Uma análise sobre os fluxos de investimento externo direto e sua
distribuição setorial no Brasil a partir da década de 1990
Michele Roberta Ribeiro (Unioeste) [email protected]
Andréia Polizeli Sambatti [email protected]
Uma análise sobre os fluxos de investimento externo direto e sua
distribuição setorial no Brasil a partir da década de 1990
Michele Roberta Ribeiro
Andréia Polizeli Sambatti
Resumo: O investimento externo direto é realizado por empresas de capital estrangeiro
(multinacionais e transnacionais) e, nas últimas décadas, tem recebido grande atenção na
literatura econômica, em especial a partir da década de 1990, onde deixou de ser um
investimento voltado somente para países desenvolvidos, passando a ter grande influência e
participação nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Nesse sentido, percebese que o Brasil foi um grande receptor dessa forma de investimento a partir da década de
1990, favorecido pelo processo de abertura da economia, estabilização da moeda,
privatizações, fusões e aquisições. Com isso, este artigo tem por objetivo demonstrar a
evolução e os motivos do aumento do IED no Brasil, a partir da década de 1990, bem como, a
distribuição setorial desses fluxos no país. Constatou-se no Brasil, que os fluxos de
investimento externo direto se direcionaram principalmente para o setor de serviços, em
virtude do aumento do processo de privatizações fusões e aquisições que ocorreu,
principalmente, a partir de 1995, onde grande parte das empresas do setor terciário foram
privatizadas, ou ainda, tomadas pelo processo de fusões e aquisições.
Palavras-Chave: Investimento externo direto, Distribuição setorial.
1. Introdução
Uma das principais características do processo de globalização econômica, nas últimas
décadas, é o aumento dos fluxos mundiais de investimento externo direto (IED),
especialmente para os países da Tríade (Estados Unidos, Europa e Japão), decorrentes da
liquidez do mercado internacional, da desregulamentação das economias nacionais e das
estratégias de empresas transnacionais (ETs) e empresas multinacionais (EMNs).
(CHESNAIS, 1996, p. 133)
No entanto, torna-se relevante observar que os fluxos de IEDs, também têm se
direcionado para os países que apresentam um certo nível de industrialização, como o Brasil,
não podendo mais ser considerado um investimento caracterizado por atuar somente em
países desenvolvidos.
Os recentes desenvolvimentos teóricos tratam o IED como uma das principais formas do
processo de internacionalização da produção, que ocorre sempre que residentes de um país
têm acesso a produtos ou serviços de outros países.
Nesse sentido, a realização do IED ocorre quando existe a possibilidade de rendimentos
mais elevados (possivelmente resultantes de taxas de crescimento mais altas no exterior, do
tratamento alfandegário mais favorável ou da maior disponibilidade de infra-estrutura) e de
diversificação dos riscos. Desse modo, para CARBAUGH (2004, p. 334), os IEDs são
realizados na expectativa de lucros futuros, movendo-se das regiões de lucro esperado
reduzido para aquelas de lucro esperado alto, após levar em consideração o risco. Além disso,
destaca a existência de outros fatores que exercem influência sobre as condições de custo e
receita, tais como: condição de demanda do mercado, restrições ao comércio, regulamentação
do investimento, custos da mão-de-obra e custos de transportes.
Economias mais abertas atraem uma proporção maior de investimento privado, realizado
através do IED, que consiste em um determinante importante do crescimento econômico e da
criação de empregos. Essa forma de investimento é grandemente "cortejada” por países em
desenvolvimento, pois gera conseqüências como gerenciamento e tecnologia mais eficientes.
Segundo CARBAUGH (2004, p. 334), o IED faz empresas permanecerem competitivas e,
desse modo, manterem os empregos locais. Essa forma de investimento externo também
estimula as exportações de maquinarias e de outros bens de capital do país investidor.
Historicamente, o Brasil tem sido um importante receptor de IED dentre os países em
desenvolvimento. Diante disso, cabe-se observar que, a década de 1980 foi marcada pela crise
da dívida externa e elevadas taxas de inflação. Desse modo, os volumes de IEDs se reduziram,
significativamente, em relação à década de 1970 passando de US$ 2,3 bilhões no período
1971-81 para apenas US$ 357 milhões entre 1982 e 1991. AGUDELO e TEBALDI (2004, p.
