Geografia Lingüística: mapeamento dos dialetos e falares dos países fronteiriços do Cone Sul 1º Ten. QCO EB Maristella Mattos da Silva Centro de Instrução de Guerra Eletrônica, Estrada Parque do Contorno, BR 020 - km 05, Brasília - DF. Resumo Esta pequena pesquisa tem a finalidade de mapear a distribuição geográfica de alguns traços lingüísticos dialetais e falares usados nos países fronteiriços do cone sul de nosso país, países de língua castelhana que fazem fronteira com o Brasil: Uruguai, Paraguai e Argentina. Fornecer um pequeno glossário de palavras e expressões usadas de maneira figurada, ou seja, utilizadas fora das normas convencionais, desviandose dos padrões normais de comunicação, fugindo do seu significado semântico. Neste primeiro trabalho, falaremos somente da Argentina, futuramente explanaremos sobre os demais países. A fronteira terrestre entre estes países e o Brasil abrange duas macrorregiões, alguns estados e dezenas de municípios brasileiros, havendo inclusive o Marco das Três Fronteiras referente ao local de divisa territorial entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Antes de comentar e diferenciar os traços e falares, elucidaremos os conceitos lingüísticos básicos, para que o leitor tenha conhecimento prévio de tais termos usados ao longo do texto. Levando em conta a extensão da nossa fronteira com os referidos países, mais ainda que as comunicações possam ser monitoras e interceptadas ao longo desta nossa extensa faixa de fronteira e que nesta área, principalmente na zona da tríplice aliança, temos o contrabando e o tráfico de drogas e armas, este trabalho visa contribuir para o mapeamento de variantes lingüísticas utilizadas para mascarar fatos ou feitos ilícitos que possam pôr a ordem nacional em xeque. Brasil-Argentina (criada em 1970), e que já implantou 310 marcos fronteiriços. Os três marcos que sinalizam as fronteiras entre Brasil, Argentina e Paraguai formam um triangulo eqüilátero que fixa o limite territorial dos três países, cada qual pintado com as cores nacionais dos respectivos países. O marco brasileiro (fig.2) foi de autoria do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (Patrono das Comunicações) e do Engenheiro Militar Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira. Este marco fica localizado em Porto Meira e foi inaugurado em 1903. Fig. 1. Línguas da América Latina: Verde-Espanhol; Laranja-Português; Azul-Francês. Palavras-chaves ⎯ dialeto, dialetologia, geografia lingüística, regiões dialetais, idioleto, isoglossas, Lunfardo, Vesre. I. INTRODUÇÃO Ao falarmos de fronteiras do Brasil, vem-nos à mente a vastidão de tal faixa terrestre, a quantidade de países que estão em contato permanente com nosso país, trocando informações, assimilando idéias, conceitos, criando mutações lingüísticas (em zonas fronteiriças de contato permanente entre as duas línguas irmãs, o Português e o Espanhol, que se manifestam em variantes regionais usadas somente entre fronteiras). A extensão brasileira de fronteiras terrestres, marítimas, por rios e divisores de águas (lacustres e fluviais) é tão vasta que se divide em três partes. A parte que será estudada neste artigo é a parte sul que começa na foz do rio Quaraí e termina na foz do Rio Iguaçu, tendo uma extensão total de 1.261,3 km, estando sua demarcação a cargo da Comissão Mista de Inspeção dos Marcos da Fronteira Fig. 2. Marco de fronteiras - Brasil. II. CONCEITOS LINGUÍSTICOS Um dialeto é a forma como uma língua é falada numa determinada região. Cientificamente conceituamos dialeto como variação diatópica, variante geolingüística ou variante dialetal. Segundo Jean Dubois, “para que seja considerada como dialeto, a variante dialetal tem que obrigatoriamente ser falada por uma comunidade regional, tendo o seu próprio sistema léxico, sintático e fonético, sendo usada em um ambiente mais restrito que uma língua.” Em seu dicionário de Lingüística, Dubois diz