ENTIDADES FISCALIZADORAS SUPERIORES DOS PAÍSES INTEGRANTES DO MERCOSUL E PERSPECTIVAS DE CONTROLE EXTERNO A PARTIR DO EFSUL Caroline de Fátima da Silva Torres Sumário: Introdução. Das Entidades Fiscalizadoras Superiores; O Tribunal de Contas da União, no Brasil; A Auditoria Geral de Contas, na Argentina; A Controladoria Geral da República do Paraguai; O Tribunal de Contas da República Oriental do Uruguai; O MERCOSUL e as perspectivas de controle externo a partir do EFSUL. ❧ INTRODUÇÃO A existência de mecanismos de controle dos atos da Administração Pública, de modo geral, é inerente a instituição e ao regular funcionamento do Estado Democrático de Direito, tendo em vista a importância da limitação de poderes do Executivo na concretização de uma democracia livre e participativa. Uma atuação desmedida daqueles agentes incumbidos da governança, no exercício da discricionariedade administrativa, poderia importar em eventos gravosos a democracia como um todo, com extensos efeitos sobre o erário público. O controle externo da Administração Pública1 tende a ser 1 Tradicionalmente, os mecanismos de controle da Administração Pública Ano 1 (2012), nº 11, 7035-7060 / http://www.idb-fdul.com/ 7036 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 mais independente e eficaz na fiscalização e correção das irregularidades, em relação aos órgãos e entidades fiscalizadas, por se dissociar da estrutura orgânica interna do Executivo. De modo que, o controle externo da regularidade das condutas administrativas pode ser desenvolvido tanto por órgão vinculado ao Poder Legislativo, quanto pelo próprio Poder Judiciário. Esse é o fundamento essencial para o desenvolvimento do mecanismo de controle externo das Administrações Públicas em vários países, cuja autoridade incumbida de tal função corresponde as Entidades Fiscalizadoras Superiores. Esses órgãos atuam com relativa independência no controle da regularidade das contas públicas, tendo sob sua responsabilidade a avaliação do funcionamento administrativo das diversas unidades componentes do aparelho estatal, de forma a auxiliar os demais Poderes e a própria população, em última análise, no controle da legalidade e no combate ao desperdício. As Entidades Fiscalizadoras Superiores assumem a forma de órgão auxiliar do Poder Legislativo, preponderantemente, ou do Judiciário, através de Tribunais de Contas ou de Auditorias Gerais/Controladorias. No presente trabalho, pretendemos desenvolver uma análise de Direito Comparado acerca do perfil normativo das Entidades Fiscalizadoras Superiores, no âmbito dos países-membro do Mercosul2, e as perspectivas de controle através da instituição da Organização das Entidades Fiscalizadoras Superiores dos Países do classificam-se em interno e externo, subjetivamente, a partir daqueles que o desempenham, como sendo internos, quando desempenhados pela própria Administração na realização de suas atribuições precípuas; ou externos, quando efetuado por órgãos fora do âmbito do Poder Executivo. Cf. classificação adotada por Celso Antonio Bandeira de Mello em: MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros: São Paulo, 2006, p. 881. 2 Apesar da recente negociação para a entrada da Venezuela como país-membro do Mercosul, consideramos apenas os países cuja adesão ao bloco fora formalizada através de tratado internacional, são eles a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7037 Mercosul e Associados – EFSUR. Vale destacar, ainda, que durante o desenvolvimento dessa pesquisa de Direito Comparado, tivemos a oportunidade de conhecer diversas organizações internacionais incumbidas do propósito do aperfeiçoamento democrático das instituições de Estado, dentre as quais se destaca a Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores – INTOSAI3. Chamamos a atenção do leitor para esta entidade, em especial, tendo em vista a sintetização do conteúdo presente em seu lema “Experientia mutua omnibus prodest”4, que traduz muito bem os anseios dos comparatistas em seus estudos, cujo principal objetivo não corresponde a busca do modelo jurídico ideal sobre determinada temática, mas ao encontro de novas perspectivas e soluções para problemas comuns às diversas realidades sociológicas entre os países. DAS ENTIDADES FISCALIZADORAS SUPERIORES Tradicionalmente, o controle externo da Administração Pública é exercido por órgão integrante do Poder Legislativo, como ocorre no Brasil, mas há casos em que poderá vincular-se ao judiciário5. A esse respeito: A existência de Poderes se controlando mutuamente é decorrência direta da própria estrutura do regime democrático, no caso brasileiro, o controle externo dos atos da administração pode ser efetuado pelo Poder Legislativo com auxílio do 3 A Intosai é uma organização internacional autônoma, independente e apolítica, fundada em 1953, com o objetivo de promover o intercambio de idéias e experiências entre seus membros, as Entidades Fiscalizadoras Superiores de países de todo o mundo no campo da auditoria governamental. Cf. Intosai: 50 años (19532003). Puplicación monográfica de la Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores.Viena: Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores, 2004, 164 p. 4 Tradução nossa: “A experiência mutua beneficia a todos”. 5 É o caso de Grécia e Portugal. 