Jaboatão de hoje, dos Guararapes, da indústria, do
comércio e do turismo, revisitado pelas práticas
laborais do Jaboatão velho, das usinas e dos engenhos.
Recife/2012
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Jaboatão de hoje, dos Guararapes, da indústria, do
comércio e do turismo, revisitado pelas práticas laborais do
Jaboatão velho, das usinas e dos engenhos.
Vera Lúcia Costa Acioli
Valéria José da Silva Santos
HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DO JABOATÃO1
Como tantos outros municípios de Pernambuco, a ocupação de Jaboatão ocorreu a
partir do regime de sesmarias, ou seja, da distribuição de lotes de terras para o seu plantio e
povoação. Em 1566, Duarte Coelho concedeu uma légua de terra a Gaspar Alves Purga e Dona
Isabel Ferreira, para o cultivo de cana de açúcar e instalação de um engenho, o São João Batista.
A povoação das terras de Jaboatão só aconteceu a partir de 1593, quando o terceiro proprietário
do Engenho São João Batista, Bento Luiz Figueiroa, passou a residir no engenho. Ainda nesse
ano as terras foram desmembradas e parte delas vendida a Fernão Soares, que teve como
herdeira Maria Feijó, casada com o português Antônio Bulhões (hoje, Usina Bulhões,
desativada).
O seu nome teve origem da expressão indígena "Yapoatan", árvore comum na região,
usada para fabricar mastros e embarcações. Em 1648 e 1649 seu território foi palco de duas
grandes batalhas contra os Holandeses em Pernambuco, travadas nos Montes Guararapes, e em
homenagem a esse feito, em 1989, por Lei de nº 004 de 5 de maio, passou a ser chamada de
Jaboatão dos Guararapes. Em 1873 o povoado foi elevado à categoria de vila e em 1884, ao ser
desmembrado do território do município de Olinda, ao qual pertencia, foi transformado em
cidade.
O município está situado no litoral do Estado de Pernambuco, a 14 quilômetros do
Recife, tem extensão territorial de 256 quilômetros quadrados, dos quais oito são de praias.
Limita-se ao norte com a capital pernambucana e o município de São Lourenço da Mata, ao sul
1
Até 1989 o município denominava-se Jaboatão, passando a ser chamado de Jaboatão dos Guararapes e
atualmente faz parte da Região Metropolitana do Recife-PE. Disponível em
http://www.jaboatao.pe.gov.br/jaboatao/historia.aspx. Acesso em 09/05/2012.
3
com o Cabo de Santo Agostinho, a leste com o Oceano Atlântico e a Oeste com Moreno. Faz
parte da Região Metropolitana do Recife.
Atualmente as principais atividades econômicas em Jaboatão dos Guararapes são
baseadas no turismo, por suas belas praias, excelente infra-estrutura hoteleira, monumentos
históricos (Parque Histórico Nacional dos Guararapes), áreas de lazer e por ser um importante
centro econômico e comercial converteu-se em um dos principais núcleos turísticos de
Pernambuco; no comércio, por abrigar um dos maiores e mais movimentados shopping's de
Pernambuco, o Shopping Guararapes e pelo importante centro logístico, destacando-se o de
Distribuição da Rede Wal-Mart e a Nestlé; e na indústria, onde sua localização entre o Recife e
o Porto de Suape permitiu o desenvolvimento de um importante distrito industrial. Nele estão
instaladas as fábricas da Coca-Cola, da Unilever, da Basf e da Vitarella, entre outras.
Merece destaque no Parque Histórico Nacional dos Guararapes, declarado, em 1971, um
dos lugares históricos mais importantes do Brasil por ter sido palco da famosa batalha dos
Guararapes, a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, construída em 1656 por ordem do genaral
Francisco Barreto de Menezes, em agradecimento aos habitantes do local por vencerem aos
holandeses na guerra da restauração pernambucana. No seu interior estão guardados os restos
mortais de João Fernandez Vieira e André Vidal de Negreiros, participantes ativos da batalha,
além de várias imagens barrocas de grande valor histórico, destacando a da padroeira da igreja e
obras de arte dos séculos XVII e XVIII.
A JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DO JABOATÃO - 1960 a 19782
Na atualidade três questões tangenciam a problematização da produção do
conhecimento e sua conseqüente conservação documental institucional: o que e porquê
preservar e a função social da informação preservada. Para além da teoria, a guarda consciente
lastreia-se na Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que versa sobre a guarda racional dos arquivos
públicos e privados. Em seus três primeiros artigos expõe-se o escopo das diretrizes legislativas
impostas aos lugares de gestão de documento e no capítulo II recorta-se especificamente essa
dinâmica, no âmbito da esfera pública, tema dessa análise por ser o Arquivo do Projeto
2
Catálogos descritivos e planilhas do Jaboatão de 1963 a 1973 entregues ao NEAD IICA como produtos
do convênio de 2009. Catálogos descritivos e planilhas do Jaboatão de 1974 a 1978 que estão sendo
entregues como produto 4 do contrato de 2012.
4
Memória e História da UFPE quem abriga a massa documental das extintas Juntas de
Conciliação e Julgamento do TRT6 de Jaboatão3 e de outros municípios de Pernambuco.
Esse projeto corporificou-se no lastro dessa nova proposta legal de rememoração. Os
primeiros passos desse laboratório de pesquisa só foram possíveis devido a um criterioso
trabalho de produção técnica-acadêmica que envolveu competências interdisciplinares, com
trânsito nas áreas de Arquivística, História e Direito. Desse caminhar tem-se hoje mais um local
especializado da memória justrabalhista do Estado de Pernambuco das décadas de 50 a 80. Os
processos trabalhistas do município de Jaboatão, em plena dinâmica de gestão documental,
foram catalogados e postos à disponibilização, graças a parcerias com o NEAD e IICA.
Compõem-se ainda de produções escritas (catálogos descritivos) e emprego virtual (banco de
dados e processos digitalizados) e podem, também, serem utilizados acessando o endereço
eletrônico - www.memóriaehistoria.trt6.gov.br.
Pensar o município pernambucano do Jaboatão da década de 60 a 70 não se constitui
tarefa simples. Problematizá-lo tendo como fonte de pesquisa as demandas laborais, via
processo jurídico trabalhista, feitas à Junta de Conciliação e Julgamento do Jaboatão, pressupõe
análise histórica de sua trajetória de mudança geográfica física, política, econômica e social.
Encaminhamos a construção desse entendimento, para além da pluralidade dos atores do
trabalho nesse município (agronegócio4, indústria têxtil, automobilística5, de papel, alimentos,
3
Desde 1932 as Juntas de Conciliação e Julgamento existiam atuando como órgãos administrativos da
Justiça do Trabalho. Em 1946, o Presidente da República Eurico Gaspar Dutra usando as suas atribuições
impõe o Decreto-Lei nº 9.7971 que dispõe a justiça trabalhista como órgão do Poder Judiciário,
compondo-se pela 1ª; 2ª e 3ª instâncias respectivamente: as Juntas de Conciliação e Julgamento, o
Tribunal Regional do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho. Inicialmente faziam parte do TRT 6ª
Região cinco Juntas sendo acrescidas outras na medida em que as demandas trabalhistas aumentavam.
Assim, em 1962, a partir da Lei 4.088, foi criada a Junta de Conciliação e Julgamento do município do
Jaboatão que também era área jurisdicional dos municípios do Moreno, Vitória do Santo Antão, Gravatá e
Glória do Goitá. Efetivamente só em 1963 ela foi instalada, tendo como presidente o Juiz Aloísio
Cavalcanti Moreira. Hoje Jaboatão dos Guararapes conta com cinco varas trabalhistas, sendo a quinta
inaugurada recentemente, em 30 de abril de 2012.
