O PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DOS CAMPONESES NOS CAMPOS GERAIS: O CASO DA COMUNIDADE DE RESISTÊNCIA EMILIANO ZAPATA Luiz Alexandre Gonçalves Cunha1 Luciane Gomes Pereira2 Alnary Nunes Rocha Filho3 Drielli Peyerl4 Resumo: O objetivo do artigo é analisar o processo histórico-geográfico de territorializaçãodo Pré-Assentamento Emiliano Zapata, como uma trajetória de resistência a demora que se constata na regularização da terra conquistada pelos trabalhadores. O trabalho permite resgatar as dificuldades relacionadas ao enfrentamento promovido pelos sujeitos que construíram um caminho diferente da opção hegemônica dominante na região dos Campos Gerais, na qual se localiza o território em conquista. Essa opção caracteriza-se pela monocultura voltada para exportação, baseada numa quimificação e mecanização intensiva da produção. A luta dos trabalhadores do Emiliano Zapata é por regularizar a área e promover um modelo centrado na policultura, na agroecologia e na pequena produção. Portanto, a trajetória do pré-assentamento foi de resistência, apoiando-se em políticas públicas de apoio a agricultura familiar (PAA, PNAE), de fomento a Economia Solidária, mas, antes de tudo de organização, cooperação, solidariedade e luta dos próprios agricultores. Trata-se de movimento típico de territorialização vinculado a um projeto popular e contra hegemônico. A partir de pesquisa bibliográfica foi possível resgatar os elementos fundamentais que explicam o processo de resistência e que levou os trabalhadores a se auto denominarem de Comunidade de Resistência Emiliano Zapata. Palavras-chave: Território; Comunidade de Resistência Emiliano Zapata, Metodologia, Diagnóstico Rural Participativo. 1 Professor Doutor - Universidade Estadual de Ponta Grossa – E-mail: [email protected] 2 Técnica do Projeto PRONINC/CNPq/IESol – E-mail:[email protected] 3 Doutorando em Geografia – Universidade Estadual de Ponta Grossa – E-mail: [email protected] 4 Pós-doutoranda – Unicamp – Bolsista FAPESP - E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO Um dos principais problemas enfrentados na execução de projetos de extensão, como o desenvolvido pela Incubadora de Empreendimentos Solidários – IESol pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, tem sido a efetivação de metodologias que proponham soluções as necessidades levantadas por meio de diagnósticos nos locais de estudo ou trabalho. O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar a efetividade do trabalho desenvolvido no Pré-Assentamento Emiliano Zapata, por meio do emprego, ainda em fase inicial, da metodologia do Diagnóstico Rural Participativo – DRP, para que se possa compreender de forma mais rigorosa o contexto social que deve ser considerado pelas ações de pesquisa e apoio a comunidade. Além disso, a proposta visa questionar, problematizar e demonstrar caminhos relacionados ao emprego de uma metodologia a ser aplicada. Refletir sobre metodologias a serem abordadas e aplicadas em trabalhos de pesquisa e extensão, requer um diagnóstico que procure desvelar características essenciais e que estejam relacionadas de forma particular à comunidade territorial em questão. No caso do PréAssentamento Emiliano Zapata enfatiza-se que há características muito particulares, principalmente porque se trata de um território incrustado numa área bastante valorizada pelo agronegócio, ter origem em área que era de uma empresa pública e estar inserido no “cinturão verde” de um dos maiores polo urbano do Estado do Paraná. Assim, partimos num primeiro momento de apresentar a Comunidade de Resistência Emiliano Zapata, descrevendo suas principais características, refletindo sobre atividades já realizadas no local, bem como antever algumas particularidades a serem trabalhadas ao se aplicar a metodologia do Diagnóstico Rural Participativo. Este artigo insere-se no segundo trabalho de uma sequência, que publicaremos em outros Eventos ou Revistas, demonstrando os caminhos que seguimos para termos uma metodologia como suporte e se a mesma consegue oferecer suporte e resultados esperados em torno da análise do território mencionado. (PEYERL; CUNHA, 2014). Características Territoriais da Comunidade de Resistência Emiliano Zapata O Município de Ponta Grossa tem uma população estimada de 331.084 habitantes. Deste total, estima-se que apenas 6.878 pessoas vivem no meio rural, cerca de 2,1% do total. De acordo com informações retiradas do IBGE, os dados censitários de 2010, indicavam que os habitantes de Ponta Grossa eram 314.681, e eram 9.440 os habitantes da sua meio rural, que representavam 3% do total, portanto observa-se que, nestes últimos quatro anos, continuou o processo de redução da população rural no município. No caso de Ponta Grossa e sua região de