Rev. bras. fisioter. Vol. 7, No. 2 (2003), 151-158 ©Associação Brasileira de Fisioterapia AVALIAÇÃO MULTIDIMENSIONAL DA DOR EM PORTADORES DE DESORDEM TEMPOROMANDffiULAR UTILIZANDO UMA VERSÃO BRASILEIRA DO QUESTIONÁRIO MCGILL DE DOR Oliveira, A. S., 1 Bermudez, C. C.,2 Souza, R. A., 2 Souza, C. M. F} Castro, C. E. S. 3 e Bérzin, F. 4 1 Centro Universitário do Triângulo, UNIT, Uberlândia, MG, Brasil ZCentro Universitário de Araraquara, UNIARA, Araraquara, SP, Brasil 3 Universidade Federal de São Carlos, UFSCar, São Carlos, SP, Brasil 4 Faculdade de Odontologia de Piracicaba, FOP-UNICAMP, Piracicaba, SP, Brasil Correspondência para: Anarnaria Siriani de Oliveira, Av. Guarulhos, 573, ap. 154B, Jd. S. Francisco, CEP 07023-000, Guarulhos, SP, e-mail: [email protected] Recebido: 30/9/02 - Aceito: 17/3/03 RESUMO O objetivo deste estudo foi avaliar, discriminar e comparar a queixa dolorosa de portadores de desordem temporomandibular (DTM), classificados segundo índice clínico de diagnóstico, utilizando versão brasileira do Questionário McGill de Dor (Br-MPQ). Foram estudados 23 pacientes, sendo 21 mulheres e 2 homens (28 ± 11 anos). Oito voluntários foram classificados como portadores de DTM moderada e 15 como de severa. São apresentadas as distribuições das freqüências dos achados do Br-MPQ e os resultados do teste Q-quadrado, com nível de significância de 5%. No grupo DTM severa a articulação temporomandibular foi anotada como a região mais dolorosa, enquanto no grupo DTM moderada foi a cervical (p < 0,05). O músculo temporal foi indicado como o mais doloroso por ambos os grupos (p < 0,05). Para o padrão temporal da dor, 50% do grupo com DTM moderada anotou a característica ritmada, periódica, intermitente, enquanto o grupo DTM severa preferiu o padrão contínuo, estável, constante. A anális_e da intensidade da dor (PPI) revelou que o grupo DTM severa concentrou as anotações em níveis de intensidade menores que o grupo DTM moderada (p < 0,05). Os valores médios da intensidade da dor (PRI) foram maiores para a dimensão de palavras mistas em ambos os grupos. Assim, os resultados do Br-MPQ foram capazes de diferenciar o padrão temporal, o local dt~ maior queixa de dor e a intensidade da dor de portadores de DTM classificados por um índice diagnóstico. No entanto, o caráter afetivo, ligado à memória e à percepção das dores relacionadas a essa desordem, foi semelhante entre os grupos de estudo, independentemente da severidade. Palavras-chave: dor, questionário McGill, desordem temporomandibular e índice anamnésico. ABSTRACT The aim of this study was to evaluate, discriminate and compare the pain complaints by the Brazilian version of the McGill Pain Questionnaire (Br-MPQ) applied to patients classified by the severity of their symptoms of the temporomandibular disorders (TMD). Twenty-three patients, 21 females and 2 males (28 ± 11 years), volunteered to participate in this experiment. Fifteen patients were classified as severe and eight as moderate TMD. The results are displayed by frequency distribution and scores were tested for significant differences by Q-squared test, with significance levei set as 5%. The painful region more frequently indicated by the severe TMD group was that over temporomandibular joint, while the moderate TMD group marked the cervical region more frequently (p < 0.05). The temporalis muscle was the masticatory muscle more indicated as painful for both groups (p < 0.05). Fifty percent of the moderate TMD group patients related a rhythmic, intermittent, periodic pain. The more frequent temporal pattern was a pain reported as stable, constant and continuum. The present pain intensity (PPI) analysis showed that the severe TMD group concentrated their scores at lower intensity leveis than scores chosen by the moderate TMD group (p < 0.05). The mean weighed pain-rating indexes (PRI) for each chosen pain dimensions were similar for both groups and the values to mixed words dimensions were distinctly high. In conclusion, the Br-MPQ showed a consistent discrirninative c:apacity between severe and moderate TMD, indicated by pain localization and PPI. Moreover, the higher effective scores linked to pain memory and perception were similar for both groups of patients. Key words: pain, pain assessment, pain