelectual e moral, afirma que essa direção deve exercer-se no campo das idéias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o consenso e de formar uma base social. Isso porque não há direção política sem consenso. A hegemonia pode criar, também, a subalternidade de outros grupos sociais que não se refere apenas à submissão à força, mas também às idéias. Não se pode perder de vista que a classe dominante repassa a sua ideologia e realiza o controle do consenso através de uma rede articulada de instituições culturais, que Gramsci denomina de “aparelhos privados de hegemonia”, incluindo: a Escola, a Igreja, os jornais e os meios de comunicação de maneira geral. Esses aparelhos têm por finalidade inculcar nas classes exploradas a subordinação passiva, através de um complexo de ideologias formadas historicamente. Quando isso ocorre, a subalternidade social também significa subalternidade política e cultural. Na realidade, o que estabelece uma hegemonia é um grupo de sistemas de relações e de mediações, ou seja, uma ampla capacidade de direção que se dá pelos intelectuais. Assim, percebe-se que não haveria organização do poder moderado somente com o uso da força. É um complexo de atividades culturais e ideológicas – das quais são protagonistas os intelectuais – que organiza o consenso e permite o desenvolvimento da direção 11 moderada. Por fim, entende-se que a hegemonia é não apenas uma direção política, mas também, uma direção cultural, moral e ideológica que ordena a sociedade e pode ser exercida através dos intelectuais presentes no contexto. 3. Papel dos intelectuais e da hegemonia na sociedade contemporânea Nos dias atuais, discute-se qual o papel que os intelectuais exercem no que se refere à hegemonia, possibilitando-se uma analise de que a sociedade contemporânea vive sob a égide da dominação pelo consentimento. SIMIONATTO (1995, p. 49), exprime que a luta pela hegemonia dentro das sociedades capitalistas avançadas não se conecta somente no nível das esferas econômicas e políticas, mas também, na esfera da cultura. Assim, a elevação da cultura das massas acaba por assumir grande importância que se torna decisiva neste processo, para que estas possam liberta-se da pressão ideológica das velhas classes dirigentes e elevar-se a condição superior. Neste aspecto nota-se que a hegemonia possui uma função educativa, dessa maneira o Estado não somente luta para conquistar o consenso, mas também educa esse consenso, ou seja, a hegemonia deve ser não somente a forma na qual se afirma à direção, o poder de uma classe, de um bloco social, mas deve ser também terreno e o instrumento para realizar a superação da subalternidade, para atingir uma nova, mais alta unificação entre governantes e governados, entre dirigentes e dirigidos. (SIMIONATTO, 1995, p. 49-50) Destaca-se que todas as camadas sociais possuem seus intelectuais, uns sendo revolucionários, outros profissionais, e outros inativos dentro do seio social. Esses intelectuais assumem suas posições na medida em que ocupa espaços sociais de decisão prática e teórica na formação de uma nova cultura, que pode ser entendidas também como uma contrahegemonia, já que caminha para lutas organizativas cujo objetivo final é a 12 mudança de sistema social vigente. Santos (1978, p. 101) emprega a visão de que o Estado desempenha uma dupla função nas relações sociais: de um lado, suporta, pela via coercitiva, a dominação que uma classe exerce sobre as classes subalternas; por outro lado, legitima esta dominação pela via hegemônica, isto é, pela consecução da direção ideológica da sociedade. Assim, a produção dos intelectuais é subordinada aos interesses das classes dominantes do período vigente. Os intelectuais, por sua posição social e os interesses e valores derivados dela, são agentes da conservação e não da transformação do contexto social. Na sociedade capitalista, alguns intelectuais acabam sendo os trabalhadores assalariados improdutivos, que no sentido marxista seriam trabalhadores que vendem a sua força de trabalho em troca de um salário, mas não produzem mais-valor. Dessa forma, os salários dos intelectuais acabam sendo maiores do que dos trabalhadores produtivos, que seriam os proletários e de outros setores da sociedade. Gramsci ressalta que por intelectual se entende como todo o homem, porém somente alguns homens tomarão a função de intelectual. Portanto, intelectual é todo aquele indivíduo que cumpre uma função organizadora na sociedade e é elaborado por uma classe em seu desenvolvimento histórico, desde um administrador de empresas ou até mesmo um dirigente sindical. Mas, não se devem esquecer os intelectuais tradicionais, que são os membros do clero e da academia, ou seja, instituições que precedem o modo capitalista