DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MODERNIDADE:
UMA INCOMPATIBILIDADE ANUNCIADA
Fernando Scheeffer1
UDESC
[email protected]
RESUMO
Se não é de hoje que a relação entre homem e meio ambiente é conturbada, é fato que nunca a problemática
ambiental esteve tão em discussão como hoje. A partir deste recente movimento emerge um conceito
aparentemente pouco controverso, o de desenvolvimento sustentável, presente de forma incisiva tanto na
academia como para o senso comum. A partir desta constatação, o presente artigo se propõe a melhor
compreender o conceito em um primeiro momento para então questionar este paradigma, sobretudo tal como
concebido de forma hegemônica atualmente. Buscando apresentar as principais limitações deste conceito
pautado no modelo societário vigente, o trabalho em questão se propõe a apresentar os principais argumentos
trazidos pelos defensores da ideia de que o desenvolvimento sustentável não passa de um mito, uma falácia dada
a incapacidade de se conseguir resultados satisfatórios ao propormos medidas paliativas como a boa gestão dos
recursos naturais ou então estratégias como a reciclagem do lixo, muito em voga nos dias atuais. Ações desta
natureza são ineficientes dada o padrão equivocado de consumo e de produção típicos da modernidade. A crise
ambiental nada mais é do que conseqüência de uma crise civilizatória e saná-la só será possível buscando
construir uma lógica muito diferente da vivenciada e preconizada hoje, o que de certa forma não parece estar no
horizonte. Movimento complexo e incipiente para a maioria das pessoas, parece ser esse o caminho para o tão
almejado equilíbrio entre homem/natureza ou então a possibilidade de darmos conta das nossas necessidades
sem comprometer as futuras gerações, a grosso modo o que preconiza o tão almejado desenvolvimento
sustentável.
Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; problemática ambiental; crise civilizatória.
INTRODUÇÃO
Principalmente a partir da década de 90 tem-se a emergência de um novo paradigma
para o movimento ambientalista, o do desenvolvimento sustentável. Utilizado constantemente
em documentos internacionais e tema de várias conferências ao redor do mundo, passa a ser
um modelo de desenvolvimento buscado pela ampla maioria dos países, bem como norteia a
ação individual de grande parcela da população.
Para Gerhardt e Almeida (2011) apesar da problemática ambiental parecer inédita, ela
é antiga e recorrente na espécie humana. A diferença primordial existente é que hoje está na
pauta da discussão como nunca antes. Neste sentido acaba tendo sentido falar em invenção da
problemática ambiental por a mesma no atual momento ser alvo de reflexão. São
confrontados discursos e ações no sentido de encontrar as soluções mais adequadas para dar
conta deste entrave contemporâneo.
1
Mestre em Gestão de Políticas Públicas e professor da Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC/CEAVI).
Visto que é um tema emergente, vislumbrar o seu real significado acaba sendo um
exercício relevante. Diferente da maioria da literatura a respeito do tema, este material se
propõe ser diferente por buscar trazer uma perspectiva crítica, pouco comum e aparentemente
mais pessimista, por compreender que a resolução da problemática ambiental é muito mais
complexa do que as propostas simplificadoras trazidas e defendidas por uma ampla gama de
segmentos, de órgãos governamentais e senso comum.
Para dar conta da defesa deste enfoque primeiramente é apresentado o significado do
termo modernidade, bem como é explanado o conceito de desenvolvimento sustentável em
sua origem. Feito isso são apresentados argumentos para justificar a possibilidade de
compreender o tão almejado desenvolvimento sustentável enquanto um mito dadas às receitas
propostas atualmente para atingi-lo.
Com a consciência de ser uma possibilidade de compreensão, e não a melhor forma de
dar conta do tema, este trabalho tem como principal intenção proporcionar um momento de
reflexão, colocando em xeque muitas das crenças e teorias que alicerçam o pensamento
coletivo e a prática cotidiana.