ainda que “ o dialeto regional por oposição à língua é um sistema de signos e de regras combinatórias da mesma origem que outro sistema considerado como a língua, mas que se desenvolveu, apesar de não ter adquirido status cultural e social dessa língua, independentemente daquela.” A ciência que estuda os sistemas lingüísticos em suas variações regionais, sociais, geográficas, etc. é a dialetologia, que explana sobre os sistemas lingüísticos utilizados em um determinado espaço geográfico. A demarcação destes sistemas é feita pela geografia lingüística que distribui cada traço lingüístico dialetal em zonas e os compila em atlas lingüísticos. Um dialeto pode ser usado somente por certos grupos sociais, profissionais ou etários. É o que chamamos de socioleto, que seriam as variantes próprias de categorias especificas ou partes da sociedade de um lugar. Há também que se fazer, neste momento, a diferenciação de idioleto, que é uma variação própria de cada individuo, ou seja, são variações pessoais que podem se restringir a só uma pessoa, ou mais indivíduos dentro de um grupo familiar, o idioleto é um padrão de escolha único, sejam de palavras, frases, metáforas ou mesmo uso da gramática de um indivíduo. Pode passar despercebido na fala de uma pessoa, ou ser alvo de imortalização ou individualização quando empregado por pessoas famosas ou públicas, sendo algumas vezes incorporada a estes indivíduos como marca pessoal ou apelido, como por exemplo: Ernesto “Che” Guevara, usava a expressão “Che” constantemente como forma de tratamento pessoal e interjeição e acabou por incorporar tal expressão ao seu nome. O uso de certa característica lingüística (pronúncia de uma vogal de modo diferente, que não afeta a compreensão das palavras ou alteração do seu significado semântico, ou uso peculiar de uma característica sintática) vem a ser as isoglossas. Cada região dialetal é estabelecida por linhas de fronteiras virtuais, pois algumas vezes há cruzamentos de alguns fenômenos lingüísticos em uma mesma região. A isoglossa é uma linha que indica dentro de um mapa lingüístico as áreas onde se concentram determinados traços lingüísticos. Até aqui descobrimos que o dialeto caracteriza diferenças na fala que não se opõem a língua oficial de um país e que na verdade é uma variedade de uma mesma língua, podendo ser social, profissional, regional, etário, individual, familiar etc. Para estudarmos estes traços lingüísticos existe a geografia lingüística, também chamada de geografia dialetal ou etnografia lingüística, que é responsável pela confecção de mapas lingüístico-dialetais ou atlas lingüísticos. Nosso próximo passo será verificar esses fatores dentro de uma língua viva, no caso o castelhano falado na Argentina, que sofre mutações e influências várias. Veremos que o espanhol trazido pelos colonizadores europeus sofreu e sofre tantas modificações que algumas vezes parece ser uma língua completamente diferente daquela que outrora chegou até a América nas naus das Grandes Navegações Espanholas. Fig. 2.1. Brasil/Fronteiras – Visão geral. Fig. 3. Esquema fronteira Brasil/Argentina. III. LUNFARDO Toda língua é constituída de dialetos. O dialeto é basicamente uma língua menor, não oficial que convive com uma língua maior, oficializada que é a chamada língua histórica ou idioma. O dialeto é um subsistema lingüístico que muitas vezes coexiste com a língua oficial, algumas vezes somente em ambientes familiares, ou transforma-se em um sistema paralelo de se dizer coisas que não foram nomeadas na língua oficial, em falares de imigrantes que criam neologismos, ao misturar a sua língua natal e o idioma da terra estrangeira para a qual migrou. Neste ponto entraremos na realidade dos falares e variantes regionais argentinos, usados na Argentina e também no Uruguai. Primeiramente falaremos do lunfardo, que é um dialeto usado basicamente na composição de tangos, cumbias e rock. As palavras são