DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MODERNIDADE: UMA INCOMPATIBILIDADE ANUNCIADA Fernando Scheeffer1 UDESC [email protected] RESUMO Se não é de hoje que a relação entre homem e meio ambiente é conturbada, é fato que nunca a problemática ambiental esteve tão em discussão como hoje. A partir deste recente movimento emerge um conceito aparentemente pouco controverso, o de desenvolvimento sustentável, presente de forma incisiva tanto na academia como para o senso comum. A partir desta constatação, o presente artigo se propõe a melhor compreender o conceito em um primeiro momento para então questionar este paradigma, sobretudo tal como concebido de forma hegemônica atualmente. Buscando apresentar as principais limitações deste conceito pautado no modelo societário vigente, o trabalho em questão se propõe a apresentar os principais argumentos trazidos pelos defensores da ideia de que o desenvolvimento sustentável não passa de um mito, uma falácia dada a incapacidade de se conseguir resultados satisfatórios ao propormos medidas paliativas como a boa gestão dos recursos naturais ou então estratégias como a reciclagem do lixo, muito em voga nos dias atuais. Ações desta natureza são ineficientes dada o padrão equivocado de consumo e de produção típicos da modernidade. A crise ambiental nada mais é do que conseqüência de uma crise civilizatória e saná-la só será possível buscando construir uma lógica muito diferente da vivenciada e preconizada hoje, o que de certa forma não parece estar no horizonte. Movimento complexo e incipiente para a maioria das pessoas, parece ser esse o caminho para o tão almejado equilíbrio entre homem/natureza ou então a possibilidade de darmos conta das nossas necessidades sem comprometer as futuras gerações, a grosso modo o que preconiza o tão almejado desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; problemática ambiental; crise civilizatória. INTRODUÇÃO Principalmente a partir da década de 90 tem-se a emergência de um novo paradigma para o movimento ambientalista, o do desenvolvimento sustentável. Utilizado constantemente em documentos internacionais e tema de várias conferências ao redor do mundo, passa a ser um modelo de desenvolvimento buscado pela ampla maioria dos países, bem como norteia a ação individual de grande parcela da população. Para Gerhardt e Almeida (2011) apesar da problemática ambiental parecer inédita, ela é antiga e recorrente na espécie humana. A diferença primordial existente é que hoje está na pauta da discussão como nunca antes. Neste sentido acaba tendo sentido falar em invenção da problemática ambiental por a mesma no atual momento ser alvo de reflexão. São confrontados discursos e ações no sentido de encontrar as soluções mais adequadas para dar conta deste entrave contemporâneo. 1 Mestre em Gestão de Políticas Públicas e professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC/CEAVI). Visto que é um tema emergente, vislumbrar o seu real significado acaba sendo um exercício relevante. Diferente da maioria da literatura a respeito do tema, este material se propõe ser diferente por buscar trazer uma perspectiva crítica, pouco comum e aparentemente mais pessimista, por compreender que a resolução da problemática ambiental é muito mais complexa do que as propostas simplificadoras trazidas e defendidas por uma ampla gama de segmentos, de órgãos governamentais e senso comum. Para dar conta da defesa deste enfoque primeiramente é apresentado o significado do termo modernidade, bem como é explanado o conceito de desenvolvimento sustentável em sua origem. Feito isso são apresentados argumentos para justificar a possibilidade de compreender o tão almejado desenvolvimento sustentável enquanto um mito dadas às receitas propostas atualmente para atingi-lo. Com a consciência de ser uma possibilidade de compreensão, e não a melhor forma de dar conta do tema, este trabalho tem como principal intenção proporcionar um momento de reflexão, colocando em xeque muitas das crenças e teorias que alicerçam o pensamento coletivo e a prática cotidiana. A MODERNIDADE E O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Falar em modernidade é falar em um ideário e organização social surgida e consolidada após a chamada revolução industrial, normalmente tida como marco para o surgimento do modo de produção capitalista. É