A MODERNIDADE E O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Falar em modernidade é falar em um ideário e organização social surgida e
consolidada após a chamada revolução industrial, normalmente tida como marco para o
surgimento do modo de produção capitalista. É inegável a presença neste momento de
transformações de várias ordens, dentre elas culturais, políticas e econômicas. É ao mesmo
tempo passado e presente e diz respeito à muitos fenômenos sociais do nosso tempo. De um
lado temos enormes avanços tecnológicos e de outro a emergência da miséria em escala até
então não vista. Falar em tempos modernos é falar na emergência de um modo bastante
particular de pensar as relações sociais, uma “mentalidade”, um “espírito” capitalista (Weber),
ou o surgimento de um novo modo de produção de mercadorias (Marx). Observadas as largas
mudanças nos últimos tempos, para muitos autores já estamos a vivenciar um outro momento,
estamos na pós-modernidade.2
2
O termo pós-modernidade não é consenso na Sociologia. Zygmunt Bauman fala em pós-modernidade. Anthony
Giddens caracteriza a sociedade atual como uma “modernidade tardia”. Ulrich Beck denomina a sociedade atual
como “moderna reflexiva”. O que há de comum entre esses autores é a compreensão do descrédito ou a
desistência de muitas ambições características da era moderna.
Segundo Beck (2010) a primeira fase da modernidade é caracterizada pelo surgimento
da sociedade industrial, norteada essencialmente pela produção e distribuição de bens. Tanto
Beck (2010) como Giddens (1991), embora tenham divergências, concordam que estamos a
vivenciar uma segunda fase da modernidade marcada, sobretudo, pelo surgimento de uma
“sociedade de risco”. A principal disputa não se dá em relação ao acesso e distribuição de
bens, mas em poder evitar ou diluir os males provindos da modernização. Nesse contexto,
dentre os inúmeros riscos presentes temos os riscos ecológicos como um dos mais
emblemáticos. Os dois autores fazem uma avaliação da condição moderna a partir do conceito
de risco. Este pode ser explicado em grande parte pela ascensão da ciência e da tecnologia.
Nesse sentido os riscos modernos, inclusive os ecológicos, seriam um traço marcante da
modernidade.
Recentemente um dos conceitos mais vinculados nos meios de comunicação é o de
desenvolvimento sustentável. Termo utilizado a revelia, torna-se um clichê, mesmo sendo
utilizado de forma controversa e imprecisa com freqüência. Para os que o utilizam com o
rigor necessário, ainda assim demonstra-se um conceito pouco consensual. A ausência de
consenso não significa necessariamente que o conceito é inútil, mas sim significa que seu uso
requer cuidado e atenção.
Embora hajam várias concepções de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável,
o conceito de desenvolvimento sustentável ganha corpo a partir da elaboração e publicação do
Relatório Brundtland (1987) encomendado pelas Nações Unidas. A formulação desse estudo,
apresentado em forma de relatório à comunidade internacional, foi uma tentativa de consenso
mundial sobre o modelo de desenvolvimento a ser empregado a partir daquele momento.
Neste relatório desenvolvimento sustentável é compreendido como aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem
as suas (CMMAD, 1991).
Jacobs, citado por Lenzi (2006, p. 108) define sustentabilidade da seguinte maneira.
Segundo ele:
Sustentabilidade significa que o meio ambiente deveria ser protegido de tal forma e
em tal grau que as capacidades ambientais (a capacidade do meio ambiente de
realizar suas várias funções) fossem mantidas através do tempo: no mínimo, em
níveis suficientes para evitar catástrofe futura, e, no máximo, em níveis que dêem às
gerações futuras a oportunidade de apreciar uma medida igual de consumo
ambiental.