influência, formada pelos Campos Gerais, a modernização da agricultura atingiu fortemente as áreas ocupadas pela criação e invernagem do gado que passava pelos campos naturais dos Campos Gerais em direção a São Paulo (CUNHA, 2003). O modelo foi o da modernização conservadora, que seguiu os padrões da revolução verde, no qual se destacava a soja, como produto que apresentava um processo produtivo adaptado aos significativos níveis de mecanização e quimificação que se buscava para integrar o mundo rural à industrialização (CUNHA, 1988; LINHARES, M.; SILVA, F. 1999). Nesse contexto, a região dos Campos Gerais, que já apresentava baixa densidade demográfica no meio rural, em virtude das características da sociedade campeira que dominou estes Campos, integrou-se a uma trajetória de desenvolvimento rural, que cristalizou padrões demográficos de baixa densidade nas propriedades modernizadas, confirmando que a agricultura familiar não tinha espaço neste modelo. Neste contexto, no qual, praticamente, não havia espaço para a agricultura familiar, um grupo de famílias ligadas ao MST resolveu ocupar parte de uma fazenda que pertencia a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-EMBRAPA. Assim, em maio de 2003, cerca de 150 famílias integrantes do MST ocuparam a área. As famílias eram oriundas de Ponta Grossa, Palmeira e região metropolitana de Curitiba. Estas famílias estavam acampadas no município de Palmeira desde maio de 2002, numa área emprestada por uma família assentada por meio do Projeto de Assentamento Palmares II. A área total da propriedade da EMBRAPA formada por aproximadamente cinco mil hectares, deveria ser destinada à pesquisa e a multiplicação de sementes. A argumentação das lideranças do MST para a ação de ocupação, planejada (de acordo com suas observações e com informações obtidas por outros dirigentes do Movimento), é a de que grande parte da área estava sendo arrendada para o plantio de pinus elliottii, com fins econômicos da iniciativa privada, e que, essa espécie florestal, por sua natureza, representa a total substituição da vegetação original, tendem a ser estritamente monoespecíficos, impedindo a instalação de outras formas de vegetação, transformando o ecossistema aberto, característico da região, em um ecossistema fechado, com perda da biodiversidade por sombreamento, o que leva a exposição do solo e a consequente erosão e assoreamento dos cursos d'água. Também por meio dessas informações, tomaram conhecimento de dois outros fatos que ocorriam na área: outras partes da área pública estavam sendo arrendadas para grandes proprietários de terras da região para o cultivo de culturas de exportação, como por exemplo, o soja, e, ainda, outra parte vinha sendo lentamente tomada por “grileiros”5 para a construção de sítios particulares e áreas de lazer, com o intuito de explorar economicamente o turismo informal de áreas naturais. Após a ocupação, iniciou-se um processo de negociação com a diretoria da EMBRAPA. O acampamento dos ocupantes foi organizado às margens da Estrada do Talco, nas proximidades do Km 18, no distrito de Itaiacoca, município de Ponta Grossa - PR, onde ficou por aproximadamente três meses. Assim, as famílias acampadas precariamente, estavam determinadas a lutarem pela terra, para que pudessem por em prática seus ideais, optando pela agroecologia, como uma ferramenta para que se viabilizassem economicamente e tendo a cooperação como estratégia para possibilitar a construção de uma comunidade organizada e com melhores condições para produzir e comercializar seus produtos. 5 Grileiro é um termo que designa quem falsifica documentos para de forma ilegal tornar-se dono por direito de terras devolutas, de terceiros ou públicas. A ocupação da fazenda da EMBRAPA foi um passo importante na luta desses trabalhadores e trabalhadoras pelo acesso a terra. Já no primeiro ano de ocupação, todas as famílias tiveram a sua disposição uma pequena área de terra para cultivar alimentos para seu sustento, principalmente hortaliças e grãos. Para a formação do pré-assentamento, os trabalhadores e trabalhadoras perceberam, juntamente com a orientação das lideranças do acampamento, a necessidade de diminuir o número de famílias e dividiram a área em pequenas glebas. O Pré-assentamento Emiliano Zapata , no final da última década, era formado por 58 famílias organizadas territorialmente em 6 núcleos (cada núcleo homenageia um personagem ou um lugar importante): Canudos com 9 famílias, Chico Mendes com 10 famílias, Florestan Fernandes com 9 famílias, Zumbi dos Palmares com 8 famílias, Oziel Alves com 8 famílias e Mario Lago com 14 famílias (ROCHA FILHO, 2010). Compõem-se de pessoas de todas as faixas etárias, mas predominam as de idade produtiva e em idade escolar. A maioria dos adultos cursaram