Principais Alterações da Obra “Aulas de Direito Constitucional” – 4ª Edição I) No Capítulo 1 (renumerado): 1.1. CONTEÚDO CIENTÍFICO O Direito Constitucional (em sentido amplo) alberga diferentes ciências jurídicas, que integram o elenco de matérias que se ocupam do ordenamento constitucional do Estado. Essas ciências jurídicas, integrantes do Direito Constitucional em sentido amplo, são: o Direito Constitucional Especial, o Direito Constitucional Comparado e o Direito Constitucional Geral. Essas ciências jurídicas são, digamos assim, “divisões” do Direito Constitucional em sentido amplo, com conteúdos científicos distintos. 1.1.1. DIREITO CONSTITUCIONAL ESPECIAL O Direito Constitucional especial (particular, positivo ou interno) é o que tem por objetivo o estudo dos princípios e normas de uma Constituição concreta, de um determinado Estado. Tem por fim, portanto, a análise, interpretação, sistematização e crítica de uma Constituição, nacional ou estrangeira. É disciplina positiva, que trata do direito positivo de um determinado Estado (estudo do vigente Direito Constitucional brasileiro; ou do vigente Direito Constitucional italiano; ou do vigente Direito Constitucional argentino etc.). 1.1.2. DIREITO CONSTITUCIONAL COMPARADO O Direito Constitucional comparado tem por fim o estudo comparativo de uma pluralidade de Constituições, destacando os contrastes e as semelhanças entre elas. Trata-se de um método (a rigor, não se cuida propriamente de ciência) que realiza o cotejo, o confronto de diferentes textos constitucionais. O Direito Constitucional comparado, no confronto dos diferentes textos constitucionais, poderá partir de um dos seguintes critérios: (a) critério temporal; (b) critério espacial; (c) critério da mesma forma de Estado. Pelo critério temporal, confrontam-se no tempo as Constituições de um mesmo Estado, observando-se em épocas distintas da evolução constitucional a semelhança e dessemelhança das instituições que o direito positivo haja conhecido. Nesse critério – estudo das normas jurídicas positivadas nos textos das Consti- tuições de um mesmo Estado em diferentes momentos histórico-temporais –, portanto, estabelece-se o estudo comparativo de diferentes Constituições de um mesmo Estado. Seria o caso, por exemplo, do estudo comparativo das Constituições brasileiras, da Constituição do Império à vigente Carta Política de 1988. Pelo critério espacial, comparam-se diferentes Constituições no espaço, isto é, confrontam-se Constituições de diferentes Estados, vinculando estes, de preferência, a áreas geográficas contíguas. Seria o caso, por exemplo, do confronto da Constituição do Brasil com as Constituições dos demais países integrantes da América Latina; ou do estudo comparativo dos textos constitucionais dos países que integram o MERCOSUL; ou do estudo comparativo das Constituições dos países que integram a União Européia etc. Pelo critério da mesma forma de Estado, confrontam-se Constituições de países que adotam a mesma forma de Estado (estudo comparativo das Constituições de países que adotam a forma federativa de Estado, por exemplo). Segundo o Prof. Paulo Bonavides, o segundo critério – critério espacial, que compara o Direito nacional com o Direito estrangeiro – tem tido mais larga aplicação. 1.1.3. DIREITO CONSTITUCIONAL GERAL O Direito Constitucional geral (ou comum) tem por fim delinear, sistematizar e dar unidade aos princípios, conceitos e instituições que se acham presentes em vários ordenamentos constitucionais. Sua função é, portanto, sistematizar e reunir, numa visão unitária, os princípios, conceitos e instituições presentes em diferentes ordenamentos constitucionais, formando-se uma teoria geral de caráter científico. Cabe ao Direito Constitucional geral ou comum, por exemplo, delinear os conceitos que formam a denominada “teoria geral do Direito Constitucional”, tais como: conceito de Direito Constitucional; fontes do Direito Constitucional; conceito de Constituição; classificação das Constituições; conceito de poder constituinte; métodos de interpretação da Constituição etc. Finalmente, cabe destacar que o Direito Constitucional especial, o Direito Constitucional comparado e o Direito Constitucional geral estão em constante convívio, em permanente interconexão, guardando entre si vários pontos de contato. Assim, o Direito Constitucional comparado, ao realizar o confronto de diferentes textos constitucionais, contribui para o aperfeiçoamento do Direito Constitucional especial de determinado país, bem assim para o enriquecimento do Direito Constitucional geral. O Direito Constitucional geral, partindo do estudo comparativo realizado pelo Direito Constitucional comparado, contribui para a formação do Direito Constitucional especial, e assim por diante. 2. CONSTITUIÇÃO: ORIGEM E CONCEITO A Constituição, objeto de estudo do Direito Constitucional, deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que tem por fim estabelecer o conteúdo referente à composição e ao funcionamento da ordem política desse Estado (organização do poder, distribuição da competência, exercício da autoridade, direitos individuais e sociais da pessoa humana etc.). O Prof. Alexandre de Moraes destaca o conceito ideal de Constituição, imposto a partir do triunfo do movimento constitucional no início do século XIX, desenvolvido pelo constitucionalista J. J. Gomes Canotilho: Este conceito ideal identifica-se fundamentalmente com os postulados político-liberais, considerando-os como elementos materiais caracterizadores e distintivos os seguintes: (a) a constituição deve consagrar um sistema de garantais da liberdade (esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de direitos individuais e da participação dos cidadãos nos actos do poder legislativo através do parlamento); (b) a constituição contém o princípio da divisão de poderes, no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; (c) a constituição deve ser escrita (documento escrito). O alargamento do âmbito de ação do Estado tem levado ao considerável aumento da importância do Direito Constitucional nos estudos jurídicos, bem assim à tendência de ampliação de seu conteúdo material. No seu conceito clássico, marcado pelas ideologias liberais, a Constituição tinha por fim determinar, estritamente, a forma de Estado, a forma de Governo e o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem. No Estado moderno, de cunho marcadamente social, a doutrina constitucionalista aponta o fenômeno da expansão do objeto das Constituições, que têm passado a tratar de temas cada vez mais amplos, estabelecendo, por exemplo, finalidades para a ação estatal (conteúdo programático das Constituições). Por isso, a tendência contemporânea de elaboração de Constituições de conteúdo extenso (analíticas ou prolixas) e preocupadas com os fins estatais, com o estabelecimento de programa e linha de direção para o futuro (Constituições dirigentes ou programáticas). 2.2. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO SOCIOLÓGICO, POLÍTICO E JURÍDICO O Direito Constitucional, como qualquer ciência de conteúdo científico, não se encontra absolutamente desgarrado de outras ciências, tais como a Política, a Sociologia, a Filosofia etc. Em maior ou menor grau, tais ciências possuem laços de interconexão, o que permite sejam construídas diferentes concepções para o termo “Constituição”, como norma básica de um Estado, a saber: Constituição em sentido sociológico, Constituição em sentido político e Constituição em sentido jurídico. 2.2.1. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO SOCIOLÓGICO Na visão sociológica, a Constituição é concebida como fato social, e não propriamente como norma. O texto positivo da Constituição seria resultado da realidade social do País, das forças sociais que imperam na sociedade, em determinada conjuntura histórica. Caberia à Constituição escrita, tãosomente, reunir e sistematizar esses valores sociais num documento formal, documento este que só teria valor se correspondesse a tais valores presentes na sociedade. Representante típico da visão sociológica de Constituição é Ferdinand Lassalle, segundo o qual a Constituição de um País é, em essência, “a soma dos fatores reais de poder que regem nesse País”. Segundo Lassalle, convivem num País, paralelamente, duas Constituições: uma Constituição real, efetiva, que corresponde à soma dos fatores reais de poder que regem nesse País; uma Constituição escrita, por ele denominada “folha de papel”. Esta, a Constituição escrita (“folha de papel”), só teria validade se correspondesse à Constituição real, isto é, se tivesse suas raízes nos fatores reais de poder. Assim, em caso de conflito entre a Constituição real (soma dos fatores reais de poder) e a Constituição escrita (“folha de papel”), esta sempre sucumbiria perante aquela, em virtude da força dos fatores reais de poder que regem no País. É também sociológica a concepção marxista de Constituição, para a qual a Constituição não passaria de um produto das relações de produção e visaria a assegurar os interesses da classe dominante. A Constituição, norma fundamental da organização estatal, seria um mero instrumento nas mãos da classe dominante, com o fim de assegurar os interesses desta, dentro de um dado tipo de relações de produção. 2.2.2. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO POLÍTICO A concepção política de Constituição foi desenvolvida por Carl Schmitt, para o qual a Constituição é “uma decisão política fundamental”. Para Schmitt, a validade de uma Constituição não se apóia na justiça de suas normas, mas na decisão política que lhe dá existência. O poder constituinte equivale, assim, à vontade política, cuja força ou autoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre modo e forma da própria existência política, determinando assim a existência da unidade política como um todo. A Constituição surge, portanto, a partir de um ato constituinte, fruto de uma vontade de produzir uma decisão eficaz sobre modo e forma de existência política de um Estado. Como nos ensina o Prof. José Afonso da Silva, para chegar a esse conceito de Constituição, Schmitt estudou e classificou na literatura político-jurídica os conceitos de “constituição”, classificando-os em quatro grupos: sentido absoluto, sentido relativo, sentido positivo e sentido ideal. Em sentido absoluto, a Constituição é considerada como um todo unitário, significando: o próprio Estado, o Estado é a Constituição, a qual é a concreta situação de conjunto da unidade política e ordenação social de um certo Estado; a forma de governo, modo concreto de supra e subordinação, forma especial de domínio; princípio do vir-a-ser dinâmico da unidade política, como formação renovada e ereção dessa unidade, a partir de uma força e energia subjacente ou operante na base; finalmente, dever-ser, regulação legal fundamental, isto é, um sistema de normas supremas, normas de normas, normação total da vida do Estado, lei das leis. Em sentido relativo, a Constituição aparece como uma pluralidade de leis particulares, sendo esse conceito fixado a partir de características externas e acessórias, formais, correspondendo ao conceito de lei constitucional concreta; temse, assim, a Constituição em sentido formal, escrita, igual a uma série de leis constitucionais, identificada com o conceito de Constituição rígida. Em sentido ideal, a Constituição identifica-se com certo conteúdo político e social, tido como ideal; nesse caso, só existirá Constituição quando um documento escrito corresponder a certo ideal de organização política, adotando determinadas ideologias e soluções, consideradas as únicas legítimas. Em sentido positivo, a Constituição é considerada como uma decisão política fundamental, decisão concreta de conjunto sobre o modo e a forma de existência da unidade política, só sendo possível um conceito de Constituição quando se distinguem Constituição de leis constitucionais. Considerando o sentido positivo de Constituição, Schmitt estabeleceu uma distinção entre Constituição e leis constitucionais: a Constituição disporia somente sobre as matérias de grande relevância jurídica, sobre as decisões políticas fundamentais (organização do Estado, princípios democráticos e direitos fundamentais, entre outras); as demais normas integrantes do texto da Constituição seriam, tãosomente, leis constitucionais. Após sistematizar esses diferentes sentidos, Schmitt concluiu que somente este último – Constituição em sentido positivo, como “uma decisão política fundamental” – é o verdadeiro conceito de Constituição. 2.2.3. CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO JURÍDICO Em sentido jurídico, a Constituição é compreendida de uma perspectiva estritamente formal, apresentando-se como norma jurídica, como norma fundamental do Estado e da vida jurídica de um país, paradigma de validade de todo o ordenamento jurídico e instituidora da estrutura primacial desse Estado. A Constituição consiste, pois, num sistema de normas jurídicas. Na lição do Professor José Afonso da Silva, “essa concepção nasceu com o Constitucionalismo moderno e está vinculada à idéia de Estado liberal e ao Racionalismo, para os quais a atividade jurídica é, em maior ou menor grau, mero produto da razão, algo deduzido de certos princípios mais ou menos imutáveis, capazes de moldar, disciplinar, modificar a realidade social, e a constituição é a garantia desses princípios”. A visão jurídica de Constituição contrapõe-se, frontalmente, à posição sociológica, defendida por Ferdinand Lassalle. O pensador que mais pregou a visão jurídica de Constituição foi o austríaco Hans Kelsen, que desenvolveu a denominada “Teoria Pura do Direito”. Para Kelsen, a Constituição é considerada como norma, e norma pura, como puro dever-ser, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou filosófico. Embora reconheça a relevância dos fatores sociais numa dada sociedade, Kelsen sempre defendeu que seu estudo não compete ao jurista como tal, mas ao sociólogo e ao filósofo. Segundo a visão de Hans Kelsen, a validade de uma norma jurídica positivada é completamente independente de sua aceitação pelo sistema de moral instalado, e a validade das normas jurídicas não corresponde à ordem moral, pelo que não existiria a obrigatoriedade de o Direito se enquadrar dentro dos ditames por esta (moral) impostos. A ciência do Direito não tem a função de promover a legitimação do ordenamento jurídico pelas normas morais existentes, devendo unicamente conhecê-lo e descrevê-lo de forma genérica, hipotética e abstrata. Nisto praticamente consistia sua teoria pura do direito: afastar a ciência jurídica de toda classe de juízo de valor moral, político, social ou filosófico. Kelsen desenvolveu dois sentidos para a palavra Constituição: (a) sentido lógico-jurídico; (b) sentido jurídico-positivo. Em sentido lógico-jurídico, Constituição significa a norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da Constituição em sentido jurídico-positivo. Nesse sentido, temos o seguinte: como Kelsen não admitia como fundamento da Constituição positiva algo de real, de índole sociológica, política ou filosófica, foi obrigado a desenvolver um fundamento também meramente formal, normativo para a Constituição positiva. Esse fundamento foi a denominada norma fundamental hipotética (pensada, pressuposta), que existiria, segundo ele, apenas como pressuposto lógico de validade das normas constitucionais positivas. Essa norma fundamental hipotética, fundamento da Constituição positiva, teria, basicamente, o seguinte comando: conduza-se na forma ordenada pelo autor da primeira Constituição. Enfim, como para Kelsen é impossível derivar a norma jurídica da realidade social, política ou filosófica, deve-se examinar a validade das normas a partir da hierarquia existente entre elas. Assim, uma norma inferior tem fundamento na norma superior, e esta tem fundamento na Constituição positiva. Esta, por sua vez, se apóia na norma básica fundamental, que não é uma norma positiva (posta), mas uma norma hipotética, pressuposta, pensada. Em sentido jurídico-positivo, Constituição corresponde à norma positiva suprema, conjunto de normas que regulam a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau; ou certo documento solene, conjunto de normas jurídicas que somente podem ser alteradas, observando-se certas prescrições especiais. Dessas concepções de Constituição, a relevante para o Direito moderno é a jurídica, a partir da qual a Constituição é vista como norma fundamental, criadora da estrutura básica do corpo político, e parâmetro de validade de todas as demais normas, embora se reconheça a influência da realidade social, política e ideológica na sua elaboração. II) No Capítulo VI: 1. NOÇÕES As normas constitucionais são dotadas de variados graus de eficácia jurídica e aplicabilidade, de acordo com a normatividade que lhe tenha sido outorgada pelo constituinte, fato que motivou uma série de grandes doutrinadores a elaborar diversas propostas de classificação dessas normas quanto ao seu grau de eficácia e aplicabilidade. Reconhece-se, assim, que todas as normas constitucionais possuem eficácia, mas é certo que se diferenciam quanto ao grau de seus efeitos jurídicos, ou seja, têm aplicabilidade e valor jurídico diversos umas das outras. Assim, não estaremos, neste tópico, classificando o texto constitucional em “normas constitucionais eficazes” e “normas constitucionais ineficazes”, isto é, em normas constitucionais dotadas de eficácia jurídica e normas constitucionais desprovidas de eficácia jurídica. Não. Não se cuida disso. O Constitucionalismo moderno refuta a idéia da existência de normas constitucionais desprovidas de eficácia jurídica. Enfim, “não existe letra morta na Constituição”. Todas as normas constitucionais, qualquer que seja o seu conteúdo, são dotadas de eficácia jurídica. O que se admite é que nem todas as normas constitucionais possuem o mesmo grau de eficácia; embora todas sejam possuidoras de eficácia jurídica, o grau dessa eficácia poderá variar de norma para norma: algumas normas constitucionais produzirão seus plenos efeitos com a simples entrada em vigor da Constituição; outras, não etc. É, portanto, sob este enfoque que temos que estudar esse assunto: todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia jurídica; porém, nem todas possuem o mesmo grau de eficácia, surgindo, por esta razão, as classificações apresentadas em seguida. Entre nós, merecem especial destaque as classificações elaboradas pelos constitucionalistas Ruy Barbosa e José Afonso da Silva. 