de produção. Sintetizando, Gramsci possui uma visão profunda das funções e do trabalho intelectual, o mesmo analisa o fato de que, com o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, com o advento da sociedade de massas e de consumo, com o entrelaçamento crescente entre o Estado e a sociedade civil, predestina-se a crescer enormemente a importância e até a extensão das 13 atividades que podem ser ligadas a uma profissão intelectual. Ao se analisar a visão de poder hegemônico dentro das sociedades contemporâneas globalizadas acaba-se verificando que os indivíduos agem pelo consentindo com a dominação existente. O autor Pierre Lévy, coloca que os seres humanos são reprodutores de idéias, salientando que: Os humanos, seus corpos, seus espíritos e suas mídias podem ser vistos como órgãos reprodutores das idéias. As idéias de que falo aqui não são “puramente intelectuais”, mas virtuais, isto é, elas têm o poder de engendrar não somente conceitos, mas dispositivos materiais, formas sensíveis, tonalidades emocionais, universos subjetivos e problemáticas vitais.[...]. A humanidade é um artista. O artista cria simplesmente porque faz viver e cantar o mundo em si, e faz viver – e o canta a seu modo – porque ele o ama. O artista pensa no mundo. Ele pensa no que vê, pensa no que escuta, pensa no que sente. O artista humanidade se apaixona pelo mundo. Os seres que ele encontra, os meios que atravessa não são cenários, conjuntos de coisas mortas, limites e estruturas congeladas. O mundo é o ser metamórfico e vivo, infiltrado por virtualidades, capaz de aprender e crescer, com quem ele está numa relação de amor, com quem ele dança a cada segundo. É porque o mundo vive e cresce nele que a humanidade pode se recriar. É porque o mundo começa a se parecer com o mundo do artista: um mundo artista. (LÉVY, 2001, p.105,137) E, vai além, explicando que o homem acaba sendo predador do próprio homem: Os homens se ajudam mutuamente (e às vezes se matam mutuamente) para explorar a Terra como sua única fonte de riqueza. O homem se tornou predador universal. Seu principal objetivo é, a partir de agora, o próprio planeta: o petróleo, o carbono, o vento, o átomo, o sol, o clima, as paisagens, o solo, o ar, a água, o mar, os animais, as plantas, a biodiversidade... (LÉVY, 2001, p.49) À frente o autor coloca as questões atinentes à democracia em tempo real e, também, questões referentes ao poder, visualizando que se os mesmos não forem corretamente utilizados podem acabar por ser geradores de grandes problemas para o indivíduo e para a sociedade. Afirmando que: À suspeita de totalitarismo contrapõe-se uma crítica simétrica, que vê na dissolução do poder um grave risco de enfraquecimento para os grupos humanos que se entregarem à democracia em tempo real. Vivemos uma época de instabilidade e de competição internacional exacerbada, tanto no plano econômico como no militar. Em tais condições, a transparência para si do social, a liberdade de assumir iniciativas e a distribuição molecular da decisão e da avaliação podem 14 parecer fatores de fragilidade. Mas, na verdade, os ganhadores de hoje são aqueles mais bem-sucedidos em mobilizar e coordenar os saberes, as inteligências, as imaginações e as vontades. Quanto mais circular a informação, mais rapidamente as decisões são avaliadas, mais é desenvolvida a capacidade de iniciativa, inovação e reorganização acelerada, e mais competitivos são as empresas, os exércitos, as regiões, os países, as zonas geopolíticas. Ora, o poder, em geral, não possui afinidade alguma com os funcionamentos em tempo real, as reorganizações permanentes e as avaliações transparentes. Ele quer usualmente perenizar vantagens, preservar o adquirido, manter situações, tornar opacos os circuitos – atitudes bem perigosas em um período de desterritorialização rápida e em grande escala. Pelo fato de ser uma educação para a inteligência coletiva, capaz de mobilizar, valorizar, empregar ao máximo todas as qualidades humanas, a democracia em tempo real é o regime político mais apropriado para conferir a eficácia e a potência característica do século XXI. (LÉVY, 2001, p. 81-82) O autor manifesta sua opinião a respeito da questão poder, ilustrando que: A potência torna possível, o poder bloqueia. A potência libera, o poder submete. A potência acumula energia, o poder a dilapa. [...]