SOBRE A ORIGEM DA COLEÇÃO… Fernando Jorge Rocha dos Santos nasceu em Leça da Palmeira, em 1947, no seio de uma família modesta, sendo o mais novo de cinco irmãos. O avô, “um republicano ferrenho”, possuíra uma oficina manual de calçado, que o pai prosseguiu. Depois de completar o ensino primário em Leça, e porque demonstrava capacidades e os pais tinham a consciência de que a formação académica era crucial para o futuro dos filhos, o jovem Rocha dos Santos prosseguiu os estudos. Nessa época não havia ainda liceu em Matosinhos, motivo pelo qual foi para o Liceu D. Manuel, no Porto. Entretanto, e “porque sou do tempo em que não havia televisão, mas havia o bom hábito de conversar à mesa durante e no fim das refeições”, desde a mais tenra idade que acompanha com muito interesse um dos temas dominantes nas tertúlias caseiras: “Leça da Palmeira assistira nos anos anteriores a uma grande transformação do seu vale, na sequência da construção portuária que implicara grandes destruições. Ora, muitas vezes as conversas lá em casa andavam em torno de recordações e reconstituições do que fora Leça. Apesar de miúdo, e depois já mais jovem, fui fixando essas descrições e imagens e fui procurando materializar essas memórias.” É neste contexto, de resto, que os postais ilustrados começam a fazer parte da vida de Rocha dos Santos: “Nessas reconstituições era utilizada uma meia dúzia de postais que havia lá por casa, que foi depois reforçada com mais alguns que outras pessoas de mais idade me ofereceram. Foi o caso dos do velho barbeiro lá da rua que, quando faleceu, o empregado me ofereceu. Neles vi pela primeira vez o lago e a gruta da Quinta da Conceição de que a minha mãe tanto me falava mas que eu nunca vira. Se dúvidas ainda tivesse, ficava ali provada a importância do postal ilustrado como documento histórico. Como uma forma de preservar a Memória dos sítios. A partir dessa altura passei também a colecionar toda a documentação sobre Leça e Matosinhos que me era possível: alguns postais, os programas das festas do Orfeão e da Comissão das Festas do Senhor de Matosinhos… e, até começar a trabalhar, não tinha possibilidades económicas de conseguir muito mais…” Entretanto os estudos continuam a decorrer de um modo muito positivo. Terminado o liceu ingressa no antigo Instituto Industrial do Porto (instalado, então, na Rua do Breyner) onde se virá a formar como Engenheiro Técnico de Construção Civil e Minas. Com o final do curso vem, em 1970, o serviço militar obrigatório em Mafra, Tancos e, na guerra, em Angola. O “bichinho das imagens estava já comigo e, em África, fiz imensa fotografia. Andava sempre com a máquina às costas”. Após o serviço militar ingressa na vida profissional ao mesmo tempo que prossegue os estudos, agora com o objetivo de obter a licenciatura em Engenharia Civil. Termina o curso em 1980, cinco anos depois de ter casado com Maria Manuela Lourenço Teixeira, sua companheira inseparável. Com ela começa a frequentar o mercado de antiguidades de Matosinhos, a “Feira dos Golfinhos”, e apercebe-se que há muito mais para colecionar sobre a sua terra, para lá do que já possuía. Especialmente postais. “Nesses primeiros anos, após o casamento, o dinheiro não abundava. Eu olhava para os postais, tinha vontade de os comprar a todos, mas… E era a minha esposa que me dizia “Olha, compra um de cada vez”. E a verdade é que foi assim, com o seu apoio e incentivo, que fui fazendo e construindo esta coleção de postais.” No início da década de ’80 começa a trabalhar por conta própria na área de projetos e direção de obras. No seu curriculo tem, hoje, obras de Valença a Loulé. Mas guarda um carinho especial por aquelas que desenvolveu na sua terra. Algumas das quais bem emblemáticas, como é o caso do “Edifício Lion” na Praça dos Pescadores. A sua atividade profissional leva-o, de resto, a calcorrear todos os cantos do concelho. Tal permite-lhe uma visão mais pormenorizada de todo este território e a alargar também os motivos que passa a incluir na sua coleção. Já não são apenas os diretamente relacionados com as duas freguesias que constituem a cidade, com o seu bulício de veraneio, portuário e industrial, mas passa a integrar também os postais relativos às freguesias mais rurais. Uma coleção que é hoje constituída por mais de mil exemplares que, tematicamente, versam exclusivamente o concelho de Matosinhos. Ao longo destes anos, e além da “Feira dos Golfinhos”, Rocha dos Santos foi enriquecendo a sua coleção em aturadas, sistemáticas e cíclicas visitas a alfarrabistas e outras feira de antiguidades, com destaque para as de Viana do Castelo, Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Espinho. “E não posso esquecer três pessoas na constituição da minha coleção: o Sr. Eduardo Napoleão que vendia postais antigos nas feiras de velharias, incluindo a dos Golfinhos; a Dona Fátima, que também vinha a Matosinhos vender, e se encontra hoje ligada ao alfarrabista “Varadero”; e o Sr. Luís Barroso, da Livraria “Esquina”. Conhecendo a minha paixão por Matosinhos e pelos postais ilustrados, todos os três passaram a telefonar-me sempre que têm algo que me pode interessar. Por vezes não são eles que têm, mas tendo visto noutros lados avisam-me…” Uma coleção feita de amor, de carinho, e de esforço. Até financeiro. “Tenho muitos postais que me custaram mais de cinquenta euros”. Uma coleção que é hoje um importante manancial de informação sobre as profundas transformações urbanísticas, sociais e paisagísticas que este território conheceu ao longo do último século e meio. E que o seu proprietário, entretanto a finalizar o mestrado em Arquitetura, tem utilizado não só para os seus trabalhos académicos – que faz questão de centrar, sempre que possível, em questões relacionadas com Matosinhos e Leça da Palmeira – mas que vem também disponibilizando, como fontes históricas e documentais, para outros interessados. “A intenção da minha coleção foi sempre o da procura de materializar as memórias de miúdo e o de reconstituir as conversas que então ouvia sobre Matosinhos e Leça de outros tempos. Nunca tive o objectivo de a exibir, nunca pensei ir por aí. Mas sou muito sensível à necessidade da partilha. Fui habituado desde criança a partilhar a própria comida e a roupa . Cresci a ver os meus pais a partilhar o que tinham em casa com os vizinhos e com as pessoas mais necessitadas. E por isso fiquei sensível à proposta da Autarquia para partilhar, através de um livro, esta minha coleção. É que a partilha pode, e deve, fazer-se também na Cultura”. Esta sua preocupação de partilha, que já o levou a concretizar múltiplas doações de livros e de documentação antiga a diversas instituições, incluindo a Biblioteca Municipal de Matosinhos e o Arquivo Histórico Municipal, ou mesmo o depósito no Museu da Quinta de Santiago de um histórico piano adquirido pelo célebre pianista e compositor leceiro Óscar da Silva, está também na base da disponibilização que já vem fazendo há alguns anos da sua coleção a investigadores e divulgadores da História e do Património da região, com destaque para o Professor A. Cunha e Silva, a quem, de resto, fez questão de desafiar para se associar, com os seus textos, à concepção deste livro. “A partilha é, de facto, essencial. Se aquilo que as pessoas têm não for utilizada, não presta. Ganha mofo!”