Desenvolvendo a oralidade pela música Littiéli Saucedo Pinheiro1 Resumo: A oralidade é muito mais presente do que a escrita no dia-a-dia da maioria das pessoas; é um processo que tem início com o desenvolver da própria existência de cada um, desde as primeiras expressões silábicas e vai se aperfeiçoando conforme a aprendizagem no meio. Este documento 2 registra parte do estudo desenvolvido a partir do projeto Cala a Boca Já Morreu/PIBID do curso de Letras, e tem como objetivo principal aperfeiçoar e desenvolver a oralidade através da música. Palavras-chave: música, oralidade, ensino. Abstract: This orality is much more than writing on a day-to-day life of most people, it is a process that starts with developing the very existence of each one, from the first syllable and expressions will be improving as learning. This document records in the study developed from the project called Cala a Boca já Morreu / PIBID in the Language Course, and has as main objective to improve and develop speaking skills through music. Keywords: music, speaking, teaching. Introdução Segundo Marcuschi (2002: 21), a fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia-a-dia das pessoas. No entanto, ao analisarmos propostas pedagógicas das escolas e participarmos da vida escolar, constata-se a quase ausência de abordagens do aspecto oral da língua nas salas de aula. Expressar-se e falar desinibidamente vem sendo cada vez mais difícil e menos desenvolvido nos jovens de hoje. A língua falada é um ponto esquecido pelos professores de Ensino Fundamental, fazendo com que os alunos participem menos das aulas ativamente e até que se tornem adultos com problemas ao falar em público. Nas nossas escolas há preocupação no desenvolvimento de teorias e da escrita e um apagamento de que tanto quanto a escrita é importante também desenvolver a oralidade. Para Vigotski, a fala da criança é tão importante quanto à ação para atingir um objetivo. A fala e a ação, dirigidas para a solução do problema em questão, fazem parte de uma mesma função psicológica complexa. 1 Acadêmica do Curso de Letras da Faculdade Cenecista de Osório. Estudo desenvolvido no GE do curso de Letras, orientado por Profª Drª Cristina Maria de Oliveira e Profª Ms Christiane Jaroski Barbosa 2 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Programa desenvolvido pela CAPES. Concede bolsas de iniciação à docência para alunos de cursos de licenciatura. 36 O trabalho com a linguagem se constitui um dos eixos básicos na educação infantil, dada sua importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na orientação das ações das crianças, na construção de muitos conhecimentos e no desenvolvimento do pensamento. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998, p.117 v.3) A partir desta necessidade, criamos o projeto Cala a Boca Já Morreu, cujo objetivo principal é oportunizar o desenvolvimento da língua oral e a interação social dos alunos através da música. Na primeira etapa do projeto, as atividades envolveram o gênero Rap e Hip Hop, escolhido pelos alunos do Ensino Fundamental -5ª e 6ª série/ano, participantes do projeto. 1. A importância da Oralidade A oralidade sempre será a identidade sócio-cultural dos indivíduos, representando os seus pensamentos, sentimentos e meio em que vive. Dentro da escola, o que vemos, na maioria das vezes, é a escrita sendo supervalorizada. Não estou afirmando que a escrita não é importante, sei que ela é fundamental na educação, mas assim também é a oralidade, a fala, a expressão do aluno. Para que um estudante tenha bons rendimentos, é necessário que ele seja dotado de ambas capacidades. Em relação à fala e a escrita, Marcuschi afirma que: Postular algum tipo de supremacia ou superioridade de alguma das duas modalidades é uma visão equivocada, pois não se pode afirmar que a fala é superior à escrita e vice-versa. (MARCUSCHI, 1995, p. 134) Para Marcuschi (ibidem), a fala e a escrita se equivalem. Enquanto a escrita é mais valorizada no ponto de vista social, a fala tem o seu prestígio em determinadas culturas, situações grupais e regionais. Desde que o indivíduo é motivado a se expressar, ele utiliza a fala como forma de representar a sua organização mental. De acordo com as suas experiências e vivências, ele vai ampliando seus conhecimentos e enriquecendo a sua linguagem oral. A conversação é a primeira das formas de linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora. (MARCUSCHI, 2003, p. 14) 37 E, assim, a expressão oral torna-se um elo de aproximação e entendimento entre os falantes do início ao fim da vida. 2. A música na educação básica Segundo Bréscia (2003), a música é uma linguagem universal, tendo participado da