questionnaire, MPQ, temporomandibular di~orders. Rev. bras. fisioter. Oliveira, A. S. et al. 152 INTRODUÇÃO Desordem temporomandibular (DTM) é uma deno~ minação genérica para o subgrupo das desordens dolorosas orofaciais, que envolve queixas de dor sobre a região da articulação temporomandibular ou, ainda, fadiga dos músculos craniocervicofaciais, especialmente dos músculos da mastigação, limitação dos movimentos mandibulares e presença de ruídos articulares. Sua etiologia é multifatorial e está relacionada à tensão emocional, às interferências oclusais, à perda dentária ou má posição dos dentes, às alterações posturais, à disfunção da musculatura mastigatória e adjacente, às mudanças extrínsecas e intrínsecas dos componentes estruturais da articulação temporomandibular e/ou à combinação desses fatores. 1 Assim, descrever ou caracterizar pacientes portadores de DTM exige a utilização de diferentes ferramentas, válidas, sensíveis e confiáveis, que avaliem o maior número possível de sinais e sintomas apresentados nessa patologia. Na tentativa de simplificar o diagnóstico e padronizar amostras de pesquisas envolvendo portadores de DTM, alguns autores procuraram elaborar roteiros e questionários que abordam os principais sinais e sintomas, atribuindo índices clínicos diagnósticos para a classificação dos voluntários. 2 •3• 4 O índice anamnésico, proposto por Fonseca, 4 já foi aplicado à população brasileira e trata-se de uma escala de pontuação obtida pelas respostas de dez questões, que incluem constatação da presença de hábitos parafuncionais, limitação de movimento, ruídos articulares e percepção subjetiva de maloclusão e da tensão emocional. Dentre os aspectos considerados na classificação anamnésica proposta por esse autor, a dor parece ser o mais relevante, uma vez que quatro das dez perguntas se relacionam diretamente à investigação da ocorrência de cefaléia, dor na região cervical, na articulação temporomandibular e nos músculos da mastigação. Já o Questionário McGill de Dor (MPQ) permite avaliar outros aspectos do quadro doloroso, como seu padrão temporal, a localização da região dolorosa no mapeamento em diagramas do corpo humano e a intensidade da dor, por meio de escala âncora número-palavra. Além disso, e talvez principalmente, o MPQ possui descritores verbais quali e quantitativos designados a medir as dimensões sensoriais, afetivas, subjetiva e mista da dor. Uma das versões do MPQ para a língua portuguesa foi feita por Castro5 e escolhida para ser aplicada neste estudo. Embora nenhum trabalho relate a aplicação de uma versão brasileira do MPQ em voluntários portadores de DTM, sua versão original foi utilizada e os resultados obtidos foram capazes de discriminar as queixas de voluntários portadores de DTM do tipo artrogênica e miogênica, 6• 7 além de revelar elevado grau de componentes afetivos e de ansiedade nesses voluntários, quando comparados àqueles com outras condições orofaciais çlolorosas. 8• 9 Assim, o objetivo ~este trabalho foi avaliar, comparar e discriminar a queixa de dor em portadores de DTM, previamente classificados segundo o índice de severidade proposto por Fonseca,4 utilizando o MPQ em sua versão brasileira (BrMPQ), proposta por Castro. 5 METODOLOGIA Voluntários Para realização deste trabalho foi selecionado um grupo de 23 pacientes, sendo 21 mulheres e 2 homens, com faixa etária entre 17 e 55 anos (média de 28 ± 11 anos), da cidade de Araraquara e região, que procurou atendimento fisioterapêutico, com diagnóstico odontológico de DTM, durante um período de oito meses. Todos os voluntários apresentavam história de dores decorrentes da DTM há ao menos seis meses e com mais de uma tentativa de tratamento sem sucesso que, segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (Internacional Association for Study of Pain - IASP), 10 caracteriza um quadro clínico de dor crônica. A todos os voluntários foi solicitado o preenchimento do consentimento formal de participação, após o completo esclarecimento dos objetivos da pesquisa. Ainda como critério de inclusão, foi determinado o índice anamnésico da DTM de cada um dos voluntários, utilizando o questionário preconizado por Fonseca, 4 a fim de excluir pacientes que não obtivessem algum grau de severidade. Esse questionário permite classificar os