inegável a presença neste momento de transformações de várias ordens, dentre elas culturais, políticas e econômicas. É ao mesmo tempo passado e presente e diz respeito à muitos fenômenos sociais do nosso tempo. De um lado temos enormes avanços tecnológicos e de outro a emergência da miséria em escala até então não vista. Falar em tempos modernos é falar na emergência de um modo bastante particular de pensar as relações sociais, uma “mentalidade”, um “espírito” capitalista (Weber), ou o surgimento de um novo modo de produção de mercadorias (Marx). Observadas as largas mudanças nos últimos tempos, para muitos autores já estamos a vivenciar um outro momento, estamos na pós-modernidade.2 2 O termo pós-modernidade não é consenso na Sociologia. Zygmunt Bauman fala em pós-modernidade. Anthony Giddens caracteriza a sociedade atual como uma “modernidade tardia”. Ulrich Beck denomina a sociedade atual como “moderna reflexiva”. O que há de comum entre esses autores é a compreensão do descrédito ou a desistência de muitas ambições características da era moderna. Segundo Beck (2010) a primeira fase da modernidade é caracterizada pelo surgimento da sociedade industrial, norteada essencialmente pela produção e distribuição de bens. Tanto Beck (2010) como Giddens (1991), embora tenham divergências, concordam que estamos a vivenciar uma segunda fase da modernidade marcada, sobretudo, pelo surgimento de uma “sociedade de risco”. A principal disputa não se dá em relação ao acesso e distribuição de bens, mas em poder evitar ou diluir os males provindos da modernização. Nesse contexto, dentre os inúmeros riscos presentes temos os riscos ecológicos como um dos mais emblemáticos. Os dois autores fazem uma avaliação da condição moderna a partir do conceito de risco. Este pode ser explicado em grande parte pela ascensão da ciência e da tecnologia. Nesse sentido os riscos modernos, inclusive os ecológicos, seriam um traço marcante da modernidade. Recentemente um dos conceitos mais vinculados nos meios de comunicação é o de desenvolvimento sustentável. Termo utilizado a revelia, torna-se um clichê, mesmo sendo utilizado de forma controversa e imprecisa com freqüência. Para os que o utilizam com o rigor necessário, ainda assim demonstra-se um conceito pouco consensual. A ausência de consenso não significa necessariamente que o conceito é inútil, mas sim significa que seu uso requer cuidado e atenção. Embora hajam várias concepções de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, o conceito de desenvolvimento sustentável ganha corpo a partir da elaboração e publicação do Relatório Brundtland (1987) encomendado pelas Nações Unidas. A formulação desse estudo, apresentado em forma de relatório à comunidade internacional, foi uma tentativa de consenso mundial sobre o modelo de desenvolvimento a ser empregado a partir daquele momento. Neste relatório desenvolvimento sustentável é compreendido como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas (CMMAD, 1991). Jacobs, citado por Lenzi (2006, p. 108) define sustentabilidade da seguinte maneira. Segundo ele: Sustentabilidade significa que o meio ambiente deveria ser protegido de tal forma e em tal grau que as capacidades ambientais (a capacidade do meio ambiente de realizar suas várias funções) fossem mantidas através do tempo: no mínimo, em níveis suficientes para evitar catástrofe futura, e, no máximo, em níveis que dêem às gerações futuras a oportunidade de apreciar uma medida igual de consumo ambiental. Desta forma, o conceito de desenvolvimento sustentável, na perspectiva do Relatório Brutland, busca associar eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica. O desenvolvimento, nessa ótica, está relacionado a um processo de mudança que garante a satisfação das necessidades humanas3. Em um primeiro momento a preocupação não está no meio ambiente e sim na possibilidade das necessidades humanas serem satisfeitas. A ideia de sustentabilidade presente no respectivo relatório está interessada em sustentar aspectos do meio ambiente que são considerados como críticos à sobrevivência humana. Vale a ressalva de que o meio ambiente, embora esteja relacionado à possibilidade de satisfação das nossas necessidades, é apenas um componente de algo muito mais complexo. Este aspecto é bastante importante visto que o senso comum acaba tendo o