Desta forma, o conceito de desenvolvimento sustentável, na perspectiva do Relatório
Brutland, busca associar eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica. O
desenvolvimento, nessa ótica, está relacionado a um processo de mudança que garante a
satisfação das necessidades humanas3. Em um primeiro momento a preocupação não está no
meio ambiente e sim na possibilidade das necessidades humanas serem satisfeitas. A ideia de
sustentabilidade presente no respectivo relatório está interessada em sustentar aspectos do
meio ambiente que são considerados como críticos à sobrevivência humana. Vale a ressalva
de que o meio ambiente, embora esteja relacionado à possibilidade de satisfação das nossas
necessidades, é apenas um componente de algo muito mais complexo. Este aspecto é bastante
importante visto que o senso comum acaba tendo o desenvolvimento sustentável como
sinônimo de possibilidade de manutenção dos recursos naturais, o que revela uma leitura
bastante reduzida da realidade.
Como afirma Montibeller-Filho (2008), este novo paradigma defende um conjunto de
sustentabilidades, sintetizadas pela busca de eficiência econômica, social e ambiental. O
cumprimento destes três requisitos significa atingir o tão almejado desenvolvimento
sustentável. Colocado de forma didática o fato é que falar em desenvolvimento sustentável é
muito mais um princípio norteador do que uma fórmula concreta e precisa.
O que está evidente no conceito de desenvolvimento sustentável é o enfoque
claramente desenvolvimentista aliado à “boa administração dos recursos naturais”.
Crescimento econômico e proteção ambiental podem e devem caminhar juntos. Os chamados
“modernizadores ecológicos” acreditam que o meio ambiente pode ser protegido dentro da
lógica e racionalidade capitalista. O capitalismo “verde” é visto como possível a partir de um
sistema de mercado regulado. Segundo esta corrente as empresas capitalistas têm se mostrado
capazes de se adaptar às coerções ecológicas, sem abrirem mão de crescentes lucros. 4 Este
enfoque é passível de crítica visto que pode ser considerado reducionista ao ignorar aspectos
qualitativos da relação entre homem e natureza. Os aspectos quantitativos são importantes
mas podem não ser fundamentais. Nesta perspectiva a crise ambiental pode ser entendida
3
O relatório Brutland não esclarece exatamente em que consistem as necessidades humanas. Pereira (2006)
expõe duas grandes concepções relacionadas ao tema. Nesta perspectiva, segundo a autora, existem diferenças
significativas na defesa dos mínimos sociais ou das necessidades básicas. Enquanto o primeiro tem a conotação
de menor, de menos, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial. Por esta ótica
falar em mínimos sociais se refere à possibilidade de sobrevivência enquanto o segundo termo está relacionado à
possibilidade do exercício da cidadania. Tudo indica que o conceito apresentado no relatório Brutland tenha um
enfoque mais restrito, relacionado à defesa dos mínimos sociais, ou então à possibilidade de sobrevivência
humana.
4
Teóricos da modernização ecológica concordam com autores ecomarxistas que o capitalismo gera degradação
ambiental, entretanto acreditam que isso se dá no chamado “capitalismo selvagem”. A discordância não está em
torno do capitalismo em si, mas na possibilidade ou não de promover um capitalismo regulado ou humanizado.
como conseqüência de uma forma ideológica racionalizadora que produz e reproduz um estilo
insustentável de desenvolvimento.5
O MITO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Embora seja uma posição contra-hegemônica, vários autores concebem o
desenvolvimento sustentável como um mito, impossível de ser alcançado pautado na lógica
atual de consumo e produção. O caráter prioritariamente desenvolvimentista onde o lucro é o
bem supremo têm os custos sociais e ambientais como uma conseqüência inevitável.
Nesta perspectiva, para Melo (2006) devemos propor uma mudança qualitativa nas
relações que permeiam a tríade indivíduo-sociedade-natureza, uma revolução na forma de
pensarmos e concebermos o mundo. Segundo ele a discussão sobre desenvolvimento
sustentável deve se dar primeiramente no reconhecimento da insustentabilidade do próprio
sistema, o que é bastante incomum. A crise ambiental é uma, dentre tantas que demonstram o
quanto é insustentável o estilo de desenvolvimento capitalista.6 A crise ambiental, antes de
qualquer coisa, tem sua raiz na crise social (civilizatória), na relação patológica entre homem
e natureza.