voluntários em portadores de DTM leve, moderada e severa. Todos os voluntários que participaram deste estudo foram classificados como portadores de DTM severa (n = 15; 65,22%) ou moderada (n = 8; 34,78%). A distribuição em relação ao sexo mostrou que os únicos dois participantes do sexo masculino faziam parte do grupo classificado como portadores de DTM severa. Procedimento A avaliação da dor constou do questionário de dor Br-MPQ. As instruções necessárias para seu preenchimento foram dadas até que o voluntário as tivesse compreendido completamente, ficando o terapeuta à disposição para qualquer esclarecimento. Nesse questionário o paciente indicou primeiramente as regiões dolorosas em diagramas do corpo humano e, posteriormente, selecionou as palavras que melhor expressavam suas experiências em relação à dor da DTM. Essas palavras estavam distribuídas em 20 subclasses, sendo elas: 10 de dimensão sensorial, 5 de afetiva, 1 de avaliação subjetiva e 4 de palavras mistas. Ficou claro que poderia ser escolhida somente uma palavra em cada uma das subclasses, mas que não havia necessidade de escolher palavras em todas elas. O questionário permitiu, ainda, que o paciente elas- Avaliação da dor na desordem temporomandibular Vol. 7 No. 2, 2003 sificasse seu padrão temporal da dor e a intensidade da dor presente no momento da avaliação. O questionário foi aplicado sem controle de tempo o para completo preenchimento, a fim de não conduzir o voluntário a respostas apressadas. Nenhum dos voluntários teve dificuldade em seguir as instruções dadas, nem em entender o significado das questões, palavras ou expressões previstas no questionário. Em média, o tempo gasto com a aplicação desse instrumento foi de 25 minutos. Análise dos dados Do Br-MPQ são relatados os resultados relativos à localização, ao padrão temporal e à intensidade da dor presente (Present Pain lndex- PPI), além do valor ponderado de dor em escala (Pain Rate lndex- PRI). Também são apontadas as subclasses mais escolhidas pelos voluntários e, por fim, as palavras mais escolhidas nessas subclasses. A análise descritiva escolhida foi a distribuição de freqüência dos dados obtidos por meio do questionário Br-MPQ, sendo que a amostra foi separada de acordo com a classificação do índice de severidade proposto por Fonseca. 4 Para identificar diferenças estatisticamente significativas, com p menor ou igual a 0,05%, dentre as variáveis obtidas nos dois grupos de pacientes, o teste Q-quadrado foi aplicado a valores absolutos. RESULTADOS Por intermédio dos resultados obtidos no Br-MPQ para a localização da dor (Figura 1), o teste Q-quadrado revelou que a região mais indicada pelos portadores de DTM severa foi sobre a articulação temporomandibular (p < 0,05), enquanto o grupo de DTM moderada indicou mais freqüentemente a região cervical (p < 0,05). Entre os músculos da mastigação, o temporal foi o mais indicado como área de dor, tanto pelo grupo com DTM severa quanto pelo com moderada, porém sem diferenças significativas em relação ATM às demais regiões de anotação. Mais da metade dos voluntários de ambos os grupos de classificação indicou outra área do diagrama do corpo humano, não relacionada diretamente a queixas craniocervicofaciais, como local de dor. Para o padrão temporal da dor (Figura 2), 50% dos voluntários do grupo com DTM moderada anotaram que suas queixas tinham característica ritmada, periódica ou, ainda, intermitente. No grupo com DTM severa, a anotação mais freqüente foi o padrão 1, em que os descritores temporais eram contínuos, estáveis e constantes. Em ambos os grupos o padrão 3, breve, momentâneo e transitório, foi significativamente o menos escolhido (p < 0,05) em relação aos outros dois padrões. A intensidade da dor presente registrada no momento da avaliação, para ambos os grupos, está representada na Figura 3. A dor foi classilficada como moderada (ponto 2 na escala de O a 5) por um maior número de participantes, independentemente da classificação por severidade. No entanto, a somatória do número de voluntários que escolheu os índices O, 1 e 2 foi significativamente maior (p < 0,05) no grupo de desordem severa (93%) do que no grupo de moderada (63%). Nenhum voluntário identificou sua dor como violenta em qualquer dos. grupos de severidade. O valor