Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03
AVALIAÇÃO DOS HÁBITOS DE HIGIENE BUCAL DE
PACIENTES EM HEMODIÁLISE DO HOSPITAL REGIONAL
DO VALE DO PARAÍBA
Evaluation of bucal hygiene habits of patients in hemodialise of Regional Hospital of Vale do Paraíba
Débora Casagrande Paiva Barros1, Luis Henrique Santos Cordova1, Andrea Alexandra Lopera Velandia1, Daniela Martins de Souza2
1
Graduada em Odontologia pela FUNVIC – Faculdade de Pindamonhangaba, Pindamonhangaba, SP.
2
Professora Assistente Doutora em Biopatologia Bucal, FUNVIC – Faculdade de Pindamonhangaba, Pindamonhangaba, SP.
Recebimento: 12/05/14 - Correção: 30/07/14 - Aceite: 06/08/14
RESUMO
Pacientes em hemodiálise demonstram deficiência na higiene bucal, causando maior ocorrência de doença
periodontal. O objetivo do trabalho foi avaliar os hábitos de higiene bucal de pacientes com insuficiência renal crônica
(IRC) em hemodiálise no Hospital Regional do Vale do Paraíba. Foram usados questionários a respeito dos hábitos de
higiene oral de 96 pacientes. Após aplicar os critérios de exclusão foram incluídos 41 indivíduos na pesquisa, destes 14
(34%) eram do gênero feminino e 27 (66%) do masculino. Estes pacientes apresentavam média de idade de 55 anos
e média do tempo de hemodiálise de 25 meses. A maioria dos pacientes utilizava dentifrício (n = 39; 96%), apenas
13 (32%) realizava bochecho com enxaguatório bucal e a maioria não fazia uso do fio dental (n = 30; 74%). Apenas
24% dos pacientes realizavam retorno semestral ao dentista, 17% retornavam anualmente, 34% a cada dois anos ou
mais e 25% não tinham o hábito de retornar ao dentista. A escova dental mais utilizada foi a macia (37%) seguida com
proximidade da média (32%). A maior parte relatou escovar os dentes três vezes ao dia (47%), seguido de duas vezes
diárias (29%). Conclusões: nestes pacientes com IRC em hemodiálise, observou-se deficiência nos hábitos de higiene
bucal. A motivação e orientação dos cuidados odontológicos devem ser enfatizadas pelo dentista a fim de melhorar a
saúde bucal e consequentemente a saúde sistêmica.
UNITERMOS: Doença renal crônica, Hemodiálise, Saúde oral. R Periodontia 2014; 24:07-11.
INTRODUÇÃO
A insuficiência renal crônica (IRC) é caracterizada
pela redução lenta, progressiva e irreversível dos nefros
funcionais (Pulpo et al., 2010). No início a IRC pode ser
tratada de maneira conservadora alternando a dieta do
paciente e restringindo a ingestão de proteínas e líquidos,
visando à redução de complicações e a adequação a menor
capacidade de excreção do rim. Entretanto, na maioria
dos pacientes a doença progride necessitando de terapias
substitutivas como diálise ou transplante renal (Sonis et al.,
1996).
Existem dois tipos de diálise, a hemodiálise e a diálise
peritoneal. A hemodiálise, como a diálise peritoneal,
são terapias que visam substituir a função dos rins
proporcionando maior sobrevida aos pacientes acometidos
sem apresentar cura para a IRC. Somente com transplante
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renal os indivíduos acometidos pela doença são liberados
dessas terapias (Ajzen & Schor, 2002).
A IRC acarreta alterações notáveis nas funções
relacionadas à primeira linha de defesa. Os granulócitos,
principalmente em pacientes em hemodiálise, apresentam
deficiência em várias funções de defesa, tais como:
quimiotaxia, fagocitose, metabolismo oxidativo e
degranulação. As células mononucleares periféricas também
exibem fagocitose deficiente e reduzida capacidade de
produção de citocinas. Desta forma, verifica-se aumento
na suscetibilidade a infecções, decorrente de diminuição da
imunidade celular (Prado et al., 2001).