usadas de modo diversificado para se referir às coisas de um modo especial. A zona limite de uso do lunfardismo é a cidade de Buenos Aires e seus arredores. O lunfardo é uma mescla de termos trazidos pelos imigrantes italianos, portugueses, franceses, turcos, ingleses, do dialeto caló (língua dos ciganos e de línguas indígenas. A palavra lunfardo vem de lunfa, que significa ladrão, pois era a linguagem marginal usada nos portos e nas ruas por imigrantes que tentavam disfarçar a inabilidade de se comunicar com a língua da nova terra e que não queriam que a polícia entendesse o que eles estavam falando. Fig. 4. Centros Urbanos onde se utiliza o espanhol rio-platense. No lunfardo podemos ver palavras estrangeiras, neologismos, e muitos outros artifícios usados para torná-lo um códice secreto de comunicação encoberta não acessível a falantes mais cultos e estrangeiros. A seguir, como exemplo, veremos um breve glossário: ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ Gapar: Pagar Gil: otário Jerquear: gozar Macanear: mentir, atochar Mishiadura: pobreza milico: militar Nieve: cocaína Percanta: concubina (do genovês percanta, princesa, ou alteração fonética da indagação per quanto?, que os imigrantes faziam às meretrizes na rua) Puente: ladrão de carros Quieco: bordel Quilombo: confusão Shomer: miserável (do francês Chomeur) Toquero: policial corrupto Vivanco: esperto Yeta: azar Yuta: cadeia Zaranda: surra Com o passar dos anos, algumas palavras caíram em desuso, não sendo mais utilizadas. Outras tantas surgiram enriquecendo ainda mais o número de palavras e expressões já existentes no lunfardo, que alguns dizem ser uma espécie de gíria portenha, outros chamam de dialeto, de espanhol rioplatense, outros tantos chamam de argentinismo. Porém o mais importante é o fato de que alguns desses termos já se encontram no Dicionário da Real Academia Espanhola, já oficializados como termos de uso corrente na língua. Existem também, vários dicionários de lunfardo na Internet, acessíveis a todos os internautas, estudiosos, curiosos e estudantes do espanhol para consulta e estudo. IV. VESRE OU VERRE ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ ✗ Alpiste: álcool Afanar: roubar Biaba: assalto (vem do piemontês biava) Cabrón: corno Chafe: policial Chorro: ladrão Currar: iludir Entregar la rosca: morrer Escrachado: mal trajado Farolar: administrar drogas Forfai: sem dinheiro (oriundo do turfe) Gamba: nota de cem pesos Ganzua: pé de cabra (para gatunos) Garufa: farra O Vesre ou Verre é um mecanismo lingüístico de inversão de sílabas, que aparentemente parece ser um jogo infantil, mas está generalizado na Argentina e no Uruguai. Consiste na técnica de permutação, comutação ou metátese que é a transposição de sílabas em um mesmo vocábulo. Esta variante da fala é usada como um entretenimento, utilizada geralmente pelos jovens, porém pode ser usada para codificar mensagens de forma que outros não acostumados a tais jogos lingüísticos consigam compreender o significado de certas palavras ou mensagens. O Vesre (Revés em espanhol) não tem muitos pontos de aproximação com o lunfardo. São padronizações lingüísticas com estruturas distintas, tanto que podemos falar o vesre sem saber nada de lunfardo, mas esse jogo de inversão de sílabas nas palavras também se encontra compilado nos dicionários de lunfardismo como sendo lunfardo. Essa técnica de inversão de sílabas é usada tanto na fala quanto na escrita. Pode haver inversão em palavras no singular, como por exemplo: amigo que se torna gomía, em plurais como botines que se transforma em timbos. Ainda pode haver a supressão ou ganho de sons, como por exemplo nas palavras: pagar e conventillo que ficariam em Verre: garpar e llotivenco. Abaixo segue uma lista de palavras em Vesre: ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ ➢ abajo → ajoba ➢ abanico → cobani ➢ baño → ñoba ➢ barrio → rioba ➢ blanco → coblan ➢ bombacha → chabomba ➢ borracho → choborra ➢ botón → tombo ➢ cabeza → sabeca ➢ café → feca ➢ cajón → jonca ➢ calor → lorca ➢ calle → yeca ➢ camisa → samica ➢ camión → mionca ➢ cariño → ñorica ➢ carne → necar ➢ casa → saca ➢ caño → ñoca coche → checo, checonato ➢ compañero → ñorecompa ➢ (abreviado: cumpa) ➢ departamento → derpa ➢ doctor → tordo ➢ es → se ➢ fierro (arma) → rofie ➢ frío → ofri ➢ gato → toga ➢ gente → tegén ➢ gil → logi ➢ gordo → dogor ➢ hambre →bream hotel → telo jamón → monja japonés → ponja leche → chele libro → broli litro → troli loco → colo macho → choma madre → drema marido → dorima, domari. mina → nami muchacho → chochamu mujer → jermu negro → grone noche → cheno padre → drepa país → ispa papel → pelpa patrón → trompa payaso → yosapa pedazo → zodape o zopeda pelado → dolape perro → rope peso (moneda) → sope pizza → sapi plomo (bala)→ moplo puerta → tapuer señor → ñorse tiempo → potién uruguayo → yorugua ➢ vento (dinero) → tovén ➢ viento → tovién ➢ viejo → jobie Podemos também encontrar no Vesre construções como a que segue abaixo: colimba = vesre irregular de milico, de soldado conscrito, podendo ser a também abreviação de: corre, limpia, barre. V. OBSERVAÇÕES FINAIS Há muitas outras variantes nacionais que representam uma maneira de falar diferente, palavras usadas no espanhol argentino que são exclusivamente argentinas, tais como el lompa (pantalón), bondi (que vem de bonde do Português do Brasil), cartonero (a pessoa que cata papel para vender), bagual (cavalo não domado), china (esposa/mulher), charque (carne de sol), palavras certamente que outro falante nativo de espanhol não entenderia. Há uma quantidade tão grande de argentinismos significativos que estão sendo confeccionados dicionários para os falantes de espanhol de outros países entenderem os argentinos. Resumindo, a lexicografia da Argentina é composta por um rico vocabulário, que faz com que o idioma popular fique cheio de deformações convencionadas para uso de quase todos os falantes, por isso, a necessidade de dicionários específicos para compreensão da fala peculiar argentina. Nesta breve pesquisa alguns dialetos falados na Argentina não foram alvo de explanação, por pertencerem a uma parcela muito incipiente da população ou por grupos restritos pouco significativos. Existem áreas onde se fala o Quéchua/ Quíchua, o Aimara, o Guarani, que são basicamente falados na periferia das grandes cidades, fruto das imigrações internas da Bolívia, Peru e Paraguai. Em algumas zonas fronteiriças do Brasil podemos ouvir ainda o Portunhol que é uma combinação de traços lingüísticos, fonéticos, sintáticos ou morfológicos do Português com o Castelhano, influência das zonas fronteiriças de comércio em que há a necessidade de pelo menos tentar se comunicar na língua do outro. Em artigos futuros falaremos mais sobre dialetos, gírias, falares e curiosidades lingüísticas dos países que fazem fronteira com o Brasil, continuando assim o mapeamento do cone sul até chegar aos países do cone norte e demais áreas de interesse da Guerra Eletrônica. REFERÊNCIAS [1] Fronteiras do Brasil. Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/Fronteiras_do_Brasil. Acessado em 13 de abril de 2009. [2] Línguas da Argentina. Disponível em: http://es.wikipedia.org/wiki/L.Argentina Acessado em 13 de abril de 2009. [3] Metátese. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Metátese. Acessado em 13 de abril de 2009. [4] Falares Argentinos. Disponível em: http://www.elortiba.org/hablapop.html Acessado em 13 de abril de 2009. [5] A Falar do Argentino. Disponível em: www.elortiba.org/hablapop.html Acessado em 13 de abril de 2009. [6] Lunfardo. Disponível em: www.mibsasquerido.com.ar/Tango Acessado em 12 de abril de 2009. [7] Vesre. Disponível em: es.wikipedia.org/wiki/Vesre Acessado em 12 de abril de 2009. [8] Glossário de Argentinismos. Disponível em: www.biblioteca.clarin.com/pbda/glosario Acessado em 12 de abril de 2009.