Brügger (1999), compartilha esta crença ao propor que a nossa ideia de
desenvolvimento está conectada ao “espírito civilizador europeu”. Este estilo de vida é que
acaba por desencadear, principalmente com as revoluções industriais, a dita “crise ambiental”.
Este espírito civilizador predominantemente produtivista, onde a produção foi colocada em
primeiro lugar, acabou por acarretar a exploração incessante da força de trabalho, colocando
em risco a integridade física e psíquica do trabalhador, e por outro lado, levou à dilapidação
da natureza, tida como insumo, um mero fator de produção necessário à acumulação do
capital. A assimetria, desigualdade bem como a problemática ambiental, são produtos das
relações sociais capitalistas que têm dificuldade de reconhecer os limites de sua apropriação.
A crise, infelizmente, parece ser muito mais civilizatória do que simplesmente ambiental. O
meio ambiente é apenas um dos muitos componentes atingidos.
Por isso, segundo Melo (2006), o sistema capitalista de produção produz um
desenvolvimento eminentemente insustentável ao seu pautar em uma dinâmica social onde a
5
Para Weber (2004) a modernidade se caracteriza pelo processo de racionalização: o racionalismo da dominação
do mundo. Esta racionalização glorifica o trabalho, prioriza a busca pelo lucro e prioriza o progresso.
6
Melo (2006) parte do pressuposto que a crise ambiental trás consigo três outras dívidas indissociáveis: a
ecológica, a social e a cultural.
díade consumo e produção estão presentes. Ao constatar isso ele faz a seguinte pergunta: é
possível se ter o tão falado desenvolvimento sustentável a partir de uma lógica capitalista? A
resposta para ele é óbvia: não. Segundo ele a crise ecológica não pode ser solucionada
simplesmente adotando medidas e procedimentos corretos sobre o meio. Ela é a expressão de
uma das várias dimensões (política, social, econômica, cultural, moral) de uma crise muito
mais profunda fruto de uma forma de concepção do mundo orientada por uma racionalidade
econômica. O conceito de sustentabilidade prima por uma restrição ao movimento ampliado
do capital típico do atual modo de produção, expansionista em sua essência. Procurar soluções
para a crise ambiental sem se ater às raízes dessa desordem acaba sendo um discurso vazio ao
desconsiderar a complexidade das relações entre homem/sociedade/natureza. Este é o discurso
típico do senso comum e de grande parte da literatura que privilegia o crescimento
econômico, ao acreditar que decorrente dele irão naturalmente se ter outras benesses, o que
acontece por efeito de trickle dow.7
Montibeller-Filho (2008) parte da mesma premissa. Para ele a problemática ambiental
poderá ser amenizada mas não resolvida no atual modo de produção visto que os custos
sociais e ambientais fazem parte do moderno sistema produtor de mercadorias. Desta forma
acaba sendo impossível deixar de gerar estes custos já que para isto terá que se abrir mão
daquilo que é motor fundamental, o lucro e a acumulação do capital.
A fim de demonstrar o quão ineficientes são a grande maioria das medidas adotadas
hoje para se buscar o desenvolvimento sustentável, Montibeller-Filho (2008) cita o exemplo
de um tema recorrente, a reciclagem de lixo. Se para alguns ou muitos a reciclagem aparece
como uma forma de solucionar a poluição ambiental, a partir de um olhar mais minucioso são
vários os empecilhos para que o alcance desta prática seja realmente significativo. Em
primeiro lugar, ao analisar as características dos rejeitos percebe-se que apenas um pequeno
percentual do total dos descartes pode ser reciclado. Grande parte exige disposição final
(depósitos de lixo). Cerca de 10 a 25% do total de lixo é passível de reaproveitamento,
embora raramente se chegue a essa marca. Horton, citado por Montibeller-Filho (2008) afirma
que na cidade de Los Angeles de uma meta para reciclar 30% do lixo residencial atinge-se
somente 3%. Outro impedimento para que a reciclagem tenha um papel relevante se dá no
exacerbado volume de lixo produzido baseado em uma cultura consumista em sua essência.