4
Os meios de produção e capital ligados ao campo no município do Jaboatão mantiveram-se em maior
expressão nas décadas de 60 e 70 frente a outras denominações laborais apesar das muitas formas de
mascará-lo (a quem demandar a reclamação?).
5
A primeira fábrica automobilística do Nordeste foi a Willys Overland. A Willys-Nordeste implantou-se
em 1966 no Jaboatão para montagem dos automóveis Rural e Jeep. Esse último ficou conhecido na
região como “Chapéu de Couro”. A chegada dessa nova produção de capital no NE podia refletir o desejo
desenvolvimentista nacional estendido ao regional fomentado pelos benefícios fiscais gerados pela
SUDENE, na ordem de Cr$ 834 milhões, por meio do dispositivo 3.418, em resposta ao plano de um
Brasil grande do Governo Militar. Tal normatização é tida por legisladores como o “famigerado
dispositivo” porque precipitaria derrocada da instituição.
- http://www.angelfire.com/wi/willysbr/willys1.html. Acesso em 06/05/2012.
-http://www.senado.gov.br/atividade/plenario/sessao/disc/getTexto.asp?s=023.4.53.O&disc=10/2/S.
Acesso em 22.05.2012. Vide também JCJ - Jaboatão processos. 0145/67; 555/68; 1058/68 e 1065/68,
entre outros.
5
serviços e comércio) a questionamentos de como se dispôs o espaço físico, ao longo de quase
cinco décadas, desse núcleo populacional e suas transformações sociopolítica.
Jaboatão de ontem - Jaboatão dos meus avós6 - não se elucidará por meio de um fortuito
olhar do Jaboatão de hoje, tendo em conta ser ele um município integrado a Região
Metropolitana do Recife, cujas fronteiras passam imperceptíveis às práticas cotidianas urbanas.
O conjunto temporal abordado do município em foco compreende os anos de 1963 a
1978, cuja cidade nesse tempo histórico, embora já fiando suas dinâmicas econômicas de cunho
progressista, ainda não se mostrava como um tecido urbano complexo. Há cinco décadas,
Jaboatão enquadrava-se como um espaço tomado de ruralidade7 e, portanto, em contradição ao
tempo presente.
Tomando como baliza analítica os outros municípios pernambucanos, frente às
demandas contemporâneas de desenvolvimento que vêm transformando o perfil do Estado de
Pernambuco, Jaboatão descortina-se no século XXI como um espaço urbano que pouco se
assemelha ao de décadas atrás. Apesar disso, as atividades de produção e acumulação de capital
desse município estiveram ligadas ao mundo rural por meio do cultivo da cana de açúcar e a
esse meio de produção, no qual persistem continuidades em suas estruturas e em suas dinâmicas
de ação mais peculiares. Saliente-se que a essas dinâmicas foram adaptados os novos rumos do
agronegócio, em resposta as demandas globais de mercado e consumo, seja pelo produto
primário o açúcar, ou pelo álcool e, na atualidade, pelo etanol considerada a “energia limpa”.
Às discussões acerca do cultivo da cana-de-açúcar nesse espaço se inserem também as
análises das práticas laborais de seus sujeitos, sejam eles os patrões, quer usineiros,
arrendatários ou plantadores de cana, ou os empregados a serviços deles. Toda composição
dessa história laboral vem descortinando a história desses sujeitos por meio das leituras dos
processos trabalhistas da extinta Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão. As relações de
trabalho rural sempre suscitam debates calorosos e inquietações. Como pensar o Nordeste
permeado de sua simbólica Açucarocracia sem problematizar sua prática contemporânea de
trabalho rural? E, também, como levantar tais questionamentos, sem considerar o necessário
status de bem-estar social entre o homem, o seu trabalho e o meio em que vive?8 A indústria
6
Citação parafraseada do título do livro O Jaboatão dos Meus Avós de autoria do jornalista Van-hoeven
Ferreira Veloso.