A presença de um número limitado de espécies
bacterianas é pré-requisito para dar início e levar a progressão
da doença periodontal; no entanto, principalmente, na
periodontite o que determina a prevalência e a severidade
da doença é a interação da resposta imunológica do
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hospedeiro com a agressão microbiana (Kinane, 2001). Dessa
forma, no contexto multifatorial da doença periodontal
existe uma complexa interação, incluindo bactérias
específicas, mecanismos de defesa e a interferência de fatores
comportamentais, sociais, sistêmicos e genéticos do indivíduo
influenciando na progressão da periodontite (Genco, 1996).
Jenabian et al. (2013) avaliaram a condição periodontal de
pacientes em tratamento de hemodiálise no Hospital de Babol,
norte do Irã. Os autores demonstraram que a maior duração
do período de hemodiálise esteve associada a aumento
na severidade da doença periodontal, especificamente em
pacientes da gênero masculino.
Indivíduos submetidos à hemodiálise apresentaram
prevalência elevada de periodontite com predomínio da forma
generalizada (Gonçalves et al., 2007). A ocorrência de doença
periodontal nos pacientes renais crônicos em tratamento de
hemodiálise indica a necessidade de tratamento odontológico
para remoção desses focos infecciosos, impedindo o impacto
negativo na doença renal (Souza et al., 2005).
O objetivo do presente trabalho foi avaliar a condição de
higiene bucal em pacientes com insuficiência renal crônica em
tratamento de hemodiálise.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e
Pesquisa da Faculdade de Pindamonhangaba, sob o protocolo
nº 154/2011. Para a realização deste trabalho foi realizado um
estudo transversal dos hábitos de higiene bucal dos pacientes
do “Centro de Hemodiálise do Hospital Regional do Vale do
Paraíba”, diagnosticados com IRC e tratados por hemodiálise
três vezes por semana, por quatro horas. Os indivíduos foram
previamente informados sobre as características da pesquisa
e aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os dados foram coletados em setembro de 2011 por
meio de questionário e exame clínico. Os resultados obtidos
foram apresentados percentualmente e por meio de tabelas.
Os critérios de exclusão para este estudo foram a presença
de no mínimo 6 dentes na cavidade bucal ou serem edêntulos.
Pacientes portadores de Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (AIDS/HIV), Hepatites B ou C, usuários de tabaco e
os que não responderam ao questionário referente à higiene
bucal.
O questionário referente aos hábitos de higiene bucal
incluía frequência de retorno ao dentista, frequência de
escovação diária, dureza da escova dental, uso de fio dental
e de enxaguatórios bucais.
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RESULTADOS
Dos 96 pacientes examinados do Hospital Regional
do Vale do Paraíba (Taubaté/São Paulo) apenas 41 (43%)
participaram da pesquisa. Cinquenta e quatro pacientes
foram excluídos devido a presença de menos de 6 dentes
na cavidade oral (n = 34), por serem edêntulos (n = 6),
portadores de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS/HIV) (n = 1), portadores de Hepatites B ou C (n = 3),
pacientes que faziam uso do tabaco (n = 2) e os pacientes
que não responderam ao questionário referente a higiene
bucal (n = 8).
Foram avaliados 27 indivíduos (66%) do gênero masculino
e 14 indivíduos (34%) do gênero feminino. Os pacientes
apresentaram idade de 23 a 84 anos, com média de 55 anos
e o desvio padrão de 14,36. O tempo de hemodiálise (HD)
foi de 1 mês até 44 meses, sendo a média de 25 meses e o
desvio padrão de 12,22 meses.
Do total de pacientes, apenas 13 (32%) realizavam
bochecho com enxaguatório bucal, a grande maioria usava
dentifrícios (n = 39, 96%) e a maioria não fazia uso do fio
dental (n = 30; 74%) (Tabela 1).
Tabela 1. Presença de hábitos de higiene bucal (n=%).
HÁBITO DE
HIGIENE BUCAL
PRESENTES
AUSENTE
SEM
RESPOSTA
Usa dentifrício?
39 (96%)
1 (2%)
1 (2%)
Usa fio dental?
1 (2%)
30 (74%)
10 (24%)
Bochechos com
enxaguatórios
bucais?