7038 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 Tribunal de Contas ou pelo Poder Judiciário, motivado pelo Ministério público ou por Ações Populares6. A atribuição do exercício do controle externo da Administração Pública a um só órgão máximo dentro do aparato estatal, como elemento de coordenação burocrática da fiscalização da regularidade fiscal do Estado, assegurando a transparência da gestão pública (accontability7), passou a ser uma preocupação constante para as modernas democracias8. Nesse sentido, na grande maioria dos casos, as Constituições locais passaram a concentrar essa responsabilidade nas mãos de autoridades máximas de fiscalização, as quais têm como pedra de toque o poder coercitivo de verificação e concretização de adequada auditoria acerca da regularidade do emprego dos orçamentos públicos e, em última análise, do cumprimento da legalidade e do papel constitucional atribuído a Administração Pública. As Entidades Fiscalizadoras Superiores, como autoridades fiscalizadoras máximas em cada uma das estruturas 6 Brawm, Renato Jorge. O problema central do controle da Administração Pública pode ser resumido ao debate sobre modelos? Disponível em: http://www.audicaixa.org.br/arquivos_auditoria/O%20Controle%20na%20Administ racao%20Publica.pdf Acesso em: 15 nov. 2011. p, 5. 7 Não existe uma palavra na língua portuguesa que traduza o real sentido da tradução desse vocábulo inglês que, de modo geral, serve para designar a obrigação de responder por uma responsabilidade outorgada envolvendo a res pública. 8 Segundo Attila Chikán, o papel mais importante do Estado moderno consistiria na elaboração de regras de funcionamento para todos os mecanismos de coordenação social e aplicá-las de modo a proporcionar a manutenção da paz social. Assim, o mecanismo de mercado tende a ser considerado um dos mecanismos de mercado nos países desenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, de modo que a estabilidade das relações econômicas dependem diretamente de uma regulamentação estável, cujos parâmetros institucionais de seu cumprimento sejam confiáveis. Cf.: CHIKÁN, Attila. Una interpretación de la Declaración de Lima. In: Intosai: 50 años (1953-2003). Puplicación monográfica de la Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores.Viena: Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores, 2004, p. 111-112. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7039 administrativas dos países, devem atuar com relativa independência no controle da regularidade das contas públicas, tendo sob sua responsabilidade a avaliação do funcionamento administrativo das diversas unidades componentes do aparelho estatal, de forma a auxiliar os demais Poderes e a própria população, no controle da legalidade e da observação da economicidade dos atos administrativos. O poder fiscalizatório dessas entidades tende a alcançar a Administração Pública como um todo e não apenas os atos emanados do Poder Executivo, uma vez que os demais Poderes, no exercício de suas competências constitucionais, prescindem da expedição de atos administrativos, ou seja, de gestão administrativa da parcela de poder estatal que lhe incumbe. Desse modo, as Entidades Fiscalizadoras Superiores tem o poder de auditar a regularidade das contas públicas de cada um dos Poderes. Motivo pelo qual, apesar de estarem inseridas na estrutura estatal e ligada a algum dos Poderes, necessita de certo grau de autonomia para o desempenho satisfatório de tal tarefa. Segundo Franz Fiedler, Dada la magnitud de poder estatal que se concentra en el poder ejecutivo Del Gobierno, existe el peligo de que este poder se utilice contra las autoridades responsables de la fiscalización gubernamental. Esto implica un riesgo constante de que el poder ejecutivo influya sobre las actividades de los organismos dedicados a la auditoria del Gobierno e interfiera en su independencia. Se dicha influencia se ejerciese de hecho sobre la auditoria gubernamental, la EFS no tardaría en encontrarse en un estado de dependencia con respecto Gobierno que esta fiscalizando. Por consiguiente, el control objetivo y eficaz de la gestión financiera del Estado se vería obstaculizado, y la auditoria 7040 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 gubernamental se degradaría hasta el punto de convertirse en un acto de auto-control o una “coartada” del Gobierno en relación con sus actividades. La EFS se transformaría en una marioneta del gobierno9. Os modelos clássicos de controle correspondem aos Tribunais de Contas e aos de Controladorias ou AuditoriasGerais, cada qual visando atender as peculiaridades verificadas em realidades distintas, cuja evolução já demonstra a adoção de sistemas híbridos. No Brasil, no âmbito federal, a Entidade Fiscalizadora Superior e autoridade competente para o exercício do controle externo é o Tribunal de Contas da União, conforme o disposto no art. 70 da Constituição. O controle interno é desempenhado no âmbito de toda Administração Pública (art. 74 da Constituição), cujo resultado de seu trabalho serve de suporte para o controle externo pelo Tribunal de Contas, quando não, corresponde ao ponto de partida para apuração de possíveis irregularidades. O modelo dos Tribunais de Contas tem origem latina, foi adotado na França em toda Europa Continental, sendo disseminado para os países cuja influencia européia fora predominante. Esse modelo tende as Entidades Fiscalizadoras Superiores tendem a apresentar uma maior autonomia, pois não encontram vinculação hierarquizada, ou seja, vinculo direto de subordinação a nenhum dos Poderes constitucionais. Dessa forma, tende a atuar de forma mais imparcial em relação a fiscalização do funcionamento e regularidade das contas públicas no âmbito da Administração, no que toca a todos os poderes constituídos. Estruturalmente, os ministros e conselheiros dos 9 FIEDLER, Franz. La independencia de las Entidades Fiscalizadoras Superiores. In: Intosai: 50 años (1953-2003). Puplicación monográfica de la Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores.Viena: Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores, 2004, p. 118. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7041 Tribunais de Contas possuem vitaliciedade, assim, evitando a sucumbência de suas decisões às pressões externas, de ordem política ou econômica, de que possivelmente possam ser alvo. Esse atributo deve-se, ainda, ao fato desses agentes estarem incumbidos do exercício do poder de jurisdição administrativa, no julgamento acerca da regularidade das contas públicas, mediante processos de fiscalização burocráticos e, eminentemente, legalistas. Além do poder coercitivo de impor sanções de ordem administrativa aqueles agentes públicos que descumprirem com os deveres legais de regularidade fiscal, no fiel cumprimento dos orçamentos públicos. No modelo das Controladorias ou Auditorias Gerais, de outro modo, as Entidades Fiscalizadoras Superiores possuem uma vinculação mais estreita com algum dos Poderes constitucionais, que venha a atribuir-lhe a força coercitiva necessária a fiscalização de possíveis irregularidades ficais no âmbito da Administração Pública. Entretanto, o controle exercido pelas Controladorias, geralmente, é destituído de poderes jurisdicionais e coercitivos, sendo de caráter opinativo e consultivo, somente. A origem de tal modelo é anglo-saxã e foi amplamente difundida entre os países de influencia inglesa e americana. Por razões pragmáticas, muitos países modificaram suas estruturas gerais de controle de modo a adequar-se ao modelo das controladorias/auditorias, durante os processos de reforma e modernização do Estado, no fim do século XX10. Nesse modelo, os dirigentes da entidade seguem um regime de mandato, uma vez que há predominância das decisões monocráticas, com a predominância da utilização de 10 Desde a consolidação do movimento de globalização e da necessidade da injeção de recursos internacionais nas economias de países em desenvolvimento, tais como os latino-americanos, houve a celebração de tratados e acordos internacionais, a exemplo do Consenso de Washington, para elaboração de medidas de ajuste fiscal das contas públicas, visando a estabilidade institucional e econômica, como garantia de honra aos compromissos firmados com o Fundo Monetário Internacional – FMI. 7042 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 técnicas e procedimentos de auditoria, semelhante ao modelo das empresas privadas de auditoria. Em síntese, os pontos de convergência entre os modelos de Entidades Fiscalizadoras Superiores apresentados, correspondem a integração de sua estrutura na ordem jurídica estatal, usualmente prevista constitucionalmente; a necessidade de autonomia para o desempenho da função fiscalizatória; e a necessidade de uma relativa superioridade moral e técnica sobre os entes fiscalizados, afim de incremento no grau de atendimento as recomendações expedidas. Contudo, preservados esses pontos convergentes essenciais, a forma de atuação das Entidades Fiscalizadoras Superiores nos diferentes países, se modifica de acordo com a evolução social de seu corpo político e institucional, além da estruturação econômica, de modo a adequar as realidades sociais vivenciadas e os modelos de Estado em que vivem. Uma das razões pelas quais observamos, cada vez mais, uma estruturação híbrida entre os sistemas fiscalizatórios adotados11. “Enfim, o papel das Entidades Fiscalizadores Superiores no Mundo é desenvolvido segundo a cultura e o ordenamento jurídico de cada país, mas, de maneira geral, ele representa uma confluência dos diversos tipos de papéis que são destinados à função de Controle”12. O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, NO BRASIL 11 Como razões, podemos apontar ainda a globalização econômica e a integração internacional entre os países, impulsionados pelo crescente interesse na formação de blocos econômicos de desenvolvimento regional, além da necessidade imposta pela contenção dos efeitos da forte crise econômica que, atualmente, assola países de todo o globo, notadamente os Estados Unidos e os países Europeus. 12 Brawm, Renato Jorge. O problema central do controle da Administração Pública pode ser resumido ao debate sobre modelos? Disponível em: http://www.audicaixa.org.br/arquivos_auditoria/O%20Controle%20na%20Administ racao%20Publica.pdf Acesso em: 15 nov. 2011. p, 5. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7043 No Brasil, segundo as disposições constitucionais, cabe ao Congresso Nacional fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer uma de suas Casas, os atos do Poder Executivo, inclusive os da Administração Indireta (inciso X, art. 49 da Constituição Federal), além de exercer o controle financeiro, orçamentário e contábil, com a ajuda do Tribunal de Contas da União (art. 70 da Constituição Federal), tido como a Entidade Fiscalizadora Superior brasileira. O Tribunal de Contas brasileiro foi criado logo no início da república13, instituído pela Constituição de 1891, para efetuar a liquidação das contas de receita e despesa, e verificar a sua legalidade, antes da prestação ao Congresso Nacional. A partir de então, o Tribunal de Contas passou a ser previsto em todas as posteriores. Entretanto, apenas com a edição da Constituição de 1946, passou a possuir maiores atribuições e teve garantida a autonomia institucional necessária ao seu adequado funcionamento. O Tribunal de Contas da União tem por missão verificar a regularidade do emprego de verbas públicas no desempenho de suas atividades regulatórias, dentro dos contornos constitucionais, infraconstitucionais e daqueles previstos no respectivo orçamento. Cabe-lhe verificar a observância da consecução dos princípios constitucionais da legalidade e eficiência, previstos no caput do art. 37 da Constituição, e da legitimidade e economicidade, previstos no caput do art. 70 da Constituição, em relação a todos os órgãos e entidades da Administração direta e indireta, bem como a pessoas físicas e jurídicas que de algum modo disponham de dinheiro, bens ou valores públicos, que devem maximizar os resultados obtidos com as ações administrativas, sobretudo, naquelas que repercutam diretamente sobre o erário. Estruturalmente, o Tribunal de Contas da União é 13 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 753. 