Circunscrição :1 - BRASILIA
Processo :2006.01.1.035933-6
Vara : 210 - DECIMA VARA CIVEL DE BRASILIA
SENTENÇA
Cuida-se de ação civil pública movida por ACODE - ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS
DO DISTRITO FEDERAL em face de SOUZA CRUZ, partes qualificadas.
Alega a autora que apresenta legitimidade para ajuizar demanda com base na Lei da Ação Civil
Pública, Lei nº 7347/85, bem como pela disciplina do Código de Defesa do Consumidor em seus
artigos 81 e 82, citando jurisprudência deste Tribunal.
Argumenta que a ré é fabricante de cigarros, produto altamente prejudicial à saúde e que por omissão
do Poder Executivo, vem sendo comercializado em "afronta" à legislação que protege o consumidor.
Cita vários artigos do Código de Defesa do Consumidor como dispositivos ofendidos, bem como faz
menção aos dados estatísticos de consumo e a mortalidade provocada pelo cigarro em termos
mundiais. Faz referência a eventual produção de prova pericial para comprovar a potencialidade
nociva do cigarro e afirma que estão presentes os requisitos para concessão de medida liminar.
Ao final requer a concessão de liminar para que a ré se abstenha de fabricar cigarros em todo o
território nacional, sob pena de multa diária e, no mérito, seja a ré condenada à obrigação de não
mais fabricar ou comercializar cigarro em todo o território nacional, sob pena de multa diária de R$
1.000.000,00 (um milhão de reais). Requer ainda a condenação nas verbas de sucumbência e ofício
ao Ministério Público para integrar a lide nos fundamentos que apresenta. A inicial veio acompanhada
de documentos.
É o relato do necessário.
A inicial deve ser indeferida liminarmente, nos termos e fundamentos que destaco.
A Constituição Federal de 1988 no artigo 5º dispõe que:
" Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
A referida norma reflete o princípio da legalidade, que de tamanha importância, está entre os
princípios fundamentais expressos na Constituição, corolário do Estado Democrático de Direito.
Não há no país proibição expressa de fabrico e comercialização de cigarros a agasalhar o pedido da
autora. Por outro lado, há várias disposições de Lei que regulamentam o fabrico e comércio, seja em
relação aos cuidados sanitários, seja nas informações aos consumidores, seja em questões tributárias.
Portanto, a atividade de fabrico e comércio de cigarros é atividade lícita e, como mencionado pela
própria autora, importante fonte de arrecadação de tributos.
Vale ainda citar o artigo 170 da Constituição Federal nos seguintes termos:
Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
(...)
Parágrafo único - É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Dessa forma, rege no país o sistema da livre iniciativa, ressalvada as autorizações previstas em lei.
E por último, a própria Constituição Federal dispõe no artigo 220, §4º que:
"A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará
sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que
necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso".
Assim, a restrição ao comércio de algum produto, por mitigar a regra maior da livre iniciativa e a
própria disposição da propaganda de tabaco, deve ser prevista expressamente em lei e não há
qualquer norma que vede o fabrico e comercialização do cigarro.
Vale repetir que o produto fabricado e comercializado pela ré apresenta autorização legal e arrecada
tributos - inclusive, com altas alíquotas, no caso do Imposto sobre Produtos Industrializados, em
atendimento à seletividade exigida pela própria Constituição (artigo 153, §3º). A discussão a respeito
se a referida arrecadação tributária no final é uma ilusão, pois o Estado gastaria muito mais com os
problemas de saúde das pessoas viciados no fumo do que de fato arrecada, não cabe no presente
momento, eis que a lide deve ser discutida nos contornos trazidos pelo autor.
Por outro lado, a autora cita, a todo o momento, ofensa ao Código de Defesa do Consumidor, o que
não se percebe, pois o fato do cigarro eventualmente prejudicar a saúde, não incorre em ofensa às
Leis de Consumo. O fato que poderia ser ventilado é a respeito das informações a serem contidas nos
rótulos, a qualidade, a quantidade, defeitos no produto, e não o que foi retratado na petição inicial
pela autora.
É a própria autora que cita que no "site" da autora encontra-se a informação de fumar é prejudicial à
saúde, o que indica, à luz do direito consumerista, que a empresa ré vem informando os consumidores
sobre os seus produtos.
Com efeito, o caso não é de ofensa ao Código de Defesa do Consumidor, mas uma questão de saúde
pública, o que exige, se for o caso, de atividade legiferante do Congresso Nacional e não ao Poder
Judiciário, que apesar de em certas situações suprir eventual omissão executiva, no presente caso,
não poderá agir neste sentido, pois o tema tem natureza de política pública e que o alcance deve
conter a abstração inerente à norma editada pelo Legislativo Federal.
Dessa forma, em face das razões retro mencionadas, tenho que o pedido formulado pela autora seja
juridicamente impossível. Segundo o professor Luiz Rodrigues Wambier, em sua obra "Curso
Avançado de Processo Civil" dispõe que a impossibilidade jurídica é a "macroimprocedência", ou seja,
quando o juiz puder constatar de plano a inviabilidade do pedido. É o caso dos autos.
Ante o exposto, INDEFIRO a petição inicial e extingo o processo, sem julgamento do mérito, nos
termos do artigo 267, VI, e 295, I e parágrafo único, inciso IV, ambos do CPC.
Transitada esta em julgado, após as cautelas de estilo, arquivem-se os presentes autos.
Sem custas.
P.R.I.
Brasília - DF, quinta-feira, 27/04/2006 às 15h12.
Processo Incluído em pauta : 27/04/2006
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