desenvolvimento sustentável como sinônimo de possibilidade de manutenção dos recursos naturais, o que revela uma leitura bastante reduzida da realidade. Como afirma Montibeller-Filho (2008), este novo paradigma defende um conjunto de sustentabilidades, sintetizadas pela busca de eficiência econômica, social e ambiental. O cumprimento destes três requisitos significa atingir o tão almejado desenvolvimento sustentável. Colocado de forma didática o fato é que falar em desenvolvimento sustentável é muito mais um princípio norteador do que uma fórmula concreta e precisa. O que está evidente no conceito de desenvolvimento sustentável é o enfoque claramente desenvolvimentista aliado à “boa administração dos recursos naturais”. Crescimento econômico e proteção ambiental podem e devem caminhar juntos. Os chamados “modernizadores ecológicos” acreditam que o meio ambiente pode ser protegido dentro da lógica e racionalidade capitalista. O capitalismo “verde” é visto como possível a partir de um sistema de mercado regulado. Segundo esta corrente as empresas capitalistas têm se mostrado capazes de se adaptar às coerções ecológicas, sem abrirem mão de crescentes lucros. 4 Este enfoque é passível de crítica visto que pode ser considerado reducionista ao ignorar aspectos qualitativos da relação entre homem e natureza. Os aspectos quantitativos são importantes mas podem não ser fundamentais. Nesta perspectiva a crise ambiental pode ser entendida 3 O relatório Brutland não esclarece exatamente em que consistem as necessidades humanas. Pereira (2006) expõe duas grandes concepções relacionadas ao tema. Nesta perspectiva, segundo a autora, existem diferenças significativas na defesa dos mínimos sociais ou das necessidades básicas. Enquanto o primeiro tem a conotação de menor, de menos, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial. Por esta ótica falar em mínimos sociais se refere à possibilidade de sobrevivência enquanto o segundo termo está relacionado à possibilidade do exercício da cidadania. Tudo indica que o conceito apresentado no relatório Brutland tenha um enfoque mais restrito, relacionado à defesa dos mínimos sociais, ou então à possibilidade de sobrevivência humana. 4 Teóricos da modernização ecológica concordam com autores ecomarxistas que o capitalismo gera degradação ambiental, entretanto acreditam que isso se dá no chamado “capitalismo selvagem”. A discordância não está em torno do capitalismo em si, mas na possibilidade ou não de promover um capitalismo regulado ou humanizado. como conseqüência de uma forma ideológica racionalizadora que produz e reproduz um estilo insustentável de desenvolvimento.5 O MITO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Embora seja uma posição contra-hegemônica, vários autores concebem o desenvolvimento sustentável como um mito, impossível de ser alcançado pautado na lógica atual de consumo e produção. O caráter prioritariamente desenvolvimentista onde o lucro é o bem supremo têm os custos sociais e ambientais como uma conseqüência inevitável. Nesta perspectiva, para Melo (2006) devemos propor uma mudança qualitativa nas relações que permeiam a tríade indivíduo-sociedade-natureza, uma revolução na forma de pensarmos e concebermos o mundo. Segundo ele a discussão sobre desenvolvimento sustentável deve se dar primeiramente no reconhecimento da insustentabilidade do próprio sistema, o que é bastante incomum. A crise ambiental é uma, dentre tantas que demonstram o quanto é insustentável o estilo de desenvolvimento capitalista.6 A crise ambiental, antes de qualquer coisa, tem sua raiz na crise social (civilizatória), na relação patológica entre homem e natureza. Brügger (1999), compartilha esta crença ao propor que a nossa ideia de desenvolvimento está conectada ao “espírito civilizador europeu”. Este estilo de vida é que acaba por desencadear, principalmente com as revoluções industriais, a dita “crise ambiental”. Este espírito civilizador predominantemente produtivista, onde a produção foi colocada em primeiro lugar, acabou por acarretar a exploração incessante da força de trabalho, colocando em risco a integridade física e psíquica do trabalhador, e por outro lado, levou à dilapidação da natureza, tida como insumo, um mero fator de produção necessário à acumulação do capital. A assimetria, desigualdade bem como a problemática ambiental, são produtos das relações sociais capitalistas que têm dificuldade de reconhecer os limites de sua apropriação. A crise, infelizmente, parece ser muito mais civilizatória do que simplesmente ambiental. O meio ambiente é apenas um dos muitos componentes atingidos. Por isso, segundo Melo (2006), o sistema capitalista de produção produz um desenvolvimento eminentemente insustentável ao seu pautar em uma dinâmica social onde a 5 Para Weber (2004) a modernidade se caracteriza pelo processo de racionalização: o racionalismo da dominação do mundo. Esta racionalização glorifica o trabalho, prioriza a busca pelo lucro e prioriza o progresso. 