7044 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 colegiado e integrado por nove ministros, escolhidos dentre os brasileiros que atendam aos requisitos constitucionais para o cargo14, na proporção de um terço, pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público que atuem junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo critérios de antiguidade e merecimento; e outros dois terços, pelo Congresso Nacional. Os ministros do Tribunal de Contas possuem as mesmas garantias atribuídas aos magistrados, no país, ou seja, são vitalícios, inamovíveis e a remuneração é irredutível. Contudo, lhes á vedado a acumulação com outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber a qualquer pretexto, custas ou participação em processos sujeitos a seu despacho ou julgamento; nem dedicar-se a atividade política e partidária. A Constituição brasileira de 1988 concedeu ao Tribunal de Contas da União certa margem de autonomia ao incluí-lo, dentro da estrutura estatal, como órgão auxiliar do Poder Legislativo – Congresso Nacional, não estabelecendo qualquer tipo de vínculo de subordinação hierárquica e atribuindo-lhe funções próprias (artigo 71 da Constituição), dentre as quais: a emissão de parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo presidente da república; o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da Administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou irregularidade de resulte prejuízo ao erário público; a apreciação, para fins de registro, da legalidade dos atos de admissão de pessoal; a inspeção e auditoria de 14 Previstos no § 1º do art. 73 da Constituição: ser brasileiro com mais de 35 e menos de 65 anos de idade; idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; e mais de dez anos no exercício da função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7045 natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; a fiscalização das contas de empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, assim como de qualquer recurso repassado pela União aos Estados e municípios; a prestação das informações solicitadas pelo Congresso Nacional, sobre as fiscalizações de sua competência e resultados de inspeções ou auditorias; a aplicação de sanções previstas em lei aos responsáveis, no caso de ilegalidade de despesa ou irregularidades de contas; a assinalação de prazos e órgãos ou entidades para tomar as providencias necessárias ao exato cumprimento da lei, quando verifique a ocorrência de ilegalidade de atos ou procedimentos sob seu controle; a sustação da execução de ato impugnado, se não tomadas as providencias para a execução, no prazo assinado, as providencias para o saneamento das irregularidades; a representação a autoridade competente sobre irregularidades e abusos apurados; e a elaboração de relatório trimestral e anual a ser encaminhado ao Congresso Nacional. O Tribunal de Contas brasileiro guarda certa peculiaridade em relação aos demais formatos institucionais das Entidades Fiscalizadoras Superiores. Apesar de atrelar-se, organicamente, ao Poder Legislativo, a Constituição (art. 73) reservou-lhe, no que couber, o exercício das competências e garantias próprias do Poder Judiciário, constantes no art. 96, dada sua função jurisdicional em relação ao controle e fiscalização das contas públicas. Nesse sentido, leciona Lucas Rocha Furtado que: O modelo de controle externo brasileiro apresenta algumas particularidades. A primeira delas consiste no fato de os Tribunais de Contas serem considerados órgãos integrantes do Poder Legislativo. Não obstante integrarem o Legislativo, seguem normas pertinentes ao processo administrativo e suas decisões, em alguns casos, 7046 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 importam em julgamento de contas dos gestores públicos e dos demais responsáveis pelos gastos públicos.[...]15 Desse modo, guardadas as devidas discussões doutrinárias16, a natureza jurídica das decisões emanadas do Tribunal de Contas da União é de ordem administrativa. Isso, porque diante de sua inserção institucional como órgão auxiliar do Poder Legislativo, cabe-lhe o exercício do controle financeiro-orçamentário, de natureza política, da Administração Pública. Suas decisões não possuem o caráter de definitividade atribuído as decisões judiciais, tendo em vista a reserva do monopólio jurisdicional, atribuído constitucionalmente ao Judiciário. Cabe notar, ainda, que não cabe ao Tribunal de Contas intervir diretamente na sustação dos efeitos do ato ou contrato administrativo, eivado de ilegalidade, por irregularidade no emprego de verbas públicas, uma vez que essa competência é privativa do Congresso Nacional, a quem lhe cabe a expedição de representação, solicitando a sustação. Entretanto, caso a situação não seja regularizada, por inércia dos Poderes Legislativo e Executivo, no prazo de noventa dias, caberá ao Tribunal de Contas decidir a respeito, conforme §1º e 2 º, do art. 71 da Constituição. A AUDITORIA GERAL DE CONTAS, NA ARGENTINA A Entidade Fiscalizadora Superior argentina corresponde a Auditoria Geral da Nação Argentina (Auditoría General de la Nación). É um órgão que assiste tecnicamente o Congresso no controle do Estado e das contas do setor público. Incumbe-lhe 15 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte Fórum, 2007, p. 1090-1091. 16 Defendem o posicionamento aqui adotado: José Afonso da Silva, Eduardo Lobo Botelho Gualazzi e Pedro Lenza . São contrários: José Ulisses Jacoby Fernandes, Frederico Padini e Bento José Bugarin. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7047 verificar o cumprimento legal e contábil da gestão exercida pelo Poder Executivo nacional, ou seja, a responsabilidade pelo controle externo da competência administrativa do Estado. Durante o período da colonização espanhola existia um controle precário das contas públicas, mediante a criação de Tribunais de Contas, em cada uma das administrações provinciais, baseadas nas regras especiais ditadas pelo Direito Indiano17. Depois da independência do país, o controle das contas públicas passaram a ser exercidas por órgão central colegiado – a Junta – que foi, através de alterações constitucionais, aperfeiçoando e concedendo maior alcance de seus mecanismos de controle administrativo, até o aperfeiçoamento atual da Auditoria Geral da Nação Argentina. A Auditoria Geral da Nação Argentina está prevista na Constituição argentina em vigor, em seu art. 8518, que consigna sua posição institucional dentro da estrutura do Estado, mais especificamente, inserida no âmbito do Poder Legislativo. Tal dispositivo prevê que, cabe ao Legislativo, o controle externo do setor público nacional em seus aspectos patrimoniais, econômicos, financeiros e operativos, sustentados nos ditames traçados pela Auditoria Geral da Nação Argentina, ao qual atribui a natureza de órgão de assistência técnica do Congresso, com autonomia funcional, cuja criação e funcionamento é definida em lei infra-constitucional – Lei 24.156 de administração financeira e dos sistemas de controle do Estado. A lei de administração financeira e dos sistemas de controle do Estado – Lei 24.156 – introduziu um novo enfoque de controle, ao estabelecer como objetivos gerais, entre outros, os critérios de economia, eficiência e eficácia. Isso permitiu a realização de uma auditoria mais abrangente das contas públicas argentinas, em relação aquelas realizadas até então. 17 Nomenclatura utilizada para designar o conjunto de normas especiais, ditadas pela Coroa espanhola, disciplinando a relações jurídicas nas províncias espanholas. 18 Artigo inserido pela Emenda Constitucional de 1994. 7048 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 O alcance do controle externo da Auditoria Geral da Nação Argentina se estende sobre todas as atividades da Administração pública, centralizada ou descentralizada, qualquer que seja a modalidade organizativa e as funções que a lei lhe outorgue. Inclusive, sobre os rendimentos e contas de organizações privadas que recebam quaisquer tipos de subsídios estatais e as instituições de fundos, cuja administração, guarda ou conservação que esteja a cargo do Estado. A Auditoria Geral da Nação Argentina possui uma estrutura colegiada, integrada por sete membros, designados de Auditores Gerais, escolhidos pelo Legislativo, dentre os argentinos, com graduação universitária na área de Economia ou Direito, com comprovada especialização em controle e administração financeira. Os Auditores Gerais exercem mandato fixo de quatro ou oito anos, só podendo ser destituídos de seus cargos em caso de conduta grave ou descumprimento de seus deveres, segundo os procedimentos legais. Esse mecanismo estrutural visa assegurar o grau de autonomia necessário ao adequado funcionamento da Entidade Fiscalizadora Superior do país, ao estabelecer a estabilidade dos cargos dos seus dirigentes – Auditores Gerais, a quem cabe o ônus de efetivamente analisar e opinar acerca da regularidade das contas públicas argentinas. Entretanto, existe certa margem de risco de sucumbência aos interesses externos, políticos ou econômicos, na medida em que há previsão legal permitindo a participação de profissionais independentes na realização das auditorias e fiscalizações a cargo da entidade. A definição das funções precípuas da Auditoria Geral da Nação Argentina está prevista no art. 18, da Lei 24.156 de administração financeira e dos sistemas de controle do Estado, as quais seguem: fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em relação a utilização dos recursos do RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7049 Estado; realizar auditorias financeiras, de legalidade, de gestão, analise especiais de órgãos e entidade sob seu controle, assim como, a avaliação de programas, projetos e operações, diretamente; auditar as unidades executoras de programas internacionais de crédito, conforme os acordos internacionais firmados nesse sentido; examinar e emitir parecer sobre os estados contábeis, financeiros dos órgãos da Administração, em cada exercício; controlar a aplicação dos recursos provenientes de crédito público e efetuar a avaliação do endividamento estatal; auditar e emitir parecer sobre o estado contábil e financeiro do Banco Central argentino; realizar analise especial dos atos e contratos administrativos envolvendo significação econômica; auditar e emitir parecer sobre a memória e o estado contábil e financeiro dos planos de ação das empresas e sociedades do Estado; fixar os requisitos de idoneidade dos profissionais independentes que participarão da realização das auditorias, sob sua incumbência; e verificar a manutenção do registro patrimonial dos servidores públicos pela Administração Pública. A CONTROLADORIA GERAL DA REPÚBLICA DO PARAGUAI O Paraguai adotou o modelo anglo-saxão de Entidade Fiscalizadora Superior, de modo que o controle externo da Administração Pública do país é centralizado na figura da Controladoria Geral da República do Paraguai, órgão de controle atrelado ao Poder Legislativo. A Constituição paraguaia traça as principais diretrizes da Controladoria Geral da República do Paraguai, definindo-a, em seu art. 281, como órgão de controle das atividades econômicas e financeiras do Estado, dos Departamentos e municipalidades, na forma determinada pela Constituição e pela lei, gozando de autonomia funcional e administrativa. 