Em síntese, embora os processos de reciclagem amenizem o problema da degradação do meio
ambiente, seu alcance é pequeno diante do total de lixo que requer uma destinação final.
7
Célebre tese que supõe que o crescimento econômico gera efeitos benéficos para todas as camadas da
população através do que se denomina de efeito “vazamento” do crescimento (MALUF, 2000).
O exemplo da reciclagem de lixo nos faz repensar o alcance da grande maioria dos
procedimentos defendidos e pregados em cartilhas de educação ambiental. Não descartando
os benefícios da adesão de práticas dessa natureza, é possível fazer um comparativo com as
estratégias estatais para enfrentar o uso de drogas. Diante da incapacidade de fazer com que o
usuário abandone o vício, se distribuem seringas descartáveis: temos a política de redução de
danos. Desta forma, reciclar lixo, economizar água ou então trocar o carro pela bicicleta para
se locomover nada mais são iniciativas para redução de danos. Não atacando o problema,
propondo um “tratamento” que chegue à raiz do problema, acabamos nos concentrando
somente na adoção de comportamentos “politicamente” corretos, insuficientes para dar conta
da problemática ambiental.
Longe de desmerecer iniciativas dessa natureza, melhor tê-las do que não tê-las, o fato
é que elas não podem ser compreendidas como um receituário para a solução da crise
ambiental na qual estamos assolados. Se há de se respeitar esta frente de batalha, pensada à
curto prazo e a nível micro, local, há de se ter aqueles que pensem de forma mais abrangente,
que desenvolvam um olhar sociológico capaz de repensar os rumos da sociedade
contemporânea. Esta é uma batalha longa, pensada a longo prazo, o que não deve limitar
nossas ações. Ao se referir ao tempo que muitas vezes nos imobiliza, Alves (2002) chama a
atenção para o criador de bonsai (árvore miniatura japonesa), que cultiva esta planta mesmo
tendo consciência que quando estiver no auge de sua formação e beleza ele não estará mais
presente. Neste sentido, termos algo diferente e melhor acaba sendo obra de homens que
tiveram amor e paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam.
Embora seja uma leitura desalentadora, parte-se do pressuposto de que seja impossível
no mundo capitalista se atingir o desenvolvimento sustentável ou a garantia de qualidade de
vida à nossa e às próximas gerações. Esta impossibilidade não deve invalidar os vários
esforços que visam melhor a relação do homem com a natureza, entretanto, os limites são
muitos. Compreender os limites não deve significar estagnação, mas a ampliação da
consciência a respeito do problema e a mudança de rumo a ser tomado.
Tanto Montibeller-Filho (2008) como Melo (2006) retomam o olhar marxista. Marx
nunca se ateve à questão ambiental visto que seu objeto de estudo era o modo de produção
capitalista e seus reflexos e os efeitos para a classe trabalhadora. Mesmo não sendo seu foco
principal Marx expôs de forma bastante superficial que a natureza é fonte de riqueza para o
capital, como é a força de trabalho. A terra e o trabalhador são duas fontes de riqueza para o
capitalismo. De qualquer forma autores ecomarxistas tendem a se ater de forma mais
específica a esta discussão.8 Para estes autores usufruir da natureza faz parte das condições de
produção capitalista. O nível de lucro depende das formas de utilização dos recursos naturais
e aí parece residir um impasse importante. Tem-se o que muitos chamam de uma “mais-valia
natural”.9 Foladori (1997) deixa isso claro ao se apropriar de Marx afirmando que o progresso
capitalista se dá senão solapando os mananciais de toda riqueza: a terra e o trabalhador.