6 Melo (2006) parte do pressuposto que a crise ambiental trás consigo três outras dívidas indissociáveis: a ecológica, a social e a cultural. díade consumo e produção estão presentes. Ao constatar isso ele faz a seguinte pergunta: é possível se ter o tão falado desenvolvimento sustentável a partir de uma lógica capitalista? A resposta para ele é óbvia: não. Segundo ele a crise ecológica não pode ser solucionada simplesmente adotando medidas e procedimentos corretos sobre o meio. Ela é a expressão de uma das várias dimensões (política, social, econômica, cultural, moral) de uma crise muito mais profunda fruto de uma forma de concepção do mundo orientada por uma racionalidade econômica. O conceito de sustentabilidade prima por uma restrição ao movimento ampliado do capital típico do atual modo de produção, expansionista em sua essência. Procurar soluções para a crise ambiental sem se ater às raízes dessa desordem acaba sendo um discurso vazio ao desconsiderar a complexidade das relações entre homem/sociedade/natureza. Este é o discurso típico do senso comum e de grande parte da literatura que privilegia o crescimento econômico, ao acreditar que decorrente dele irão naturalmente se ter outras benesses, o que acontece por efeito de trickle dow.7 Montibeller-Filho (2008) parte da mesma premissa. Para ele a problemática ambiental poderá ser amenizada mas não resolvida no atual modo de produção visto que os custos sociais e ambientais fazem parte do moderno sistema produtor de mercadorias. Desta forma acaba sendo impossível deixar de gerar estes custos já que para isto terá que se abrir mão daquilo que é motor fundamental, o lucro e a acumulação do capital. A fim de demonstrar o quão ineficientes são a grande maioria das medidas adotadas hoje para se buscar o desenvolvimento sustentável, Montibeller-Filho (2008) cita o exemplo de um tema recorrente, a reciclagem de lixo. Se para alguns ou muitos a reciclagem aparece como uma forma de solucionar a poluição ambiental, a partir de um olhar mais minucioso são vários os empecilhos para que o alcance desta prática seja realmente significativo. Em primeiro lugar, ao analisar as características dos rejeitos percebe-se que apenas um pequeno percentual do total dos descartes pode ser reciclado. Grande parte exige disposição final (depósitos de lixo). Cerca de 10 a 25% do total de lixo é passível de reaproveitamento, embora raramente se chegue a essa marca. Horton, citado por Montibeller-Filho (2008) afirma que na cidade de Los Angeles de uma meta para reciclar 30% do lixo residencial atinge-se somente 3%. Outro impedimento para que a reciclagem tenha um papel relevante se dá no exacerbado volume de lixo produzido baseado em uma cultura consumista em sua essência. Em síntese, embora os processos de reciclagem amenizem o problema da degradação do meio ambiente, seu alcance é pequeno diante do total de lixo que requer uma destinação final. 7 Célebre tese que supõe que o crescimento econômico gera efeitos benéficos para todas as camadas da população através do que se denomina de efeito “vazamento” do crescimento (MALUF, 2000). O exemplo da reciclagem de lixo nos faz repensar o alcance da grande maioria dos procedimentos defendidos e pregados em cartilhas de educação ambiental. Não descartando os benefícios da adesão de práticas dessa natureza, é possível fazer um comparativo com as estratégias estatais para enfrentar o uso de drogas. Diante da incapacidade de fazer com que o usuário abandone o vício, se distribuem seringas descartáveis: temos a política de redução de danos. Desta forma, reciclar lixo, economizar água ou então trocar o carro pela bicicleta para se locomover nada mais são iniciativas para redução de