7050 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 Em sede de lei infraconstitucional, a Controladoria Geral da República do Paraguai é regida pela Lei nº 276 – Lei orgânica e funcional da Controladoria Geral da República do Paraguai. A Controladoria Geral da República do Paraguai tem como missão velar pelo cumprimento das normas jurídicas relativas a administração financeira do Estado e proteger o patrimônio público, estabelecendo as normas, os procedimentos requeridos e realizando periódicas auditorias financeiras, administrativas e operacionais; controlando a normal e legal alocação dos recursos e os gastos dos fundos financeiros do setor público; e aconselhar, em geral as normas de controle interno das entidades sujeitas a sua supervisão. O desempenho de tais atividades tem alcance sobre os fundos geridos pelo setor público, sejam eles de ordem multinacional, nacional, departamental ou municipal, sem exceção, além daquelas entidades de que o Estado faça parte ou tenha interesse patrimonial no seu desenvolvimento. Em sua estrutura interna, a direção cabe a um Controlador e um Subcontrolador, que a exercem pelos prazos de seus mandatos, que são de cinco anos, coincidentes com o mandato presidencial. Poderão ser reconduzidos aos cargos por mais um período, desde que sujeitos aos mesmos trâmites legais de escolha. O Controlador e o Subcontrolador são designados pela Câmara dos Deputados, por maioria absoluta de seus membros, dentre aqueles indicados pela Câmara de Senadores, com idêntica maioria. Devem ter como pré-requisitos ao cargo a nacionalidade paraguaia, contar trinta anos completos de idade e possuir graduação em Direito, Economia, Administração ou Ciências Contábeis. Em contrapartida, durante o exercício de seus mandatos gozam de estabilidade, não podendo ser destituídos dos cargos que ocupam, senão em razão de deliberação da Comissão de Delitos ou por mau desempenho RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7051 das funções. Além disso, fazem jus as mesmas imunidades e incompatibilidades previstas para os magistrados do país. Destarte, a Controladoria Geral da República do Paraguai possui outras estruturas organizacionais em seu quadro funcional, formado for servidores altamente técnicos e especializados, que podem ser estáveis ou de livre nomeação, apenas nos casos de contratação para serviços transitórios ou temporários, que se distribuem obedecendo a seguinte divisão técnica-administrativa da entidade: Direção Geral de Assuntos Jurídicos, Comitê Executivo, Auditoria Institucional, Assessoria Técnica, Planificação e Informes, Secretaria Geral, Direção Geral de Administração, Direção Geral de Controle da Administração Central, Direção Geral de Controle da Administração Descentralizada, Direção Geral de Controle dos Órgãos Departamentais e Municipais, Direção Geral de Controle de Obras Públicas e Direção Geral de Licitações. Vale acrescentar, ainda, a preocupação da Controladoria Geral da República do Paraguai no controle da qualidade e do rigor dos procedimentos adotados no desempenho de suas competências, tendo em vista a aquisição da certificação de qualidade da norma ISSO 9001:2008. Em 2007, um programa governamental desenvolveu e implementou um sistema de gestão de processos associado a administração de risco, para posteriormente, por decisão da direção, obter tal certificação, desde 2009. O TRIBUNAL DE CONTAS DA REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI A Entidade Fiscalizadora Superior do Uruguai tem um amplo tratamento constitucional sobre as matérias de sua competência, funções, prerrogativas e organização funcional. Uma série de normas constitucionais determina a incidência do controle pela entidade, existindo disposições específicas e 7052 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 complementares para os entes autônomos e descentralizados da Administração Central e os Governos Departamentais. O Tribunal de Contas da República Oriental do Uruguai, segundo a Constituição do país, em seu art. 228, tem como marco de atuação o estabelecimento da vigilância na execução de seus pressupostos e a função de controle de toda gestão relativa Fazenda Pública. Desde a sua criação, em 1934, a própria Constituição as bases fundamentais de organização, funções e competência da entidade que, salvo algumas pequenas variações, não alteram a essência da normatização original até os dias de hoje. Contudo, a lei infraconstitucional pode ampliar sua competência, atribuindo-lhe utras funções. No marco da república democrática do Uruguai, o Tribunal de Contas da República se situa, institucionalmente, na estrutura estatal dentre aquelas de máxima hierarquia, similar aquela outorgada ao Tribunal Contencioso Administrativo e a Corte Eleitoral. Deve atuar na função administrativa, embora tenha faculdades jurisdicionais, de velar pelo controle de toda a gestão relativa a Fazenda pública. Verifica a conformidade da gestão financeira estatal e as regras que a regulam, fazendo observações ou expondo considerações e observações pertinentes, ou denunciando todas as irregularidades no manejo de fundos públicos e infrações as leis contábeis. Possui poderes de controle financeiro externo que exerce com autonomia e independência frente aos Poderes do Estado e frente a toda administração autônoma controlada. A fim de assegurar a efetividade de seu poder de controle, o Tribunal de Contas da República Oriental do Uruguai possui como atributos básicos: uma alocação institucional de máximo nível hierárquico; a independência absoluta em relação aos Poderes, órgãos e entidades controladas; autonomia funcional, administrativa e técnica, que o habilitam para atuar de forma objetiva, imparcial e livre da influencia político-partidária; e certo grau de autonomia RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7053 econômico-financeira. Em sua organização, o Tribunal de Contas da República Oriental do Uruguai compõe um corpo colegiado, formado atualmente por sete