13 (32%)
18 (44%)
10 (24%)
Com relação à frequência de retorno ao dentista,
verificou-se que apenas 10 (24,5%) pacientes realizaram
retorno semestral, 7 (17%) retornavam ao consultório
odontológico anualmente, 14 retornavam (34%) a cada dois
anos ou mais e 10 pacientes (24,5%) não visitavam o dentista
frequentemente (Tabela 2).
Tabela 2. Frequência de retorno ao dentista (n = 41).
Retorno ao dentista
n
%
Semestral
10
24,5
Anualmente
7
17
A cada 2 anos ou mais
14
34
Não retornam
10
24,5
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Pacientes renais crônicos apresentam alterações da saúde
bucal, tais como: elevado acúmulo de placa e cálculo dentário,
diminuição da secreção salivar, hálito urêmico e palidez
da mucosa bucal (Souza et al., 2005), além de gengivite e
periodontite (Silva, 2000). As infecções bucais podem trazer
sérias complicações ao quadro sistêmico em pacientes renais
crônicos por representarem focos de infecção (Dias et al.,
2007).
Os pacientes renais crônicos não apresentam diferença em
relação aos microrganismos na flora bucal, em relação aos não
nefropatas; porém, estes pacientes são potenciais formadores
de cálculo dental (Fujimaki et al., 1998). O acúmulo de cálculo
dental em pacientes renais em hemodiálise ocorre em nível
acelerado devido ao produto cálcio-fostato-sérico alterado. A
gengiva marginal por sua vez, apresenta-se frequentemente
inflamada com tendência a hemorragia (Silva, 2000).
Neste trabalho, podemos enfatizar a reduzida frequência
de retorno ao dentista, visto que a maioria dos pacientes
realizava retornos a cada 2 anos ou mais (34%) ou não
retornava ao dentista com frequência (25%). O retorno
semestral favorece a solução de problemas iniciais como cáries,
gengivite e periodontite, possibilitando que essas patologias
sejam diagnosticadas e tratadas em sua fase inicial, evitando
seu agravamento.
Verificamos que praticamente a totalidade da amostra
usava dentifrícios (96%), com alta frequência de escovações
diárias entre 3 vezes ao dia (47%) e 2 vezes ao dia (29%)
usando escovas dentais macias (37%) ou médias (32%),
as quais representam as dureza indicadas. Apenas 1/3 da
amostra (32%) faziam uso de enxaguatórios bucais e a maioria
não usava o fio dental (74%). Verifica-se que as faces dentárias
interproximais estavam com a higiene insatisfatória e as faces
dentais livres apresentaram frequência e uso de recursos e
produtos de higiene dental suficiente.
Na amostra 32% dos pacientes relataram o uso de
enxaguatórios bucais não especificados. O uso de soluções
bucais antimicrobianas livres de álcool pode diminuir a taxa
de microrganismos orais patogênicos (Weinert & Heck, 2011).
Souza et al.( 2005) enfatizaram que os pacientes
em hemodiálise necessitam de atenção odontológica e
orientações de higiene bucal, devendo ser conscientizados da
importância da saúde bucal na manutenção de sua condição
sistêmica. Da mesma forma, nossos pacientes receberam
recursos para higienização, foram orientados e motivados a
realizar adequada higiene bucal e manter retorno periódico
ao dentista. Além de receberem informações da repercussão
da deficiência da saúde bucal na doença renal.
No tratamento dialítico normalmente há administração de
heparina que permite que o sangue passe pelo equipamento
de diálise sem coagular. A meia vida plasmática da heparina é
curta, de aproximadamente quatro horas. Os procedimentos
bucais eletivos deverão ser realizados no dia seguinte ao
tratamento da hemodiálise, isso permite que a heparina
utilizada durante a diálise seja metabolizada (Peterson et al.,
2000).
As vias de acesso de hemodiálise são suscetíveis a
infecções, devendo-se considerar o uso de antibiótico como
terapia profilática antes de procedimentos odontológicos
invasivos, pois esses pacientes apresentam risco aumentado
de desenvolverem endocardite bacteriana (Prado & Salim,
2004).
Verifica-se na literatura informações sobre a redução da
qualidade de vida dos pacientes renais crônicos submetidos
a tratamento renal substitutivo, a qual se agrava conforme
aumenta o tempo de terapia e o avanço da idade (Guedes
& Guedes, 2012).