7
A bibliografia de referência a esse assunto sistematiza a existência em Jaboatão de 45 engenhos e 3
usinas entre os anos 60 e 70. Contudo, de pesquisa ainda em desenvolvimento no Arquivo do Projeto
Memória e História TRT6 Região/UFPE a partir dos processos trabalhistas talvez se possa haver uma
margem quantitativa maior.
8
SANTOS, Valéria José S. Testemunhos de memória, vida e trabalho. Autos processuais das Juntas de
Conciliação e Julgamento da Zona Mata de Pernambuco: 1963 – 1978. Monografia apresentada no curso
de bacharelado em História na UFPE, em julho de 2011.
6
têxtil, por exemplo, coexistiu em uma quase paridade dentro desse contexto histórico com o
trabalho rural. Jaboatão há esse tempo possuía três grandes indústrias açucareiras – Usina
Bulhões, Usina Jaboatão e Usina Muribeca. Essa conjuntura vem refletir, portanto, uma estreita
relação com o perfil econômico do Brasil - um país de potencial agrícola, ainda
contemporaneamente tido como o “celeiro do mundo”.
Os processos se desnudam palpáveis e em série a partir dos procedimentos científicos
adotados. A análise crítica se apresenta como um procedimento que produz deslocamentos e
atende também as inquietações dos pesquisadores, no que tange em dar a sociedade uma
problematização de cunho acadêmico que possa provocar intimidade e semelhanças com o
contexto social vigente, como mais uma possibilidade de elucidação pedagógica de um tema
com pertinências tão humanas – o trabalho. Uma história do trabalho e de seus sujeitos pode-se
dizer fria e cruel, e, o que é pior, com inúmeras permanências de caráter desumano dentro de um
recorte espacial bem familiar, a Zona da Mata Pernambucana9.
A construção arquivística do Jaboatão é de puro pertencimento que cresce a cada leitura
dos fragmentos das vozes dos seus autos trabalhistas. As experiências demasiadamente humanas
dos sujeitos do trabalho estão ora contida nas peças reclamatórias, ou nas atas de audiência
repletas de narrativas testemunhais, nos termos de homologação, conciliação, recursos, perícias
e nas decisões dos agravos. Todos esses instrumentos jurídicos mostram-se como veículos de
contínua aprendizagem interdisciplinar e, portanto, de mais recursos à pesquisas e á escritas,
algumas já socializadas como o livro História, Cultura e Trabalho: questões da
contemporaneidade10. Esses trâmites agentes de justiça e direito, apesar do excessivo rigor
formal, são impreterivelmente impregnados de cotidianos de vida11, ou melhor, de histórias de
vida passíveis de uma verossímil reconstrução narrativa tanto daqueles nomeados de vencidos
como de vencedores e abarcada metodologicamente pela História do cotidiano.
9
Idem.
MONTENEGRO, Antonio Torres, GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz e ACIOLI, Vera Lúcia Costa
(org) História, Cultura, Trabalho: questões da contemporaneidade. Recife: Editora Universitária –
UFPE, 2011. Também os artigos dos autores: MONTENEGRO, Antonio Torres; ACIOLI, Vera Lúcia
Costa & ASSIS, Virgínia Almoêdo de; SANTOS, Valéria José Silva; SILVA, Diego Carvalho da. no
site - HTTP://memoriaehistoria.trt6.gov.br. E, ainda, MONTENEGRO, Antonio Torres “Agitação política
e direito trabalhista nos idos de 1964” In História, Cultura, Trabalho: questões da contemporaneidade,
citado.
11
Para Mary Del Priori a história do cotidiano - da vida cotidiana - não se faz apenas das práticas
familiares em seus rituais de coletivos. Pressupõe-se a partir de uma dicotomia ritualística de “produção e
reprodução" desse contexto social, por meio dos sujeitos (o dono do poder e o à margem deste) que
individualmente e, concomitantemente, comporá um todo: “um lugar de conservação, de permanências
culturais e de rituais: um lugar privado da História". In Ciro Flamariion Cardoso & Ronaldo Vainfas.