. Para que se tornar potente, um grupo humano deve doravante desinvestir às hierarquias, no grupo e fora dele. Etimologicamente democracia designa “poder de um povo”. Ora esse regime político é menos ruim, não porque confere o poder a uma maioria considerada da massa, mas à medida que mobiliza um pensamento coletivo para o governo da cidade. Não é preferido pelo fato de estabelecer a dominação da maioria sobre uma minoria, mas por limitar o poder dos governantes e por instituir recursos contra o arbítrio. Será ela a Constituição predileta por conferir poder aos representantes. Não por isso, mas apenas quando substitui as regulamentações particulares, os privilégios e os monopólios por mecanismos gerais de regulação. Somos democratas porque o regime limita o poder ao mínimo necessário para fazer respeitar o direito. (LÉVY, 2001, p. 82) Ainda, conforme Quintaneiro, o capitalismo inicia a sua expansão pelos países que incorporam o Ocidente. Nesse sentido: O desenvolvimento do modo de produção capitalista tomou rumos imprevisíveis para um analista situado, como Marx, em meados do século XIX. Sua organização econômica e política ancorou-se cada vez mais firmemente em níveis internacionais e, no interior de cada sociedade, esses processos adquiriram feições muito singulares, referidas à diversidade de elementos que conformaram suas experiências históricas. (QUINTANEIRO, 1995, p. 79-80). Assim, faz-se necessário repensar os paradigmas sociais dominantes. Herdadas as tipologias políticas, econômicas e sociais é preciso 15 repensá-las, reavaliá-las e principalmente mudá-las. Tem-se que reavaliar o eixo do poder capitalista dominante, pois quando não se sabe administrá-lo, ele se torna destrutivo e dilapidador de verdades, de sociedades, de conceitos, de ideologias, de idéias, de pareceres, e, mesmo de paradigmas. Considerações Finais Por final, espera-se que o presente estudo, ao abordar uma visão sobre alguns conceitos implantados na sociologia por Gramsci e sua relação com a realidade da sociedade contemporânea. Verifica-se que se perpaz inúmeras inquietações sobre a atual configuração histórica do Estado capitalista contemporâneo, nos remetendo a um amplo dilema que emerge no século XXI. A sociedade contemporânea voltada para a globalização prega o fim do socialismo onde o Estado capitalista massifica e estagna a produção e acaba sendo subalternas). excludentes A atual para sociedade uma parcela acaba sendo da população desenhada (classes sobre os pressupostos da exclusão social, de tal forma que os excluídos são cada vez mais excluídos e os incluídos cada vez mais incluídos e, todos consentem na forma de dominação que algumas categorias exercem sobre outras. O que se encontra em crise é a forma de Estado onde está exercido um monopólio político e da comunicação, subestimando os protagonismos de alguns atores sociais, como os trabalhadores e a sociedade civil. Gramsci nos deixa profundas lições quando nos sinaliza que somos dominados e consentimos com isso e, que estamos abertos ao novo que surge na política e mesmo na história. Onde, o senso comum é explorado e utilizado pelas classes dominantes para cristalizar sua autonomia e seus projetos. A classe dominante – os intelectuais orgânicos - consegue pela hegemonia impor a sua ideologia porque, num primeiro momento detém o poder do Estado e de seus principais instrumentos que irão dar a garantia da 16 sua reprodução. E, num segundo momento, possui o poder econômico que representa o cerne da sociedade civil, pois quem o detém controla a produção, a distribuição, o consumo dos bens econômicos, além de controlar, organizar e distribuir as idéias. Assim, o senso comum das classes subalternas – os excluídos – incorpora-se a ideologias dominantes – os incluídos, ou os intelectuais orgânicos -. A superação da ordem atual, entretanto, se deve a construção de uma nova conjuntura social que consiga vencer certos desafios da contemporaneidade, mas necessita-se de vontade, ação e iniciativa política capazes de impulsionar à erradicação da pobreza, a marginalização, a vulnerabilidade social, além de buscar uma lógica do capital. Mas, importante frisar que, nessa dificuldade de buscar o novo devese passar por uma reflexão crítica sobre os processos evolucionistas sociais que marcaram nosso contexto histórico. Não se trata de abordar somente os conceitos que nos fizeram chegar a essa crise de paradigmas, mas é importante revê-los e modifica-los para que se possa deixar as gerações vindouras menos desigualdade social. Nesse contexto, espera-se ter conseguido demonstrar neste artigo, que as contribuições de Gramsci, no plano do método e dos conceitos básicos, para a atual sociedade contemporânea como possibilidade de melhora de conjuntura social. 17 Referências Bibliográficas CASTRO, Celso Antonio Pinheiro. Sociologia Geral. São Paulo: Atlas, 2000. COUTINHO, Carlos Nelson; NOGUEIRA, Marco Aurélio (org). Gramsci e a América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1993. DEMO, Pedro. Sociologia: uma introdução crítica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985. . 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