Prelúdio Coro dos livros de ponto Dizem que somos muito pesados, que estamos obsoletos, que já não servimos para nada. Querem acabar connosco, invocando ácaros e peixes - prateados para servirem tão ingrato desígnio! Esquecem que os outros, os que de pontinhos são feitos, pesem embora a novidade e o potencial por eles demonstrado, sofrem também ataques de vírus… e, porque são leves - não têm corpo, claro!-, nunca ninguém os poderá abraçar! Não damos ponto sem nó… Nós, os fora-de-moda, sentimos bater o coração dos professores, a caminho da sala de aula; a ansiedade ou o cansaço com que, contra o peito, nos apertam; somos a memória das múltiplas matérias que, ao longo dos anos, lecionaram e das sucessivas designações que lhes foram superiormente atribuídas. No nosso corpo, caligrafias - como impressões digitais - povoam a exiguidade do espaço em que horas de trabalho, em diferentes dias e ao longo de muitos meses se concentram; materializamos, em números e a vermelho, ausências, faltas de material e de educação - pontos negros do ponto vernal do crescimento discente - e somos, amiúde, desviados dos cacifos pela rebeldia de alguns ; em ponto de ebulição, num sufoco, mudámos por vezes de casa, dentro da pasta ou do dossiê do docente distraído. Teremos chegado a um ponto de não retorno? Poslúdio A eminência do fim anunciado por este coro não nos deixou indiferentes. Para que um dia descansem em paz, sem, no entanto, perderem a sua essência, elegêmo-los o local ideal para a nossa intervenção. Como a um missal, transportámo-los quase diariamente para a sala de aula -nossa paróquia - e neles registámos cada uma das partes em que é dividida uma matéria do programa. Este trabalho que, sob vários pontos de vista, pode ser considerado sacrílego, quer-se uma espécie de requiem pelos livros de ponto. Nele participaram três professoras e as turmas L (do 10ºano) e M (do 12ºano) que, paulatina mas empenhadamente, foram desenvolvendo o que constitui, provavelmente, a última homenagem aos velhos companheiros de curtos, mas não anódinos, percursos. Partimos do extenso património poético do nosso país - única riqueza que poderemos ainda exportar -, selecionámo - lo, procurámos ideias e/ou conceitos presentes nas composições em versos (mais ou menos brancos…),dando-lhes cor e reinterpretando-as graficamente. Ponto, linha, textura e cor - elementos estruturais da linguagem plástica - foram mobilizados para essa reinterpretação. Visto que a melodia e o ritmo preexistiam na polifonia dos poemas escolhidos, o nosso requiem é, igualmente, e até certo ponto, uma missa paródica da pós-modernidade… Há quem não saiba da missa a metade e, também há - sabemo-lo bem - quem não vá à missa connosco. A todos agradecemos pelos breves momentos em que se detiveram para os contemplar; por os terem, uma vez mais, carregado nos vossos braços. LM