Domínios da História. Ensaios de teoria e metodologia.
10
7
O Arquivo do projeto Memória e História da UFPE, hoje, se expressa ao mesmo tempo
como um lócus e uma práxis de memória que visa, para além da guarda consciente, o memorar
de algo. Dentre as inúmeras semânticas do vocábulo memória, o verbo, que lhe é
correspondente – memorar12 é a síntese do trabalhar a memória. Para além do seu sentido mais
peculiar, que é relembrar, a expressão indica outras significações que transcendem em alegorias
e dizeres subliminares e vai se atrelar a um entendimento cultural fazendo emergir a
verossimilhança em sua narrativa. Assim é o encontro analítico com os autos trabalhistas de
Jaboatão, esses dossiês apresentam uma sequencia documental lógica de sua atividade fim,
portanto, refletem e desvestem o vivido, por meio das ações práticas desse ritual jurídico.
OS PROCESSOS TRABALHISTAS: práticas dos tempos da colônia revisitadas
Apesar da distância de três séculos do início da colonização portuguesa no Brasil à
atualidade, vê-se do resultado da pesquisa nos processos trabalhistas da zona rural de
Pernambuco, mais resistências a transformações das práticas patronais, que tanto precarizam as
relações de trabalho, que mudanças. Permaneceu o ranço autoritário dos antes senhores de
engenho, mais tarde usineiros, a considerar-se todo poderoso ante seus empregados. As
conquistas foram poucas e obtidas com muita luta.
Um processo gestado na Junta de Conciliação e Justiça de Jaboatão, objeto de
reclamação contra o dono do Engenho Ana Vaz, nos remete a essa truculência de
comportamento dos novos “donos da terra e do homem”, parafraseando André Rebouças13,
diante desse outro sujeito histórico que ganha voz e, através de seus agentes, ganha atuação,
colocando-os em pé de igualdade nos bancos de audiência e ouvindo a decisão de juízes. Vejase um caso no qual o trabalhador pede como objeto da reclamação aviso prévio, 13º salário,
férias e 14º salário.
José Rodrigues da Silva, brasileiro, analfabeto, rurícola, casado, residente no Engenho
Ana Vaz localizado em Vitória de Santo Antão, reclama, assistido pelo Sindicato dos
Trabalhadores de Vitória de Santo Antão e pelo Dr. Cícero José Martins da Silva, contra o
proprietário do referido engenho. Na inicial expõe-se a ocorrência de um conflito entre as
12
Memorar: (1572 cf. IAVL) 1 .T.d. trazer à ou conservar na memória; recordar, relembrar. 2 T. d.
marcar (acontecimento) com comemoração; fazer festa em honra de (fato, acontecimento, pessoa etc);
celebrar comemorar; festejar. Houaiss, Antonio (1915 – 1999) e Villar, Mauro de Salles (1939 - ).
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa; Antonio Houaiss e Mauro Salles Villar, elaborado no
Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa SC LTDA. – Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
13
Diários de André Rebouças, 17 de julho de 1888. FUNDAJ – Documentos inéditos.
8
partes, pois, estando o reclamado em estado de embriaguez resultou em agressão verbal e física
imposta ao trabalhador. “Que o reclamante fosse procurar a justiça” foi uma das agressões
verbais proferidas, entre outras, pelo proprietário,
que fosse reclamar na Justiça do Trabalho de Jaboatão, no IV Exército
e no Sindicato, que ele tinha três cacetes lá no seu bureau, batizados
como: direitos, tempo de serviço, indenização14.