membros, que devem reunir os mesmos pressupostos previstos para o cargo de Senador (uruguaio, contando trinta anos completos de idade e sete anos de exercício em atividade assemelhada) e são eleitos pela Assembléia Geral por maioria absoluta, contando cada um deles com três suplentes, para os casos de vacância, impedimento ou licença dos titulares. Também, aplica-se o mesmo sistema de incompatibilidades previsto para os senadores aos membros do Tribunal. Os mandatos dos membros do Tribunal de Contas da República Oriental do Uruguai têm por termo final, para o exercício de suas funções, o momento de mudança da Assembléia Geral, que fará novas nomeações para um novo período, podendo ser reeleitos. Podem ser destituídos do cargo, apenas, por violação a Constituição ou outros delitos graves, mediante o devido procedimento legal. O Tribunal de Contas da República Oriental do Uruguai acumula as funções de assessoramento e informação em matéria de legalidade, de endividamento público, de prestação de contas e prestação da memória anual; de controle financeiro de intervenção e controle geral e permanente da gestão financeira, da prevenção de dívidas, da arrecadação do Estado, do patrimônio estatal e da responsabilidade administrativa em matéria financeira e contábil; de controle da eficiência; e outras funções ou controles especiais, tais como a faculdade de iniciativa legislativa, de impor obrigações de ordem contábil e de assessoramento na autorização de regimes especiais de contratação. O MERCOSUL E AS PERSPECTIVAS DE CONTROLE EXTERNO A PARTIR DO EFSUL 7054 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 Ainda que a partir de uma análise, eminentemente, normativa das Entidades Fiscalizadoras Superiores dos países integrantes do Mercado Comum do Sul – Mercosul, é possível concluir que existe preocupação uma preocupação cada vez mais contundente e explicita acerca da necessidade do estabelecimento e do aperfeiçoamento dos mecanismos de controle central sobre os efeitos fiscais das atividades administrativas dos Estados. Com isso, da preocupação local e interna floresce o equacionamento de esforços no sentido de estabelecer um controle centralizado, aos moldes das Entidades Fiscalizadoras Superiores, no âmbito do bloco de cooperação internacional do Mercosul. Certamente, a mola propulsora do movimento de integração das democracias latino-americanas19, desde o final do século XX, pode ser muito bem sintetizada nessa passagem da obra de Joan Prats i Catalá: Embora com atraso considerável, desde o fim dos anos 80, os povos latino-americanos vem desenvolvendo um grande esforço para adaptar-se às novas realidades da ordem mundial emergente. As grandes coordenadas que orientam esse esforço e delimitam o novo consenso que vem se construindo parecem ser: [...] * a luta contra a pobreza e o compromisso com a redução das desigualdades, para que se supere a dualização e o populismo, para construir uma sociedade civil de cidadania plena, na qual a 19 Historicamente, o processo de integração das Américas, remonta ao século XIX, com destaque para o Congresso do Panamá, em 1826, tendo em vista o recente movimento de emancipação e o perigo de uma reconquista desses territórios pelos seus antigos colonizadores. Envolveu, inicialmente, um interesse de integração muito mais motivado pela ordem política, do que propriamente econômica. Já no século XX, a continuidade do processo de integração teve nitidamente um cunho econômico. Cf. FIGUEIREDO, Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 427-428. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7055 liberdade dos indivíduos e dos grupos esteja efetivamente garantida pelo império da lei; * a inserção de economia na ordem global mediante a abertura comercial, a capaciade de manejo das políticas de competitividade e a criação e o desenvolvimento de espaços de integração econômica regional que potenciem os países integrados na ordem econômica global; [...]20 Destaque-se que, a atual Constituição brasileira de 1988 que entre os princípios regentes das suas relações internacionais, a intenção manifesta em lograr êxito sociopolítico, além do eminente interesse econômico, com a integração regional com os países latino-americanos, conforme o disposto em seu art. 4º, § único: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. A integração dos países do Mercosul consolidou-se através da elaboração do Tratado de Assunção, em 1991, que constituiu o Acordo-Quadro desse processo, que é constantemente complementado por outros instrumentos adicionais, pactuados entre os Estados-membros em função do progressivo avanço da integração internacional. Com o Protocolo de Ouro Preto, de 1994, o Mercosul foi definitivamente criado, como ente dotado de personalidade jurídica de Direito Público Internacional. Desse modo, “em que pese ser um bloco econômico incipiente, o mercado comum do Cone Sul é o produto de um lento processo de amadurecimento histórico, que ao longo do tempo, levou seus Países-membros a substituir o conceito de conflito de conflito pelo ideal de 20 CATALÁ, Joan Prats i. Governabilidade democrática na América Latina no final do século XX. p. 274-275. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. SPINK, Peter. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Fundaçao Getúlio Vargas. p. 274-275. 