ponderado do índice da dor em escala (PRI ponderado) (Tabela 1) é sugerido por Kremer et al.U como a melhor forma de representar a contribuição relativa de cada uma das dimensões da dor na composição global da dor percebida, uma vez que cada uma das dimensões apresenta um número de subclasses e descritores diferentes. No cálculo do PRI ponderado, o valor atribuído a cada uma das dimensões é a razão entre soma da intensidade escalar obtida em cada uma das dimensões e o valor total possível de cada uma delas. Assim, o valor zero indica que nenhum voluntário selecionou determinada dimensão e o valor 1 indica que todos anotararn a palavra de maior valor escalar na dimensão estudada. Localização da dor 87 Masseter 153 Temporal 88 Cervical D Severa !llJ Moderada Figura 1. Distribuição de freqüência das áreas indicadas como dolorosas no diagrama do corpo humano pelos voluntários classificados como portadores de desordem temporomandibula,r severa (n = 15) e moderada (n = 8). Rev. bras. fisioter. Oliveira, A. S. et ai. 154 Tabela 1. Médias e variações do índice de avaliação da dor em escala (PRI); ponderado para as dimensões: sensorial (S), afetiva (A), avaliativa (Av), mista (M) e soma total (T). N°da amostra Severidade PRI s A Av M T Severa 15 0,26 (0,06-0,73) 0,23 (0,23-0,82) 0,23 (0-0,8) 0,36 (0-0,75) 0,53 (0,08-0,76) Moderada 8 0,15 (0,26-0,79) 0,15 (0,11-0,70) 0,11 (0-0,8) 0,18 (0-0,67) 0,31 (0,16-0,75) Total 23 0,20 (0, 16-0,76) 0,19 (0,17-0,76) 0,17 (0-0,8) 0,27 (0-0,71) 0,42 (0,12-0,73) Padrão temporal da dor 50 E QJ OI L'! c: QJ ~ o c.. 3 2 O Severa lllil Moderada Figura 2. Distribuição de freqüência dos padrões temporais de dor anotados pelos voluntários classificados como portadores de desordem temporomandibular severa (n = 15) e moderada (n = 8). 1 =padrão 1: contínuo, estável, constante. 2 =padrão 2: ritmado, periódico, intermitente. 3 = padrão 3: breve, momentâneo, transitório. Intensidade da dor presente no momento da avaliação 40 E QJ OI L'c:! QJ u 13 . ~ o o o Sem dor Fraca 2 3 Moderada Forte 4 Violenta 5 Insuportável O Severa lllil Moderada Figura 3. Distribuição de freqüência dos índices anotados na escala de intensidade de dor, anotados pelos voluntários classificados como portadores de desordem temporomandibular severa (n = 15) e moderada (n = 8). 155 Avaliação da dor na desordem temporomandibular Vol. 7 No. 2, 2003 Os valores médios dos PRis ponderados, para cada uma das dimensões de caracterização da dor escolhidas pelos voluntários (Tabela 1), são similares e a variação entre os valores menores e maiores é bastante expressiva. Os valores da dimensão mista foram discretamente maiores para ambos os grupos de portadores de DTM. Os valores de PRI total para o grupo com DTM severa foram maiores que aqueles do grupo com DTM moderada, porém os índices máximos atingidos por ambos os grupos foram muito semelhantes. A escolha das subclasses de palavras em cada uma das dimensões está representada na Tabela 2. Para o grupo classificado como portador de DTM moderada, nenhuma dimensão obteve concordância absoluta entre os partici- pantes, ou seja, nenhuma das subclasses obteve 100% de escolha. No entanto, para o grupo de DTM severa, 3 subclasses da dimensão sensorial e uma subclasse das dimensões afetiva, avaliativa e de palavras mistas foram escolhidas por todos os voluntários do grupo. A preferência de escolha de descritores, nas subclasses mais freqüentes entre os portadores de DTM severa (n = 15) e moderada (n = 8), está representada na Tabela 3. Na dimensão de palavras mistas, subclasse emocional, "que deixa tenso" foi o descritor mais escolhido para o grupo com DTM severa (93,33%) e moderada (50%). Nas demais subclasses, os voluntários com desordem moderada obtiveram menor concordância entre os de:scritores escolhidos. Tabela 2. Freqüência de distribuição das escolhas das subclasses de palavras dos grupos de desordem temporomandibular (DTM) severa (n = 15) e moderada (n = 8). DTMmoderada DTMsevera Freqüência Subclasses escolhidas Freqüência Subclasses escolhidas Sensorial Sensorial 100% Temporal 75% Temporal 100% Compressão 62,5% Sensação geral 100% Sensação geral 50% Espacial Pressão ponto 73,33% Pressão ponto Tração 37,5% 37,5% Vivacidade 66,66% Espacial 37,5% Calor 66,66% Vivacidade 37,5% Surdez 53,33% Calor 