REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA HANSENÍASE EM TERESINA – PI
Állin Láuren de C S Sarmento (Bolsista PIBIC/UESPI), Samira Costa Clark (Colaboradora
PIBIC/UESPI), Thalyta Pereira Frota (Colaboradora PIBIC/UESPI), Luciana Saraiva e
Silva (Orientadora PIBIC/UESPI)
INTRODUÇÃO
A hanseníase é uma doença crônica, causada pelo bacilo Mycobacterium leprae –
bacilo de Hansen – caracterizada pelo aparecimento de manchas anestésicas na pele e
espessamento nos nervos periféricos. O comprometimento dos nervos periféricos é a
característica principal da doença, dando-lhe um grande potencial para provocar
incapacidades físicas que podem, inclusive, evoluir para deformidades1-2. O Ministério da
Saúde estabelece que uma pessoa que apresente uma ou mais de uma das seguintes
características e que requer poliquimioterapia: lesão(ões) de pele, com alteração de
sensibilidade; acometimento de nervo(s) com espessamento neural; baciloscopia positiva
define um caso de hanseníase.3
Anteriormente chamada de lepra, a hanseníase, desde os tempos bíblicos até o
período moderno, sofreu uma verdadeira estigmatização secular. Na idade média, os
doentes eram obrigados a usar vestimentas características que o identificavam como
portador do “mal”, além de, ao andar, fazia-se soar uma sineta para avisar os sadios de sua
aproximação . De fato, pouco se sabia sobre a doença e seu tratamento; assim, ela evoluía
até que o paciente fosse levado a óbito. Nesse processo de evolução, os sintomas
dermatológicos agravavam-se de tal maneira no corpo, que causavam horror perante a
população. A lepra era vista como “a doença em que caíam os pedaços”, e o doente
“desfigurado” pelas lesões ulcerantes na pele e deformidades nas extremidades, era
excluído do convívio social e isolado nos leprosários.4
A internação compulsória desses doentes repercutiu na vida dessas pessoas de
forma quase irreversível, algumas perderam suas famílias, seus empregos, suas identidades
e tiveram que enfrentar uma nova realidade 5.
A partir da década de 40, no entanto, o isolamento nos leprosários começou a ser
questionado. Com a descoberta da sulfona, primeira droga efetiva contra o bacilo causador
da doença, iniciou-se um processo de reflexões e críticas a cerca da segregação dos
hansenianos, o que posteriormente levou ao abandono formal do isolamento compulsório
através da Lei nº 986, de 7 de maio de 1962. Somado a isso, no Brasil, a descentralização
2
do tratamento da doença com a criação do Programa de Controle Nacional contra a
Hanseníase (PCNH) e a implementação da poliquimioterapia (PQT) no tratamento
ambulatorial proporcionaram a saída dos enfermos dos leprosários e sua volta ao convívio
social 6.
Começou, então, paralelamente, um movimento com o intuito de minimizar o
preconceito e o estigma contidos no termo "lepra". Assim, o Ministério da saúde aboliu
oficialmente o uso da palavra lepra e seus derivados, passando a ser designada como
"hanseníase", fato legalizado através da Lei nº 9.010 de 29/03/1995. Iniciaram-se pelo
PCNH, posteriormente, já na década de 80, campanhas de divulgação por meio de
propagandas televisivas e radiofônicas, cartazes, panfletos e cartilhas, tendo em vista uma
disseminação do conhecimento da doença, sua prevenção e forma de tratamento7.
Devido aos altos números de casos da doença notificados no Estado do Piauí8, é
importante verificar, na visão do portador, a sua leitura sobre a doença em questão,
traçando um paralelo com a situação brasileira sobre aspectos como estigmatização social,
efetividade das campanhas veiculadas pelo Ministério da Saúde9, relacionamento com as
pessoas do seu entorno e possibilidade de acesso ao trabalho, com o intuito de apontar
melhorias no planejamento de ações mais eficazes para esta camada da população.
OBJETIVOS
O principal objetivo do presente trabalho é analisar, na visão do portador, a sua percepção
sobre a Hanseníase. Mais especificamente, verificando de que forma acontece o
preconceito social vivido pelo hanseniano; analisando como as campanhas publicitárias
veiculadas pelo Ministério da Saúde atingem os hansenianos; sugerindo medidas eficazes
de esclarecimento das pessoas não-portadoras como medida de prevenção.