Para Foladori (1997) uma revisão cuidadosa dos escritos de Marx permitem algumas
considerações a respeito da relação sociedade/natureza segundo sua ótica. A primeira
constatação é de que Marx tinha uma visão claramente antropocentrista, ou seja, o interesse
pela natureza faz sentido dada sua importância para a espécie humana. Entretanto, as causas
principais da crise ambiental residem no mau uso das tecnologias e nas relações de produção.
Estas variáveis explicam em grande parte a má utilização dos recursos naturais e o
esbanjamento irracional do mundo natural.
Médici (1983) apresenta também elementos para que se compreenda o atual quadro de
degradação ambiental. Para ele o capitalismo na sua etapa monopolista é o principal
responsável pelo esgotamento dos recursos naturais e a deterioração da qualidade de vida da
população. Sob um novo padrão de industrialização tem-se a aceleração desenfreada da
produção de mercadorias demandando necessariamente a concomitante ampliação do volume
de recursos necessários a esta produção. A partir do que ele chama de “criação de
necessidades” subordina-se as necessidades humanas às necessidades de reprodução do
capital. Para Mészáros (2011) este movimento é auto-contraditório pois impede um controle
racional completo e trazendo conseqüências alarmantes e potencialmente nefastas. O que
poderia acarretar em um poderoso desenvolvimento econômico acaba culminando em uma
ausência da contenção reprodutiva que necessariamente impõe limites objetivos dada à
finitude do mundo em que vivemos. Desta forma o caráter destrutivo do sistema capitalista se
demonstra na crise ecológica contemporânea que, embora seja uma ameaça à toda
humanidade, por hora acaba atingindo certas classes, povos e países.
A partir desta linha de raciocínio é coerente considerar o desenvolvimento sustentável
tal como pensado hoje um mito. Este conceito não passa de uma falácia, uma fraude, visto que
obscurece ou tenta obscurecer uma contradição fundamental: a finitude dos recursos naturais
diante do caráter expansionista da sociedade industrial.
8
É chamada de ecomarxista a vertente que compreende a questão ambiental a partir das premissas propostas por
Marx, bem como cria outras categorias analíticas não se distanciando dos princípios marxistas.
9
Para Marx a condição geral para a obtenção do lucro passa pela mais-valia do trabalho, ou seja, o trabalhador
não recebe o que deveria, entretanto é possível afirmar que há também uma “mais-valia natural”, a apropriação
dos recursos naturais também sem pagamento.
Leff (1999) também acredita que a questão ambiental emerge como uma crise de
civilização. Em relação às possíveis saídas afirma que devemos questionar os modelos
societários da modernidade, construindo outra racionalidade social orientada por novos
valores e saberes, por um modo de produção sustentado em bases ecológicas e novos
significados culturais. Segundo ele:
Esta mudança de paradigma social leva a transformar a ordem econômica, política e
cultural, que, por sua vez, é impensável sem uma transformação das consciências e
dos comportamentos das pessoas. Nesse sentido, a educação se converte em um
processo estratégico com o propósito de formar os valores, as habilidades e as
capacidades para orientar a transição na direção da sustentabilidade (LEFF, 1999, p.
112).
Leff propõe a busca da chamada por ele de racionalidade ambiental. A racionalidade
ambiental vai muito além da ecologização do pensamento ou então da utilização de
instrumentos para garantir uma eficaz gestão do meio ambiente. Trata-se de uma práxis que
subverta os princípios da racionalidade da modernidade. Trata-se da busca de um novo estilo
de vida, aquele que nos desapega aos bens materiais ”[...] de modo a ter mais tempo livre para
conversar com familiares e amigos, para meditar, para ler poesia ou ouvir Mozart, para dançar
e fazer amor” (CAVALCANTI, 1998, p. 168).