história da humanidade desde as primeiras civilizações. Conforme dados antropológicos, as primeiras músicas seriam usadas em rituais, como: nascimento, casamento, morte, recuperação de doenças e fertilidade. Com o desenvolvimento das sociedades, a música também passou a ser utilizada em louvor a líderes, como a executada nas procissões reais do antigo Egito e na Suméria. Abre-te! Abre-te ouvido, para os sons do mundo, abre-te ouvido para os sons existentes, desaparecidos, imaginados, pensados, sonhados, fruídos! Abre-te para os sons originais, da criação do mundo, do início de todas as eras... Para os sons rituais, para os sons míticos, místicos, mágicos. Encantados... Para os sons de hoje e de amanhã. Para os sons da terra, do ar e da água... Para os sons cósmicos, microcósmicos, macrocósmicos... Mas abre-te também para os sons de aqui e de agora, para os sons do cotidiano, da cidade, dos campos, das máquinas, dos animais, do corpo, da voz... Abre-te, ouvido, para os sons da vida... (FONTERRADA apud SCHAFER, 1991, p. 10 -11). Há indícios de que já havia orquestras na Grécia Clássica. Nessa época, o ensino da música era obrigatório. Pitágoras demonstrou que a seqüência correta de sons, se tocada musicalmente num instrumento, pode mudar padrões de comportamento e acelerar o processo de cura. (BRÉSCIA, p. 31, 2003). Assim como a oralidade, a reduzida presença do ensino de música nas escolas regulares de educação básica, especialmente as escolas públicas, chamou- nos muita atenção. A música pode ser trabalhada de diversas formas: ela ajuda no raciocínio lógico e matemático, por estimular em alto grau os circuitos cerebrais, contribui para o desenvolvimento da comunicação, a compreensão da linguagem e o aprimoramento de várias outras habilidades. Os jovens de hoje separam-se em grupos por tipos de músicas que gostam. Roqueiros andam com roqueiros, rappers andam com rappers, pagodeiros andam com pagodeiros e assim por diante. Isso está muito presente na vida deles e uma das melhores oportunidades de usar a oralidade é com a música. 38 ...sem dúvida há muitas atividades que o professor não músico pode desenvolver com sua classe para estimular o gosto pela música; sem dúvida é possível cantar ou tocar, mesmo que o professor não saiba ler música; sem dúvida ele poderá conduzir o interesse da classe na apreciação do ambiente escolar sonoro ou das imediações. Para isso ele não necessita de formação específica, mas apenas de musicalidade e interesse pela música e pelos sons.(FONTERRADA, 1993: 72-73) Não é necessário ter uma formação musical para usar a música como instrumento de trabalho, basta ter vontade. Então por que a maioria não utiliza desse meio para chegar mais perto de seus alunos? Além de forma de trabalho, podemos conhecer melhor nossos alunos usando deste artifício. Em uma poesia e em uma música, os adolescentes expressam o que sentem, o que pensam e o que querem dizer ao mundo; mas, na maioria das vezes, acabam inibindo-se e oprimindo esses sentimentos. A música, a alegria do “eu”, apresenta as inspirações mais profundas que emergem de todos os sentimentos e das emoções acumuladas ao longo das experiências de cada um. Utilizada no plano educacional, a música pode despertar a visão de uma realidade mais feliz, diferente daquela vivência que, em certos momentos, o mundo em que o educando vive não lhe proporciona. A música é um meio mais poderoso do que qualquer outro porque o ritmo e a harmonia têm a sua sede na alma. Ela enriquece esta última, confere-lhe a graça e ilumina aquele que recebe uma verdadeira educação. (PLATÃO, apud http://www.meloteca.com/citacoes-filosofia.htm) 3. O projeto Cala a Boca Já Morreu Criamos o projeto Cala a Boca Já Morreu pelo fato de que, em sala de aula, os alunos não têm muitas oportunidades de se expressarem, acabam ficando a aula toda somente ouvindo o professor e prestando atenção na matéria; pouco espaço é dado para que eles possam expressar-se oralmente. Para desenvolver o nosso objetivo de desenvolver a oralidade, de construir a interação social, de criar oportunidades de cultura e lazer para esses estudantes, diminuindo seu tempo ocioso e resgatando as bases culturais do município, escolhemos a música como meio principal acompanhada de teatro. 