10) explicam que essa redução foi decorrente de ajustes econômicos ineficazes e recessivos
que causaram a queda da taxa de lucro nos setores produtivos, desestimulando novos
investimentos e aumentando as remessas de lucros aos países de origem das ETs, que
mantiveram sua capacidade de acumulação de capital. Logo, as ETs e EMNs já instaladas no
Brasil, operaram em busca de redução do seu grau de endividamento e na preservação da
rentabilidade, o que de certa forma acabou dificultando o seu processo de modernização.
GONÇALVES (1999, p. 246) relata que naquele período as subsidiárias de ETs
instaladas no Brasil conseguiram, no contexto de crise econômica, basicamente gerar lucros
para pagar a “taxa” crescente de inserção internacional da economia brasileira cobrada pelas
matrizes. No entanto, afirma que as ETs passaram a adotar uma estratégia de recuo gradual
com relação ao mercado brasileiro, o que implicou, conforme visto, na redução do IED no
Brasil na década de 1980.
Não obstante, no início da década de 1990, observou-se uma mudança nesse quadro. De
um modo geral, NONNEMBERG (2003, p. 26) relata que, nesse período, os fluxos de IED
apresentaram um crescimento jamais visto em outras épocas, para a maioria dos países,
principalmente os desenvolvidos. Esse aumento dos IEDs, na década de 1990, foi reflexo da
globalização financeira e da atual fase de fusões e aquisições (F&A), incluindo o processo de
privatizações.
Segundo LACERDA (2004, p. 46), os países em desenvolvimento também tiveram
grandes participações nos fluxos de IEDs a partir da década de 1990, e a economia brasileira
voltou a receber fluxos de IED, embora, inicialmente, de maneira bastante tímida, devido à
abertura econômica e ao início do processo de privatizações. E no ranking do estoque de
investimento estrangeiro absorvido pelos países em desenvolvimento, acumulado até 1999, o
Brasil aparecia em segundo lugar, com um montante de US$ 164 bilhões, logo após a China.
Diante dessa contextualização, este artigo tem por objetivo demonstrar a evolução e os
motivos do aumento do IED no Brasil, a partir da década de 1990, bem como a distribuição
setorial desses fluxos no país.
2. Investimento externo direto no Brasil: 1990-2003
Conforme observado, as tentativas de modernização e reestruturação das ETs e EMNs
não foram possíveis na década de 1980. Nesse sentido, no início da década de 1990, o fluxo
de IED para o Brasil esteve fortemente associado a um processo de racionalização e
modernização da estrutura produtiva, que foi de certa forma penalizada na década anterior.
LAPLANE e SARTI (1997, p. 148) destacam que, a priori, existia uma necessidade de
reduzir os custos e aumentar a competitividade, para fazer frente às importações efetivas ou
potenciais e, em menor medida, para buscar novos mercados que pudessem suprir,
parcialmente, a perda do mercado doméstico restringido. Isso posto, ocasionou um estímulo à
adoção de estratégias de especialização e de complementaridade produtiva comercial.
Desse modo, dentre as estratégias adotadas, esses autores destacam que, as empresas já
instaladas abandonaram as linhas de produtos com escalas de produção inadequadas e/ou com
estruturas de custos não competitivas, aprofundaram o processo de terceirização das
atividades produtivas e, ainda, elevaram o conteúdo importado (dos produtos), a partir da
substituição de fornecedores locais por externos. Não obstante, diante do quadro de relativa
estagnação da produção e da demanda doméstica, os impactos das estratégias adotadas, em
sua maioria, não puderam ser imediatamente detectados, até porque os resultados de
investimentos em modernização e racionalização não são imediatos, bem como, os do
processo de inovação organizacional.
Além dessas estratégias adotadas pelas empresas, o governo também contribuiu,
modificando a legislação relativa à remessa de capitais (lucros, royalties) para o exterior,
possibilitando uma maior integração das filiais estabelecidas no Brasil com a estratégia da
matriz e os impedimentos setoriais existentes à atuação do capital estrangeiro foram
gradualmente eliminados, primeiramente com o fim da Lei da Informática em 1994 e,
posteriormente, em diversos outros setores, principalmente aqueles pertencentes ao setor
serviços (bancos e seguradoras, telecomunicações, energia, transportes, etc.).
Além disso, no início da década de 1990, iniciou-se, de maneira incipiente, o processo
de privatização, mas que, de certa forma, contribuiu para a retomada do fluxo de IED na
economia brasileira, passando a ter maior influência no período pós-1994. Tanto as
modificações estruturais, quanto o processo de privatização, tiveram como objetivo ampliar as
oportunidades de atuação para as empresas multinacionais, que também tiveram incentivos
pela maior facilidade de acesso ao crédito, devido à desregulamentação do setor financeiro.