METODOLOGIA
Antes da realização das entrevistas, submeteu-se a pesquisa à análise do Conselho
de Ética, sendo esta aprovada com o protocolo nº 288/10 e CAAE 1378.0.000.044-10.
A pesquisa constituiu-se de entrevistas estruturadas, compostas de perguntas a
respeito da doença e do estigma sofrido pelos pacientes, sobre as quais se esperava uma
resposta subjetiva, tendo por objetivo eliminar o viés das respostas pré-sugeridas.
3
Foram entrevistados 20 pacientes em instituição de referência na cidade de Teresina
para diagnóstico e tratamento dos casos de hanseníase. O cálculo da amostra foi feito com
base nos pacientes que poderiam ser entrevistados, excetuando crianças e menores de 18
anos. A instituição escolhida para realização deste trabalho foi o Centro Maria Imaculada
localizado na Rua 19 de novembro, Nº 4370, Zona Norte, Bairro Memorare. O número de
pacientes foi escolhido tendo como base a quantidade de variáveis e o número de pacientes
que era atendido na instituição na data em que se desenvolveu a pesquisa.
O Centro Maria Imaculada, segundo números cedidos pela própria instituição,
atende hoje a 60 pacientes portadores de hanseníase. Esse número é inferior ao número de
casos diagnosticados na instituição, pois a maioria dos pacientes transfere-se para postos
mais próximos de seu domicílio.
Os entrevistados responderam às perguntas em sala reservada cedida pela direção
da instituição e tendo previamente sido esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e,
então, assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas eram
gravadas e, posteriormente, transcritas para serem categorizadas e analisadas. As
entrevistas foram armazenadas e receberam um número de identificação para garantirem o
sigilo dos participantes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os pacientes atendidos na Instituição onde foi realizada a pesquisa eram pacientes
que haviam sido diagnosticados recentemente e por isso, apresentavam visões atuais a
respeito da doença.
Quanto à denominação, 35% declararam conhecer como lepra, 10% conheciam
como hanseníase, 15% não conheciam a doença e 40% não souberam responder
(GRÁFICO 1). Quando indagado a respeito da antiga denominação da doença um dos
entrevistados afirmou:
“Até mesmo o pessoal da igreja ainda tem preconceito, porque essa doença é uma doença
dos tempos bíblicos. E naquela época quando a pessoa adoecia assim ele ia jogado fora
do arraial. Até um tempo desses quando a pessoa adoecia era separado da família, então
quando se diz que está com hanseníase, os que já sabem que significa lepra, por causa
daquilo lá atrás, tem o mesmo preconceito ainda.”
4
Conheciam
como lepra
35%
Não
responderam
40%
Conheciam
como
hanseníase
10%
Não conheciam
a doença
15%
GRÁFICO
1.
CARACTERIZAÇÃO
DOS
ENTREVISTADOS
SEGUNDO
O
CONHECIMENTO A RESPEITO DA DENOMINAÇÃO DA DOENÇA. TERESINA,
2010
Entre as respostas registradas estava a afirmação de ser a hanseníase uma doença
diferente da lepra, porque segundo o entrevistado a lepra era uma doença que deixava
feridas e que chegavam a “cair os pedaços”. É importante analisar esta visão, pois, de
acordo com a literatura, era realmente este o estigma que se tinha sobre a palavra e,
segundo eles, não poderia ser alterado se o nome fosse mantido. 10
A respeito da reação dos entrevistados ao receber o diagnóstico 45% não sentiram
nada, 5% ficaram com medo, 10% ficaram surpresos e 40% não responderam (GRÁFICO
2). Segundo FEMINA, 2009, ao receberem o diagnóstico de hanseníase, os pacientes
diagnosticados sentiam medo, em suas diversas formas, a respeito da doença. Este
sentimento não foi referido pelos entrevistados, mas estes referiam a vontade de ficarem
curados, realizando o tratamento.
