O OLEIRO CEGO Ítalo Campos – psicanalista e poeta Num lugar muito longe, mas dizem que também bem perto, vivia um Oleiro cego. Sua idade e seu nome ninguém sabia. Chamavam-no "o oleiro". Toda comunidade tinha com ele uma relação de respeito e discrição. Ele estava alí desde sempre, diziam os mais velhos. Ele acordava um pouco antes do sol inclemente que inundava aquela terra. Todo dia saia de casa assoviando e seguia em direção a floresta que existia na proximidade e não era mais visto. No retorno à tarde, ele trazia belas peças em barro que já se achavam prontas e secas. A noite ele as expunha em um estrado feito de madeira situado no terreiro da casa. As peças ficavam alí para o que ele chamava de banho-de-lua. Diziam que as peças absorviam os raios de sol e, em seguida, os raios da lua, os retinha, distribuindo conforme indicava os caminhos traçados pelas mãos do Oleiro cego. Em sua extrema modéstia ele dizia que, na verdade, era a luz do sol e a luz da lua que moldavam as peças, dizia que o barro, que apenas ele sabia onde encontrar, era o suporte desse algo que vinha, que era transportado pela luz, esse algo é o que vocês chamam de arte, dizia. Ninguém jamais tinha visto ele dar, comercializar ou destruir alguma peça. De manhã ele as recolhia e devolvia ao seu lugar de origem. Corria o boato de que algumas de suas peças eram vistas em casas humildes, muito distantes dalí e que eram elas com vida própria, como um ser vivo, procuravam um lar para alegrar o ambiente. Com o passar do tempo todos sentiam e reclamavam de uma modificação na luz do sol e na luz da lua; diziam que era por causa da camada de ozônio e da poluição atmosférica que tinham modificado totalmente a chegada da luz na terra e por isso, suas peças não tinham mais tanta vida. O barro, seu suporte, apresentava agora profundas alterações em sua consistência, flexibilidade, e leveza e já não obedecia corretamente ao toque do artista. O Oleiro cego foi ficando cada vez mais entristecido, seu assovio, ao se encaminhar para floresta, tinha diminuído o entusiasmo e mal-mal era ouvido. Alguns dias depois já não acordava mais com a aurora. Certa ocasião o Oleiro cego permaneceu imóvel, olhos fechados, ao lado da sua casa. Permaneceu parado alí ao lado do seu estrado vazio, por sete dias e sete noites seguidos. Nada mexia, nada comia ou bebia. Apenas os dedos de ambas as mãos mexiam de maneira delicada como se moldasse uma massa líquida e volátil. No 8o. dia, como numa mágica, o Oleiro cego desapareceu. Nesta manhã na porta da casa apenas dois potes, ou melhor, dois-em-um pote era visto. Um pote com o formato do fora e o formato do dentro, ao mesmo tempo. O pote com o formato do passado e do presente, da memória e do esquecimento, juntos. O pote trazia o amor e a indiferença, trazia a representação da dor e da alegria, do macho e da fêmea ao mesmo tempo. O pote representava a poesia e o poema. As pessoas eram atraídas a olhar o pote dois-emum, mas a sua visão causava um estranhamento, um certo mal estar, um desconcerto! Um assombro! No entanto, quem ousava se aproximar e encostar o ouvido no pote doisem-um, podia ouvir nitidamente um assovio longo e triste.