De modo geral, a possibilidade de acesso privilegiado ao mercado de capital
internacional, bem como aos recursos da matriz, proporcionaram ganhos que alteraram as
condições de concorrência do mercado interno em favor das empresas estrangeiras
(SCHERER, 2004, p. 11).
Além disso, a implantação do Plano Real, em 1994, ao estabilizar o valor da moeda e ao
manter a taxa de câmbio valorizada, modificou o horizonte de cálculo dos investidores
internacionais potenciais, as possibilidades de ganhos elevados, a curto prazo, se tornaram
visíveis, o que foi essencial para aguçar o interesse dos investidores estrangeiros pelo país
"...O que era anteriormente apenas uma potencialidade derivada do tamanho do mercado
brasileiro, ganha então uma perspectiva financeira palpável: possibilidade de ganhos e
remessas de valores em uma moeda valorizada e integração do país no mercado financeiro
internacional.” (SCHERER, 2004, p. 11).
No entanto, segundo dados do BANCO CENTRAL DO BRASIL (2004) pôde-se
observar que nos primeiros anos da década de 1990, a entrada de IED líquido, permaneceu em
níveis baixos, apresentando, oscilações: em 1992 o país recebeu US$ 2.061,0 bilhões de IED e
em 1993 houve uma queda para US$ 1.290,90. Em 1994 ocorreu uma pequena recuperação,
atingindo US$ 2.149,9 bilhões de IED no país, devido às expectativas favoráveis e à
confiabilidade no Plano Real.
No período 1995-2000, o fluxo de investimento externo direto no Brasil mais que
dobrou, conforme dados do gráfico 1. Segundo LACERDA (2004, p. 82), isso se deve,
especialmente, à implantação do Plano Real, onde a queda da inflação, que era a última
resistência dos investidores ao mercado brasileiro, veio consolidar o cenário receptivo às
novas inversões (abertura comercial, redução das restrições de atuação setorial e renegociação
da dívida externa).
Além disso, AGUDELO e TEBALDI (2004, p. 11) acrescentam que a recuperação do
nível de demanda de bens de consumo e intermediários (devido à estabilização da economia)
e o aumento das privatizações e das fusões e aquisições a partir de 1998 também contribuíram
para que houvesse esse aumento significativo de IED no Brasil.
De acordo com LACERDA (2004, p. 86), as privatizações realizadas nos âmbitos
federal e estadual geraram um montante acumulado de receita de US$ 87,2 bilhões, no
período 1991 a 2002. Desse total acumulado, a participação do capital estrangeiro atingiu
48,3%.
Gráfico 1 - Fluxo de IED bruto no Brasil: 1995-2000 (US$ bilhões)
40
28,9
30
0
33,1
22,5
19
20
10
28,6
5,5
1995
16,6
10,8
1996
10,1
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
IED no Brasil (US$ Bilhões)
Fonte: Elaboração própria com dados do BANCO CENTRAL DO BRASIL citado por LACERDA
(2004, p. 83).
Ainda segundo esse autor, os ingressos de IED associados às privatizações
representaram, em média anual, cerca de 24,76% do total arrecadado, no período de 1996 a
2000. Esse período foi o mais significativo em se tratando de ingresso de IED relacionado a
privatizações, pois a partir de 2001 houve uma significativa queda, chegando a 1,5% em 2002.
Em se tratando das F&As, de acordo com o IEDI (2003, p. 15), o Brasil mostrou uma
participação acima da média dos países em desenvolvimento, aproximando-se dos países
desenvolvidos. Não só no Brasil, mas, principalmente, no âmbito mundial, a predominância
desse processo também se tornou uma importante característica dessa nova forma de
investimento.
CARNEIRO (2002, p. 336) destaca que, do ponto de vista produtivo, as F&As
respondem à necessidade que as empresas têm em se concentrarem num número menor de
atividades, nas quais são mais competitivas e apresentam maior capacidade de inovação.
Outra razão para as F&As é a possibilidade de ganhar, rapidamente, fatias de mercado pela
absorção de concorrentes ou mesmo ter acesso a novos mercados pela aquisição de marcas
com tradição local.