Não
responderam
40%
Ficaram
surpresos
10%
Não sentiram
nada
45%
Sentiram medo
5%
GRÁFICO 2. REAÇÕES DOS ENTREVISTADOS DIANTE DO DIAGNÓSTICO DA
DOENÇA. TERESINA, 2010
5
Para 30% dos entrevistados a doença chegou a interferir no desenvolvimento de
suas atividades diárias tendo que abandonar o trabalho, sendo esta incapacidade referida
principalmente quando a forma clínica adquirida acometia o sistema nervoso periférico,
forma clínica denominada tuberculóide, 10% relatam ter atrapalhado no trabalho e 25%
não ter atrapalhado no trabalho, 20% não trabalhavam e 15% não responderam. Um dos
entrevistados falou sobre poder continuar trabalhando:
“Não posso mais trabalhar, porque eu trabalho carregando peso, por isso, estou vivendo
praticamente de favor.”
Não
responderam
15%
Parou de
trabalhar
30%
Não trabalhava
20%
Não atrapalhou
25%
Atrapalhou no
trabalho
10%
GRÁFICO 3. CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS A RESPEITO DA
REPERCUSSÃO DOS SINTOMAS DA DOENÇA EM RELAÇÃO AO SEU
TRABALHO. TERESINA, 2010
O conhecimento dos pacientes a respeito da hanseníase era variável, vindo desde as
informações passadas pela mídia, ou a proximidade com alguém que já havia contraído a
doença até os relatos de conhecer a doença com todo seu estigma. Um dos entrevistados,
ao ser interrogado sobre seu conhecimento a respeito da doença antes de contraí-la
afirmou:
“Eu sabia que era uma doença muita contagiosa, perigosa, achava que quem pegasse ela,
tinha que ficar isolado, pois as pessoas tinham medo de pegar.”
A partir da interrogação do seu conhecimento sobre a doença, aproveitou-se para
interrogar a respeito do que eles acreditam ser aquilo que as pessoas não saibam sobre a
hanseníase e, os entrevistados respondiam, até mesmo incluindo-se, que não sabiam a
forma de contágio da doença, um deles chegou a se interrogar como contraiu tal
enfermidade:
6
“Eu acho que o governo na campanha ele diz assim é uma doença que tem cura, mas
deveria explicar como pegar. As pessoas não aceitam e não entendem, essas pessoas não
compreendem que pode acontecer com qualquer pessoa. Isso que é difícil da pessoa
entender. Eu acho que o governo devia trabalhar com a forma de contágio, que é o que é
difícil das pessoas aceitarem.”
Com relação ao preconceito,foi relatado com bastante cautela por alguns, e para
outros, este não existia. A respeito do preconceito vivenciado entre a família, 15%
sofreram preconceito, 65% não sofreram preconceito, 5% não contaram e 15% não
responderam. Em comparação com o preconceito vivido entre amigos e pessoas próximas,
25% sofreram preconceito, 35% não sofreram preconceito, 20% não contaram e 20% não
responderam. (GRÁFICO 4)
Sofreram preconceito
Não sofreram preconceito
Não contaram
Não responderam
5%
15%
15%
65%
GRÁFICO 4. CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS A RESPEITO DO
PRECONCEITO FRENTE À SUA FAMÍLIA. TERESINA, 2010
Em um dos entrevistados o preconceito deixou marcas mais evidentes. Perguntado
se havia sofrido algum preconceito, relatou:
“Sofri, porque meu corpo ficou deformado, inchado... essa é uma das piores doenças que
existe.”
Portanto, a maior porcentagem(65%) dos entrevistados teve o apoio da família, mas
preferia não falar para os amigos ou vizinhos, alegando evitar sofrer algum tipo de
preconceito ou afastamento, enquanto que apenas 5% não contaram para a família
(GRÁFICO 5).
7
Sofreram
preconceito
25%
Não responderam
20%
Não contaram
20%
Não sofreram
preconceito
35%
GRÁFICO 5. CARACTERIZAÇÃO DA RESPOSTA DOS ENTREVISTADOS A
RESPEITO
DO
PRECONCEITO
SOFRIDO
ENTRE
AMIGOS
E
PESSOAS
PRÓXIMAS. TERESINA, 2010
A alteração da denominação da doença foi vista pelos portadores de hanseníase
como tendo diminuído o preconceito para 25% dos entrevistados, apesar de outros 25%
referirem não terem visto mudança e 50% não terem sabido responder (GRÁFICO 6).
