INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS DA AMÉRICA ESPANHOLA Há um certo distanciamento cultural entre as populações da América Latina, apesar da proximidade geográfica e de aspectos históricos comuns, por exemplo, a colonização ibérica (espanhola e portuguesa). Neste capítulo, vamos estudar aspectos do processo de independência das colônias espanholas da América e também do Haiti, uma colônia francesa. CRISE COLONIAL As causas gerais da crise O processo de colonização espanhola e portuguesa implantado na América levou, de modo geral, à exploração das riquezas das colônias em benefício dos governos e comerciantes metropolitanos. Em razão disso, depois do primeiro século de colonização, começaram a surgir conflitos entre os colonos e as autoridades que seguiam as determinações das metrópoles. As raízes desses conflitos encontravam-se nas contradições do próprio sistema colonial. Ou seja, para continuar explorando as riquezas da colônia, o governo metropolitano precisava incentivar certo crescimento da economia colonial. Ao desenvolver a colônia, porém, os colonos acabavam adquirindo força socioeconômica para lutar contra a exploração da metrópole. As contradições desse sistema colonial ajudam a explicar várias revoltas que aconteceram em diferentes regiões da América espanhola e portuguesa. Grande parte dessas revoltas era promovida pelas elites coloniais locais, que lutavam para defender seus interesses, com rebeliões que contribuíram para colocar em crise esse sistema colonial, chamado de colonialismo mercantilista. Revolução Industrial e Crise Colonial Além das condições específicas que motivaram as diversas revoltas coloniais, historiadores como Fernando Novais e Carlos Guilherme Mota apontam o industrialismo moderno (Revolução Industrial) como um dos fatores básicos que contribuíram para a crise do colonialismo mercantilista. Isso porque as práticas econômicas decorrentes do capitalismo industrial chocaram-se com as principais características desse colonialismo. Quais eram essas características? A dominação política da metrópole sobre a colônia; o comércio exclusivo (monopólio comercial) da colônia com as pessoas autorizadas pelo governo da metrópole; e a produção colonial dependente, em grande parte, de variadas formas de trabalho compulsório (obrigatório, forçado), tendente para o escravismo. O interesse dos donos de indústrias era produzir cada vez mais e vender seus produtos para todos os mercados possíveis, mesmo os de regiões distantes. Para isso, era preciso que existissem mercados livres, isto é, que não houvesse restrições para a entrada de produtos industrializados em qualquer país ou região. Países como Espanha e Portugal impunham às suas colônias na América o regime do monopólio comercial. Por esse regime, só pessoas e empresas autorizadas pelo governo da metrópole podiam explorar o mercado colonial. No caso das colônias espanholas, por exemplo, o comércio era considerado monopólio da Coroa e controlado por um órgão do governo, a Casa de Contratação, criada em Sevilha, em 1503, e transferida para Cádiz, em 1717. Qualquer mercadoria vinda de outro país deveria ser adquirida por comerciantes autorizados pelo governo espanhol, ser taxada com impostos e embarcada para as colônias da América. Essas restrições eram desfavoráveis aos interesses dos industriais europeus (destacando-se entre eles os ingleses), que desejavam vender seus produtos diretamente aos compradores: as colônias. As mudanças provocadas pelo industrialismo moderno, aliadas ao pensamento liberal do Iluminismo, desembocaram numa crítica à escravidão. Além das razões humanitárias, estava em jogo o fato de o escravo não receber salário por seu trabalho. Portanto, não tinha dinheiro ou recursos para comprar produtos por sua conta e, desse modo, participar do mercado consumidor, que os industriais queriam ampliar. Além disso, o dinheiro gasto pelos senhores na compra de escravos deixava de ser utilizado nas atividades ligadas ao consumo industrial. Em resumo, o capitalismo industrial baseava-se no livre comércio e no trabalho assalariado, enquanto o colonialismo mercantilista assentava-se no comércio exclusivo (monopólio comercial) e, em grande parte, no trabalho escravo. ROMPIMENTO O processo de independência das colônias espanholas Até o início do século XIX, a monarquia espanhola mantinha domínio colonial sobre vasta área do continente americano. A região estava dividida em quatro grandes vice-reinos e quatro capitanias. Os vice-reinos espanhóis eram: Nova Espanha (criado em 1535), Peru (1542), Nova Granada (1718) e Prata (1776); as capitanias eram: Cuba, Guatemala, Venezuela e Chile. Durante as três primeiras décadas do século XIX, as colônias espanholas lutaram pela independência em relação à metrópole. Não se