encontro com o embaixador Lampreia
Embaixador diz que política externa brasileira pode pôr a perder espaços conquistados
pelo país no cenário internacional
Num ‘beco sem saída’
N
o último dia 20
de julho, um encontro entre o
Conselho Consultivo da
Abinee - empossado naquela oportunidade - e o
embaixador Luiz Felipe
Lampreia foi palco para
o debate dos principais
temas relacionados às
relações internacionais
e ao comércio exterior.
Na abertura, o presidente da Abinee, Humberto Barbato, destacou a importância do mercado
externo para o desenvolvimento do Brasil. “Não
fossem os bons ventos internacionais, estaríamos
em situação difícil”, disse ­Barbato. Para Lampreia, sucessivos fracassos do atual governo nas
negociações com outros países podem pôr a perder o espaço conquistado pelo país no cenário
internacional. “A política externa do presidente
Lula só tem derrotas e nenhuma vitória”, considerou o embaixador. Entre os fracassos do atual
governo nas negociações internacionais, Lam-
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preia destacou o caso da
Petrobrás, na Bolívia. “O
Brasil passou por uma
grande humilhação, mas
as autoridades governamentais não levantaram
um dedo. A reação só
aconteceu depois que o
exército boliviano invadiu as dependências da
Petrobrás”, afirmou ele.
Lampreia criticou também a atuação da diplomacia brasileira nas
negociações com a Venezuela. “É um disparate
querer Hugo Chávez no Mercosul. Ele próprio
declarou que só participaria da união aduaneira
para destruí-la ou modificá-la. A postura adotada pelo ­Brasil de ‘cordeirinho da paz’ coloca o
país num beco sem saída”, enfatizou. Durante a
reunião, o embaixador falou do cenário atual e
do futuro da política externa brasileira, destacando questões como China, OMC, a relação Real
x Dólar e traçou perspectivas para o Brasil para
daqui alguns anos.
O fenômeno China
O governo chinês anunciou, em julho, um índice de crescimento de 11,6%. Certamente esse é um
elemento de preocupação e um indicador de superaquecimento da economia chinesa. “Não pretendo me
aprofundar numa análise macroeconômica da China.
Até os próprios chineses não têm uma visão completa
da situação. A China se assemelha a um rio Amazonas
que vai transbordando e desbarrancando as margens.
Há uma certa dificuldade de conduzir a economia
chinesa como se conduz a economia americana”, disse
Lampreia. O embaixador considerou que o FED e o Tesouro Americano têm controle sobre a política macroeconômica e assim também é na Europa, fato que não
acontece na China. Segundo ele, existe naquele país
a incorporação de 15 milhões de pessoas por ano ao
circuito econômico. Pessoas que vêm de regiões distantes para a cidade, arrumam emprego, vão melhorando
aos poucos e passam a consumir. “Isto faz da China
uma grande exportadora e uma grande importadora
também”, observou. No entanto, esse crescimento superacelerado cria, constrangimentos. O primeiro deles diz respeito ao suprimento de energia. O país está
construindo a usina de Três Gargantas, apesar de todo
custo social que implica. Instala, também, termelétricas a carvão em grande escala, agravando ainda mais
os sérios problemas de qualidade do ar que enfrentam
algumas cidades. Além do gargalo energético há os
problemas sociais e a corrupção.
De acordo com Lampreia, a China está entrando
numa fase em que terá, mais cedo ou mais tarde, de
fazer opções. “A velocidade e o ímpeto do crescimento
selvagem da economia vão acabar sendo limitados por
fatores internos (energia, condições de saúde e ambientais) e, também, por fatores externos. Enquanto a China exportava calçados, brinquedos, produtos de menor
valor, a nação não enfrentava nenhum lobby maior.
A partir do momento em que os chineses compraram
toda parte de hardware da IBM, começaram a produzir eletrônica sofisticada e passaram a ser grandes
exportadores de automóveis, começaram a enfrentar
lobbies mais poderosos. Quem vai aos Estados Unidos vê que a maioria dos cidadãos americanos fala da
China como se fosse o inimigo número um. De certo
modo o Partido Comunista deixou correr o barco para
manter o controle político”, afirmou o embaixador.
Para ele, agora a China deve enfrentar uma significativa resistência internacional que a obrigará a pôr freios
e amortecedores na área econômica de modo a evitar
um estouro de boiada.