39 São desenvolvidas atividades interativas, de participação em grupo e individual, como técnicas vocais, músicas criadas pelos alunos, interpretação das músicas, conscientização de que o preconceito musical e de qualquer tipo não deve existir e de que devemos aceitar a individualidade de todos, apesar de não gostar tanto quanto o outro de certos tipos de música. A primeira criação que tivemos foi o “Rap do PIBID”. Cada aluno elaborou um pouco da música do jeito que desejava, depois juntamos tudo e formamos a música. Assim que ficou pronta, apresentamos para duas turmas da manhã da escola, e logo nos surpreendemos porque todas as turmas quiseram ver a apresentação; então resolvemos passar de sala em sala apresentando o rap criado por eles. Na apresentação, os alunos cantaram e dançaram. As primeiras apresentações foram bem simples, pois a maioria dos alunos estava com muita vergonha; mas, aos poucos, eles foram descontraindo e as últimas apresentações ficaram realmente muito dinâmicas e comunicativas. A letra da música criada por eles é essa: Rap do PIBID Pelos amigos que encontrei e as amigas que passei, vocês são os professores que jamais esquecerei. Educação é muito bom principalmente na escola, respeito eu to dando respeito eu quero agora. Educação requer respeito educação faz amizade. Se liga meu irmão que essa música é realidade. Se você é educado você tem que respeitar. Se você respeita você tem que educar. 40 O idoso é valente e muito inteligente, ela dá educação para toda a nossa nação Tem vezes que a terra não parece girar, o tempo parece parar. Tem vezes que a mentira é a mais pura verdade. Tem vezes que eu ajo sem pensar, canto sem parar. Começo essa rima sem perder o astral e venho aqui dizer PIBID é muito legal. Hoje é terça-feira adoro esse dia. Hoje tem PIBID é muito alegria Outra atividade foi a apresentação na Festa Nacional do Peixe, no município de Tramandaí. Nesse evento, para fins de participação, o tema da escola foi “Anos 60”; decidimo-nos, então, pela música “Estúpido Cupido”, de Celly Campello, por representar bem a referida década. Nós criamos uma coreografia e os alunos cantaram e dançaram caracterizados. Conseguimos ver claramente a mudança nos alunos que frequentam a oficina desde o começo. Os professores da classe escolar desses alunos comentaram sobre a desenvoltura na fala, o modo de se expressarem durante as aulas e que a participação vêm melhorando cada vez mais. 4. Resultados Parciais 41 Já percebemos que a timidez que os alunos tinham, no começo das oficinas, está diminuindo muito; eles se sentem muito mais à vontade para falar com seus colegas, com os professores e, em sala de aula, falam com muito mais segurança. Estão também mais entrosados com o grupo, conversam mais livremente, melhoraram sua forma de comunicação, suas atitudes; o vocabulário que era um tanto agressivo com os colegas agora inexiste; adotaram atitudes de respeito diante da variedade de manifestações musicais do Brasil e do mundo, vendo que também existem boas músicas além das do gênero Rap. Considerações Finais Apesar de termos alcançados resultados significativos até agora, ainda temos muitos objetivos. Na oralidade desenvolvida através da música e do teatro, queremos possibilitar que os alunos aprendam a utilizar e cuidar da voz como meio de expressão e comunicação; continuaremos criando oportunidades de cultura e lazer para os estudantes, diminuindo o seu tempo ocioso; pretendemos resgatar as bases culturais do município e criar vínculos entre a música produzida na escola e as que são produzidas localmente e na região. Além disso, pretendemos agregar parceiros de diversas manifestações artísticas (dança, música, artes visuais) e utilizá-las como mecanismo de aprendizado e crescimento pessoal. Tudo foi planejado visando despertar, motivar e desenvolver a oralidade do educando. Nota-se que estes princípios têm relevante importância em uma formação de qualidade para a sua cidadania e convivência social e grupal. Referências BRÉSCIA, Vera Lúcia Pessagno. Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva. São Paulo: Átomo, 2003. 42 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e ensino, uma questão pouco ‘falada’. In: DIONÍSIO, Angela Paiva e BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). O livro didático de português. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Oralidade e escrita. In: CONFERÊNCIA DE ABERTURA DO II ENCONTRO FRANCO-BRASILEIRO DE ENSINO DE LÍNGUA. Realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal, outubro de 1995. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. 5a ed. São Paulo: Ática, 2003. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. 3v. Brasília: MEC/SEF, 1998. PLATÃO, apud http://www.meloteca.com/citacoes-filosofia.htm. FONTERRADA, Marisa Trench de O. A educação Musical no Brasil: algumas considerações. In: II ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL. II ENCONTRO ANUAL DA ABEM. 1993, Porto Alegre. Anais eletrônicos, 69-83. SCHAFER, R. Murray. O ouvido Pensante. São Paulo. (trad.) Marisa Fonterrada. Fundação Editora da UNESP, 1991. 43