2. CLASSIFICAÇÃO DE RUY BARBOSA A tradicional classificação do jurista Ruy Barbosa, inspirada na doutrina americana, divide as normas constitucionais em dois grupos: a) normas “auto-executáveis” (self-executing; self-enforcing; self-acting); b) normas “não auto-executáveis” (not self-executing; not selfenforcing provisions ou not self-acting). As normas constitucionais auto-executáveis (self-executing; selfenforcing; self-acting) são preceitos constitucionais completos, que produzem seus plenos efeitos com a simples entrada em vigor da Constituição. As normas constitucionais não-auto-executáveis (not selfexecuting; not self-enforcing provisions ou not self-acting) são normas indicadoras de princípios, sem estabelecerem normas que lhes dêem plena eficácia. Exigem atuação legislativa posterior para efetivação, possibilitando, só então, sua plena execução. Observa-se que, nessa classificação Ruy Barbosa divide as normas constitucionais em apenas dois grupos: normas constitucionais auto-aplicáveis (que produzem seus plenos efeitos com a simples entrada em vigor da Constituição, imediata e diretamente, sem necessidade de quaisquer regulamentações por lei) e as não-auto-aplicáveis (que, para produzirem seus plenos efeitos, exigem uma posterior regulamentação legislativa). 3. CLASSIFICAÇÃO DE JOSÉ AFONSO DA SILVA O Professor José Afonso da Silva formulou uma classificação própria e autônoma das normas constitucionais, hoje largamente adotada pela doutrina e jurisprudência pátrias. Para José Afonso da Silva, as normas constitucionais não podem ser classificadas em apenas dois grupos, pois há uma terceira espécie de normas que não se encaixa, propriamente, em nenhum dos dois grupos da doutrina americana. Assim, as normas constitucionais, quanto ao grau de eficácia, são classificadas em: a) normas constitucionais de eficácia plena; b) normas constitucionais de eficácia contida; c) 3.1. normas constitucionais de eficácia limitada. NORMAS DE EFICÁCIA PLENA As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular. As normas de eficácia plena não exigem a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses nelas regulados. São, por isso, normas de aplicabilidade direta, imediata e integral. O Professor José Afonso da Silva salienta que, embora a Constituição Federal de 1988 tenha revelado acentuada tendência para deixar ao legislador ordinário a integração e complementação de suas normas: a orientação doutrinária moderna é no sentido de reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de caráter sócio- ideológico, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos. Torna-se cada vez mais concreta a outorga de direitos e garantias sociais das constituições. 3.2. NORMAS DE EFICÁCIA CONTIDA As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos àdeterminada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados. As normas de eficácia contida são, assim, normas constitucionais dotadas de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas a restrições que limitem sua eficácia e aplicabilidade (impostas por lei, por outras normas constitucionais ou por certos conceitos jurídicos amplamente aceitos). Explica o Professor José Afonso da Silva que a peculiaridade das normas de eficácia contida configura-se nos seguintes pontos: a) são normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos; b) enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena; nisso também diferem das normas de eficácia limitada, de vez que a interferência do legislador ordinário, em relação a estas, tem o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade concreta e positiva; c) são de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitam; d) algumas dessas normas já contêm um conceito ético juridicizado (bons costumes, ordem pública etc.), com valor societário ou político a preservar, que implica a limitação de sua eficácia; e) sua eficácia pode ainda ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem certos pressupostos de fato (estado de sítio, por exemplo). Em regra, as normas de eficácia contida exigem a atuação do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura. Entretanto, a atuação do legislador ordinário não será para tornar exercitável o direito nelas previsto (este já é exercitável desde a promulgação do texto constitucional), mas sim para restringir, para impor restrições ao exercício desse direito. Entenda-se: (a) o direito previsto numa norma constitucional de eficácia contida é imediatamente exercitável (eficácia direta e imediata), desde o momento de promulgação da Constituição; (b) a legislação ordinária futura, se vier, será para restringir o exercício desse direito, para impor limites e condições ao exercício de tal direito. Assim, temos o seguinte: enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva referente à norma de eficácia contida, sua eficácia será plena, vale dizer, o direito nela previsto poderá ser amplamente exercido; quando editada a norma ordinária, o exercício do direito será limitado, restringido. Um bom exemplo para o entendimento da aplicabilidade de uma norma constitucional de eficácia contida é o disposto no art. 5o, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Cuida-se de típica norma constitucional de eficácia contida, sujeita à imposição de restrições por parte do legislador ordinário, e que deve ser interpretada da seguinte maneira: (a) enquanto não estabelecidas em lei as qualificações profissionais necessárias para o exercício de determinada profissão, o seu exercício será amplo, vale dizer, qualquer pessoa poderá exercêla; (b) num momento seguinte, quando a lei vier a estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o exercício de tal profissão, só poderão exercê-la aqueles que atenderem essas qualificações previstas em lei. Outro exemplo, nessa mesma linha, é o disposto no art. 37, I, que prescreve, no tocante aos brasileiros, que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”. Novamente, o raciocínio é o mesmo: (a) a princípio, enquanto não estabelecidos em lei os requisitos específicos para o exercício de determinado cargo, emprego ou função pública, o acesso a ele será amplo aos brasileiros; (b) num momento seguinte, quando a lei vier a fixar os requisitos necessários e específicos para o ingresso nesse cargo público (idade máxima, altura mínima, graduação especifica entre outros, a depender das peculiaridades das atividades do cargo), somente aqueles brasileiros que cumprirem com tais requisitos poderão ingressar em tal cargo. Finalmente, um terceiro exemplo é o inciso VIII do art. 5o da Constituição Federal, segundo o qual: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Esse dispositivo nos assegura a liberdade de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, e deve ser assim interpretado: (a) a princípio, a liberdade religiosa ou de convicção filosófica ou política é ampla, sendo certo que ninguém será privado de direito por esses motivos; (b) porém, a lei poderá fixar prestação alternativa àqueles que invocarem alguma crença/convicção diante de obrigação legal a eles imposta; (3) enquanto a lei não fixar a prestação alternativa, ninguém poderá ser privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política; (4) uma vez fixada a prestação alternativa em lei, aquele que se negar a cumpri-la poderá ser privado de direito, diante da invocação de crença religiosa ou convicção filosófica ou política. Ensina-nos o Professor José Afonso da Silva que as normas de eficácia contida poderão ser restringidas: a) pelo legislador infraconstitucional (exemplos: art. 5o, VIII; art. 5o, XIII; art. 37, I, conforme explicado acima); b) por outras normas constitucionais (exemplos: arts. 136 a 141, que, diante do estado de defesa e estado de sítio, impõem restrições aos direitos fundamentais); c) por certos conceitos jurídicos amplamente aceitos, tais como ordem pública, segurança nacional ou pública, integridade nacional, bons costumes, necessidade ou utilidade pública, perigo público eminente (pois, ao fixar esses conceitos, o Poder Público poderá limitar o alcance de normas constitucionais, como é o caso do art. 5o, XXV). Em suma: são normas de aplicabilidade imediata e direta e, tendo eficácia independente da interferência do legislador ordinário, sua aplicabilidade não fica condicionada a uma normatização ulterior, mas fica dependente dos limites (daí: eficácia contida) que ulteriormente se lhe estabeleçam mediante lei, ou de que as circunstâncias restritivas, constitucionalmente admitidas, ocorram (atuação do Poder Público para manter a ordem, a segurança pública, a defesa nacional, a integridade nacional etc., na forma permitida pelo direito objetivo). São, assim, normas constitucionais dotadas de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas a restrições (impostas por lei, por outras normas constitucionais ou por certos conceitos jurídicos amplamente aceitos) que limitem sua eficácia e aplicabilidade. 3.3. NORMAS DE EFICÁCIA LIMITADA As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não produzem, com a simples entrada em vigor, os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. São de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia. O Professor José Afonso da Silva ainda classifica as normas de eficácia limitada em dois grupos distintos: a) as definidoras de princípio institutivo ou organizativo; b) as definidoras de princípio programático. As normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo são aquelas pelas quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei. São exemplos: “a lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios” (art. 33); “a lei disporá sobre a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios” (art. 88); “a lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional” (art. 91, § 2o); “a lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho (art. 113). Essas normas constitucionais definidoras de princípio institutivo podem ser impositivas ou facultativas. São impositivas aquelas que determinam ao legislador, em termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa (exemplos: art. 20, § 2o; art. 32, § 4o; art. 33; art. 88; art. 91, § 2o). São facultativas ou permissivas quando não impõem uma obrigação, mas limitam-se a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineada (exemplos: art. 22, parágrafo único; art. 125, § 3o; art. 195, § 4o; art. 25, § 3o; art. 154, I). As normas constitucionais definidoras de princípios programáticos são aquelas pelas quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. Constituem programas a serem realizados pelo Poder Público, disciplinando os interesses econômico-sociais, tais como: realização da justiça social; valorização do trabalho; amparo à família; combate à ignorância etc. Esse grupo de normas consubstancia o que a doutrina constitucional denomina normas programáticas, como são exemplos o art. 7o, XX; o art. 7o, XXVII; o art. 173, § 4o; o art. 216, § 3o. Cabe esclarecer que uma norma constitucional de eficácia limitada, de conteúdo programático, perde essa sua natureza (programática) quando o programa nela previsto é concretizado pelo legislador, mediante a edição da lei reclamada. Assim, quando a lei reclamada é editada, a norma deixa de ser programática, concretizando-se. É o que ocorre, por exemplo, com o disposto no art. 7o, XI, que estabelece o direito do trabalhador à participação nos lucros ou resultados da empresa, conforme definido em lei. Como a referida lei já existe, tal dispositivo constitucional deixou de ser norma programática, concretizando-se. Vejamos, então, as principais distinções entre normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada: a) com a promulgação da Constituição, a força de tais normas é distinta: as normas de eficácia contida são de aplicabilidade direta e imediata, vale dizer, o direito nelas previsto é imediatamente exercitável, desde a promulgação da Constituição; as normas de eficácia limitada são de aplicabilidade indireta e mediata, vale dizer, não produzem seus plenos efeitos desde a promulgação da Constituição, ficando o exercício do direito nelas previsto dependente da edição de regulamentação ordinária; b) ambas requerem normatização legislativa, mas a finalidade dessa normatização ordinária é distinta: nas normas de eficácia contida, a norma regulamentadora virá para restringir, para impor limites ao exercício do direito (que, até então, desde a promulgação da Constituição, era amplamente exercitável); nas normas de eficácia limitada, a norma regulamentadora virá para assegurar, para tornar viável o exercício do direito (cujo exercício, até então, estava impedido); c) a ausência de regulamentação implica conseqüências distintas: em se tratando de norma de eficácia contida, enquanto não houver regulamentação ordinária, o exercício do direito é amplo (a legislação ordinária virá para impor restrições ao exercício desse direito); em se tratando de norma de eficácia limitada, enquanto não houver regulamentação ordinária, o exercício do direito permanece obstado, impedido (a legislação ordinária virá para tornar viável o exercício desse direito). III) No Capítulo VII: Nossa Federação é do tipo “Federação de equilíbrio”, isto é, sua mantença está fundamentada no equilíbrio entre as competências e autonomia dos entes federados, no tão falado “equilíbrio federativo”. Assim, preocupado em assegurar a autonomia dos entes federativos, núcleo do equilíbrio federativo, o legislador constituinte originário estabeleceu, no próprio texto constitucional, mecanismos que visam a estabelecer proteção ao modelo federativo por ele desenhado. São vários os dispositivos constitucionais que, em maior ou menor grau, têm essa preocupação. Enumeramos abaixo alguns comandos constitucionais que, segundo a melhor doutrina, representam as maiores garantias constitucionais da nossa Federação (esses certamente não são os únicos, mas os principais comandos constitucionais que têm por preocupação maior a manutenção da unidade da nossa Federação): a) repartição de competências (ao partilhar as competências estatais entre os diferentes entes políticos, está a Constituição outorgando-lhes autonomia para a atuação no âmbito das respectivas áreas, e assim assegurando o equilíbrio federativo); b) rigidez da Constituição (ao estabelecer a rigidez da Constituição, dificultou-se a modificação da partilha de competências entre os entes políticos, haja vista que esta somente será possível por meio da aprovação de emenda à Constituição, pelo procedimento especial e árduo, exigido constitucionalmente); c) controle de constitucionalidade (haja vista que caberá ao Poder Judiciário fiscalizar o exercício das competências delineadas no texto constitucional; a atuação de qualquer um dos entes federados fora de sua competência específica deverá ser anulada pelo Poder Judiciário, por meio dos mecanismos de controle de constitucionalidade); d) imunidade recíproca de impostos, prevista no art. 150, VI, a, da CF/88 (ao impedir a exigência de impostos uns dos outros, impede o legislador constituinte que a autonomia de um ente político seja prejudicada por outro, por meio da imposição gravosa de impostos); e) repartição das receitas tributárias, prevista nos arts. 157 a 159 da CF/88 (ao estabelecer a obrigatoriedade da repartição das receitas de tributos entre os entes federados, buscou o legislador constituinte assegurar uma relativa equivalência econômico-financeira entre eles, aspecto fundamental para o equilíbrio federativo); f) o mecanismo de intervenção de um ente federado sobre outro, previsto nos arts. 34 a 36 da CF/88 (em certas hipóteses, a intervenção terá por fim específico assegurar a manutenção do equilíbrio/harmonia de nossa Federação). 