7056 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 integração”21. O Mercosul guarda certa peculiaridade em relação a estrutura orgânica de outros modelos de integração regional, tais como a União Européia, uma vez que é uma organização intergovernamental, ou seja, os governos sempre negociam entre si, não existindo órgãos supranacionais; e cujas decisões são sempre deliberadas mediante o total consenso, e não pela maioria. Tal sistemática decorre da natureza flexível e gradual da integração, que gera a necessidade de ratificação legislativa nacional para incorporação dos acordos firmados no seu ordenamento jurídico local. O Mercosul possui vários órgãos em sua estrutura internacional22, sendo que a nenhum deles fora atribuída a missão de velar pelo controle fiscal dos recursos comuns à disposição da organização internacional pelos seus paísesmembros. Todavia, diversas ações multilaterais de harmonização das políticas macroeconômicas e de institucionalização de organismos administrativos foram tomadas pelos países integrantes do Mercosul, em especial, a criação do Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul – Focem, em 2004, através da Decisão do Conselho do Mercado Comum nº 45. Tal fundo internacional possui um aporte da ordem de um bilhão de dólares, dos quais 70% são provenientes do Brasil, e permanece sob a administração do Focem e a fiscalização de auditorias independentes eventualmente contratadas para realização do serviço. O grande vulto dos valorem alocados em fundo internacional, pelos países-membros do Mercosul, eleva a 21 FIGUEIREDO, Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 429. 22 Conselho do Mercado Comum; Grupo Mercado Comum; Comissão de Comércio do Mercosul; Comissão Parlamentar Conjunta; Foro Consultivo Econômico-Social; Secretaria Administrativa do Mercosul; Tribunal Permanente de Revisão e Parlamento do Mercosul. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7057 preocupação das autoridade incumbidas do controle externo com a fiscalização sobre a gestão dos recursos empregados no Focem. Desse modo, a original Organização das Entidades Fiscalizadoras Superiores dos Países do Mercosul, Bolívia e Chile, criada em 1999, foi convertida na Entidade fiscalizadora Superior dos Países do Mercosul – EFSUL, constituída atualmente também pelos países associados (Chie, Bolívia e Venezuela), para a cooperação e fiscalização governamental, especialmente quanto ao aporte de recursos no âmbito do Mercosul23. O referencial tomado para a criação de tal entidade é o Tribunal de Contas Europeu, órgão de controle externo da União Européia, formado pelos membros das Entidades Fiscalizadoras Superiores dos países-membros. Esse órgão supranacional de controle não despreza a importância da participação das autoridades incumbidas do controle externo dos países-membros, pelo que se pode extrair do art. 248, do Tratado internacional que instituiu a União Européia, no qual “A fiscalizaçao nos Estados-Membros é feita em colaboração com as instituições de fiscalização nacionais ou, se estas para isso não tiverem competência, com seus serviços nacionais competentes”24. Nesse viés, a partir de sua constituição, a EFSUL vem desenvolvendo vários trabalhos de auditorias sobre as áreas de interesse do Mercosul, cujo diagnóstico preliminar já demonstra a necessidade minimização de riscos, através da realização de auditorias internas e externas nos projetos financiados pelo fundo internacional comum. Uma das vantagens do estabelecimento de um órgão como o EFSUL no âmbito do Mercosul consiste em permitir 23 Cf. NARDES, Augusto. Reflexões sobre a necessidade do Controle Externo no Mercosul. Revista do Tribunal de Contas da União, n. 120, p. 10-17, jan./abr. 2011, p.12. 24 ROMA. União Européia.Tratado de Roma. 25 mar. 1957. Tratado constitutivo da União Européia. 7058 | RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 que questões legais, financeiras e operacionais sejam avaliadas por auditores públicos, com menor custo operacional e maior planejamento técnico especializado. Afinal, [...] na ausência de controle externo público governamental, materializado pelo exercício das funções do Parlamento, abre-se a possibilidade de perdas na eficácia, na eficiência e na efetividade relacionadas aos resultados, sem olvidar os potenciais riscos de má aplicação de recursos e de desvio de finalidade25. As fiscalizações pelo EFSUL devem substituir as dispendiosas auditorias independentes, contratadas junto a particulares, que por enfocarem apenas aspectos contábeis, carecem do enfoque técnico-especializado necessário a uma integral auditoria sobre programas públicos de interesse comum aos países do bloco. A EFSUL estaria habilitada, técnica e materialmente, para a realização, em parceria com o Parlamento do Mercosul, das necessárias ações de controle, visando a regular aplicação dos recursos comuns do Focem. ❦ REFERÊNCIAS Brawm, Renato Jorge. O problema central do controle da Administração Pública pode ser resumido ao debate sobre modelos? Disponível em: http://www.audicaixa.org.br/arquivos_auditoria/O%20Co ntrole%20na%20Administracao%20Publica.pdf Acesso 25 NARDES, Augusto. Reflexões sobre a necessidade do Controle Externo no Mercosul. Revista do Tribunal de Contas da União, n. 120, p. 10-17, jan./abr. 2011, p.14. RIDB, Ano 1 (2012), nº 11 | 7059 em: 15 nov. 2011. CATALÁ, Joan Prats i. Governabilidade democrática na América Latina no final do século XX. p. 274-275. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. SPINK, Peter. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. CHIKÁN, Attila. Una interpretación de la Declaración de Lima. In: Intosai: 50 años (1953-2003). Puplicación monográfica de la Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores.Viena: Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores, 2004. FIEDLER, Franz. La independencia de las Entidades Fiscalizadoras Superiores. In: Intosai: 50 años (19532003). Puplicación monográfica de la Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores.Viena: Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores, 2004. FIGUEIREDO, Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2011. FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte Fórum, 2007. Intosai: 50 años (1953-2003). 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