Instrumentos de defesa
A China é a grande plataforma industrial do mundo. Ela tem enorme capacidade de articulação para a
comercialização dos seus produtos porque, além de
vender a preços inferiores ao mercado, ela se organiza
de toda a maneira, incluindo até o contrabando. Lampreia salientou que a capacidade de agressão do país
oriental é extraordinária e acontece em nível ­mundial.
“Não há países imunes. Creio que vamos conviver muito tempo com isso e tenho certeza que se a China tiver
que dar uma freada brusca, isso produzirá efeitos negativos”, acrescentou. Do ponto de vista estritamente
comercial, o embaixador afirmou que o Brasil pode e
deve se defender dentro de um contexto de legalidade,
seja por meio de ação policial (quando se tratar de contrabando, que é muito freqüente em relação a produtos
chineses), seja através de mecanismos de defesa contra
concorrência desleal.
No entanto, Lampreia alertou para a carência do
Brasil nesse campo. “O Decex (Departamento de
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­ omércio Exterior, do MDIC), que trata das práticas
C
desleais de comércio, tem perdido os seus profissionais
mais capacitados. Por isso, qualquer processo movido
de dumping ou salvaguarda leva uma eternidade para
ser resolvido, em termos gerais. No caso de processos
contra a China, a morosidade é maior”, criticou.
Segundo ele, ao receber do governo brasileiro o status de economia de mercado, a China ficou muito
mais imune a processos anti-dumping. “Mesmo sem
se confirmar o status que estava condicionado a uma
série de investimentos chineses (30 bilhões de dólares), os quais não se materializaram, esta situação faz
com que o DECEX delongue propositadamente os
processos para não entrar em contradição”, avaliou o
embaixador. Quanto às salvaguardas, Lampreia ressaltou que o governo brasileiro assinou um acordo com
Pequim estabelecendo estas medidas de defesa para
os têxteis e se comprometeu a não utilizá-las mais.
“O Brasil abriu mão de usar esse mecanismo mesmo
quando houver dano à indústria nacional. Isto é um
absurdo, mas, infelizmente, é assim que funciona”,
concluiu.
Negociações com a OMC
No âmbito da Organização Mundial do Comércio, Lampreia comentou que
as negociações estão dificultadas neste momento em que
os Estados Unidos estão sem
o TPA (o mecanismo permite que os acordos comerciais
negociados pela Casa Branca
sejam votados no Congresso
sem emendas e dentro de um
determinado prazo). Para o
embaixador, negociar primeiro com o Executivo e depois
com o Congresso Americano
significa enfrentar “um verdadeiro corredor polonês”.
Segundo ele, o Congresso
americano é muito mais protecionista do que o Executivo. O governo americano tem
afirmado que buscará o TPA.
“Isso é duvidoso, porque a ad-
ministração Bush está desmoralizada e desmoronando. É uma situação grave o principal país do mundo
ter um governo debilitado, cada vez mais incapaz de
ser um interlocutor e parceiro. Isto está acontecendo,
mas as grandes empresas americanas se baterão para
que haja uma disciplina internacional. A lei da selva
só interessa a bandido e aventureiro, e acabar com a
OMC, em princípio, não interessa. Pode haver um
movimento nesse sentido”, ponderou Lampreia.
Valorização do Real
Resultante de uma série de grandes fatores da economia, o câmbio trata-se de uma equação que resulta
das trocas externas do país, dos fluxos financeiros que
o país estabelece com o exterior e das grandes variáveis da economia. Durante a reunião com o Conselho
Consultivo da Abinee, Lampreia destacou que o governo brasileiro não teria como combater fortemente
a tendência de valorização do real, tampouco o Banco
Central, que pode até combater a queda do dólar por
uma semana, quinze dias, mas não resiste à pressão do
mercado. Outro fator destacado pelo embaixador foi o
processo de desvalorização da moeda norte-americana
por conta do déficit de 600 bilhões de dólares na balança comercial dos Estados Unidos. Para ele, única maneira de corrigir isso é reduzindo o preço da moeda. “Não
tem muita alternativa. Para
lidar com a situação precisamos ser mais competitivos, lutarmos para reduzir os juros,
os custos fiscais, trabalhistas,
melhorar a infra-estrutura.
Mas, pensar em Real fraco,
num câmbio favorável, só se
houver uma inversão forte do
governo brasileiro para pior”,
considerou.
Para o embaixador, não
adianta falsear uma tendência
do mercado, essa força anônima que rege a economia no
mundo capitalista. “Enquanto
nós tivermos perspectivas de
valorização de ativos (imóveis,
ações, aplicações ­financeiras e
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tudo que atrai o investidor estrangeiro), vamos
continuar a ter fluxo financeiro entrando no
país. Enquanto tivermos saldos comerciais,
continuaremos a acumular reservas, e teremos resultados positivos em conta corrente.