danos. Não atacando o problema, propondo um “tratamento” que chegue à raiz do problema, acabamos nos concentrando somente na adoção de comportamentos “politicamente” corretos, insuficientes para dar conta da problemática ambiental. Longe de desmerecer iniciativas dessa natureza, melhor tê-las do que não tê-las, o fato é que elas não podem ser compreendidas como um receituário para a solução da crise ambiental na qual estamos assolados. Se há de se respeitar esta frente de batalha, pensada à curto prazo e a nível micro, local, há de se ter aqueles que pensem de forma mais abrangente, que desenvolvam um olhar sociológico capaz de repensar os rumos da sociedade contemporânea. Esta é uma batalha longa, pensada a longo prazo, o que não deve limitar nossas ações. Ao se referir ao tempo que muitas vezes nos imobiliza, Alves (2002) chama a atenção para o criador de bonsai (árvore miniatura japonesa), que cultiva esta planta mesmo tendo consciência que quando estiver no auge de sua formação e beleza ele não estará mais presente. Neste sentido, termos algo diferente e melhor acaba sendo obra de homens que tiveram amor e paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam. Embora seja uma leitura desalentadora, parte-se do pressuposto de que seja impossível no mundo capitalista se atingir o desenvolvimento sustentável ou a garantia de qualidade de vida à nossa e às próximas gerações. Esta impossibilidade não deve invalidar os vários esforços que visam melhor a relação do homem com a natureza, entretanto, os limites são muitos. Compreender os limites não deve significar estagnação, mas a ampliação da consciência a respeito do problema e a mudança de rumo a ser tomado. Tanto Montibeller-Filho (2008) como Melo (2006) retomam o olhar marxista. Marx nunca se ateve à questão ambiental visto que seu objeto de estudo era o modo de produção capitalista e seus reflexos e os efeitos para a classe trabalhadora. Mesmo não sendo seu foco principal Marx expôs de forma bastante superficial que a natureza é fonte de riqueza para o capital, como é a força de trabalho. A terra e o trabalhador são duas fontes de riqueza para o capitalismo. De qualquer forma autores ecomarxistas tendem a se ater de forma mais específica a esta discussão.8 Para estes autores usufruir da natureza faz parte das condições de produção capitalista. O nível de lucro depende das formas de utilização dos recursos naturais e aí parece residir um impasse importante. Tem-se o que muitos chamam de uma “mais-valia natural”.9 Foladori (1997) deixa isso claro ao se apropriar de Marx afirmando que o progresso capitalista se dá senão solapando os mananciais de toda riqueza: a terra e o trabalhador. Para Foladori (1997) uma revisão cuidadosa dos escritos de Marx permitem algumas considerações a respeito da relação sociedade/natureza segundo sua ótica. A primeira constatação é de que Marx tinha uma visão claramente antropocentrista, ou seja, o interesse pela natureza faz sentido dada sua importância para a espécie humana. Entretanto, as causas principais da crise ambiental residem no mau uso das tecnologias e nas relações de produção. Estas variáveis explicam em grande parte a má utilização dos recursos naturais e o esbanjamento irracional do mundo natural. Médici (1983) apresenta também elementos para que se compreenda o atual quadro de degradação ambiental. Para ele o capitalismo na sua etapa monopolista é o principal responsável pelo esgotamento dos recursos naturais e a deterioração da qualidade de vida da população. Sob um novo padrão de industrialização tem-se a aceleração desenfreada da produção de mercadorias demandando necessariamente a concomitante ampliação do volume de recursos necessários a esta produção. A partir do que ele chama de “criação de necessidades” subordina-se as necessidades humanas às necessidades de reprodução do capital. Para Mészáros (2011) este movimento é auto-contraditório pois impede um controle racional completo e trazendo conseqüências alarmantes e potencialmente nefastas. O que poderia acarretar em um poderoso desenvolvimento econômico acaba culminando em uma ausência da contenção reprodutiva que necessariamente impõe limites objetivos dada à finitude do mundo em que vivemos. Desta forma o caráter destrutivo do sistema capitalista se demonstra na crise ecológica contemporânea que, embora seja uma ameaça à toda humanidade, por hora acaba atingindo certas classes, povos e países. A partir desta linha de raciocínio é coerente considerar o desenvolvimento sustentável tal como pensado hoje um mito. Este conceito não passa de uma falácia, uma fraude, visto que obscurece ou tenta obscurecer uma contradição fundamental: a finitude dos recursos naturais diante do caráter expansionista da sociedade industrial. 