4.1. REORGANIZAÇÃO TERRITORIAL Vimos que os entes federados não possuem o secessão, de separar-se da República Federativa Porém, os limites territoriais dos Estados e dos poderão ser redefinidos, desde que observadas as constitucionais (CF, art. 18, §§ 3o e 4o). direito de do Brasil. Municípios prescrições Os Territórios federais, embora não sejam entes federados, poderão ser transformados em Estado ou reintegrados ao Estado de origem (CF, art. 18, § 2o). Não há previsão expressa para a modificação dos limites territoriais do Distrito Federal. Vejamos, a seguir, os procedimentos exigidos para a modificação dos limites territoriais de Territórios federais, Estados-membros e Municípios. 4.1.1. DOS TERRITÓRIOS Estabelece a Constituição que os Territórios federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar (CF, art. 18, § 2o). Observe que, pela literalidade desse dispositivo constitucional, a reorganização de Território federal dependeria, exclusivamente, da edição de uma lei complementar pelo Congresso Nacional. Entretanto, a coisa não é bem assim. Nenhum dispositivo da Constituição pode ser lido e interpretado de maneira isolada. Em verdade, o § 2o do art. 18 deverá ser combinado com o disposto no art. 18, § 3o, e no art. 48, VI, da Constituição Federal. No § 3o do art. 18, está dito que os Estados poderão desmembrar-se para formarem novos Territórios federais, desde que mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito. Assim, combinando-se o disposto no art. 18, § 2o (exigência de lei complementar), com o disposto neste § 3o (aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito), temos que a criação de um Território federal a partir do desmembramento de Estado depende da aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e de lei complementar, editada pelo Congresso Nacional. Por sua vez, o inciso VI do art. 48 estabelece que cabe ao Congresso Nacional dispor sobre incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembléias Legislativas. Com isso, percebe-se que o Congresso Nacional, nessas situações, antes de editar a lei complementar, deverá, obrigatoriamente, ouvir as Assembléias Legislativas interessadas. Portanto, da combinação desses três dispositivos constitucionais (art. 18, § 2o; art. 18, § 3o; e art. 48, VI), podemos concluir que a criação de um Território federal a partir do desmembramento de Estado depende (i) da aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e (ii) da edição de lei complementar pelo Congresso Nacional, devendo este ouvir, obrigatoriamente, as respectivas Assembléias Legislativas. 4.1.2. DOS ESTADOS-MEMBROS Determina o § 3o do art. 18 da Constituição Federal que os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros ou formarem novos Estados ou Territórios federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. Da mesma forma, esse dispositivo deve ser combinado com o inciso VI do art. 48, antes mencionado, que faz referência à obrigatoriedade de manifestação das Assembléias Legislativas. Assim, a incorporação, a subdivisão e o desmembramento de Estado dependem: (i) da aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito; e (ii) da edição de lei complementar pelo Congresso Nacional, devendo este ouvir, obrigatoriamente, as respectivas Assembléias Legislativas. 4.1.3. DOS MUNICÍPIOS A reorganização territorial dos Municípios está disciplinada no art. 18, § 4o, da Constituição Federal, que estabelece que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Portanto, são quatro os passos hoje necessários para a mudança de território de Município, a saber: (1o) lei complementar do Congresso Nacional fixando o período dentro do qual poderá ocorrer tal mudança; (2o) divulgação dos estudos de viabilidade municipal, que deverão ser apresentados e publicados na forma da lei; (3o) consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos; (4o) edição da lei ordinária estadual. Dois aspectos merecem destaque. Primeiro, que a reorganização de Municípios depende, atualmente, da vontade do Congresso Nacional, haja vista que a alteração do território municipal somente poderá ocorrer dentro do período determinado por lei complementar federal. Enquanto não editada essa lei complementar pelo Congresso Nacional, nenhuma alteração do território de Município poderá ocorrer no Brasil. Segundo, que a formalização da reorganização territorial será efetuada por lei ordinária estadual, editada pela Assembléia Legislativa respectiva, depois anteriormente enumerados. 4.3. NÚMERO MUNICIPAIS MÁXIMO DE de cumpridos VEREADORES EM os passos CÂMARAS A Carta de 1988 (art. 29, IV) estabelece o conceito sobre o critério da proporcionalidade no tocante à definição do número de vereadores, referindo-se, expressamente, ao número de habitantes do Município. Criou, por outro lado, três faixas de classificação, sendo a primeira para os Municípios de até um milhão de habitantes; a segunda, para os de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes; e a última, desse marco para frente. Desde então, muita discussão tem sido travada na doutrina e na jurisprudência em relação ao número exato de Vereadores a ser fixado pelos Municípios. Uma corrente entende que, observados os parâmetros mínimo e máximo estabelecidos para cada uma das faixas, tem a Câmara de Vereadores autonomia para fixar o seu número; a outra sugere que a composição deve obedecer a valores aritméticos que legitimem a proporcionalidade constitucional. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há muito entendia que a Constituição não estabelece critério aritmético para o cálculo dessa proporcionalidade, tendo o Município autonomia para fixálo, uma vez cumpridos os marcos das alíneas do inciso IV do art. 29 da Carta Política. Contrariando essa orientação do TSE, o Supremo Tribunal Federal – por considerar que o art. 29 da CF/88 estabelece um critério de proporcionalidade aritmética para o cálculo do número de vereadores, não tendo os Municípios autonomia para fixar esse número discricionariamente – fixou o número máximo de vereadores em Câmaras Municipais, de acordo com a população da municipalidade, estabelecendo que os Municípios têm direito a um vereador para cada 47.619 habitantes, observados os limites mínimo e máximo estabelecidos pela Constituição Federal (RE no 197.917, Rel. Min. Maurício Correa, 25/03/2004). A decisão do STF não afetará a composição da legislatura das Câmaras Municipais em curso no ano de 2004 (serão respeitados os mandatos dos atuais vereadores excedentes), mas o Poder Legislativo local deverá estabelecer nova disciplina sobre a matéria para as próximas eleições, de forma a se adequar a esse entendimento do STF, referendado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Resolução no 21.702, de 2004. IV) No Capítulo 9: 1. ORIGEM É comum estabelecer-se como marco inicial dos direitos fundamentais a Magna Carta Inglesa (1215), que levou à inserção desses direitos fundamentais nos textos constitucionais dos Estados modernos ocidentais, marcando a origem das Constituições liberais. Todavia, segundo o constitucionalista Carl Schmitt, a verdadeira Constituição liberal, onde realmente foram positivados os direitos fundamentais, surgiu com a Declaração dos Estados Americanos. J. J. Gomes Canotillo também entende que a positivação ou constitucionalização dos direitos fundamentais deu-se a partir do Virginia Bill of Rights (1776) e da Déclaration dês Droits de l’Homme et du Citoyen (1789). Assim, podemos afirmar que a história dos direitos fundamentais teve início, propriamente, com as declarações de direitos formuladas pelos Estados Americanos no século XVIII, ao firmarem sua independência em relação à Inglaterra. A primeira declaração foi emitida pelo Estado da Virgínia, em 12 de junho de 1776. Posteriormente, a positivação dos direitos fundamentais ganhou concreção a partir da Revolução Francesa de 1789, onde fora consignada de forma precisa a proclamação da liberdade, da igualdade, da propriedade e das garantias individuais liberais. A Revolução Francesa desempenhou o relevante papel de universalizar os direitos fundamentais, muito embora, sendo ela produto do século XVIII, possuísse natureza predominantemente individualista. Os primeiros direitos fundamentais têm o seu surgimento ligado à necessidade de limitação e controle dos abusos do poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas. Por isso, afirma-se que os direitos fundamentais surgiram como uma proteção ao indivíduo frente ao Estado. As normas consagradoras dos direitos fundamentais eram normas de cunho negativo, que exigem uma atuação negativa, um não-agir por parte do Estado em favor da liberdade do indivíduo. Esta, portanto, a feição dos primeiros direitos fundamentais reconhecidos ao homem: normas de natureza negativa, de exigência de um não-agir por parte do Estado, em favor da liberdade do indivíduo. Somente a partir do reconhecimento dos direitos fundamentais de segunda geração (direitos sociais, culturais e econômicos), as normas consagradoras desses direitos passaram a exigir, também, uma atuação positiva por parte do Estado, uma ação estatal em favor do bem-estar do indivíduo. Essas feições dos direitos fundamentais – negativa e positiva – derivam da classificação dos status dos indivíduos frente ao Estado, formulada pelo jurista Giorgio Jellinek. Para Giorgio Jellinek, o indivíduo, na condição de membro do Estado, mantém com este múltiplas relações, denominadas status, a saber: passivo, negativo, positivo e ativo. O status passivo identifica o estado de subordinação do indivíduo ao Estado e assim está sujeito ao cumprimento de deveres. No status negativus, o indivíduo encontra-se livre da interferência estatal, excluído de seu poder de império e assim age com ampla liberdade. O status civitatis corresponde à possibilidade de o indivíduo exigir prestações positivas, agindo o Estado concretamente para a satisfação dos interesses dos cidadãos. O status activae civitatis, identificado como direito de participação, reconhece a capacidade de participação do indivíduo, agindo por conta do Estado para contribuir com a vontade política do país. J. J. Canotilho ensina-nos que os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: a) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; b) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS (X) DIREITOS HUMANOS Distinguem-se os direitos fundamentais dos direitos humanos em sentido estrito. O constitucionalista J. J. Canotilho leciona sobre essa distinção, nos termos seguintes: As expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalistauniversalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucio-nalmente garantidos e limitados espaçotemporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os objectivamente vigentes numa ordem jurídico concreta. direitos Os direitos fundamentais são aqueles direitos objetivamente reconhecidos e positivados na ordem jurídica de determinado Estado. São, por isso, delimitados espacial e temporalmente, isto é, variam segundo a ideologia, a modalidade de Estado, as espécies de valores e princípios que a Constituição consagra. Cada Estado consagra os seus direitos fundamentais. Os direitos humanos são aqueles reconhecidos nos documentos internacionais, independentemente de qualquer vinculação do indivíduo com determinada ordem constitucional. São posições jurídicas reconhecidas ao ser humano enquanto tal, independentemente de seu vínculo jurídico com determinado Estado. 3. DIREITOS (X) GARANTIAS A doutrina diferencia fundamentais. direitos fundamentais de garantias As garantais fundamentais seriam estabelecidas pelo texto constitucional como manto de proteção dos direitos fundamentais. Assim, ao direito à vida, corresponde a garantia de vedação à pena de morte; ao direito à liberdade de locomoção, corresponde a garantia do habeas corpus etc. O constitucionalista português Jorge Miranda leciona sobre a distinção entre os institutos, asseverando que: os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam- se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias acessórias; os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso as respectivas esferas jurídicas; as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos. Na acepção juracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se. 4. CARACTERÍSTICAS O Professor Alexandre de Moraes apresenta as seguintes características dos direitos fundamentais: a) imprescritibilidade (os direitos fundamentais não se perdem pelo decurso do prazo); b) inalienabilidade (não há possibilidade de transferência dos direitos fundamentais); c) irrenunciabilidade (em regra, os direitos fundamentais não podem ser objeto de renúncia); d) inviolabilidade (impossibilidade de desrespeito por determinações infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas); e) universalidade (a abrangência desses direitos engloba todos os indivíduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político- filosófica); f) efetividade (a atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos fundamentais); g) interdependência (as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades. Assim, a liberdade de locomoção está intimamente ligada à garantia do habeas corpus, bem como à previsão de prisão, somente por flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial); h) complementariedade (os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte). 5. CLASSIFICAÇÃO Os direitos fundamentais são tradicionalmente classificados em gerações (ou dimensões), levando-se em conta o momento de seu surgimento constitucionais. e reconhecimento pelos ordenamentos A terminologia usual “gerações” tem sofrido críticas e, de fato, não nos parece a mais adequada, pela idéia de ruptura que nela transparece, onde cada geração teria começo e fim, o que poderia induzir à idéia de caducidade das gerações antecedentes de direitos, sendo “dimensões” um termo mais apropriado, visto que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Assim, a classificação a seguir apresentada leva em conta, tãosomente, o momento em que se deu o surgimento dos direitos fundamentais e, evidentemente, o reconhecimento do surgimento de uma nova geração não implica supressão das anteriores, mas sim acréscimo de novos direitos. Em verdade, os direitos integrantes de uma geração ganham outra dimensão com o surgimento de uma geração sucessiva. Dessa forma, os direitos da geração posterior se transformam em pressupostos para a compreensão e realização dos direitos da geração anterior. Exemplificando: o direito individual de propriedade (primeira dimensão) só pode ser exercido observando-se sua função social (segunda dimensão), e, modernamente, com o reconhecimento dos direitos de terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental. O ministro Celso de Mello expôs com maestria a característica das três primeiras gerações de direitos fundamentais (MS no 22.164/SP, em 17/11/1995): 1 – Os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade. 2 – Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas e acentuam o princípio da igualdade. 