Segundo GONÇALVES (1999 b, p. 142), houve um processo bastante generalizado de
desnacionalização, que atingiu diversos setores da economia brasileira, onde numerosas
empresas privadas de capital nacional, de grande porte, foram adquiridas por empresas de
capital estrangeiro. Alguns exemplos são: Metal Leve, Lacta, Refrigeração Paraná,
Supermercado Bompreço, Cofap, Agroceres, Grupo Renner e os bancos Nacional-Excel,
Garantia, Bamerindus e Real.
Contudo, pode-se constatar que até 1998, o Brasil manteve o regime de bandas cambiais
com o intuito de manter a inflação sobre controle, o que favoreceu o aumento dos fluxos de
IED na economia brasileira de modo geral e, em especial, nas privatizações e nas F&As. Mas,
a partir de 1999, a taxa de câmbio passou a ser flutuante, sendo essa uma das razões que
contribuiu para que houvesse uma queda na entrada de IED direcionado às privatizações
(considerando que as empresas privatizadas pertenciam ao setor de serviços) uma vez que, de
acordo com LACERDA (2004, p. 100), após o novo regime cambial, principalmente, a partir
de 2001, os investidores voltaram a direcionar o capital estrangeiro em setores cuja propensão
a exportar era mais significativa.
Verifica-se, então, que essa combinação de fatores e a extraordinária expansão do fluxo
internacional de capitais fizeram com que o montante destinado ao Brasil crescesse, de pouco
mais de US$ 1 bilhão ao ano no início da década de 1990, para US$ 30 bilhões ao ano (média
- 1998-2000), conforme dados apresentados no gráfico 1.
Até 1999, pôde-se evidenciar que a entrada de IED no Brasil foi estimulada pela
estabilização da economia e pelo processo de privatizações e F&A. Já, a partir de 2001,
conforme dados do gráfico 1, percebe-se a considerável queda nos fluxos de IED para o
Brasil. Nesse mesmo ano, os fluxos de IEDs apresentaram uma considerável queda tanto no
processo de privatizações, fusões e aquisições, como no âmbito geral, isso deve ao
esgotamento do processo de privatização, e ao novo direcionamento dos fluxos de IED para
outros países. Percebe que a partir de 2001 os fluxos de IEDs caíram 32,02% em relação a
2000, 26,2% em relação a 2001 e 39,15% em relação a 2002.
A participação do Brasil no IDE mundial recuou de 2,5% em 2002 para 1,6% em 2003,
o menor valor desde 1995. Todavia, esse resultado não se concentrou apenas no Brasil. Os
fluxos para a América Latina recuaram de US$ 56 bilhões em 2002 para US$ 42 bilhões em
2003, em virtude da retração dos ingressos na Argentina, México e Brasil. Parte dessa queda
esteve associada à realocação dos investimentos na China e no Leste Europeu. (SOBEET,
2004)
A trajetória de declínio dos IEDs na economia brasileira a partir de 2001 se faz de suma
importância, quando se analisa a participação da economia brasileira na disputa de atração de
IEDs em relação aos países em desenvolvimento. Percebe-se que a partir de 2001 os fluxos de
IEDs para o Brasil diminuíram, uma vez que passaram a se direcionar com maior intensidade
para os países asiáticos.
3 Distribuição setorial do investimento externo direto no Brasil a partir da década de
1990
Uma vez esclarecidos os fatores que impulsionaram o ingresso de IED na economia
brasileira a partir da década de 1990, pode-se dizer que esses mesmos fatores condicionaram o
destino desses investimentos. Desse modo, os fluxos de IEDs apresentaram características
bastante diferenciadas daquelas das décadas anteriores, onde os investimentos se
concentravam no setor industrial (setor secundário), principalmente nos segmentos mais
sofisticados tecnologicamente, e se apresentavam como complementares àqueles do capital
nacional.
Tradicionalmente, em períodos passados a maior parte dos investimentos estrangeiros
dirigia-se para a indústria que, por sua vez, no decorrer da década de 1990, perdeu a liderança
no recebimento dos fluxos de IED.
As mudanças setoriais ocorridas nesse período foram, em grande medida, uma resposta
aos movimentos internacionais de privatizações dos serviços públicos, da globalização dos
mercados e da difusão das novas tecnologias de informação e de conteúdo. As empresas
brasileiras buscaram, então, adaptar-se ao novo cenário de competição acirrada a que se
deparou, a partir da década de 1990, com uma projeção internacional cada vez maior do país
no que diz respeito a sua capacidade de atrair IED.