Sentiu-se o trabalhador demitido de forma indireta por não ter mais condições de voltar
ao serviço. Afirma na reclamatória que começou sua lida desde 1960, percebia remuneração
menor que o salário mínimo regional e “trabalha em média de dois dias para concluir uma
tarefa”. Descreve assim os fatos:
(...) se encontrava executando sua tarefa à margem da estrada do engenho,
quando foi agredido pelo proprietário (...), o qual parou o seu automóvel
empunhando um rifle, agrediu o reclamante batendo no braço direito e na
perna, em seguida tomou o chapéu do mesmo proferindo palavras ofensivas
a moral em voz alta, sendo algumas impronunciáveis, afirmando que se o
reclamante continuasse ali no engenho, o mataria.15
Em narrativa de contestação, o reclamado postula como inverdades o proferido pelo
reclamante e que ele, proprietário, não paga valores inferiores ao salário mínimo, pois,
todos aqueles que trabalham à base de produção, numa tarefa normal, faz
cem cubos e quando a terra é mais difícil a tarefa é de sessenta cubos e todos
os seus trabalhadores têm oportunidade de tirar as citadas tarefas.16
O processo termina com um acordo entre as partes devendo o reclamado pagar a quantia
de Cr$ 37.800,00 ao reclamante, divididos em cinco parcelas.
Na mesma Junta de Conciliação e Justiça do Jaboatão, foi gestado um outro processo,
agora do trabalhador Manoel Vicente Pessoa17, residente no Engenho Bragança, município de
Vitória de Santo Antão, contra o senhor Erasmo Duarte Falcão.
14
Traz aditado ao corpo
JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE JABOATÃO. Processo Trabalhista nº 0353/78.
Acervo do Arquivo do Projeto Memória e História – convênio TRT 6ª Região – UFPE.
15
JCJ - JA, Processo nº 0353/78.
16
Idem.
17
JCJ – JA – Processo 0438/1969.
9
documental, como prova, um recorte de periódico local que tem como chamada: “Senhor de
Engenho comete atrocidades” 18. Nele é relatado as práticas de exploração da elite patronal, na
notícia, Severina Luzia da Silva, residente no mesmo engenho há oito anos, disse que ao ficar
viúva em 1969, com 49 anos de idade, o senhor Erasmo lhe tomou cerca de três hectares de terra
onde ela cultivava mandioca e cana tirando-lhe, com tal atitude, o sítio de subsistência. Acresce
sua narrativa com o caso de um trabalhador que foi amarrado “em uma jaqueira onde uma casa
de marimbondo foi açoitada (pelo Erasmo) para picar o rapaz, que ficou todo inchado”.
Conclui: “Não tenho medo dele, sou do Sindicato dos Trabalhadores de Vitória, inscrição nº
2.346, onde defenderei os direitos que a lei me assegura” 19.
A imperiosa necessidade de redução dos custos de produção fez alguns donos de terra
procurar desvincular o trabalhador da sua propriedade e, nesse sentido, a máxima de Rebouças20
– quem tem a terra tem o homem - continua pertinente quando se procura reconhecer o processo
que retirou do trabalhador a possibilidade de cultivar, uma roça ou um sítio, nas terras do patrão.
Outra forma de prender e submeter esse homem ao empregador persiste no seu obrigatório
vínculo com o “barracão”, em cuja relação ele é o devedor, pela contração de uma dívida quase
sempre insolvente, haja vista precisar satisfazer suas necessidades mais primárias como comer e
até mesmo adquirir ferramentas para o exercício de seu trabalho.
Outra temática recorrente nos processos é a que diz respeito ao cumprimento das
tarefas, também conhecida por “contas” 21, significando a produção diária de cada trabalhador.
Tarefas que para muitos homens e mulheres são de execução impossível, pois, para cumpri-las
precisam usar o trabalho dos filhos, sem qualquer reconhecimento do patrão. E quando não
conseguem realizá-las (como obrigações cotidianas) o seu dia de trabalho era abonado como
falta, em “boletins” 22 da empregadora. No mais das vezes, esse cotidiano de esforços inumanos,
levava-os à aquisição de doenças, mutilações e à invalidez, sem contar uma ação assistencial
devida.
18
Diário de Pernambuco, 20 de março de 1969.
