VIDA: CONSTRUÇÃO QUE SE DÁ NO MUNDO
Roberta das Graças Cândido - bolsista do Grupo PET Ciências Humanas, Estética e Artes do curso de Filosofia da
UFSJ.
Orientadora: Profa. Dra. Glória Maria Ferreira Ribeiro - tutora do PET / UFSJ
Universidade: UFSJ - Universidade Federal de São João del -Rei
Agência Financiadora da bolsa: MEC/SESu
Resumo: Notamos no pensamento raciovitalista do filósofo espanhol José Ortega y Gasset que a
vida é a necessidade das necessidades, visto que é a partir dela que se originam to das as demais necess idades do homem. E, mesmo sendo a vida uma necessidade original, é imprescindível que ela seja constru ída, ou melhor, realizada incessantemente. Essa realização vital se dá no mundo, pois, consoante o filósofo,
o homem é um ser lançado no mundo sem consulta prévia. Dessa forma, nos propomos a esboçar um e studo sobre a vida e o mundo na concepção orteguiana. Para tanto, iremos nos valer das considerações
sobre mundo do filósofo alemão Martin Heidegger, com o qual estabeleceremos um diál ogo. E, ainda, e xplanaremos uma possível forma de a realização vital vir a ser um processo criador próprio da arte.
Palavras-chave: Vida, Mundo, Construção, Homem, Arte.
E
notório que a filosofia contemporânea busca um novo fundamento para o mundo.
Fundamento este que não mais separa o ser do mundo e das coisas de um lado e
a racionalidade humana do outro. Não! Na filosofia contemporânea o ser mund ano, o ser da coisa
e o homem se relacionam. No pensamento raciovitalista do fil ósofo espanhol José Ortega y Gasset o ser é a própria vida. Isto porque, a vida é a necessidade das necessidades, ou seja, é a pa rtir dela que se originam todas as necessidades do homem. E, mesmo sendo a vida uma necess idade original é imprescindível que ela seja construída e real izada incessantemente. Esta realização vital se dá no mundo, pois, cons oante o filósofo, o homem é um ser lançado no mundo sem
consulta prévia. Deste modo, nos propomos a esboçar um estudo sobre a vida e o mundo na co ncepção orteguiana. Para tanto, iremos nos valer das considerações sobre mundo do filósofo al emão Martin Heidegger que “na an álise da vida [foi] quem chegou mais próximo de seu âmago
(...).”
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E, ainda, explanararemos uma possível forma de a realização vital vir a ser um processo
criador próprio da arte.
A vida se encarrega de proporcionar a co -existência do homem, das coisas e do mundo. Isto
pode ser justificado com as próprias palavras de Ortega y Gasset que dizem: “para nós, ser sign ifica ‘viver’ – portanto – intimidade consigo e com as coisas”. 2 Ora, intimidade é estar muito dentro,
no âmago de algo. Deste modo podemos deduzir que: se viver é intimidade vida é, pois, uma e streita relação entre o homem, o mundo e as coisas na qual todos constroem mutuamente. Porta nto, a vida – que é o próprio ser – é uma constante relação de construção. Uma relação em que
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ORTEGA Y GASSET, Jose´. Que é Filosofia? p. 166
ORTEGA. Op Cit. p. 158
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CÂNDIDO, Roberta das Graças
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para se concretizar são imprescindíveis o sujeito e o objeto. P orém, em tal relação nem o sujeito
e, tampouco, o objeto se anulam. Ambos se fazem, se realizam concomitantemente n uma mesma
situação, ou seja, numa harmoniosa co-pertinência.