Só assistiremos a modificação desse quadro
se houver uma mudança profunda na macroeconomia nacional. Que conclusão tirar daí?
Logicamente os agentes econômicos têm que
se adaptar”, afirmou Lampreia. Ele citou como
exemplo o caso da Alemanha. “Aquele país
europeu baseia-se tradicionalmente em exportações trabalhando com o Marco (Euro) valorizado há mais de 30 anos. Eles têm orgulho
disso”, enfatizou.
Perspectiva pouco otimista
Incitado sobre suas perspectivas para o
Brasil pós 2010, Lampreia afirmou que o país
está conseguindo caminhar independente do
governo. “Estamos longe de ficarmos imunes
às decisões governamentais, mas, de qualquer
forma, dependemos muito menos delas”, disse. Segundo ele, o futuro do Brasil segue essa
tendência: o governo continuará a dar diretrizes, como a política monetária, cambial e
política externa, mas deverá ser menos invasivo. “Talvez essa previsão seja só uma espécie de sonho ou ilusão, porque não estamos
caminhando nesse sentido. O governo atual
vai pelo caminho contrário. Ele aproveita o
cenário externo favorável (que permite reduzir as taxas de juros e diminuir o serviço da
dívida interna) para empregar mais gente,
gastar em obras inadequadas, conduzidas de
maneiras duvidosas do ponto de vista ético.
Está, enfim, perdendo a oportunidade e não
faz uso adequado das vantagens. Isso é uma
pena”, lamentou. Para o embaixador, a conta
vai chegar lá adiante, por conta do inchaço
da máquina pública. “Só no Itamaraty resolveram contratar mais 400 diplomatas, sem a
menor necessidade. O quadro já é composto
por 900 diplomatas. Mas isso terá que ser corrigido um dia. Não sou nada pessimista”, concluiu Lampreia.
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Membros do Conselho Consultivo da Abinee
empossados no dia 20 de julho
Adilson Antonio Primo (Siemens)
Aldo Lorenzetti (ex-Presidente da Abinee - Lorenzetti)
Alípio Fonseca (Sanmina)
Aloisio Vasconcelos (Alstom)
Aluizio Bretas Byrro (Nokia Siemens)
Antonio Hugo Valério Júnior (Hewlett-Packard)
Armando Comparato Júnior (Prysmian)
Benjamim Funari Neto (ex-Presidente da Abinee - Milfra)
Benjamin Sicsú (Samsung)
Boris Tabacof (Suzano)
Brett Bissell (Flextronics)
Carlos Duprat (Ericsson)
Carlos Eduardo Moreira Ferreira (CNI)
Cláudio Vita (Itautec)
Décio da Silva (Weg )
Décio Martins de Medeiros (Agilent)
Dílson Suplicy Funaro (LG)
Enrique Ussher (Motorola)
Firmino Rocha de Freitas (ex-Presidente da Abinee - Bravox)
Franz Reimer (Bosch)
Gerson Veríssimo (Tecumseh)
Gilson Lima Feitosa (Hobeco)
Hugo Miguel Etchenique (Brasmotor)
Humberto Barbato (Presidente da Abinee - Santa Terezinha)
Ichiu Schinohara (Panasonic)
Jônio Kahan Foigel (Alcatel-Lucent)
José Adão Haas (Epcos)
José Castrese (General Electric)
José Drummond (Whirlpool)
Juan J. Chico (Nortel)
Marco Aurélio de Almeida Rodrigues (Qualcomm)
Maurice Costin (CIESP)
Nelson Luís de Carvalho Freire (Ecil)
Nelson Peixoto Freire (ex-Presidente da Abinee - Ecil)
Newton José Leme Duarte (Siemens)
Olavo Machado Júnior (Orteng)
Paulo Gomes Castelo Branco (Nec)
Paulo Roberto Pereira da Costa (FIESP-IRS)
Paulo Vellinho (ex-Presidente da Abinee)
Pedro José de Bediaga Hickman (RBS)
Raymundo Peixoto (Dell)
Ricardo Chuahy (Solectron)
Roberto Isnard (Ex Diretor da Abinee)
Robson Braga de Andrade (Orteng)
Rogério Marcos Martins de Oliveira (IBM)
Ruy de Salles Cunha (ex-Presidente da Abinee)
Sérgio Gomes (ABB)
Sérgio Gomes (Areva)
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