8 É chamada de ecomarxista a vertente que compreende a questão ambiental a partir das premissas propostas por Marx, bem como cria outras categorias analíticas não se distanciando dos princípios marxistas. 9 Para Marx a condição geral para a obtenção do lucro passa pela mais-valia do trabalho, ou seja, o trabalhador não recebe o que deveria, entretanto é possível afirmar que há também uma “mais-valia natural”, a apropriação dos recursos naturais também sem pagamento. Leff (1999) também acredita que a questão ambiental emerge como uma crise de civilização. Em relação às possíveis saídas afirma que devemos questionar os modelos societários da modernidade, construindo outra racionalidade social orientada por novos valores e saberes, por um modo de produção sustentado em bases ecológicas e novos significados culturais. Segundo ele: Esta mudança de paradigma social leva a transformar a ordem econômica, política e cultural, que, por sua vez, é impensável sem uma transformação das consciências e dos comportamentos das pessoas. Nesse sentido, a educação se converte em um processo estratégico com o propósito de formar os valores, as habilidades e as capacidades para orientar a transição na direção da sustentabilidade (LEFF, 1999, p. 112). Leff propõe a busca da chamada por ele de racionalidade ambiental. A racionalidade ambiental vai muito além da ecologização do pensamento ou então da utilização de instrumentos para garantir uma eficaz gestão do meio ambiente. Trata-se de uma práxis que subverta os princípios da racionalidade da modernidade. Trata-se da busca de um novo estilo de vida, aquele que nos desapega aos bens materiais ”[...] de modo a ter mais tempo livre para conversar com familiares e amigos, para meditar, para ler poesia ou ouvir Mozart, para dançar e fazer amor” (CAVALCANTI, 1998, p. 168). Esta posição nos remete a um estilo de vida muito diferente do cultivado hoje e onde características como o individualismo exacerbado ou então o consumismo desenfreado não fariam parte do nosso cotidiano. Isto se faz possível visto que essas características são muito mais fruto de um processo sócio-histórico do que naturais do ser humano. Esta concepção fica clara com Tévoédjré, citado por Garcia (2005) que, por exemplo, traz uma visão positiva da pobreza. Tal autor define como pobre aquele que tem e almeja apenas o necessário, não o supérfluo. Esta compreensão, segundo ele, deveria ser assumida por todos os povos. Parte de uma crítica voraz ao consumismo e todos os problemas que o acompanham. Esta concepção positiva da pobreza deixa claro o quão questionável são muitos padrões de comportamento adotados hoje e quão diferentes poderíamos ser desde que nos pautássemos em outro conjunto de crenças e valores, o que não é fácil, mas possível. Vale darmos asas ao nosso imaginário não como impossível, mas como meta. Um sonho, mas que pode se transformar em realidade dependendo de nossas ações objetivas e dos procedimentos adotados para sua concretização. Ser utópico é acreditar que o atual é falho, considerar o diferente mais sensato e, sobretudo, indispensável a ponto de não poder ser deixado de lado. Alves (2002) afirma que quando isto a que damos o nome de realidade é interrompido, abre-se um espaço novo para aquilo que não existe: os desejos esquecidos, as esperanças abandonadas, os sonhos que nos fazem sorrir. O que seria de nós sem o auxílio das coisas que não existem? CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho, ancorado em autores que vão à contramão do que tem sido vinculado nos principais meio de comunicação e mesmo academia, propõe um olhar crítico diante da insustentabilidade ecológica, social e cultural a que somos submetidos. Esta leitura complexifica a reversão do quadro atual, o que de antemão parece ser uma leitura bastante pessimista, no entanto pretensamente realista. A problemática ambiental, por este viés, não está relacionada apenas à aspectos quantitativos