Esta posição nos remete a um estilo de vida muito diferente do cultivado hoje e onde
características como o individualismo exacerbado ou então o consumismo desenfreado não
fariam parte do nosso cotidiano. Isto se faz possível visto que essas características são muito
mais fruto de um processo sócio-histórico do que naturais do ser humano. Esta concepção fica
clara com Tévoédjré, citado por Garcia (2005) que, por exemplo, traz uma visão positiva da
pobreza. Tal autor define como pobre aquele que tem e almeja apenas o necessário, não o
supérfluo. Esta compreensão, segundo ele, deveria ser assumida por todos os povos. Parte de
uma crítica voraz ao consumismo e todos os problemas que o acompanham. Esta concepção
positiva da pobreza deixa claro o quão questionável são muitos padrões de comportamento
adotados hoje e quão diferentes poderíamos ser desde que nos pautássemos em outro conjunto
de crenças e valores, o que não é fácil, mas possível.
Vale darmos asas ao nosso imaginário não como impossível, mas como meta. Um
sonho, mas que pode se transformar em realidade dependendo de nossas ações objetivas e dos
procedimentos adotados para sua concretização. Ser utópico é acreditar que o atual é falho,
considerar o diferente mais sensato e, sobretudo, indispensável a ponto de não poder ser
deixado de lado. Alves (2002) afirma que quando isto a que damos o nome de realidade é
interrompido, abre-se um espaço novo para aquilo que não existe: os desejos esquecidos, as
esperanças abandonadas, os sonhos que nos fazem sorrir. O que seria de nós sem o auxílio das
coisas que não existem?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho, ancorado em autores que vão à contramão do que tem sido vinculado
nos principais meio de comunicação e mesmo academia, propõe um olhar crítico diante da
insustentabilidade ecológica, social e cultural a que somos submetidos. Esta leitura
complexifica a reversão do quadro atual, o que de antemão parece ser uma leitura bastante
pessimista, no entanto pretensamente realista. A problemática ambiental, por este viés, não
está relacionada apenas à aspectos quantitativos como o esgotamento dos recursos naturais,
mas qualitativos como rever o próprio funcionamento das sociedades contemporâneas. A
questão central é: há possibilidade de dar conta da problemática ambiental “domando” aquilo
que é causa e que há todo momento gera uma nova remessa de empecilhos?
A crise ambiental é um reflexo da crise civilizatória diante das características das
sociedades contemporâneas baseadas em uma lógica mercadológica que não consegue
reconhecer limites. Acreditar que a solução está em melhor gerenciar os recursos naturais é
simplificar algo complexo e não chegar à raiz do problema. Da mesma forma propor soluções
gerenciais é tratar paleativamente uma questão que a todo momento insistentemente se fará
presente.
Diante disso, o presente trabalho acaba por propor uma estratégia diferente do
reformismo mesmo tendo clara que a saída não está no horizonte e tendo a consciência da
dificuldade em torná-la plausível. Pensar em uma transformação radical da sociedade trás este
inconveniente, entretanto não parece cabível o fato de aceitar que não há uma saída, que o que
temos seja “a ordem” e não “uma ordem”. Acreditar que o que temos seja a ordem é acreditar
que em algum momento os entraves vivenciados serão apenas um episódio triste ou então que
a humanidade precisa saber conviver com sua própria desumanidade.
A partir do pressuposto de que a sociedade é fruto da ação humana, é possível pensar
que ela pode adquirir outras formas, diferentes daquelas que conhecemos. Em uma sociedade
diferente desta, a natureza não necessariamente precisará ser apropriada como propriedade
privada. Poderá se constituir em um bem coletivo, e aí teremos uma mudança qualitativa
significante acarretando benefícios a revelia.
Nesse sentido, diante da perspectiva adotada nesta reflexão, é um engodo acreditar que
tudo tem “conserto” no interior da própria ordem do capital, desde que haja disposição para
isso. Parece que como afirma Ianni (1996, p. 267): “como não há ruptura definitiva com o
passado, a cada passo este se reapresenta na cena histórica e cobra o seu preço”.
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