Nota-se que a vida além de ser relação entre o h omem, as coisas e o mundo, ela é também
realização do homem e do mundo simultaneamente. Não há como viver – veja que aqui vida não
significa sobrevivência – sem produção. A vida é construção de si mesma e construção do mundo
em torno. E para o homem arquitetar seu próprio ser, a sua vida e o mundo é mister que ele se
saiba e saiba o mundo que se abre. Saber não se confunde com um conh ecimento intelectivo
próprio da ciência no qual há, necessariamente, uma separação do sujeito e do objeto. Saber -se
é, sobretudo, saborear-se, é evidenciar-se numa circunstância em que o homem a percebe e se
percebe ao mesmo tempo. É uma compreensão que permite o conhecimento de um fe nômeno
que se mostra. Deste modo, saber-se é nascer junto com a coisa, é con-crescer. É, então, realizar
a vida e o mundo no próprio mundo, ou seja, “viver é, evidentemente, em sua própria raiz, achar se diante do mundo, com o mundo, dentro do mundo, subme rso em seu tráfego, em seus problemas, em sua trama irriquieta”
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Até o presente momento podemos assegurar que se o homem vive ele vive no mundo e com
o mundo numa dupla construção. Ora, mas se o homem é a sua própria vida o que seria então o
mundo? Pois bem, consoante Ortega y Gasset “o mundo (...) é horizonte vital que, como linha do
mar, dobra ao nosso lado uma magnífica curva de balestra e faz que nosso coração sinta afãs de
flecha (...)”
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Mundo, então, é isso: horizonte, mar, possibilidade... O horizo nte – que é uma linha
circular na qual o céu parece se encontrar com a terra – nos remete à circularidade da construção
do mundo. Construção, esta, que deve ser permanente visto que, a todo o momento o mundo
perde e ganha seu fund amento já que está em um d inâmico movimento. Traçando um paralelo
com o filósofo alemão Martin Heidegger, pod emos afirmar que o mundo se vela e se desvela em
concordância com a situação que se abre para o homem. O mu ndo, pois, pode ser ou não ser
dependentemente da circunstância na qual o homem se vê lançado. O homem em situ ação nos
remete a uma analogia com o mar, pois, as possibilidades do mundo são tão vastas quanto à imensidão do mar. E, por fim, estas possibilidades nos lançam ao feixe significativo que é o mu ndo. O mundo é, em suma, um conjunto de significados que o homem atribui às possibilidades apresentadas em cada circunstância que a ele se abre.
Entrementes, o mundo que se mostra ao homem é o próprio cotidiano que traz em si um
conjunto de significados pré-determinados. No cotidiano o homem constrói a sua vida, ou seja,
satisfaz as necessidades elementares da sua existência. É através do dia -a-dia do senso comum
que o homem realiza sua tarefa vital. E tal realização só é possível porque o discurso presente no
cotidiano é público, isto é, todos os ouvintes participam do pronunciamento. Embora esta public idade auxilie o homem na construção da sua vida, ela possui características negativas. Pois, d u3
Idem.p. 167
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rante a construção da sua vida o homem está lidando com significados criados por outrem. E, nem
sempre tais significados são coerentes com o seu projeto vital culminando, então, na sua massif icação. Outro fator negativo do discurso proferido pelo cotidiano é a repetição. Repetição, esta,
que esvazia os significados das coisas no mundo e do próprio mundo. Tal esvaziamentento é g erado pela cristalização do conceito. O conceito – que é um instrumento importante para o fazer
científico – restringe as possibilidades do mundo. Se as possibilidades são restritas e fechadas, o
mundo não mais se identifica com o mar mas sim com uma gota d’água, em outras palavras, o
mundo deixa de ser um puro possível.
Perante a inexistência de possibilidades o homem desperdiça o seu potencial criador. Ele se
familiariza com os significados já existentes e deix a de criar os seus próprios significados. Este
homem passa a ter um modo impróprio de lidar com as coisas não mais se espantando com o
discurso proferido e mantendo uma postura inautêntica perante o mundo. Assumindo uma postura
imprópria o homem se altera, isto é, se transforma em outro que se difere dele mesmo. O homem
se altera porque está náufrago num discurso ord inário. E se tornar si mesmo é demasiadamente
difícil em uma circunstância que a todo o momento impõe seus pré -conceitos ao outro.