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Os resultados referentes à frequência de escovação diária
demonstraram que a maior parte dos pacientes realizava três
escovações diárias (n = 19; 47%) seguido por duas escovações
diárias (n = 12; 29%) (Tabela 3).
Tabela 3. Frequência de escovação diária (n = 41).
Escovação diária
N
%
1 vez
3
7
2 vezes
12
29
3 vezes
19
47
4 vezes
5
12
Não responderam
2
5
O tipo de escova dental mais usada pelos pacientes foi a
macia (n = 15; 37%), seguida da média (n = 13; 32%) e da
dura (n = 12; 30%) (Tabela 4).
Tabela 4. Dureza da escova dental (n = 41).
Dureza da escova dental
N
%
Macia
15
37
Média
13
32
Dura
12
29
Não responderam
1
2
DISCUSSÃO
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Fatores psicossociais como a depressão ocasionam baixa
qualidade de higiene bucal e consequente deficiência na
saúde bucal devido a acúmulo do biofilme dental podendo
ter influência na doença periodontal (Castilho et al., 2007).
Tal situação foi demonstrada em estudo sobre qualidade de
vida e status de saúde periodontal em pacientes submetidos
à hemodiálise (Guzeldermir et al., 2009).
Atassi (2002) enfatiza que devido às inúmeras visitas ao
hospital e a preocupação com a saúde geral, é possível que
ocorra significante negligência referente à saúde bucal com
propensão a doença periodontal nos pacientes acometidos
por IRC em hemodiálise.
A condição de saúde bucal foi avaliada em pacientes
submetidos à terapia de hemodiálise na Índia. Os resultados
do estudo identificaram piora na saúde bucal com o aumento
da duração do tratamento, contribuindo significativamente
para a morbidade e potencial mortalidade entre os indivíduos.
Tal observação justifica a necessidade de intensificação das
modalidades assistenciais em saúde bucal preventivas nesses
pacientes (Jain et al,. 2014).
most did not flossing (n = 30, 74%). Only 24% of patients did
return to the dentist every six months, returning 17% annually,
34% every two years or more and 25% were not in the habit
of visiting the dentist. A soft toothbrush is the most widely
used (37%) followed proximity with the average (32%). Most
reported brush their teeth three times a day (47%), followed
by twice daily (29%).
Conclusions: In patients with CRF on hemodialysis,
observed deficiency in oral hygiene habits. The motivation
and guidance of dental care should be emphasized by the
dentist, in order to improve oral health and consequent
systemic health.
UNITERMS: Chronic renal disease, Hemodialysis, Oral
health.
CONCLUSÃO
Apesar da maioria dos pacientes relatar o uso de
dentifrício, escolha adequada da escova dental e frequência
de escovação adequada, esses pacientes não faziam o uso de
fio dental e não tinham o hábito de buscar cuidados regulares
de prevenção e tratamento da saúde bucal.
Desta forma, conclui-se que os hábitos de higiene
bucal dos pacientes nefropatas em Hemodiálise do Hospital
Regional do Vale do Paraíba foram deficientes. Necessitando
de motivação e orientação por parte do dentista a fim
de contribuir para melhoria da qualidade de vida desses
pacientes, evitando impacto negativo na doença renal e
contribuindo para o sucesso de um possível transplante.
ABSTRACT
Hemodialysis patients show deficiency in oral hygiene,
what causes a higher incidence of periodontal disease.
Objective of present study was evaluate the oral hygiene habits
of patients with chronic renal failure (CRF) in hemodialysis at
Regional Hospital of Paraiba Valley. Questionnaires about the
oral hygiene habits of 96 patients were used. After applying
the exclusion criteria 41 subjects were included in the study,
14 were females (34%) and 27 were male (66%). These
patients had a mean age of 55 years and mean duration of
hemodialysis of 25 months. Most patients use toothpaste (n =
39, 96%), only 13 (32%) performed rinse with mouthwash and
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Endereço para correspondente:
Profa. Dra. Daniela Martins de Souza
FUNVIC – Faculdade de Pindamonhangaba
Rua Marechal Deodoro da Fonseca, 316 – Centro
CEP: 12 401-010 – Pindamonhangaba – São Paulo – Brasil
Tel.: 55 12 3648-8323
E-mail: [email protected]
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