tratou de um movimento único, mas de vários processos históricos com características distintas. Entretanto, podemos dizer que alguns elementos comuns contribuíram para as lutas pela independência. A influência das idéias liberais O pensamento liberal do Iluminismo, que influenciou a independência dos Estados Unidos (1776) e os grupos da Revolução Francesa (1789), também se difundiu entre setores da elite colonial espanhola. Muitos dos ideais antiabsolutistas defendidos pelo liberalismo serviram de justificativa filosófica para a luta contra o domínio colonial espanhol. Assim, as críticas contra o absolutismo europeu se transformaram em anticolonialismo na América espanhola e no Haiti. Os interesses das elites coloniais e das camadas populares Além das idéias liberais, as lutas pela independência foram impulsionadas pela consciência das elites coloniais de que os laços com o governo espanhol dificultavam seu domínio mais pleno sobre as áreas da América. Essa elite era constituída, sobretudo, pelos criollos (filhos de espanhóis nascidos na América). A metrópole espanhola era responsável por várias medidas que prejudicavam a elite criolla: dificultava o acesso dos criollos aos altos cargos do governo e administração colonial. A maioria desses cargos era ocupada pelos chapetones, pessoas nascidas na Espanha; cobrava elevados tributos sobre produtos de exportação (por exemplo, couro e seus subprodutos); restringia o desenvolvimento de produtos manufaturados que concorressem com a produção metropolitana. As elites coloniais formavam um conjunto diversificado no qual encontramos grupos de latifundiários (produtores de gênero de exportação como cacau, açúcar etc.), comerciantes urbanos, proprietários de minas etc. Não tinham o mesmo pensamento político ou econômico, mas, em geral, concordavam em querer ampliar seus poderes locais e desejavam conquistar direito ao livre comércio. Por outro lado, as camadas populares (grupos indígenas e de mestiços, homens brancos pobres etc.) também participaram do processo de independência integrando os exércitos coloniais; no fundo, lutavam por conquistas sociais como igualdade, terra para plantio e melhores condições de trabalho. Para o historiador Leon Pomer, a luta pela independência na América espanhola implicou uma passagem de todo o poder político àqueles que já possuíam a maior parte do poder econômico. E os povos? Lutaram pela independência? Mais que pela independência, lutaram pela terra, pelo pão e pela liquidação do servilismo. Lutas pela independência Por meio de várias revoltas emancipacionistas, que abrangeram o período de 1810 a 1828, diversas áreas da América espanhola foram conquistando sua independência política. Vejamos um panorama geral dessas lutas. Na região do México, desde 1810, o padre Miguel Hidalgo e, posteriormente, o padre José Morellos lideraram tropas formadas por muitos camponeses pobres (índios, brancos e mestiços). Além da independência política, esses camponeses lutavam por uma mudança das condições sociais: terra para os pobres, fim da escravidão, igualdade de direitos etc. No entanto, as tropas espanholas, apoiadas pela elite local, derrotaram as tropas populares, pondo fim às rebeliões. Seus líderes, Hidalgo e Morellos, acabaram sendo fuzilados. Somente em 1821 ocorreria a independência do México, num movimento liderado pelo general Agostinho Itúrbide. Itúrbide, que fizera carreira militar combatendo os rebeldes mexicanos, traiu o governo espanhol e se proclamou imperador. Permaneceu no poder até 1823, quando, então, foi derrubado por republicanos. Do México, a luta pela independência espalhou-se pela América Central. No final desse processo, formaram-se na região as Províncias Unidas Centro-americanas que, posteriormente, fragmentaram-se em diversos países: Guatemala, Honduras, Costa Rica, El Salvador. Na América do Sul, as lutas pela independência contaram com a liderança de homens como José San Martín e Simón Bolívar. San Martín comandou um poderoso exército contra as forças espanholas, obtendo importantes vitórias nas regiões sul e central da América do Sul. É considerado libertador da Argentina, Chile e Peru. Simón Bolívar destacou-se como líder militar e político nas lutas pela independência travadas mais ao norte da América do Sul. É considerado libertador da Venezuela, da Colômbia, do Equador, da Bolívia e também do Peru (junto com San Martín). Após a independência, o projeto político de Simón Bolívar era construir na América um grande país, unificando politicamente as ex-colônias espanholas. Mas esses planos fracassaram. Havia muitas divergências entre as elites locais, que preferiram garantir seus poderes nas regiões onde já atuavam. A união da maioria dos novos países independentes da América Latina não aconteceu por dois motivos