No entanto, este homem pode adotar uma outra post ura perante o mundo, ele pode ter uma
maneira própria de lidar com as coisas. Lidando com propriedade, isto, de modo próprio este h omem tende a se tornar solitário. Porém, tal solidão não significa sozinidão ou isolame nto visto que,
não é possível ao homem escapar da incessante relação que ele estabelece consigo, com o mu ndo e com as coisas. Deste modo, a solidão de ser autêntico consiste necessariamente em se e star só consigo mesmo em um universo intransfer ível e por isso apenas seu. Vivendo de maneira
original o homem desenvolve para si uma interpretação única do mundo. Ele se encontra no un iverso com outros homens e convive com eles. Suas convicções, porém, são pessoais. Ele está
em uma circunstância comum a todos, c ontudo, o seu modo de estar se difere dos demais. Isto
porque o ser solitário constrói o seu mundo autenticamente, com respo nsabilidade pois, as suas
interpretações e significações respeitam a sua vida individual. A forma original de viver é aquela
que surge do âmago de cada homem de forma rad ical. Tal maneira floresce quando o homem
reflete e analisa a circunstância ao redor. Assim, ele tem uma posição única e intransferível pera nte o mundo. É o seu modo de interpreta -lo e o que é mais importante é de aco rdo com esta interpretação que ele realiza sua atividade vital. O homem viv erá, então, de forma autêntica ao passo
que suas ações serão coerentes consigo e com construção da sua vida.
Considerações finais
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Idem. Ibdem p.161
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Pois bem, lançado num processo criador o homem te m a capacidade não apenas de inve ntar a sua vida mas, também, de transformar a circunstância para que sua tarefa se torne viável.
Transformando o mundo, o homem tem a po ssibilidade de não se massificar, de não se alterar
visto que ele criará os seus próprios significados. Assim, a sua ci rcunstância será moldada em
conformidade com a sua vida particular, ou seja, com a sua vida projetada.
Caso o homem não se aproprie do mundo ele, de certa forma, desperdiçará a sua potenci alidade de transformação. E ainda, rejeitará as demais potencialidades que as coisas e o mundo
trazem em si. Assim, se torna mister que o homem tome conhecimento da sua solidão. Pois, desta
forma ele perceberá que o mundo é um puro possível que deve ser construído e desvelado ince ssantemente em conformidade com as necessidades emersas. E neste processo de co -descoberta
o homem estará pronto para ter uma atitude a utentica perante o mundo. Uma atitude em que ele
poderá descobrir o princípio que leva à arte e à filosofia. Princípio este em que embora o mundo
se prenda a uma determinação cabal, ele não se prende a elas abrindo -se sempre à novas possibilidades.
Concluímos então que o princípio da arte, do fazer fil osófico e da vida autêntica é o mesmo.
Pois, ele só se apresenta ao homem nos pasm os essenciais, na estranheza do familiar e na perda
de todos os fundamentos. Assim, tanto para Ortega quanto para Heidegger, a vida é um risco abissal no qual a todo o momento nos perdemos e nos enco ntramos. Este encontro que pode ser
próprio ou impróprio determinará nossa atitude criadora. Atitude, esta, que sendo própria nos r emeterá ao fazer original competente à arte, à filosofia e à vida autêntica. Pois, neste encontro com
o abismo ou nesta perda de fundamento o homem tem a poss ibilidade de realizar plenamente seu
ser, ou seja, construir a sua própria v ida.
Referências bibliográficas
HEIDEGGER, Martin. Parágrafo 35: O falatório. In: Ser e Tempo . (trad.) Márcia de Sá Cavalcante. Petróp olis: Vozes. Parte I. 4 ed. 1993.
ORTEGA Y GASSET, José. Que é filos ofia. (trad.) Luís Washin gton Vita. Rio de Janeiro: Livro Ibero Americano Ltda. 1961
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