Entre as respostas registradas, um entrevistado declarou:
“O preconceito ninguém tira de ninguém, você pode até chamar essa doença de gripe, as
pessoas não vão deixar de ter preconceito”
Diminuiu o
preconceito
6%
Não alterou
31%
Não souberam
responder
63%
GRÁFICO 6. PORCENTAGEM DOS ENTREVISTADOS QUE CONSIDERAM QUE A
MUDANÇA DE NOME ALTEROU O PRECONCEITO. TERESINA, 2010
Entre as respostas coletadas um acredita que as pessoas não tem preconceito porque
desconhecem a hanseníase e outro refere também não haver preconceito por serem doenças
8
diferentes. Um dos entrevistados ao ser interrogado se a mudança de nome diminui o
preconceito sobre a hanseníase respondeu:
“Eu acho que sim. Porque mudou alguma coisa. Porque eu conhecia que chamava lepra,
depois mudou pra doença da pele e de certo tempo mudou pra hanseníase. Eu lembro que
era uma doença que não tinha cura. Hoje já tem cura.”
Sobre as campanhas promovidas pelo Governo Federal de esclarecimento dos
sintomas e sinais da doença e dos “mutirões” para consultas, 50% dos entrevistados acham
que aumentou o conhecimento a respeito da doença, 5% acham que não aumentou o
conhecimento da doença, 5% acreditam que diminuiu o preconceito, 20% não souberam
responder, 10% acham que não são suficientes, 10% acreditam que deveria ter foco sobre a
forma de transmissão (GRÁFICO 7). Um dos entrevistados descreveu como havia
descoberto a doença:
“Pelas manchas. Eu vi a campanha da hanseníase e fui pro Parque Piauí e lá fizeram os
testes, tudo direitinho, eles ficaram preocupados porque não tem nada dormente, fiz novos
testes, tudo zero. Tudo o que eles fizeram eu senti. Eu adorei a avaliação que eles fizeram,
porque eu nunca pensei que a hanseníase podia ser um caso tão sério como é... a gente tá
fora, não sabe, no momento que a gente passa a conhecer melhor o tratamento é que a
gente vai saber como é importante se cuidar.”
10%
5%
10%
50%
20%
5%
Aumentou o conhecimento das
pessoas a respeito da doença
Não aumentou o conhecimento
das pessoas a respeito da doença
Não souberam responder
Acham que são insuficientes
Acham que deveriam focar sobre
a forma de transmissão
Diminuiu o preconceito
GRÁFICO 7. CARACTERIZAÇÃO DAS OPINIÕES DOS ENTREVISTADOS A
RESPEITO DAS CAMPANHAS REALIZADAS PELO GOVERNO FEDERAL.
TERESINA, 2010
A ajuda dessas informações receberam ênfase pelos entrevistados:
“Pelas campanhas é que a pessoa fica sabendo, o que é, como é que é, que tem
tratamento, eu acho que melhora muito essa campanha.”
9
Portanto, as informações disponibilizadas pela mídia, através do Ministério da
Saúde e instâncias vinculadas, estão propiciando um maior conhecimento a respeito das
características da hanseníase para que a população procure atendimento médico.
CONCLUSÕES
Através dos dados colhidos nas entrevistas pôde-se notar que a hanseníase ainda
carrega o estigma da sua denominação anterior, lepra. No entanto, a maior informação
disponibilizada à população e ao tratamento gratuito e acessível dado aos portadores a
doença tem sido tratada com maior tranqüilidade por aqueles por ela acometidos.
As campanhas promovidas pelo Ministério da Saúde através das suas diversas
instâncias estaduais e municipais aumentaram a capacidade dos pacientes procurarem
atendimento médico pelo aparecimento de sintomas simples, que são responsáveis por boa
parte dos diagnósticos entre os portadores entrevistados.
Apesar disso, a mudança de nome não tem conseguido reduzir o estigma a que esta
enfermidade está relacionada e a maioria dos entrevistados foi vítima de alguma forma de
preconceito ou desconhece-o por não associar a doença à sua denominação anterior.
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Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/reben/v61nspe/a09v61esp.pdf >
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9. BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Vigilância em Saúde,
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Disponível
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http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/hanseniase_plano.pdf. Acesso em:
setembro de 2010
10. ROTBERG, A. A "tecnicamente impossível educação sobre lepra" - e uma
advertência ao mundo endêmico. Hansenologia Internationalis. Vol. 3, número 2,
109-112 p., 1978
11
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