outra de pimenta-do-reino, amassei bem e o recheio ficou pronto. Apanhei trigo, ovos, uma xicrinha de água morna e em pouco a massa estava pronta. Com o pau de espichar, longo e roliço – a canarola –, comecei a abrir a massa, esticando-a e arredondando-a até vê-la da espessura, quase, de uma folha de papel e tão grande como a roda de uma carroça. Enrolei no pau, dei-lhe em corte de fora a fora e a massa se abriu em faixa. Retirei o rolo. Dei mais um corte, de comprido, na faixa, partindo-a em duas, cortei-as em quadradinhos e desfolhei um, para ver se estava bom. Estava ótimo! Chamei, então, a meninada, que veio correndo. – Alto lá! – gritei. – Primeiro, lavar as mãos. Correram à torneira e ao voltar tomaram a mesa de assalto. Uns separavam os quadradinhos da massa desfolhando-os; outros faziam bolinhas com recheio e as colocavam nos quadradinhos de massa. Eu ia armando os “capeleti” um a um, enquanto Gaetanon areava os talheres com tijolo próprio. Talheres das grandes ocasiões, que há muito não eram usados. Vez por outra, as crianças cochichavam entre si, disfarçando. As bolinhas de recheio erravam o caminho. Ouvi Bárbara ameaçando contar. Olhei de esguelha, fingi não ver. Gaetanon, do canto, piscava o olho incentivando-os. Havia tanta felicidade expressa naquela pequenina aventura, que seria crueldade tirar-lhes o prazer. Véspera de Natal! Leveza de alma, sensação de paz e amor dominavam meu coração. O sino bimbalhando cortou o silêncio da noite. Já havíamos terminado os “capeleti” e estávamos prontos para a missa do galo. Lessandro no seu terno escuro, a corrente de ouro do relógio a brilhar sobre o colete. Os meninos, de jaleco, pareciam mais felizes. Marieta e Bárbara, vestidos brancos e engomados, cabelos à “Magdalena” descendo nas costas, laço de fita na cabeça, assemelhavam-se às suas bonecas de louça. Também eu me aprontara: o vestido cinza de gorgorão de seda que trouxera da Itália anos atrás, inda estava novo. Sentia prazer ouvindo-lhe o roçagar quando andava. Gaetanon desceu para juntar-se a nós. – Viva Gaetanon! – gritou Piero, entusiasmado, vendo-o em traje de festa. – Vamos! – falou Lessandro, caminhando à frente e a limpar o chapéu com o lenço que tirou do bolso. Chegamos à igreja com a missa começando. Missa festiva, cantada. Havia comovedora beleza na expressão daquelas vozes evolando no templo e fugindo pelos vãos das janelas abertas. Quando o coro rompeu o “Glória”, na exaltação a Deus e com votos de “paz na terra aos homens de boa vontade”, acompanhei emocionada – em surdina – as vozes do coro. Ao “Agnus Dei”, o sino badalou, festivo. Jesus nascera! 121