Desse modo, no que se refere aos setores de destino dos IEDs, segundo LACERDA
(2004, p. 91), o setor primário sempre foi o setor com a menor participação de fluxos de IED.
Em 1995 as atividades agrícolas (setor primário) tiveram 2,2% de participação nos fluxos de
IED na economia brasileira. Em se tratando do setor secundário, também em 1995, atingiu
US$27.907 bilhões, o que correspondeu a 66,9% do total de IED acumulado. Nesse setor, a
maior parte de capital estrangeiro estava na química, indústria automotiva, metalurgia básica,
alimentos, bebidas, máquinas e equipamentos. Enquanto isso, o setor de serviços (setor
terciário), em 1995, tinha um estoque de IED inferior ao setor industrial, com 30,9%.
No período 1996-2000 as atividades agrícolas atingiram um estoque de US$ 2.401,1 de
IED, o que representou apenas 2,3% do total do IED. Nesse mesmo período – quando os
fluxos totais de IED tiveram um crescimento acelerado – o setor da indústria, apesar de ter
apresentado em volume um estoque de IED, em fins de 2000, de US$ 34.725,6, superior ao
verificado em dezembro de 1995 (US$ 27.907), teve a sua parcela no total reduzida a pouco
mais da metade, entre os dois períodos, passando de 66,9% em 1995, para 33,7% em 2000..
(LACERDA, 2004, p. 91)
LACERDA (2004, p. 100) destaca que o regime cambial flutuante adotado em 1999, de
certa forma, também interferiu no direcionamento do IED na economia brasileira, no período
em questão. Estes, que primordialmente dirigiam-se aos setores não comercializáveis
(serviços) durante a fase de valorização da taxa de câmbio (1994-1998), passaram a
direcionar-se mais intensamente para a indústria.
Já o setor de serviços, segundo AGUDELO e TEBALDI (2004, p. 13), de 1996 a 1997,
atraiu cerca de 80% do IED que ingressou no país, ultrapassando pela primeira vez o setor
industrial. De acordo com LACERDA (2004, p. 91), em 2000, esse setor atingiu um estoque
de US$ 65,9 milhões, ou seja 64% do total de IED no período. Ao mesmo tempo em que
decaiu a participação da indústria nos fluxos de IED, o setor de serviços mais que dobrou a
sua participação e, ainda, foi o maior receptor de IED. Nesse setor, destacaram-se a prestação
de serviços às empresas, serviços financeiros e comércio atacadista.
Todavia, como já evidenciado anteriormente, o período 1996-2000 foi acompanhado
pelo processo de privatizações das empresas estatais brasileiras e pelo processo de F&A, o
que acabou por condicionar esse resultado, principalmente nos setores de telecomunicações,
geração e distribuição de energia elétrica, intermediação financeira e serviços prestados às
empresas do comércio atacadista.
Essa predominância dos investimentos estrangeiros no setor de serviços, voltados para o
mercado interno, revela uma reestruturação significativa da produção brasileira. O IED
destinado ao Brasil concentrou-se basicamente em setores não comercializáveis, fazendo com
que, do ponto de vista do impacto no Balanço de Pagamentos, essas atividades demandem
remessas de lucros e dividendos, sem geração de receita adicional exportadora (LACERDA,
2004, p. 91).
No ano de 2001, o setor primário atingiu 7,1% de fluxos, enquanto a indústria captou
33% do IED ingresso, o que correspondeu a US$ 7 bilhões. Já em 2002, o setor secundário
absorveu US$ 7,6 bilhões, elevando sua participação no total para, aproximadamente, 41%.
Segundo SOBEET (2003), a indústria alimentícia e de bebidas, automobilística e química –
ramos com significativa presença na pauta de comércio brasileira (exportações e importações)
– elevaram sua participação no total dos fluxos de IED em 2002 em relação a 2001.
O setor terciário de 2001 a 2002, reduziu sua captação de IED de US$ 12,6 bilhões,
aproximadamente 60%, para US$ 10,5 bilhões (56%). Verifica-se que, as telecomunicações e
a geração e distribuição de eletricidade e gás foram os dois principais sub setores receptores
de IED. Enquanto a intermediação financeira perdeu espaço para o comércio. (LACERDA,
2004, p. 91)
No ano de 2003, o setor primário elevou sua participação nos ingressos totais de 3,4%,
em 2002, para 11,5% em 2003. De acordo com SOBEET (2004), isso se deve a maiores
recursos direcionados à extração de minerais metálicos. Já o setor secundário, segundo
SOBEET (2004), reduziu sua participação de 40,6% para 34,7% no período 2002-2003,
embora os três subsetores que mais receberam IED, em 2003, foram os mesmos de 2002, que
concentraram 17,7% do total do IED ingresso no país em 2003.