37,5% Tração 39,99% Surdez 25% Compressão 26,66% Incisão 25% Incisão 73,33% Afetiva Afetiva 100% Desprazer 75% Desprazer 86,66% Cansaço 62,5% Cansaço 66,66% Medo 62,5 Autonômica 66,66% Punição Autonôrnica 37,5% Medo Punição 46,66% 37,5% Avaliativa 100% Subjetiva Avaliativa 75% Mista Subjetiva Mista 100% Emocionais 62,5% Dor/movimento 80% Dor/movimento Sensoriais Frio 62,5% 50% Emocionais Sensoriais 37,5% Frio 73,33% 33,33% Rev. bras. fisioter. Oliveira, A. S. et ai. 156 Tabela 3. Freqüência de distribuição da escolha das subclasses, feita pelos grupos de desordem temporomandibular (DTM) severa (n = 15) e moderada (n = 8). DTMsevera DTM moderada Sensorial Sensorial Subclasse Descritor Freqüência Subclasse Descritor Freqüência Temporal Latejante 60% Temporal Que vai e vem 37,5% Compressão Em pressão 60% Sensação geral Pesada 60% Afetiva Afetiva Subclasse Descritor Freqüência Subclasse Descritor Freqüência Desprazer Irritante 33,33% Desprazer Perturba 25% Irritante 25% Avaliativa Avaliativa Subclasse Descritor Freqüência Subclasse Descritor Freqüência Sujetiva Angustiante 60% Subjetiva Incômoda 37,5% Mista Mista Subclasse Descritor Freqüência Subclasse Descritor Freqüência Emocionais Deixa tenso 93,33% Emocionais Deixa tenso 50% Dor/movimento Prende 37,5% DISCUSSÃO Neste estudo, o questionário Fonseca4 mostrou ser uma ferramenta de aplicação simples e de fácil compreensão por parte dos voluntários, permitindo menor influência do examinador sobre o paciente e suas respostas. Seus resultados identificaram que todos os pacientes que procuraram atendimento fisioterapêutico, no período estudado, foram classificados como portadores de DTM severa ou moderada. Apesar do número reduzido de perguntas, a severidade estabelecida por esse índice anamnésico apresenta comportamento semelhante aos achados do PRI ponderado e ao valor atribuído aos descritores dentro das subclasses propostas no Br-MPQ, uma vez que os valores dessas duas últimas variáveis são maiores para o grupo com desordem severa. Essa relação entre os questionários estudados, no entanto, não viabiliza a supressão de qualquer um deles em uma avaliação do paciente com DTM, já que seus achados são distintos, assim como as contribuições para o conhecimento do caso e a tom~;tda de decisão clínica. Por meio dos resultados obtidos no Br-MPQ, em relação à localização da dor, constatou-se que a região mais indicada pelos portadores de DTM severa foi sobre a ATM. Esse resultado concorda com os achados de Dibbets & Van Der Weele, 12 que relatam como principal sintoma da desordem a dor localizada nas regiões das ATMs. No entanto, o grupo de DTM moderada indicou com mais freqüência a região cervical. Kovero & Kononem (1996), 13 em um estudo sobre os sinais e os sintomas da DTM, observaram alta incidência de dor na ATM, sensibilidade na musculatura mastigatória à palpação, desvios mandibulares e ranger dos dentes em adolescentes que tocavam violino com grande freqüência. Esses autores, assim como Rodrigues et al., 14 concluíram que a postura, inclusive da região cervical, pode se tornar um importante fator na etiologia da DTM. Essas alterações observadas nos músculos mastigatórios em razão da posição da cabeça também foram constatadas eletromiograficamente por Boyd et a/., 15 que afirma que mudanças na postura da cabeça interferem na posição de repouso da mandíbula. Assim, essa relação entre a postura e o acometimento cervical como fatores relacionados à DTM deve ser considerada na avaliação fisioterapêutica dos pacientes. No entanto, a aplicação dos questionários utilizados neste estudo é insuficiente para determinar se essa escolha depende da severidade da DTM, necessitando de mais estudos que correlacionem esses achados a dados de uma avaliação clínica. Vol. 7 No. 2, 2003 157 Avaliação da dor na desordem temporomandibular O padrão temporal da dor obtido pelo Br-MPQ indicou que o grupo DTM severa anotou com maior freqüência a categoria de dores contínuas, estáveis e constantes. Esse dado pode estar relacionado a estados inflamatórios dos tecidos envolvidos, uma vez que a presença de produtos inflamatórios e de substâncias alogênicas perpetuam as informações nociceptivas. A maior parte dos participantes do grupo com DTM moderada, no entanto, descreveu sua dor como