Idem.
20
In ACIOLI, Vera Lúcia & ASSIS, Virgínia Almoêdo de. “A Justiça e o Direito como estratégias de
resistência ao trabalho escravo em Pernambuco, da Colônia à República” In História, Cultura, Trabalho:
questões da contemporaneidade. Citado. P. 63-83.
21
Conta: medida dada pelo empregador (indústria do açúcar) à produção cotidiana do trabalhador rural
frente a atividade a ser executada em um dia de trabalho no campo, seja no corte da cana , no plantio,ou
na adubação. Nas décadas de 60 a 70 em alguns municípios da Zona da Mata de Pernambuco a conta era
na ordem de 10x10 a 10X12. Chegou a 10X20 nos idos de 1968 como justificativa dos patrões ao
aumento do salário mínimo regional. Maiores esclarecimentos acerca do assunto veja-se os processos:
JCJ – GO 0513/66; 566/66, entre outros.
22
Boletim diário: documento institucional pertencente ao empregador (indústria do açúcar), no qual é
sistematizado, por meio das anotações feitas pelo administrador, cabo ou feitor de campo o quantitativo
produzido pelo trabalhador rural a partir da tarefa que lhe é imposta como atividade diária – conta - no
campo.
19
10
Seria anacrônico pensar uma reclamação trabalhista das décadas de 60 – 70 – 80, cujo
objeto pleiteado fosse à contemporânea reparação do dano por acidente de trabalho. A
competência da Justiça do trabalho para julgar esses casos é uma conquista recente que foi
concretizado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, até então a cargo da Justiça Comum dos
Estados. A narrativa histórica dessa cultura de direito trabalhista construída de fato se inicia em
1º de maio de 1943 com o Decreto Lei 5452 que criou a Consolidação das Leis Trabalhistas e
no art. 162 dispõe acerca da existência das CIPAS (Comissão Interna de Prevenção de
Acidente). Outras ações nesse sentido só viriam a se concretizar nas décadas de 70 com a
Portaria nº 3.236 e 3.237 do Ministro do Trabalho e da Previdência Social, do Governo de
Emílio Garrastazu Médici, Júlio de Carvalho Barata, que propôs a regulamentação da
profissionalização do técnico em Segurança e Medicina do Trabalho e também com a Lei
8213/91 (art. 19 e art. 20) que regulamentou os benefícios da Previdência Social no âmbito do
acidente de trabalho definindo a conceituação do que é um acidente de trabalho.
Esses acidentes laborais causadores de lesões no corpo ou de distúrbios no seu
funcionamento que levem a morte, a perda ou a diminuição de maneira definitiva ou não, até
então não eram (re) conhecidos a partir de um contexto normativo23. Não existiam claramente,
apresentava-se velados, encoberto pelas tarefas inumanas ou por pedidos de demissão indireta,
de reintegração, indenização, de periculosidade, insalubridade, entre outros. Essa lenta e muitas
vezes silenciosa luta pelo reconhecimentos da responsabilidade patronal da saúde do trabalhador
estão presentes nas ações reclamatórias das JCJ – JA do período estudado/pesquisado nesse
projeto e podem ser interpretados a partir dos testemunhos dos trabalhadores de doenças ou de
estado de saúde precário – alquebrado - que limitavam ou mesmo impediam o exercício laboral.
Não raro se pode encontrar nos processos queixa de sintomas ou patologias (doenças
ocupacionais) atreladas à lida, como a tuberculose, a desnutrição crônica, a artrite reumatóide,
problemas respiratórios e até mesmo a perda de parte do corpo impossibilitando a permanência
na função ocupada e por isso justificava a demissão justa e sem nenhuma reparação. Assim, em
processo trabalhista analisado vê-se o relato de uma trabalhadora rural Severina Madalena dos
Santos, rurícola, moradora do engenho Salgadinho, que reclama contra a usina Muribeca. Narra
ter sido demitida por via indireta, porque ela portadora de “uma doença que se manifesta por
dor aguda que ia do coração ao fim da costela esquerda” e não consegue executar a tarefa
diária de tirar 140 cubos que lhe é imposta. Seu advogado afirma em petição inicial que tal
23
Santos, Sandra Glaucia Melo dos. Prescrição nas ações acidentárias. In Revista do TRT6. Região –
Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. Vol. 18. Nº 35. Recife – PE. 2008. p. 155.