as primeiras séries do ensino fundamental e a maior parte dos jovens e crianças, apesar dos obstáculos com transportes, estão cursando os ensinos superior, médio e fundamental. (ROCHA FILHO, 2010) A partir de 2012, a Comunidade acrescentou a sua denominação a palavra resistência, devido ao seu processo histórico-geográfico de lutas e persistência na área, que embora não tenha saldo de violência física, tem lutas ideológicas que já são históricas, e assim passou a se chamar Comunidade de Resistência Emiliano Zapata. Resistência simbólica Não é só pela organização e formalização que a Comunidade coloca-se na luta pela conquista e a manutenção da terra, de direitos e da cidadania. A ocupação tem outras características de postura ideológica, pois a área rural onde a ocupação foi efetivada é muito peculiar e contém características que vão além do latifúndio improdutivo, reserva de mercado ou especulação imobiliária. A fazenda da EMBRAPA ocupa uma área que é visada e muito valorizada, embora tenha um aterro sanitário próximo, esse tem mais de 40 anos e está em vias de desativação, está também muito próxima a APA (Área de Proteção Ambiental) da Escarpa Devoniana e está às margens do Parque Nacional dos Campos Gerais. Portanto, por diversas instâncias que se possam abordar o território da Comunidade, constata-se os conflitos territoriais que a cercam. A Comunidade localiza-se às margens de uma estrada de ligação extremamente importante entre duas rodovias: a PR 513 (Estrada do Talco) e a BR 376, onde está localizado o Distrito Industrial de Ponta Grossa. Essa estrada tem cerca de 10 quilômetros de extensão e é fundamental para o escoamento da produção de talco do Distrito de Itaiacoca. Além disso, a área tem atrativos turísticos naturais, como o Buraco do Padre, a Cachoeira da Mariquinha, as Dolinas Gêmeas e Dolina Grande no Passo do Pupo, Parque Municipal do Rio Verde, Capão da Onça e Recanto do Botuquara, esse último em frente à área ocupada pela Comunidade. Além de todas essas características naturais, toda a área vizinha da ocupação tem fazendas do agronegócio, cuja principal produção é a soja. O fato de a comunidade ter ocupado terras nessa localização torna permanente o choque entre os dois modelos territoriais que se colocam na área: o do agronegócio; e o da agricultura familiar. Após 11 anos, a área ocupada ainda não foi regulamentada, mesmo existindo, desde 2008, recursos alocados no orçamento da União para a efetivação da compra pelo INCRA. A falta de titularidade da terra pelos trabalhadores e trabalhadoras, impede que a Comunidade possa acessar diversos programas, sendo o principal, o PDA – Plano de Desenvolvimento de Assentamentos, que inclui entre outras benfeitorias, a construção de moradias em alvenaria, saneamento básico e organização espacial. Outra característica importante da Comunidade de Resistência Emiliano Zapata é o fato de que um percentual importante das famílias não serem camponesas (ROCHA FILHO, 2010). Estas foram convidadas a participar da ocupação devido à estratégia do MST de buscar entre os movimentos sociais urbanos interessados em se integrarem nas lutas pela reforma agrária. As pessoas das periferias pobres das cidades de origem, já mencionadas na primeira parte do presente trabalho, aderiram ao MST motivadas também pela proximidade da área a ser ocupada com um grande centro urbano, pois a Comunidade dista apenas 20 quilômetros do centro de Ponta Grossa e, mais ainda, está a 12 quilômetros do começo do maior bairro da cidade que é Uvaranas. Portanto, conseguem suprir grande parte das suas necessidades cotidianas na própria cidade, como mercado, escola, posto de saúde e comércio em geral. Assim, os moradores da Comunidade de Resistência Emiliano Zapata, que não são camponeses, vislumbraram uma oportunidade de conseguir um lote para constituir sua moradia, ter algum cultivo para consumo e também trabalhar na cidade. A proximidade com a cidade confere também uma condição única, pois a área ocupada serve periodicamente de acampamento temporário de famílias do MST que preparam novas ocupações, atividades e ou encontros oficiais, mas também abriga militantes de outros movimentos sociais, consolidando uma estratégia de resistência que se relaciona as propostas do MST. Portanto, a resistência liga-se a colaboração entre movimentos sociais, que sofrem dificuldades logísticas importantes para atuarem. Dessa forma, as características únicas dessa Comunidade lhe conferem um status simbólico de resistência para além da luta pela conquista da terra. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em 2013, a Incubadora de Empreendimentos Solidários – IESol pertencente a Universidade Estadual de Ponta Grossa foi contemplada com dois projetos: a) o primeiro apoiado pela Petrobras intitulado „Fortalecimento da Economia Solidária nos Campos Gerais‟, tendo como objetivo principal o fortalecimento de empreendimentos econômicos solidários da região de abrangência do Fórum Regional de Economia Solidária dos Campos Gerais, estimulando o trabalho coletivo, promovendo relações de colaboração e contribuindo para a elevação do nível de renda de seus trabalhadores, num processo de articulação entre as demandas de economia solidária da região e as políticas públicas municipais, estadual e nacional; e b) o segundo projeto financiado por meio do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas – PRONINC/CNPq, denominado Economia Solidária, desenvolvimento territorial e tecnologias sociais no território da Incubadora de Empreendimentos Solidários – IESol da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR (UEPG), tendo como objetivo promover ações de pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias sociais e incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários – EES no território de influência da IESol. (PEYERL; CUNHA, 2014). Por meio de ambos os projetos acima mencionados e aprovados, foi possível reunir uma equipe em que esta pudesse: estudar, pesquisar e colocar em prática metodologias que contribuíssem para diagnósticos e resultados promissores dentro dos grupos estudos, sendo um deles a Comunidade de Resistência Emiliano Zapata. Dessa forma, projetos bem aplicados com o auxílio de uma metodologia bem definida, no caso em específico da Incubadora de Empreendimentos Solidários, que utiliza-se da Economia Solidária como abordagem teórica e prática, assim, ativando-se a econômica dos setores sociais empobrecidos e/ou de baixa renda, não apenas para as melhorias em seu poder aquisitivo, mas também no intuito de provocar efeitos benéficos sobre a equidade e o desenvolvimento econômico. (GAIGER, 2011). Complementando ainda, que “as iniciativas de trabalho e produção identificadas com a economia solidária, contabilizadas entre as alternativas de geração de renda que promovem a autonomia econômica dos trabalhadores, poderiam funcionar como vetores de redução das desigualdades”. (GAIGER, 2011, p. 80). Dessa forma, utilização do Diagnóstico Rural Participativo, em fase de aplicação, já foi possível verificar, inclusive, os posicionamentos ideológicos, que tem um eixo geral para a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, construído pelo MST, porém, como se trata de comunidade muito heterogênea na sua composição, existem variações de pensamentos e posturas que podem influenciar diretamente nas relações, produção e nas demais atividades laborais da Comunidade e que não podem deixar de serem identificadas e problematizadas. Porquanto, as análises devem levar em consideração também os fatores específicos que caracterizam os sujeitos da comunidade. Fatores esses que tem uma influência muito grande no tipo de trabalho desenvolvido, nas decisões, coletivas ou não, que determinam a produção, a comercialização, as relações interpessoais, quando se propõem planos, projetos e ações extensionistas, principalmente nas propostas de pesquisas que buscam conhecer melhor a comunidade. Assim equipe da IESol tem um desafio a ser cumprido relacionado a aplicação metodológica em grupos incubados no decorrer de ambos os projetos citados anteriormente (PRONIN/CNPq e Petrobras), desafio esse que tem sido desde o início trabalhado, estudado e pesquisado pela equipe, e que agora encontra-se em fase de aplicação. (PEYERL; CUNHA, 2014). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUNHA, L. A. G. Debates e controvérsias sobre a agricultura brasileira. Revista de Economia da UFPR. Curitiba, ano 15, n.13, p.59-77, 1988. ______________________________Por um projeto sócio-espacial de desenvolvimento. Revista de História Regional. Ponta Grossa, v. 3, n.2, p. 91 – 114, 1998. _____________________________. Desenvolvimento territorial e desenvolvimento rural: o caso do Paraná Tradicional. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, 2003. GAIGER, Luiz Inácio. Relações entre equidade e viabilidade nos Empreendimentos Solidários. Lua Nova, São Paulo, 83: 79-109, 2011. LINHARES, M.; SILVA, F. Terra prometida: uma história da questão agrária no Brasil. Rio de janeiro: Campus, 1999. PEYERL, Drielli; CUNHA, Luiz Alexandre Gonçalves Cunha. Metodologia de aplicação: O caso da Incubadora de Empreedimentos Solidários – IESol. 12° CONEX. Universidade Estadual de Ponta Grossa. 2014. ROCHA FILHO, A. N. A ATERRA – Associação dos Trabalhadores Rurais da Reforma Agrária: Desafios, obstáculos e contradições na construção e organização de uma alternativa de economia solidária. 115p. Dissertação (Mestrado) – Programa de PósGraduação em Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa-PR, 2010.