ritmada, periódica e intermitente, sugerindo a percepção de intervalos entre eventos dolorosos, comum às dores de origem mecânica. Esse dado sugere a necessidade de uma anamnese bem direcionada, a fim de identificar, por exemplo, quais movimentos pioram ou aliviam a sintomatologia dolorosa ou, ainda, se há relação entre a amplitude de movimento e a queixa de dor. A análise do PPI no momento da avaliação também revelou características diferentes para os voluntários, de acordo com a severidade da DTM. Embora em ambos os grupos a maioria dos voluntários tenha indicado alguma intensidade de dor no momento da avaliação, o grupo DTM severa concentrou seus índices em níveis de intensidade menores que os do grupo DTM moderada. Assim como as demais características que descrevem a dor, o relato da intensidade pode ser influenciado por diversos fatores. Em geral, dores crônicas estão relacionadas a uma maior atenção à região dolorosa, depressão e resignação, comportamentos que podem resultar em relatos de intensidades de menor amplitude. 16 Os valores médios dos PRis, ponderados em cada uma das dimensões da dor, escolhidas por ambos os grupos, foram influenciados pela severidade da desordem e os valores da dimensão de palavras mistas foram discretamente maiores que os das demais dimensões, em razão da grande variação entre os índices. Considerando que essa dimensão é composta por palavras que, na versão original do MPQ, faziam parte das dimensões sensorial, afetiva e avaliativa subjetiva, e que a subclasse 20 (mista afetiva/avaliativa) foi a mais escolhida por ambos os grupos de voluntários, podemos ressaitar a conotação de desagradabilidade ligada à percepção e à memória das dores relacionadas à DTM. Essa desagradabilidade ficou bem estabelecida pela elevada concordância na escolha da expressão "que deixa tenso" nos dois grupos de severidade estudados. A sensação subjetiva de tensão emocional foi identificada por Pedroni et a/. 17 como uma característica importante da relação causa-efeito da DTM, observada em população não paciente, classificada em diferentes níveis de severidade pelo índice anamnésico proposto por Fonseca4 e, em população paciente, por Oakleyl 8 e Kampe et a/. 19 Também Christensen20 e Christensen & Mckay 21 atribuem ao estresse emocional o apertam_ento dentário e o aumento da tensão nos músculos da mastigação, que levaria a alterações circulatórias na musculatura, causando acúmulo de metabólitos, sensibilização e compressão de terminações nervosas livres e nocice:ptores. A menor concordância entre os descritores escolhidos para caracterizar a dor foi um achado para o grupo com DTM moderada. Esse resultado reflete maior variedade na percepção dos voluntários desse grupo a respeito de suas experiências dolorosas relacionadas à DTM e, também, confirma uma diferença na caractt:rística qualitativa da dor sentida por esses pacientes em relação aos portadores de desordem severa. Assim, uma gama mais variada de palavras pode ser escolhida por esses pacientes para descrever as dores relacionadas à DTM. Assim, a aplicação do Br-MPQ mostrou-se importante na identificação de componentes multidimensionais da queixa de dor de portadores de DTM, abrindo possibilidade para realização de outros estudos sobre a aplicação desse questionário no acompanhamento dos resultados da intervenção fisioterápica para alívio de dor nos voluntários. CONCLUSÕES A versão brasileira do questionário MPQ, proposta por Castro, 5 foi útil para diferenciar o padrão temporal, a localização e a intensidade da dor de portadores de DTM previamente classificados por severidade de seus sintomas, como proposto por Fonseca. 4 No entanto, a desagradabilidade ligada à percepção e à memória das dores relacionadas à DTM é semelhante para ambos os grupos estudados. Agradecimentos - Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de doutorado referente ao processo n" 140360/2000-0. REFERÊNCIAS: BIBLIOGRÁFICAS I. DWORK.IN, S. F. & LE RESCHE, L., 1992, Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J. Craniomandib Disord. Fall, v. 6, n. 4, pp. 301-55. 2. HELK.IMO, M., I974, Studies on function and dysfunction of the masticatory system. Il. lndex for anamnestic and clinicai dysfunction and occlusal state. 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