3 – Os direitos de terceira geração materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais e consagram o princípio da solidariedade. Temos, assim: a) direitos fundamentais de primeira liberdade (direitos civis e políticos); geração, ligados à b) direitos fundamentais de segunda geração, igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais); ligados à c) direitos fundamentais de terceira geração, destinados à coletividade, ligados à fraternidade (direito ao meio ambiente, à paz, ao progresso). Observa-se que o núcleo de proteção dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações forma o lema da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade –, idealizado pelos pensadores franceses do século XVIII e institucionalizados historicamente, obedecendo-se à ordem dessa tríade então imaginada. Passemos, então, ao estudo dessas diferentes gerações de direitos fundamentais. 5.1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA GERAÇÃO A primeira geração de direitos fundamentais nasceu nos finais do século XVIII e dominou todo o século XIX. Essa geração é composta dos direitos de liberdade, que correspondem aos direitos civis e políticos, primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, e representa uma resposta do Estado liberal ao Estado absolutista. Os direitos da primeira geração são basicamente de defesa das liberdades do indivíduo, os quais exigem a autolimitação e a não-ingerência dos Poderes Públicos na esfera privada do indivíduo, que se tutelam pela mera atitude passiva e de vigilância, em termos de polícia administrativa por parte do ente público. Não exigem eles uma atuação comissiva, positiva do Estado em favor do indivíduo; limitam-se a impor restrições à atuação do Estado, em favor da esfera de liberdade do indivíduo (não exigem um “fazer”, mas sim um “não-fazer” por parte do Estado). São, por isso, enquadrados na categoria dos denominados “direitos negativos”, “liberdades negativas” ou “direitos de defesa” do indivíduo frente ao Estado. O Professor Paulo Bonavides afirma serem características dos direitos de primeira geração a titularidade do indivíduo, oponibilidade contra o Estado, possuindo traço marcante que é a sua subjetividade. São direitos de resistência do indivíduo ou de oposição perante o Estado. São direitos fundamentais hoje amplamente reconhecidos por todas as Constituições, não havendo Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda a extensão. Exemplos desses direitos, de natureza negativa, são o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, à liberdade de expressão, à participação política, entre tantos outros. 5.2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO As reivindicações dos movimentos sociais do século XIX evidenciaram a necessidade de complementar o rol de direitos e liberdades da primeira geração com uma segunda geração de direitos, de índole positiva, ligada ao ideal de igualdade: os direitos econômicos, sociais e culturais. O surgimento dessa segunda geração de direitos fundamentais marca a gradual passagem do Estado liberal de Direito (marcadamente individualista) para o Estado Social de Direito, no florescer do século XX. Esses direitos fundamentais de segunda geração, marca do Estado social, correspondem aos direitos de participação, requerendo uma política ativa dos Poderes Públicos (atuação positiva), destinada a garantir seu exercício, sendo realizados por intermédio da implementação de políticas e serviços públicos. Atrelados ao princípio da igualdade, são, por isso, denominados “direitos positivos”, “direitos do bem-estar”, “liberdades positivas” ou “direitos dos desamparados”. Ensina-nos o Professor Paulo Bonavides que os direitos fundamentais de segunda geração dominam o século XX, da mesma forma como os direitos de primeira geração dominaram o século XIX, introduzidos que foram no Constitucionalismo das diversas formas de Estado social, fruto da obra das ideologias antiliberais do século XX. Também formulados em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico, foram proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também, de maneira clássica, no Constitucionalismo da social-democracia, como a de Weimar, dominando então as Constituições do segundo pós-guerra. Os direitos de segunda dimensão inicialmente tiveram sua juridicidade contestada, passando após a integrar a chamada esfera programática, em virtude da necessidade de recursos do Estado – nem sempre disponíveis – para determinadas prestações materiais. Logo após, passaram por uma crise de observância e execução, que tende a terminar face às formulações de preceitos constitucionais que determinam a aplicabilidade imediata dos direitos (CF, art. 5o, § 1o). A respeito dessa crise, salienta o Professor Paulo Bonavides: (...) atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma. Esses direitos reclamam postura “positiva” do Estado na consecução da justiça social, no intuito de substituir-se a igualdade e liberdade formal (“liberdades abstratas”) pela igualdade e liberdade substancial (“liberdades concretas”), por meio de prestações sociais, tais como: assistência social, saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, subsistência, amparo à velhice e à doença etc. Há que se destacar, porém, que nem todos os direitos fundamentais de segunda geração consubstanciam “direitos positivos”, vale dizer, exigência de atuação positiva por parte do Estado. Com efeito, a idéia geral é a de que os direitos sociais são direitos à prestação, direitos que se traduzem em deveres comissivos, positivos do Poder Público. Entretanto, essa não é uma regra absoluta, pois, assim como há direitos sociais à prestação positiva, temos direitos sociais negativos. Na nossa Constituição Federal de 1988, o direito à saúde, à previdência social, à assistência social, à assistência aos filhos até seis anos de idade, à educação etc. são exemplos de direitos sociais positivos. Mas temos, também, direitos sociais negativos, como o de liberdade sindical (CF, art. 8o) e o de liberdade de greve (CF, art. 9o). Assim, o critério para distinguir direitos sociais de direitos individuais não pode ser, unicamente, o critério da prestação ser positiva ou negativa. Pode-se dizer, então, que os direitos sociais têm como premissa a necessidade da promoção da igualdade substantiva, a proteção do mais fraco na arena social, a mudança do status quo em favor de quem está desfavorecido. Enfim, os direitos fundamentais sociais são os que expressam o intervencionismo estatal em defesa do mais fraco, enquanto os direitos fundamentais individuais são os que visam a proteger liberdades públicas. 5.3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA GERAÇÃO Os direitos fundamentais de terceira geração (ou dimensão) não se destinam especificamente à proteção dos interesses individuais, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, os chamados interesses difusos, de grupos indeterminados ou menos determinados de pessoas. São direitos fundamentais cujos destinatários não são os indivíduos, mas sim os grupos de indivíduos, grupos humanos como a família, o povo, a nação e a própria humanidade. De fato, a preocupação dos direitos fundamentais de terceira dimensão é com a desigualdade existente entre as nações, no mundo atual, que se encontra, basicamente, dividido em três blocos: os países desenvolvidos, os países em busca de desenvolvimento e os países subdesenvolvidos. É diante desse cenário que surgem os direitos de terceira geração, ligados ao ideal de fraternidade e solidariedade, sendo exemplos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade etc. Caberia aos Estados, então, (i) levar em conta, nos seus atos internos, os interesses de outros Estados; (ii) prestar ajuda recíproca, de caráter financeiro ou de outra natureza, para a superação das dificuldades econômicas dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento; (iii) buscar uma coordenação sistemática de política econômica. Essa terceira geração dos direitos fundamentais – ao realçar o direito à paz, os direitos dos consumidores, o direito à qualidade de vida ou à liberdade de informática (controle sobre o indivíduo e sua liberdade e intimidade, em função dos bancos de dados pessoais, meios de comunicação) – consubstancia uma resposta à denominada poluição das liberdades, isto é, à degradação dos direitos fundamentais frente a determinados usos das novas tecnologias. Percebe-se que o marco distintivo dos direitos de terceira geração é o fato de expressarem a idéia de fraternidade. São direitos de titularidade coletiva e, ou difusa, e, até mesmo, dos povos e Estados (paz, desenvolvimento, autodeterminação). Enfim, essa geração de direitos fundamentais, assentada sobre a fraternidade, surge dotada de altíssimo caráter de humanismo e universalidade, extrapolando a abrangência dos demais direitos fundamentais que se destinam à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Fruto da consciência hodierna da triste realidade de extrema pobreza de determinadas nações, contrastando com a riqueza e o desenvolvimento de outras, desponta a reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação, ao direito de propriedade e ao patrimônio comum da humanidade. 5.4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUARTA GERAÇÃO A existência de uma quarta geração de direitos fundamentais é ainda uma mera tendência, defendida, entre nós, pelo Professor Paulo Bonavides. Salienta Bonavides que o Brasil está sendo impelido para a utopia deste fim de século: a globalização do Neoliberalismo, extraída da globalização econômica. O Neoliberalismo cria, porém, mais problemas do que os que intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade. A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. Mas nem por isso deixa de fazer perceptível um desígnio de perpetuidade do status quo de dominação. Faz parte da estratégia mesma de formulação do futuro em proveito das hegemonias supranacionais já esboçadas no presente. Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos povos da periferia. Para Bonavides, a "globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social". Assim, segundo o renomado professor, os direitos da quarta geração consistem no direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo quedarse no plano de todas as afinidades e relações de coexistência. Salienta Bonavides, que, enquanto direito de quarta geração, a democracia positivada há de ser, necessariamente, uma democracia direta, que se torna a cada dia materialmente possível, graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, e legitimamente sustentada graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Há de ser, também, uma democracia já isenta das contaminações da mídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. O Professor Paulo Bonavides refere-se, ainda, à problemática da terminologia, defendendo que o vocábulo “dimensão” substitui, com vantagens, o termo “geração”. Leciona Bonavides: Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo “geração”, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra- estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem, todavia, remove-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico. Daqui se pode, assim, partir para a asserção de que os direitos da segunda, terceira e quarta geração não se interpretam, mas sim, concretizam- se. E é no seio dessa materialização, dessa solidificação, que se encontra o futuro da globalização política, o início de sua legitimidade e a força que funde os seus valores de libertação. Por fim, conclui o Professor Bonavides, “os direitos fundamentais de quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”. Cabe ressaltar, porém, que a globalização dos direitos fundamentais está ainda longe de obter o devido reconhecimento no Direito Constitucional positivo brasileiro, permanecendo, por ora, na esfera eminentemente doutrinária. 6. DESTINATÁRIOS Os direitos fundamentais surgiram tendo como destinatários (ou titulares) as pessoas naturais. Com o passar dos tempos, os ordenamentos constitucionais passaram a reconhecer direitos fundamentais, também, às pessoas jurídicas. Modernamente, as Constituições asseguram, ainda, direitos fundamentais às pessoas estatais, isto é, o próprio Estado passou a ser considerado titular de direitos fundamentais. Aspecto importantíssimo este, senão vejamos: os direitos fundamentais surgiram colocando o Estado “contra a parede”, na condição de réu, por meio da imposição de limitações à sua atuação; hoje, em certas situações, o próprio Estado pode ser titular de direitos fundamentais. Não significa afirmar, porém, que todos os direitos fundamentais podem ser usufruídos por todos os titulares apontados acima (pessoas naturais, pessoas jurídicas e pessoas estatais). Assim, na nossa Constituição Federal de 1988, temos direitos fundamentais igualmente voltados para as pessoas naturais, jurídicas e estatais (direito de propriedade, por exemplo – art. 5o, XXII); temos direitos fundamentais extensíveis às pessoas naturais e às pessoas jurídicas (assistência jurídica gratuita e integral, por exemplo – art. 5o, LXXIV); temos direitos fundamentais exclusivamente voltados para a pessoa natural (direito de locomoção, por exemplo – art. 5o, XV); temos direitos fundamentais restritos aos cidadãos (ação popular, por exemplo – art. 5o, LXXIII); temos direitos fundamentais voltados exclusivamente para a pessoa jurídica (direito de existência das associações, direitos fundamentais dos partidos políticos – art. 5o, XIX, e art. 17, respectivamente); direitos fundamentais voltados exclusivamente para o Estado (direito de requisição administrativa, por exemplo – art. 5o, XXV). 7. PÓLO ATIVO E PÓLO PASSIVO Conforme vimos, os direitos fundamentais nasceram como normas que impunham limitações à ingerência do Estado em favor da liberdade do indivíduo. Logo, no seu surgimento, os direitos fundamentais tinham o indivíduo no pólo ativo (como titular do direito) e o Estado no pólo passivo (como réu). Em verdade, ainda hoje a maioria dos direitos fundamentais tem essa mesma natureza: particular no pólo ativo e Estado no pólo passivo. Entretanto, com a evolução dos direitos fundamentais, poderemos ter, hoje, o Estado no pólo ativo (como titular do direito fundamental) e o particular no pólo passivo (como réu, como acontece quando é ajuizado um habeas corpus contra ato de particular). Um bom dispositivo para ilustrar essa situação excepcional – Estado como titular do direito fundamental e particular no pólo passivo – é o direito de requisição administrativa, previsto no art. 5o, XXV, nos seguintes termos: Em caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano. Nota-se, facilmente, que esse direito fundamental não foi outorgado ao indivíduo, mas sim ao Estado (em caso de iminente perigo público, o Estado, como titular do direito fundamental de requisição administrativa, poderá usar gratuitamente de propriedade particular; o particular, na condição de pólo passivo, não poderá se opor ao uso, e somente fará jus à indenização se ulteriormente restar comprovada a ocorrência de dano decorrente desse uso). 9. NATUREZA RELATIVA Os direitos fundamentais não dispõem de caráter absoluto, visto que encontram limites nos demais direitos igualmente consagrados pelo texto constitucional. Nesse sentido – os direitos e garantias fundamentais não têm caráter absoluto –, a orientação do Supremo Tribunal Federal (MS no 23.452/RJ, Relator Min. Celso de Mello, DJ 12/05/2000): “Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitu- cional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”. Assim, se por um lado a Constituição consagra a liberdade de imprensa, por outro resguarda a privacidade e a intimidade do indivíduo; o direito à inviolabilidade das correspondências não será oponível frente ao direito à vida, se aquele corre perigo etc. Não podem, pois, os direitos fundamentais ser utilizados como escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena da consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. 