como o esgotamento dos recursos naturais, mas qualitativos como rever o próprio funcionamento das sociedades contemporâneas. A questão central é: há possibilidade de dar conta da problemática ambiental “domando” aquilo que é causa e que há todo momento gera uma nova remessa de empecilhos? A crise ambiental é um reflexo da crise civilizatória diante das características das sociedades contemporâneas baseadas em uma lógica mercadológica que não consegue reconhecer limites. Acreditar que a solução está em melhor gerenciar os recursos naturais é simplificar algo complexo e não chegar à raiz do problema. Da mesma forma propor soluções gerenciais é tratar paleativamente uma questão que a todo momento insistentemente se fará presente. Diante disso, o presente trabalho acaba por propor uma estratégia diferente do reformismo mesmo tendo clara que a saída não está no horizonte e tendo a consciência da dificuldade em torná-la plausível. Pensar em uma transformação radical da sociedade trás este inconveniente, entretanto não parece cabível o fato de aceitar que não há uma saída, que o que temos seja “a ordem” e não “uma ordem”. Acreditar que o que temos seja a ordem é acreditar que em algum momento os entraves vivenciados serão apenas um episódio triste ou então que a humanidade precisa saber conviver com sua própria desumanidade. A partir do pressuposto de que a sociedade é fruto da ação humana, é possível pensar que ela pode adquirir outras formas, diferentes daquelas que conhecemos. Em uma sociedade diferente desta, a natureza não necessariamente precisará ser apropriada como propriedade privada. Poderá se constituir em um bem coletivo, e aí teremos uma mudança qualitativa significante acarretando benefícios a revelia. Nesse sentido, diante da perspectiva adotada nesta reflexão, é um engodo acreditar que tudo tem “conserto” no interior da própria ordem do capital, desde que haja disposição para isso. Parece que como afirma Ianni (1996, p. 267): “como não há ruptura definitiva com o passado, a cada passo este se reapresenta na cena histórica e cobra o seu preço”. REFERÊNCIAS ALVES, R. Conversas sobre política. Campinas: Verus, 2002. BECK, U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. BRÜGUER, P. Uma leitura ambientalista da comunicação no Ocidente. Florianópolis, 1999. 277p. Tese (Doutorado em Sociedade e Meio Ambiente) – Universidade Federal de Santa Catarina. CAVALCANTI, C. Desenvolvimento e natureza: estudo de uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez, 1998. CMMAD. Comissão mundial de meio ambiente e desenvolvimento. Relatório Brunddtland: nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1991. FOLADORI, G. A questão ambiental em Marx. Revista Crítica Marxista. São Paulo, n. 4, p. 140-161, 1997. GARCIA, A. V. A pobreza do homem. Florianópolis, 2005. 364p. Tese (Doutorado em Sociologia Política) – Universidade Federal de Santa Catarina. GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Ed. da Unesp, 1991. IANNI, O. A ideia de Brasil moderno. São Paulo: Brasiliense, 1996. GERHARDT, C. H.; ALMEIDA, J. A invenção de uma “problemática ambiental”. Disponível em: <http:www.ufrgs.br/pgdr>. Acesso em: 28 dez. 2011. LEFF, E. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável. In: REIGOTA, M. (org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. LENZI, C. L. Sociologia ambiental: risco e sustentabilidade na modernidade. São Paulo: Edusc, 2006. MALUF, R. S. Atribuindo sentido(s) ao desenvolvimento econômico. Estudos Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro, v. 15, n. 15, p. 53-86, 2000. MÉDICI, A. C. Marx e o meio ambiente. In: FIGUEIREDO, E. de L.; CERQUEIRA FILHO, G.; KONDER, L. (org.). Por que Marx? Rio de Janeiro: Graal, 1983. MELO, M. M. de. Capitalismo versus sustentabilidade: o desafio de uma nova ética ambiental. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006. MÉSZÁROS, I. A única economia viável. O Comuneiro – Revista Electrónica. Lisboa/Portugal, n. 5, set. 2007. Disponível em: <http:www.ocomuneiro.com>. Acesso em: 30 dez. 2011. MONTIBELLER-FILHO, G. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. 3. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008. PEREIRA, P. A. P. Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2006. WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Cia das Letras, 2004.