11
atribuição labora “serviços defesos por lei, como o que, serviços idênticos ao que motivaram
os quilombos” 24.
Narrativa como essas relembra a fala de André Rebouças, companheiro de Joaquim
Nabuco e insigne colaborador intelectual para o ideário da abolição da escravidão no Brasil,
que, na sua visão progressista contrapôs-se a todos os tipos de escravização, não somente a
negra, lutando, ainda, contra a re-escravização do imigrante pelos donos da terra. Foi um dos
poucos abolicionistas que anteviu as implicações mais profundas da eliminação da mão-de-obra
escrava.
a escravidão não está no nome e sim no fato de usufruir do trabalho de
miseráveis sem pagar salário ou pagando apenas o estrito necessário
para não morrer de fome (...) Aviltar e minimizar o salário é
reescravizar.25
No corte da cana, tarefa das mais árduas exercidas pelo trabalhador rural e atividade que
emprega o maior número da mão-de-obra no campo da Região Nordeste, a forma de
remuneração é baseada na produção. O salário mínimo regional normatizado por lei, base da
percepção do trabalho campesino, só vai se concretizar quando a tarefa diária for completada,
ou seja, atingir a conta diária de 10x10; 10x12 ou 10x20 cubos. Como depende do esforço,
muitas vezes, inumano do trabalhador, esse se constitui um dos principais pontos de conflito
entre empregados e empregadores, fomentando inúmeras demandas trabalhistas às Juntas de
Conciliação e Julgamento, em especial a do município do Jaboatão. Portanto, das análises
históricas que se vem realizando no Arquivo por meio do acervo jurídico trabalhista do TRT6ª
Região se poderá pensar em recompor histórias que levem a caminhos de ruptura dessas
dinâmicas produtivas que exploram o trabalhador em exaustão, propiciando à existência do
trabalho análogo a escravidão na contemporaneidade.
A disponibilização dessa diversificada documentação digitalizada e acompanhadas de
catálogos26 para toda sociedade, vai constatar permanências quanto à situação de angústia e
adversidade na qual foram mergulhados homens, mulheres e crianças, trabalhadores do campo,
especialmente em recorte regional no Nordeste do Brasil e cujo problema social emerge como
ponto para análise e construção de uma possível e necessária transformação. Esses documentos,
24
JCJ – JA – Processo 0492/1968.
Carta de André Rebouças a Joaquim Nabuco, documentos inéditos da FUNDAJ.
26
Arquivo Memória e História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de
Pernambuco, 4º andar. Endereço eletrônico - www.memóriaehistoria.trt6.gov.br.
25
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materialidade da identidade de um povo, já vêm sendo, muito acertadamente, reconhecidos e
utilizados por profissionais de áreas como História, Sociologia, Política e o Direito. Através
deles as instituições se reconhecem e a sociedade constrói a idéia de pertencimento, um dos
requisitos de herança cultural e de construção da cidadania.
Da reflexão, do estudo e até da simples consulta aos processos trabalhistas observam-se
a amplitude e a gravidade/tragicidade das injustiças sociais encravadas em muitas das queixas
apresentadas, relativas ao trabalhador rural, à mulher ou à criança e ao adolescente. Trata-se de
documentos que não têm mais “vida útil” (valia para a administração institucional), mas é
matéria de interesse público, na medida em que podem contribuir para a compreensão de nossa
identidade como indivíduo que labora e, em sentido amplo, como nação.
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Jaboatão de hoje, dos Guararapes, da indústria, do comércio e do