14.3. TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS Estabelece a Constituição Federal que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (CF, art. 5º, § 2º, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Os tratados e convenções internacionais que forem aprovados de acordo o rito estabelecido para a aprovação das emendas à Constituição (três quintos dos membros das Casas do Congresso Nacional, em dois turnos de votação) passarão a gozar de status constitucional, situando-se no mesmo plano hierárquico das demais normas constitucionais. Significa dizer que seus termos deverão ser observados por toda a legislação infraconstitucional superveniente, sob pena de inconstitucionalidade, e, ademais, somente poderão ser modificados segundo o procedimento legislativo rígido antes mencionado, ressalvada, ainda, a limitação estabelecida pelo art. 60, § 4º, da Lei Maior (cláusulas pétreas). O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (CF, art. 5º, § 4º, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004). V) No Capítulo 10: 1. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE O princípio da razoabilidade (da proporcionalidade, da proibição de excesso ou do devido processo legal em sentido substantivo) não se encontra expressamente previsto no texto da Carta Política de 1988, tratando-se, portanto, de postulado constitucional implícito. O desenvolvimento da idéia de proporcionalidade deu-se com sua reiterada utilização pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, no período do segundo pós- guerra, que passou a adotar como fundamento de suas decisões expressões do tipo “excessivo”, “inadequado”, “necessariamente exigível”, para depois reconhecê-lo como princípio constitucional, sob a denominação de princípio da proporcionalidade ou de proibição de excesso. Com base nesse princípio, o Tribunal Constitucional alemão passou a controlar o excesso de poder, ampliando seu espectro para além do controle legislativo, abrangendo inclusive os atos executivos e judiciais. Sua adoção pelo Direito Germânico como princípio inscrito no plano constitucional irradiou-se para vários países da Europa, integrando o sistema constitucional seja como norma expressa ou implícita. A doutrina reconhece que o princípio da proporcionalidade é constituído de três subprincípios ou elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. O subprincípio da adequação, também denominado da idoneidade ou pertinência, significa que qualquer medida restritiva de direito deve ser adequada à consecução da finalidade objetivada. Implica dizer que o meio escolhido há de ser apto a atingir o objetivo pretendido. Se, através do recurso àquele meio, não for possível alcançar a finalidade desejada, impende concluir que o meio é inadequado ou impertinente. O pressuposto da necessidade ou exigibilidade é o de que a medida restritiva seja indispensável para a manutenção do próprio ou outro direito e ainda que não possa ser substituída por outra providência também eficaz, porém menos gravosa. Em outras palavras, cabe examinar se não é possível adotar outra medida menos gravosa para atingir o mesmo objetivo ou alcançar resultado melhor. Como terceiro subprincípio, o juízo de proporcionalidade em sentido estrito somente é exercido depois de verificada a adequação e necessidade da medida restritiva de direito. Confirmada a configuração dos dois primeiros elementos, cabe averiguar se os resultados positivos obtidos superam as desvantagens decorrentes da restrição a um ou a outro direito. Cumpre examinar se há equilíbrio entre meio-fim. Portanto, a essência do princípio da razoabilidade consiste em que, ao se analisar uma lei restritiva de direitos, deve-se ter em vista estes critérios: o fim a que ela se destina e os meios necessários e adequados para atingi-los (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito). Significa dizer que os meios devem ser, simultaneamente, adequados à finalidade visada na norma e necessários para o seu atingimento. Se os meios porventura não forem adequados ao fim colimado, ou se sua utilização acarretar cerceamento de direitos num grau maior que o necessário (ou seja, a finalidade buscada pode ser alcançada por meios menos gravosos), devem ser tidos por ilegítimos, por violação ao requisito proporcionalidade, e o dispositivo de lei em que se encontram inseridos deve ser invalidado por ofensa à Constituição. Realçando a proporcionalidade como instrumento de defesa dos direitos fundamentais, o Professor Paulo Bonavides sustenta que tal princípio é, por conseguinte, direito positivo em nosso ordenamento constitucional. Embora não haja sido ainda formulado como “norma jurídica global”, flui do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade o § 2o do art. 5o da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição. O Ministro Gilmar Mendes assim se manifestou a respeito desse postulado implícito (HC no 82.424-2/RS, 26/06/2004): O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um “limite do limite” ou uma “proibição de excesso” na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Robert Alexy (Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986), coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental. A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais. Nesse sentido, afirma Robert Alexy: O postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma lei de ponderação, cuja fórmula mais simples voltada para os direitos fundamentais diz: “quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção” (Palestra proferida na Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em 10/12/1998) . Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, in Direitos Fundamentais e Controle de a Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2 ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para reduzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto). Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal lembra Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2a ed., p. 264). O STF já deixou assente que o princípio da proporcionalidade (da razoabilidade ou da proibição de excesso) tem sua sede material no princípio do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), considerado em sua acepção substantiva, não meramente formal. Assim, segundo o entendimento da Corte, dentro da perspectiva de um Estado Democrático de Direito, no qual todas as leis têm que ir ao encontro dos anseios do povo, o princípio do devido processo legal não se limita a assegurar a observância do processo na forma descrita na lei, mas alcança também aquelas situações em que falta razoabilidade à lei. O Supremo Tribunal Federal tem dado aplicabilidade, em reiteradas decisões no âmbito do controle de constitucionalidade das leis, ao princípio constitucional da razoabilidade. Embora haja referência à sua utilização para realização do controle de atos executivos e jurisdicionais, tem a Suprema Corte admitido o princípio principalmente como parâmetro para aferição da constitucionalidade de leis. Um bom exemplo tivemos no julgamento da Representação no 1.077/84, que versava sobre norma do Estado do Rio de Janeiro que fixava taxa judiciária correspondente a 2% do valor da causa (Lei no 383, de 1980). O STF declarou a norma inconstitucional, por violação ao princípio da proporcionalidade, fixando entendimento de que o poder de tributar não pode ser exercitado de modo a desnaturar completamente outro direito, e assim concluiu que, se o valor previsto para a taxa judiciária for excessivo, impossibilitando para muitos o exercício do direito de obter a tutela jurisdicional, incide em inconstitucionalidade. Em reiterados julgados, o Supremo Tribunal Federal assentou que “todos os atos emanados do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade”, conforme se depreende da seguinte lição (ADIn no 2.667/DF, Rel. Min. Celso de Mello): TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE RAZOABILIDADE. – As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ATOS ESTATAIS. – A exigência de razoabilidade – que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas – atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO DE PODER AO PLANO DAS ATIVIDADES NORMATIVAS DO ESTADO. – A teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público, pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar. Em nível infraconstitucional, entre nós, a proporcionalidade, enquanto princípio normativo, passou a ter previsão expressa na Lei no 9.784/99, que, ao fixar normas de atuação da Administração Pública Federal no âmbito do processo administrativo, estabelece uma “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao o atendimento do interesse público” (art. 2 , IV). 31. CELERIDADE PROCESSUAL (ART. 5O, LXXVIII) Dispõe a Constituição Federal que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Esse princípio, que visa assegurar a todos os litigantes, perante o Poder Judiciário, ou frente à Administração Pública, a celeridade na tramitação dos processos, veio complementar e dotar de maior eficácia outras garantias já previstas na Constituição Federal, tais como: o direito de petição aos Poderes Públicos (art. 5º, XXXIV); a inafastabilidade de jurisdição (art. 5º, XXXV); o contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV) e o devido processo legal (art. 5º, LIV). VI) No Capítulo XI (renumerado): 11. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar os habeas corpus quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição (CF, art. 114, IV, com a redação dada pela EC nº 45/2004). VII) No Capítulo XII: 7. COMPETÊNCIA A competência para julgar mandado de segurança é definida pela categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional. É irrelevante, para fixação da competência, a matéria a ser discutida em mandado de segurança, posto que é em razão da autoridade coatora da qual emanou o ato, dito lesivo, que se determina qual o juízo a que deve ser submetida a ação. Compete ao STF processar e julgar, originariamente, o mandado de segurança contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador- Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, d). Compete ao STJ processar e julgar, originariamente, o mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal (CF, art. 105, I, b). Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar os mandados de segurança quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição (CF, art. 114, IV, com a redação dada pela EC nº 45/2004). Compete aos TRF processar e julgar, originariamente, o mandado de segurança contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal (CF, art. 108, I, c). Compete aos juízes federais processar e julgar o mandado de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais. Segundo o STF, todos os tribunais têm competência para julgar, originariamente, os mandados de segurança contra os seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções. Assim, mandado de segurança contra ato do STJ, do Presidente do STJ ou de uma Turma do STJ será julgado pelo próprio STJ; se o mandado de segurança é contra ato do TJ, do seu Presidente ou de suas Turmas, a competência para o julgamento será do próprio TJ, e assim sucessivamente. No âmbito da Justiça Estadual, caberá aos próprios Estadosmembros cuidar da competência para a apreciação do mandado de segurança contra ato de suas autoridades, por força do art. 125 da CF. Se houver intervenção da União ou de suas autarquias no mandado de segurança julgado perante a Justiça Estadual, desloca-se a competência para a Justiça Federal. A Constituição Federal, ao definir a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, I), não se referiu às sociedades de economia mista da União, razão pela qual a competência para julgar mandado de segurança contra atos dos dirigentes dessas entidades é da Justiça Estadual. Se o ato impugnado tiver sido praticado por entidade privada, ou mesmo estadual ou municipal, mas dentro do exercício de delegação federal, a competência para o julgamento do mandado de segurança será da Justiça Federal. 15. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO O mandado de segurança coletivo constitui remédio constitucional destinado à proteção dos direitos e garantias fundamentais, que pode ser manejado por partido político com representação no Congresso Nacional e organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, conforme se infere do teor do art. 5o, LXX, a e b. O MS coletivo está direcionado à defesa dos direitos coletivos, incluindo os direitos coletivos em sentido estrito, os interesses homogêneos, bem como os interesses difusos, contra ato, omissão ou abuso de poder por parte de autoridade. Na atual Constituição, o mandado de segurança coletivo só pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. A exigência de um ano de constituição e funcionamento destinase apenas às associações, nos termos do art. 5o, LXX, b, da Constituição Federal, não se aplicando às entidades sindicais e entidades de classe. A legitimação das entidades acima enumeradas, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. Não se exige, portanto, na hipótese de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do art. 5o da Carta Política, que contempla caso de representação (e não de substituição). De notar que, caso a associação pleiteie judicialmente determinado direito em favor de seus associados por outra via que não seja a do mandado de segurança coletivo, será necessária a autorização expressa, prescrita no art. 5o, XXI, da Constituição (caso de representação). Entretanto, na hipótese de esse mesmo direito vir a ser pleiteado pela associação por meio do mandado de segurança coletivo, não haverá necessidade da autorização expressa (caso de substituição). Em se tratando da legitimação das organizações sindicais, entidades de classe e associações, o objeto do mandado de segurança coletivo deverá ser um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Significa afirmar que, por exemplo, em se tratando de matéria tributária, a associação ou o sindicato poderá ajuizar o writ para afastar a incidência da lei que institua determinado tributo, desde que esse tributo recaía sobre os associados ou filiados. É irrelevante o fato de tal tributo atingir, também, outras contribuintes, não associados, pois não se exige que o direito pleiteado seja peculiar, próprio, da classe. Caso tal tributo não onere os associados ou filiados, a associação e o sindicato não terão legitimidade para ajuizar o mandado coletivo, impugnando referida lei tributária. Não se exige, também, que o direito defendido pertença a todos os filiados ou associados. Assim, por exemplo, o Sindicato dos Delegados da Polícia Federal, que congrega servidores ativos e inativos, poderá ajuizar um mandado de segurança coletivo na defesa de interesse exclusivo dos Delegados inativos (parte da categoria, portanto). Em relação à legitimação dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que os partidos políticos têm prerrogativa de impugnar, em sede de mandado de segurança coletivo, qualquer ato público, e não somente aqueles relacioandos aos interesses de seus integrantes (RE 196184, rel. Min. Ellen Gracie). Assim, se o partido entender que determinado direito difuso se encontra ameaçado ou lesado por qualquer ato da administração, poderá fazer uso do mandado de segurança coletivo, que não se restringirá apenas aos assuntos relativos a direitos políticos e nem a seus próprios integrantes. Entretanto, o partido político não tem legitimidade para propor mandado de segurança coletivo contra exigência tributária, uma vez que o direito defendido deverá ser coletivo ou difuso, o que não ocorre no caso de majoração de tributo, que, segundo entendimento do STF, é “direito individualizado”, que deverá ser postulado em outras ações próprias. Conclui-se, portanto, que “o partido político pode, sim, impetrar mandado de segurança coletivo, na defesa de qualquer interesse difuso, abrangendo, inclusive, pessoas não filiadas a ele, não estando, porém, autorizado a se valer dessa via para impugnar uma exigência tributária" (Ministra Ellen Gracie). O mandado de segurança coletivo não é sucedâneo da ação popular, vale dizer, não se presta à anulação de ato de autoridade pública que não repercuta, direta e concretamente, no direito subjetivo do demandante. Segundo o STF, para o ajuizamento do mandado de segurança coletivo, exige-se a comprovação de direito subjetivo, líquido e certo, não se permitindo a sua utilização para o fim de proteger direitos difusos, gerais, da coletividade, pois o mandado de segurança coletivo não se confunde com a ação popular, que pode levar à anulação de ato de autoridade pública, mesmo sem interesse direto, concreto, do demandante. Assim, para a impetração da segurança coletiva é imprescindível a demonstração de que o ato ilegal da autoridade prejudicou direito subjetivo, líquido e certo dos interessados. No mandado de segurança coletivo, a lei proíbe, expressamente, a concessão da liminar antes da audiência do representante judicial da pessoa jurídica de Direito Público interessada, que tem o prazo de setenta e duas horas para se manifestar. É nula, portanto, a liminar concedida antes de decorrido o referido prazo de setenta e duas horas, a partir da intimação do Poder Público. VIII) No Capítulo XIV: 5. COMPETÊNCIA A competência para o julgamento do habeas data foi delineada pela CF, tendo por critério a pessoa que pratica o ato (rationae personae). Compete ao STF processar e julgar, originariamente, o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Tribunal; compete também ao STF o julgamento, em recurso ordinário, do habeas data decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão. Compete ao STJ julgar o habeas data contra atos de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ou do próprio Tribunal. Compete ao TSE julgar, em recurso ordinário, o habeas data denegado pelos Tribunais Regionais Eleitorais. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar os habeas data quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição (CF, art. 114, IV, com a redação dada pela EC nº 45/2004). Compete aos TRF julgar, originariamente, o habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal. Compete aos juízes federais processar e julgar o habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais, acima descritos. No âmbito da Justiça Estadual, caberá aos próprios Estadosmembros o estabelecimento da competência para o julgamento do habeas data pelos seus tribunais e juízes, haja vista a competência que lhes foi outorgada pelo art. 125 da CF. IX) No Capítulo XVI: 5. INTERVENÇÃO PROVOCADA Há intervenção provocada quando a medida depende de provocação de algum órgão ao qual a Constituição conferiu tal competência. Nessas hipóteses, não poderá o Chefe do Executivo tomar a iniciativa e executar, de ofício, a medida. A intervenção dependerá da manifestação de vontade do órgão que recebeu tal incumbência constitucional. Segundo a CF, a provocação poderá dar-se mediante “solicitação” ou “requisição”. Nos casos de solicitação, entende-se que o Chefe do Executivo não está obrigado a decretar a intervenção. Ao contrário, diante de requisição, o Chefe do Poder Executivo não dispõe de discricionariedade, isto é, estará ele obrigado a decretar a intervenção. A provocação mediante requisição está prescrita nos seguintes dispositivos constitucionais: art. 34, IV (requisição do STF), art. 34, VI (requisição do STF, STJ ou TSE) e art. 34, VII (requisição do STF). A provocação mediante solicitação está prevista no art. 34, IV, na defesa dos Poderes Executivo ou Legislativo. Conforme dito antes, nas intervenções provocadas, a CF estabelece quem poderá dar início ao procedimento interventivo. O Chefe do Executivo não poderá, por si, dar início ao processo interventivo, baixando o competente decreto. Dependerá ele de iniciativa de algum órgão, conforme estabelecido na CF. São os seguintes os órgãos que receberam a incumbência constitucional de iniciativa do processo de intervenção: a) Poder Legislativo (Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do DF) ou Poder Executivo local (Governador do Estado ou do DF). Na hipótese do art. 34, IV, da Constituição, esses Poderes locais solicitarão ao Presidente da República a intervenção federal, a fim de que a União venha garantir o livre exercício de suas funções. Nessas hipóteses, a solicitação do Poder Legislativo ou Executivo local não vincula o Presidente da República, haja vista tratar-se de solicitação (e não de requisição); b) Supremo Tribunal Federal (STF). Se o Poder Judiciário local estiver sendo coagido (CF, art. 34, IV), o Tribunal de Justiça respectivo deverá solicitar ao STF que, se entender cabível, requisitará a intervenção federal ao Presidente da República, que estará obrigado a decretar a intervenção, pois se cuida de hipótese de requisição; c) STF, STJ ou do TSE. No caso de desobediência à ordem ou decisão judicial (CF, art. 34, VI), a intervenção dependerá da requisição de um desses tribunais ao Presidente da República, de acordo com a origem da decisão descumprida. Se o descumprimento for de ordem ou decisão da Justiça Eleitoral, caberá ao TSE a requisição. Se o descumprimento for de ordem ou decisão do STJ, caberá a ele a requisição. Se o descumprimento for de ordem ou decisão do STF, da Justiça Federal, Estadual, do Trabalho ou Militar, caberá ao STF a requisição. No tocante à iniciativa desses Tribunais, determina a lei que a requisição de intervenção federal prevista no inciso II do art. 36 da Constituição Federal será promovida (Lei no 8.038/1990, art. 19): (i) de ofício, ou mediante pedido de Presidente de Tribunal de Justiça do Estado, ou de Presidente de Tribunal Federal, quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão judicial, com ressalva, conforme a matéria, da competência do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral; (ii) de ofício, ou mediante pedido da parte interessada, quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão do Superior Tribunal de Justiça. d) Procurador-Geral da República. No caso de recusa à execução de lei federal (CF, art. 34, VI) e de ofensa aos “princípios sensíveis” (CF, art. 34, VII), a intervenção dependerá de representação interventiva do Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 36, III, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004). X) No Capítulo XXI: 5. FISCALIZAÇÃO ORÇAMENTÁRIA CONTÁBIL, FINANCEIRA E Dispõe a Constituição Federal que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração Direta e Indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder (art. 70). Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (CF, art. 70, parágrafo único). O controle externo é incumbência do Congresso Nacional, que exercerá essa tarefa com o auxílio do Tribunal de Contas da União. Anote-se que o controle externo de contas é de competência do Congresso Nacional, que será auxiliado no desempenho dessa tarefa pelo Tribunal de Contas da União. Todavia, em que pese sua atuação como órgão auxiliar do Congresso Nacional no tocante ao exercício do controle externo, o Tribunal de Contas da União possui atribuições próprias de apreciação e julgamento de contas públicas, competindo à Corte de Contas: a) apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; b) julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da Administração Direta e Indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; Da combinação desses dois dispositivos constitucionais (incisos I e II do art. 71 da CF), temos o seguinte: (a) no tocante às contas do Presidente da República, cabe ao Tribunal de Contas da União, tão-somente, apreciá-las, mediante parecer prévio, visto que a competência para julgá-las é do Congresso Nacional (CF, art. 49, IX); (b) quanto às contas dos demais administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, a competência para o julgamento é do próprio Tribunal de Contas da União. Esse modelo – apreciação das contas do Chefe do Executivo e julgamento das contas dos demais administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos – é de observância obrigatória por parte dos Tribunais de Contas Estaduais e dos Tribunais e Conselhos de Contas Municipais, onde houver (CF, art. 75). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que não desrespeita a Constituição Federal a outorga de competência à Assembléia Legislativa para o julgamento das contas do Tribunal de Contas do Estado (entendimento esse extensível à Câmara Legislativa do Distrito Federal, no tocante às Contas do Tribunal de Contas do Distrito Federal, e à Câmara Municipal, em relação às contas dos Tribunais e Conselhos de Contas Municipais, onde houver). O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que os bens e direitos das empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica não são bens públicos, mas bens privados que não se confundem com os bens do Estado, de modo que não se aplica à espécie o art. 72, II, da CF, que fixa a competência do TCU para julgar as contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos (MS no 23.627, Rel. orig. Min. Carlos Velloso, red. p/ acórdão Min. Ilmar Galvão, 07/03/2002). Essa orientação foi firmada em ação ajuizada pelo Banco do Brasil (sociedade de economia mista) contra ato do Tribunal de Contas da União, em que lhe foi determinada a instauração de Tomada de Contas Especial para apuração de fatos verificados em sua agência de Viena. Dada a relevância desse assunto, transcrevemos, a seguir, trechos do voto vencedor, de lavra do Min. Ilmar Galvão. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, conquanto integrantes da Administração Indireta do Estado, são submetidas ao regime jurídico das pessoas de direito privado, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, não podendo gozar de privilégios fiscais não-extensivos às empresas do setor privado (art. 173, § 1o, II, e 2o, da CF). Dispõe, ainda, a Constituição Federal, no § 1o do art. 173, que a lei estabelecerá o estatuto jurídico das empresas públicas, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização, de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre "formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade" (inciso II), "os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores" (inciso V). Dessume-se dos dispositivos transcritos que a fiscalização das empresas públicas e sociedades de economia mista, pelo Estado, bem como a definição da responsabilidade de seus administradores, encontram-se na dependência da edição de lei, que o legislador ainda não cogitou de elaborar. A previsão do diploma regulamentar decorre, precisamente, da circunstância de as contas de tais entes da Administração Pública não se acharem sujeitas a julgamento pelo Tribunal de Contas, na forma prevista no art. 71, II, da Carta Magna. Do contrário, a lei prevista no mencionado § 1o do art. 173 da mesma Carta seria de todo despicienda. Dispõe, com efeito, o art. 71, inc. II: "Art. 71. O controle externo... será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal (...)" Evidente, pois, que a competência do Tribunal de Contas diz com as contas dos responsáveis por valores públicos, expressão que exclui, de pronto, desenganadamente, dessa competência do Tribunal de Contas, o julgamento das contas dos administradores de entidades de direito privado, como as empresas públicas e sociedades de economia mista, cujo patrimônio, incluídos bens e direitos, não revestem a qualidade de bens públicos, mas de bens privados. Na verdade, os bens desses entes, enquanto integrantes de seu patrimônio, são deles próprios, não se confundindo com os bens do Estado. A participação majoritária do Estado na composição de seu capital não tem o efeito de transmudar em públicos tais bens, que conservam a condição de bens de natureza privada, tanto que não gozam de favores fiscais de qualquer espécie, não se lhes estendendo os benefícios de natureza processual que protegem os bens públicos, estando sujeitos a responder por quaisquer obrigações, civis, comerciais, trabalhistas e tributários, por elas assumidas. Se de bens privados se trata, é fora de dúvida que os seus administradores não estão sujeitos a prestar contas ao TCU. Entendimento em sentido contrário, certamente, valeria pela completa inviabilização da Corte impetrada, bastando imaginar que estaria ela compelida ao desempenho de tarefa inexeqüível, qual seja, v. g., examinar as contas de cada um dos administradores não apenas das agências do Banco do Brasil instaladas no estrangeiro, mas, também, das milhares espalhadas por todo o território nacional, desde os confins do Acre até os limites com Uruguai, o mesmo acontecendo relativamente à Caixa Econômica Federal, aos Bancos do Nordeste e da Amazônia, para não se falar na Petrobrás, nas dezenas de empresas geradoras de energia elétrica e nas instaladas nas áreas da mineração (Vale do Rio Doce), da metalurgia (CSN e Usiminas), da comunicações (telefônicas), da indústria aeronáutica, do transporte ferroviário, administração portuária e aéreo-portuária, além de outras tantas atividades etc., empresas essas que, hoje privatizadas em sua maioria, integravam a Administração Federal quando da promulgação da Carta de 1988, o que revela o tamanho do absurdo, dispensando maiores considerações sobre o assunto. Se ao Tribunal de Contas incumbissem tais atividades, se lhe cumprisse fiscalizar todas as operações creditícias efetuadas pelo Banco do Brasil, para fim de determinar a instauração de tomada de contas especial relativamente a cada empréstimo ou financiamento concedido a mutuário inadimplente ou a cada operação realizada com o escopo de honrar imagem do estabelecimento e, conseqüentemente, a sua credibilidade, principalmente em praças estrangeiras, como no caso destes autos; se estivesse em suas atribuições examinar as operações de importação, exportação, prospecção, transporte e distribuição de petróleo e seus derivados, efetuadas pela PETROBRÁS, para citar apenas dois exemplos, seguramente toda a máquina operacional da Corte, ainda que ampliada, revelar-se-ia de dimensões ínfimas ante o vulto da tarefa. Na verdade, competência dessa natureza não pode ser extraída da norma do caput do art. 70 da CF, que cuida da aplicação das subvenções e renúncia de receitas – matéria estranha às sociedades de economia mista –, nem do respectivo parágrafo único, que refere pessoa física ou jurídica que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos, ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária, funções que nada têm a ver com as atividades regulares das sociedades de economia mista, organizadas para exploração de atividade econômica. Do mesmo modo, não autoriza ilação nesse sentido o inc. II do art. 71, que prevê o julgamento, pela Corte, das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da Administração Direta e Indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, logicamente, quando responsáveis por bens públicos, o que não é o caso dos Bancos, salvo, por óbvio, quando agirem na condição de gestores de fundos governamentais, como ocorre com a Caixa Econômica Federal relativamente ao FGTS, ou na condição de depositários de recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, estritamente quanto à guarda e administração de tais recursos. Outro aspecto que merece exame diz respeito à competência do Tribunal de Contas da União no tocante à sustação de atos e contratos administrativos. Sabe-se que ato administrativo é uma manifestação unilateral da Administração Pública (permissão, autorização etc.), enquanto contrato administrativo é uma manifestação bilateral, resultado de um ajuste de vontade (contrato de concessão de serviços públicos, por exemplo). Em face dessa distinção jurídica, o legislador constituinte outorgou competência distinta ao Tribunal de Contas da União, no tocante à sustação de atos e contratos administrativos, quando verificada irregularidade em sua celebração. Se a irregularidade verificada for num ato administrativo, o Tribunal de Contas da União dispõe de competência para sustar diretamente a sua execução, se não atendido, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal (CF, art. 71, X). Se a irregularidade verificada for num contrato administrativo, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis (CF, art. 71, § 1o). Assim, em se tratando de contrato, o Tribunal de Contas da União não dispõe de competência para sustar diretamente a sua execução. Verificada a irregularidade, deverá o Tribunal dar ciência ao Congresso Nacional, para que este determine a sustação e solicite ao Poder Executivo as medidas cabíveis para sanar a irregularidade. Entretanto, se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas cabíveis para sanar a irregularidade verificada no contrato, aí, sim, o Tribunal de Contas da União adquirirá competência para decidir a respeito (CF, art. 71, § 2o). As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo (CF, art. 71, § 3o), isto é, consubstanciam instrumento idôneo para instruir e subsidiar o processo de execução do devedor perante o Poder Judiciário. O Tribunal de Contas da União é integrado por nove ministros, nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: (a) mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; (b) idoneidade moral e reputação ilibada; (c) notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; (d) mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior. Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: (a) um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; (b) dois terços pelo Congresso Nacional. Determina a Constituição Federal que as normas estabelecidas no seu texto sobre a fiscalização contábil, financeira e orçamentária aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios (CF, art. 75). Por força desse dispositivo constitucional, o modelo de escolha dos integrantes do Tribunal de Contas da União deverá ser observado pela Constituição do Estado-membro, na fixação do processo de escolha dos integrantes do respectivo Tribunal de Contas Estadual. Entretanto, determina a Constituição Federal que os Tribunais de Contas dos Estados-membros serão integrados por sete conselheiros (CF, art. 75, parágrafo único), composição esta que impede aritmeticamente a adoção do modelo federal da terça parte (sete não é divisível por três). Em face dessa realidade, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que quatro conselheiros devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo Chefe do Poder Executivo Estadual, cabendo a este escolher um dentre auditores e outro dentre membros do Ministério Público, alternadamente, e um terceiro à sua livre escolha (ADIn no 2.483-PR, Rel. Min. Sydney Sanches, 2/10/2002). Cabe lembrar que, junto aos Tribunais de Contas, atuará um Ministério Público, cujos membros têm os mesmos direitos, vedações e forma de investidura dos membros do Ministério Público comum (CF, art. 130). Esse Ministério Público integra a própria Corte de Contas, e tem a sua organização formalizada por meio de lei ordinária, de iniciativa privativa da respectiva Corte de Contas. Finalmente, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os Tribunais de Contas, no desempenho de suas atribuições, podem realizar o controle de constitucionalidade das leis, isto é, podem declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional, afastando a sua aplicação ao processo submetido a seu exame. Essa declaração de inconstitucionalidade pelos Tribunais de Contas, porém, deverá ser proferida por maioria absoluta de seus membros, por força da reserva de plenário, estabelecida no art. 97 da Constituição Federal. XI) No Capítulo XXV: 6. TRATADOS INTERNACIONAIS No Brasil, compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendum do Congresso Nacional (CF, art. 84, VIII). Após a celebração pelo Presidente da República, a competência para a aprovação desses atos internacionais é exclusiva do Congresso Nacional (CF, art. 49, I), que o fará por meio de decreto legislativo. Para que o ato tenha eficácia no Direito Interno Brasileiro é necessário, ainda, que lhe seja dado publicidade, o que é feito mediante decreto do Presidente da República. Os tratados internacionais são submetidos a todo esse procedimento legislativo antes de adquirirem força obrigatória no ordenamento jurídico interno. Após a promulgação pelo Presidente da República, os tratados internacionais adquirem status de lei federal ordinária no ordenamento nacional. Em face dessa realidade – força ordinária do tratado internacional -, temos o seguinte sobre os tratados internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil: a) poderão ser ulteriormente revogados por meio de lei ordinária (ou até mesmo por medida provisória, caso não se trate de matéria vedada a esta espécie normativa); b) não poderão disciplinar matéria constitucionalmente à lei complementar; reservada c) poderão ser objeto de controle de constitucionalidade perante o Poder Judiciário no Brasil, seja no âmbito do controle abstrato (ADIn, por exemplo) ou incidental (mandado de segurança, por exemplo). A respeito da incorporação e do status dos tratados internacionais no Brasil, transcrevemos, a seguir, trechos de importante acórdão do STF (ADIn no 1.480, Rel. Min. Celso de Mello): “É na Constituição da República – e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de Direito Positivo Interno Brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de Direito Internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de Direito Positivo Interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O Poder Judiciário – fundado na supremacia da Constituição da República – dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle concreto, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de Direito Positivo Interno. Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de Direito Internacional público, mera relação de paridade normativa. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de Direito Interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de Direito Interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade. O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no Direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de Direito Internacional Público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil – ou aos quais o Brasil venha a aderir – não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao Direito Positivo Interno”. De regra, portanto, a força dos tratados e convenções internacionais no Brasil é de lei ordinária Federal, situando-se no mesmo plano hierárquico das diferentes espécies normativas infraconstitucionais. Há, porém, uma situação que foge a essa regra, disciplinada no § 2º do art. 5º da Constituição Federal (introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004), nos termos seguintes: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” Nessa situação, portanto, uma vez cumpridos os dois requisitos constitucionais – (i) tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos; (ii) aprovação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros -, as normas internacionais referidas ingressarão no ordenamento brasileiro com status de emenda à Constituição, no mesmo plano hierárquico das normas constitucionais. 7. LEIS FEDERAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS No Brasil, Estado federado, a Constituição Federal fundamenta a validade de todas as regras jurídicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, uma lei federal só será válida se estiver no seu âmbito de atuação, traçado na Constituição Federal; uma lei estadual vale enquanto esteja de acordo com a esfera de competência do Estado para regular determinada matéria, nos termos da mesma Constituição Federal; da mesma forma, uma lei municipal retira seu fundamento de validade no rol de competência que foi conferido ao Município pela Constituição Federal. Assim, se uma lei federal invade a competência estadual ou municipal, torna-se inválida e inconstitucional. Porém, nessa situação, não se trata de hierarquia, mas de conflito de competências, a ser resolvido sempre com base na Constituição Federal. Não há, portanto, que se falar em hierarquia entre normas oriundas de entes estatais distintos, autônomos, como na nossa Federação. Em caso de conflito entre lei federal, estadual e municipal, prevalecerá sempre aquela competente para o trato da matéria. Caso a lei federal esteja, por exemplo, invadindo competência do Município, a lei municipal é que prevalecerá. Se houver conflito entre uma lei federal e uma lei municipal no estabelecimento do horário de funcionamento de farmácia da municipalidade, prevalecerá a lei municipal, pois se cuida de assunto de interesse local, de competência da municipalidade (CF, art. 30, I). Ao invés, se o conflito entre tais leis for sobre a fixação do horário de funcionamento das agências bancárias, prevalecerá a norma federal, pois tal matéria está no âmbito da competência material da União, por envolver assunto de predominante interesse nacional (sistema financeiro nacional). Há, porém, distinção hierárquica entre a Constituição Federal, as Constituição dos Estados, a Lei Orgânica do Distrito Federal e a Lei Orgânica dos Municípios, na seguinte ordem: num patamar de superioridade, temos a Constituição Federal; num nível intermediário, imediatamente inferior, temos, paralelamente, as Constituições dos Estados e a Lei Orgânica do Distrito Federal; num patamar inferior, devendo obediência à Constituição do Estado e à Constituição Federal, temos a Lei Orgânica dos Municípios. Ademais, no âmbito da competência legislativa concorrente, estabelece a Constituição Federal uma situação de subordinação da lei estadual frente à lei federal, ao dispor que, no caso de conflito entre tais normas, a lei federal superveniente suspenderá a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (CF, art. 24, § 4o). 8. DECRETO AUTÔNOMO DO CHEFE DO EXECUTIVO Sabe-se que, entre nós, a competência normativa precípua do Chefe do Executivo é a expedição de decretos e regulamentos para a fiel execução das leis (CF, art. 84, IV). Trata-se do denominado poder regulamentar do Chefe do Executivo, nas três esferas de governo. Sabe-se, também, que, no desempenho do seu poder regulamentar, o Chefe do Executivo não pode extrapolar os contornos da lei, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade. Assim, o fundamento de validade do decreto regulamentar é a lei, vale dizer, o decreto regulamentar é ato normativo subordinado hierarquicamente à lei, é espécie normativa secundária, infralegal. Distinta é a posição hierárquica do decreto autônomo do Chefe do Executivo, editado com fundamento no art. 84, VI, da Constituição Federal, que estabelece a competência privativa do Presidente da República para dispor, mediante decreto, sobre (a) a organização e o funcionamento da Administração Federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (b) extinção de funções e cargos públicos, quando vagos. Note-se que, nessas hipóteses do inciso VI do art. 84 da CF/88, o decreto do Chefe do Executivo não é espécie regulamentar, mas sim espécie primária, autônoma, que retira sua validade diretamente do texto da Constituição, podendo, inclusive, afastar texto de lei pretérita, que verse sobre tais matérias. Com efeito, caso haja atualmente uma lei ordinária estabelecendo que determinada carreira da Administração Direta Federal é composta de dois mil e quinhentos cargos, e, destes, quinhentos estejam vagos, um decreto do Presidente da República poderá extinguir esses cargos vagos, afastando a aplicação da lei. Da mesma forma, se tal carreira está organizada por uma lei ordinária, um decreto do Presidente da República poderá reorganizá-la, revogando essa lei, desde que dessa reorganização não advenha aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. Portanto, o decreto autônomo do Chefe do Executivo, expedido com fundamento no art. 84, VI, da Constituição Federal, é espécie normativa primária, que se situa no mesmo nível hierárquico das demais espécies primárias infraconstitucionais, integrantes do processo legislativo (leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias etc.). Duas outras considerações a respeito desse decreto autônomo, previsto no art. 84, VI, da Constituição Federal. Primeiro, que essa atribuição do Presidente da República – expedição de decreto autônomo nas situações autorizadas pelo art. 84, VI, da CF - poderá ser delegada aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União (CF, art. 84, parágrafo único). Segundo, que por força do federalismo, a autorização constante do art. 84, VI, da CF, direcionada ao Presidente da República, é automaticamente aplicável no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, permitindo-se aos governadores e prefeitos o desempenho de tais atribuições, bem assim a mencionada delegação, se for o caso. 9. REGIMENTOS DOS TRIBUNAIS A Constituição Federal outorgou aos Tribunais do Poder Judiciário a competência para a elaboração de seus regimentos (CF, art. 96, I, a). Cuida-se, em verdade, de ressalva constitucional ao princípio da separação dos poderes, em que o Poder Judiciário desempenha função atípica (legislativa), elaborando normas gerais e abstratas, que regularão a atuação de todos aqueles que se submeterem à sua jurisdição. Os regimentos dos tribunais são, portanto, espécies normativas primárias, que retiram seu fundamento de validade diretamente da Constituição Federal e que, por isso, se situam no mesmo nível hierárquico das leis. 10. DIREITO PRÉ-CONSTITUCIONAL Em relação ao Direito pré-constitucional (normas publicadas em data anterior à promulgação da atual Constituição Federal de 1988) recepcionado pela nova Constituição, esta é quem determinará a sua força (status) no novo ordenamento constitucional. Assim, se a nova Carta exigir para o tratamento da matéria lei complementar, a norma antiga será recepcionada com força de lei complementar. Se a nova Constituição exigir para o trato da matéria lei ordinária, a norma antiga será recepcionada com status de lei ordinária – e assim por diante. Exemplo típico dessa situação jurídica – recepção de lei ordinária com status de lei complementar – foi o que ocorreu com o Código Tributário Nacional (CTN). O CTN foi editado sob a forma jurídica de lei ordinária (Lei nº 5.172, de 1966), mas foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar, por força do seu art. 146, III, que exige lei complementar para o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária. XII) No Capítulo XXVI: 5. DEPUTADOS ESTADUAIS Os deputados estaduais possuem as mesmas prerrogativas outorgadas pela Constituição Federal aos congressistas, no que se refere às imunidades e inviolabilidades (CF, art. 27, § 1o). Significa dizer que tanto a imunidade formal quanto a imunidade material que foram outorgadas aos congressistas são, por força da própria Constituição Federal, extensíveis aos deputados estaduais. As alterações introduzidas pela EC nº 35/2001 na imunidade processual dos congressistas têm, portanto, repercussão imediata no âmbito estadual, derrogando as disposições das Constituições Estaduais naquilo que foi modificado pela referida EC no 35/2001(desnecessidade de autorização da Casa Legislativa para o julgamento do parlamentar, possibilidade de suspensão do andamento do processo etc.). Entretanto, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, a imunidade dos Deputados Estaduais somente os protege perante a Justiça do respectivo Estado. XIII) No Capítulo XXVIII: 2. ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO Os órgãos que integram o Poder Judiciário foram enumerados pela Constituição Federal, em seu art. 92: – o Supremo Tribunal Federal; – o Conselho Nacional de Justiça; – o Superior Tribunal de Justiça; – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; – os Tribunais e Juízes do Trabalho; – os Tribunais e Juízes Eleitorais; – os Tribunais e Juízes Militares; – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal (CF, art. 92, § 1º). O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional (CF, art. 92, § 2º). 5. GARANTIAS AOS MAGISTRADOS O ingresso na carreira da magistratura, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, dar-se-á mediante a realização de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação (CF, art. 93, I, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004). A Constituição Federal assegura aos membros do Poder Judiciário as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio (CF, art. 95). A vitaliciedade, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado. Os magistrados que ingressam nos tribunais (superiores, ou de segundo grau, pela regra do “quinto constitucional”) adquirem vitaliciedade imediatamente no momento da posse. Por exemplo: um cidadão de reputação ilibada que é nomeado Ministro do STF adquire a vitaliciedade, de imediato, no momento da posse. Porém, em relação aos Ministros do Supremo Tribunal Federal e aos membros do Conselho Nacional de Justiça, a Constituição Federal prevê um abrandamento de sua vitaliciedade, ao permitir que eles possam ser processados e julgados pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, II). Nesse caso, trata-se de responsabilização de natureza política, por atos praticados pelos Ministros da Alta Corte ou pelos membros do Conselho Nacional de Justiça, atentatórios à Constituição, que poderão resultar no impeachment (perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis, nos termos do art. 52, parágrafo único, da CF). A inamovibilidade assegura que os magistrados somente poderão ser removidos por iniciativa própria (e não de ofício, por iniciativa de qualquer autoridade), salvo em uma única exceção constitucional: por motivo de interesse público, em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa (CF, art. 95, II, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004). É assegurada a irredutibilidade do subsídio (espécie remuneratória do magistrado), com o propósito de garantir-lhe a dignidade e a independência no exercício de suas funções. Segundo a jurisprudência do STF, a garantia constitucional da irredutibilidade de subsídio alcança somente a chamada “irredutibilidade jurídica”, isto é, a irredutibilidade nominal do subsídio (e não a sua irredutibilidade real). Significa dizer que a irredutibilidade não assegura o direito à atualização monetária do valor do subsídio em face da perda do poder aquisitivo da moeda (inflação), mas tão-somente que o seu valor nominal não será reduzido. 