Todavia, pode-se dizer que os fluxos anuais dos investimentos diretos estrangeiros
destinados à indústria, no período de 1999-2003, após a mudança do regime cambial em 1999,
foram significativamente superiores aos fluxos do período de 1996-1998, em que prevaleceu a
política de câmbio artificialmente valorizado.
O setor terciário mostrou discreta mudança em 2003. Sua participação relativa caiu de
56% em 2002 para 53,8% em 2003, de acordo com SOBEET (2004), apesar de ter perdido
espaço para o setor primário. Nesse ano, as três principais atividades receptoras foram
telecomunicações, comércio e serviços prestados a empresas. Os investimentos em energia
elétrica que, em 2002, estavam entre os três principais, perderam participação atraindo apenas
5% do total do IED ante 8,2% em 2003. Sendo assim, diante do exposto é possível a partir do
gráfico 2, observar melhor a distribuição setorial dos IEDs que se deu a partir de 1995, na
economia brasileira.
Gráfico 2 - fluxos setoriais de investimento externo direto (%)
80
60
40
20
0
1995
2000
Agricultura
2001
Indústria
2002
2003
Serviços
Fonte: Elaboração própria
Nota: Dados do Banco Central. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?INVED> Acesso em: 20
jun. 2004.
Em síntese, de modo geral, o gráfico acima mostra que o IED acumulado até 1995
esteve concentrado no setor industrial. No entanto, no período seguinte, 1996-2000, esse setor
perdeu a posição para o setor terciário, onde os investidores encontraram incentivos com as
privatizações e as F&A. Por outro lado, a partir de 2000, pode-se constatar que, os fluxos de
IED no setor terciário passaram a decrescer, timidamente, após a mudança do regime cambial
em 1999, que, de certa forma, voltou a favorecer a entrada de fluxos de IED para o setor
secundário – visando a maiores rentabilidades com as exportações. O setor primário também
apresentou um modesto aumento no recebimento dos fluxos de IED, principalmente em 2003,
quando sua participação no recebimento dos fluxos passou de 10%.
4 Considerações finais
A partir do exposto sobre os fluxos de IEDs para o Brasil, e a sua dinâmica setorial, foi
possível evidenciar que o Brasil, que estivera praticamente ausente do mapa de investimentos
externos ao longo da “década perdida” (1980), reingressou na rota dos IEDs na década de
1990 e, ao longo do período 1994-2001, manteve-se entre os principais países em
desenvolvimento absorvedores de IEDs, sendo superado somente pela China. Não obstante,
verificou-se que os ingressos de IED, de um modo geral, tiveram aumentos significativos
desde a metade da década de 1990, chegando até US$ 33,1 bilhões em 2000, e uma queda
considerável a partir de 2001, onde atingiu US$ 10,1 em 2003.
O aumento dos fluxos de IED foram decorrentes da abertura comercial, da estabilização
da economia pós-Plano Real e, principalmente, a partir de 1998, do aumento dos processos de
privatizações e F&A. Sendo que este último contribuiu para que houvesse um novo
direcionamento setorial dos IEDs, ou seja, estimulados pelas privatizações, os IEDs, que se
concentraram durante anos no setor industrial, passaram a concentrar-se no setor de serviços,
onde se encontrava a maioria das empresas estatais privatizadas.
Contudo, constatou-se que os fluxos de IED diminuíram após 2001, basicamente em
função da realocação dos investimentos para China e para o Leste Europeu. No entanto, pôdese observar, nesse mesmo período, que os fluxos de IED voltaram timidamente a aumentar no
setor industrial. Acredita-se que isso ocorreu em função da alteração do regime cambial que
passou a ser flutuante em 1999, o que favoreceu os investimentos nos setores que geram um
maior valor agregado para exportação.
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_____. O investimento direto estrangeiro em 2003. Boletim da Sobeet, nº 22, ano 2004.
Disponível em <http://www.sobeet.com.br>. Acesso em: 26 ago. 2004.
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Uma análise sobre os fluxos de investimento externo