principais. Primeiro, porque a Inglaterra e os Estados Unidos, que disputavam o controle econômico da América Latina, não viam com bons olhos a união política dos países latino-americanos. No entender das potências, quanto mais fragmentada fosse a América Latina, mais difícil seria para ela enfrentar os interesses econômicos ingleses e norte-americanos. Segundo, porque os grandes proprietários de minas e terras (as elites nativas, agora nacionais) sentiam-se mais à vontade para controlar seus interesses econômicos numa América Latina fragmentada, composta de unidades políticas menores. Dessa forma, seria mais fácil para um produtor de cacau da Venezuela influenciar a política de sua região se tivesse apenas de negociar com os políticos venezuelanos, sem ter de "brigar" com proprietários de minas e terras de outras regiões. Haiti O processo de independência não ocorreu da mesma forma em todas as regiões da América Latina. No Haiti, por exemplo, colônia francesa produtora principalmente de cana-de-açúcar e rum, as lutas pela independência foram lideradas pelos escravos. O movimento teve início em 1791, sob o comando de Toussaint Lowerture e Jean Jacques Dessalines. Os senhores de terra e as tropas francesas lutaram contra os escravos durante vários anos. Em 1802, Lowerture foi preso e, em 1803, executado, mas o movimento de independência continuou. Em 1825, finalmente, o país conseguiu o reconhecimento de sua independência. Embora a economia estivesse arrasada e a maior parte da produção tivesse sido destruída durante o conflito, os ex-escravos, abolindo a escravidão, demonstraram que, para eles, independência era sinônimo de liberdade social. Os haitianos não foram os únicos a sonhar com um tipo de independência fora do controle das elites. A violenta repressão aos movimentos populares, tanto por parte de pessoas ligadas à Coroa espanhola (os chapetones) quanto pelas elites econômicas da colônia (os criollos), mostra como os conflitos marcaram o processo de independência da maior parte da América Latina. Nesse sentido, já indicamos o movimento liderado, no México, pelos padres Hidalgo e Morellos. Podemos apontar, ainda, no Peru, a revolta liderada pelo cacique José Gabriel Condorcanqui, no final do século XVIII. José Gabriel, mais conhecido como Tupac Amaru, dizia-se descendente dos antigos chefes incas. Esse movimento lutava contra a brutal exploração do índio na minas e nas oficinas artesanais, contra os castigos físicos executados pelos amos e autoridades coloniais; contra os tributos abusivos. Após intensas batalhas, o movimento foi derrotado, e Tupac Amaru, preso, condenado à morte e executado. Ainda que fracassadas, essas lutas apontam, segundo alguns historiadores, para projetos políticos preocupados com a construção de uma ordem social mais justa e solidária. Liberdade não é um conceito entendido de forma única; tem significados diversos, apropriados também de formas particulares pelos diversos segmentos da sociedade. Para um representante da classe dominante venezuelana, Simón Bolívar, liberdade era sinônimo de rompimento com a Espanha, para a criação de nações livres. Mas, principalmente, nações livres para produzir, única possibilidade, segundo essa visão, do desabrochar do Novo Mundo. Já para Dessalines, o líder da revolução escrava do Haiti, que alcançou a independência da França em 1804, a liberdade, antes de tudo, representava o fim da escravidão, mas também carregava um conteúdo radical de ódio aos opressores franceses. Para outros dominados e oprimidos, como os índios mexicanos, a liberdade passava distante da Espanha e muito próximo da questão da terra. Na década de 1810, os líderes da rebelião camponesa mexicana clamavam por terra para os deserdados. O interesse de ingleses e norte-americanos Entre os governos europeus, praticamente nenhum colaborou com os movimentos pela independência da América espanhola. Ao contrário, os monarcas dos países que compunham a Santa Aliança pensaram em enviar tropas para ajudar os espanhóis a esmagar esses movimentos. Apenas o governo da Inglaterra foi favorável à emancipação das nações latinoamericanas, pois, a independência convinha à industrialização inglesa, que se interessava em conquistar mercados nessas regiões. No início do século XIX, os sucessivos governos dos Estados Unidos revelaram suas pretensões de manter o continente americano sob sua influência política e econômica. Em 1823, o presidente americano James Monroe anunciou a disposição dos Estados Unidos de impedir qualquer país europeu de estabelecer colônias na América ou intervir em suas questões internas. Essa mensagem do presidente americano ficou conhecida como Doutrina Monroe, e seu lema era: a América para os americanos, que pode também ser interpretado como a América para os Estados Unidos.