6. VEDAÇÕES Aos magistrados é vedado: a) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; c) dedicar-se à atividade político-partidária; d) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. 7. CONTROLE EXTERNO DO JUDICIÁRIO Questão amplamente debatida na vigência da Carta Política de 1988 diz respeito à possibilidade de criação de um órgão externo ao Poder Judiciário com a missão de fiscalizar a atuação deste Poder. No Supremo Tribunal Federal, a questão foi discutida quando alguns Estados-membros criaram, no seu âmbito, órgão alheio à estrutura do Poder Judiciário com a missão de fiscalizá-lo. Em respeito ao princípio da separação de Poderes, o STF considerou inconstitucional a criação dessa fiscalização externa, sob o fundamento de que a harmonia e independência dos Poderes da República já são garantidas pelos próprios meios previstos na Constituição Federal, consistentes nos chamados controles recíprocos, pelo sistema de freios e contrapesos (checks and balances). Desse modo, as unidades administrativas do Poder Judiciário já sofrem a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial realizada pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (CF, art. 71). De igual forma, outro controle sobre o Judiciário previsto na Constituição diz respeito à escolha e investidura dos ocupantes dos mais altos cargos do Poder Judiciário (Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores etc.), em que há efetiva participação dos demais Poderes da República, um rigoroso controle por parte destes Poderes (um Ministro do STF, por exemplo, é nomeado pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, por maioria absoluta de seus membros). Além desses controles, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os membros do Conselho Nacional de Justiça poderão ser processados e julgados pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, II). Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal restou consolidado no enunciado da Súmula nº 649: “É inconstitucional a criação, por Constituição Estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”. Depois de longos debates sobre o tema, envolvendo os três Poderes da República, a Emenda Constitucional nº 45/2004 criou o Conselho Nacional de Justiça, órgão composto de quinze membros, com a missão de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (CF, art. 103-B). Em respeito à independência do Poder Judiciário, estabeleceu-se que o Conselho Nacional de Justiça integra a estrutura deste Poder (CF, art. 92, I-A), bem assim que o órgão será composto majoritariamente de membros do próprio Poder Judiciário (9 membros do Poder Judiciário; 2 membros do Ministério Público; 2 advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; 1 cidadão indicado pela Câmara dos Deputados; 1 cidadão indicado pelo Senado Federal). Os membros do Conselho Nacional de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 103-B, § 2º). Cabe ao Conselho Nacional de Justiça, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: a) zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; b) zelar pela observância dos princípios constitucionais que informam a administração publica (CF, art. 37) e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituílos, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; c) receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; d) representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; e) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; f) elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; g) elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa. 12. JUSTIÇA FEDERAL A Justiça Federal é composta pelos Tribunais Regionais Federais (órgãos colegiados de segundo grau) e pelos Juízes Federais (órgãos singulares de primeiro grau). Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira; b) os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antigüidade e merecimento, alternadamente. Os Tribunais Regionais Federais instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários (CF, art. 107, § 2º). Os Tribunais Regionais Federais poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo (CF, art. 107, § 3º). A competência dos Tribunais Regionais Federais está enumerada no art. 108 da Constituição Federal, divida em originária (causas ajuizadas perante o próprio Tribunal) e recursal (recursos contra as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição). A competência dos juízes federais está enumerada no art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (CF, art. 109). De notar nesse dispositivo que, por ausência de previsão constitucional, a competência da Justiça Federal não alcança as causas em que figurar sociedade de economia mista federal, entidade integrante da Administração Pública indireta (o texto constitucional refere-se, apenas, à entidade autárquica ou empresa pública federal). As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte (CF, art. 109, § 1o). As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal (CF, art. 109, § 2o). A respeito das ações previdenciárias (de regra apreciadas pela Justiça Federal), estabelece a Constituição Federal que serão processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal. Nesse caso, eventual recurso será sempre para o Tribunal Regional Federal (TRF) na área de jurisdição do juiz de primeiro grau (CF, art. 109, § 3o). Entretanto, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “tratando-se de ação previdenciária, o segurado pode ajuizá-la perante o juízo federal de seu domicílio ou perante as varas federais da capital do Estado-membro, uma vez que o art. 109, § 3o, da CF prevê uma faculdade em seu benefício, não podendo esta norma ser aplicada para prejudicá-lo (RE no 223.139-RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 25/08/1998)”. Estabelece a Constituição Federal que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal (CF, art. 109, § 5º, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Esse dispositivo constitucional, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, outorga legitimação ao ProcuradorGeral da República para intentar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, a federalização dos crimes que impliquem grave violação de direitos humanos, isto é, o deslocamento de competência para processo e julgamento desses delitos da Justiça Comum para a Justiça Federal. 13. JUSTIÇA DO TRABALHO A Justiça do Trabalho é composta pelos seguintes órgãos: Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e Juízes do Trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94 da Constituição Federal; b) os demais dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior. A lei disporá sobre a competência do Tribunal Superior do Trabalho. Funcionarão junto ao Tribunal Superior do Trabalho: a) a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira; b) o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendolhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94 da Constituição Federal; b) os demais, mediante promoção de juízes do trabalho por antigüidade e merecimento, alternadamente. Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários (CF, art. 115, § 1º). Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo (CF, art. 115, § 2º). A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juízes de direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho (CF, art. 112). Nas Varas do Trabalho, a jurisdição será exercida por um juiz singular (CF, art. 116). Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: a) as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; b) as ações que envolvam exercício do direito de greve; c) as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; d) os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; e) os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvada a competênica do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “o”); f) as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; g) as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; h) a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; i) outras controvérsias trabalho, na forma da lei. decorrentes da relação de Frustrada a negociação, as partes poderão eleger árbitros (CF, art. 114, § 1º). Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente (CF, art. 114, § 2º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito (CF, art. 114, § 3º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004). XIV) No Capítulo XXIX: 1.1. COMPOSIÇÃO O Ministério Público abrange: I) o Ministério Público da União, que compreende: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar; d) o Ministério Público do DF e Territórios. II) os Ministérios Públicos dos Estados. Observa-se que o Ministério Público da União compreende, em sua estrutura, diferentes ramos do Ministério Público (Federal, do Trabalho e Militar), bem assim o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Os Ministérios Públicos são organizados em lei complementar, cuja iniciativa é concorrente entre o Chefe do Executivo e o respectivo Procurador-Geral. Um ou outro – Chefe do Executivo ou Procurador-Geral – poderão apresentar o projeto de lei complementar ao Poder Legislativo. Assim, temos o seguinte: (i) o Ministério Público nos Estadosmembros é organizado em lei complementar estadual, de iniciativa concorrente entre o Governador e o respectivo Procurador-Geral de Justiça; (ii) o Ministério Público da União, nos seus diferentes ramos, é organizado em lei complementar federal, de iniciativa concorrente entre o Presidente da República e o Procurador-Geral da República. A Emenda Constitucional nº 45/2004 criou o Conselho Nacional do Ministério Público, composto de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 130-A). Ao Conselho Nacional do Ministério Público caberá controlar a atuação administrativa e financeira do Ministério Público, bem assim fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, por meio do desempenho das atribuições que lhe foram constitucionalmente outorgadas (CF, art. 130-A, § 2º). Leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art. 130-A, § 5º). 1.3. PRINCÍPIOS Estabelece o § 1o do art. 127 da Constituição Federal: “São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivibilidade e a independência funcional”. Esses postulados constitucionais individualizadores separam e distinguem o Ministério Público do Poder Judiciário, evitando que as normas nucleares de ambos sejam confundidas, na dimensão do desempenho funcional. O princípio da unidade do Ministério Público significa que seus membros integram um só órgão, sob única direção de um Procurador-Geral. Estabelece a subordinação hierárquica única, não podendo haver fracionamento intermediário da chefia. Complementa-se com o princípio da indivisibilidade, que constitui a recíproca substituição dos membros, para que o órgão componha um todo unitário e não fracionário. O princípio da unidade, porém, há que ser visto como “unidade dentro de cada um dos ramos do Ministério Público”. Assim, há unidade no âmbito do Ministério Público Federal, ou no âmbito do Ministério Público do Trabalho, ou no âmbito do Ministério Público Militar – e assim por diante. Não existe, em face do tratamento constitucional, unidade entre o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos dos Estados, tampouco entre o Ministério Público de um Estado e o de outro, e nem mesmo entre os diferentes ramos do Ministério Público da União. O princípio da indivisibilidade enuncia que os membros do Ministério Público não se vinculam aos processos em que atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros, de acordo com as regras legais, sem nenhum prejuízo para o processo. A indivisibilidade resulta do princípio da unidade, pois o Ministério Público é uno, não podendo subdividir-se em outros Ministérios Públicos autônomos e desvinculados uns dos outros. A atuação dos membros do Ministério Público é atuação do órgão, indivisível por expressa disposição constitucional. Pelo princípio da indivisibilidade, todos os membros do Ministério Público são reciprocamente substituíveis, tornando o órgão uma totalidade homogênea. Cada membro está investido da totalidade das funções do órgão, não sendo possível seccionálas. É postulado de garantia coletiva da defesa de bens sociais e públicos, que não pode ser fixado em apenas um membro, mas em todo o órgão. Cada membro representa o órgão todo, porque o interesse que titulariza é coletivo, e não de uma individualidade concreta. Sendo indisponível o interesse representado pelo Ministério Público, a não-fixação de membro (a não ser por distribuição interna, nos termos da lei de sua organização) significa a natureza da totalidade homogênea do órgão. Realçando o postulado da indivisibilidade do Parquet, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a manifestação formulada pelo Procurador-Geral da República, no sentido do arquivamento de inquérito penal, possui caráter irretratável, não sendo, portanto, passível de reconsideração ou revisão por futuro Procurador-Geral da República, ressalvada, unicamente, a hipótese de surgimento de novas provas, visto que tal manifestação representa a vontade do órgão, e não da pessoa do titular do cargo (STF, Inq no 2.028/BA, Rel. orig. Ministra Ellen Gracie, Rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 28/04/2004). Porém, da mesma forma que o princípio da unidade, o princípio da indivisibilidade tem aplicação restrita ao âmbito de cada um dos ramos do Ministério Público, enunciados no art. 128 da Constituição Federal. Assim, não há que se falar em indivisibilidade entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado, não podendo um membro do Ministério Público Federal (Procurador da República) ser substituído, no desempenho de suas funções, por um membro do Ministério Público do Estado (Promotor de Justiça). A independência funcional assegura ao Ministério Público plenos poderes para o exercício de suas funções, não estando subordinado a quem quer que seja, a nenhum dos Poderes. Subordina-se somente à Constituição, às leis e à consciência de seus membros. Os membros do Ministério Público não estão subordinados a nenhum outro Poder, isto é, nem ao Poder Legislativo, nem ao Poder Executivo, nem ao Poder Judiciário. No exercício de suas competências constitucionais, o Ministério Público não se sujeita a ordens de ninguém, de nenhum dos Poderes do Estado. Seus membros não devem obediência a instruções vinculantes de nenhuma autoridade pública. Nem mesmo seus superiores hierárquicos (Procurador-Geral, por exemplo) podem impor-lhes ordens no sentido de agir desta ou daquela maneira num determinado processo. A hierarquia existente dentro de cada Ministério Público dos seus membros em relação ao Procurador-Geral, é meramente administrativa – e não de ordem funcional. A autonomia administrativa confere ao Ministério Público poderes para, observado o art. 169 da Constituição Federal, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira. No exercício dessa autonomia, o Ministério Público elabora suas próprias folhas de pagamento; adquire bens e contrata serviços; edita ato de aposentadoria, exoneração de seus servidores etc. A autonomia financeira outorga ao Ministério Público a competência para elaborar sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (CF, art. 127, § 3o). A autonomia do Ministério Público está assentada, também, na outorga ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores- Gerais de Justiça da iniciativa da lei complementar sobre a organização, respectivamente, do Ministério Público da União e dos Estados (CF, art. 128, § 5o). Essa iniciativa, porém, será exercida concorrentemente com o Chefe do Executivo (Presidente da República ou Governador do Estado, conforme o caso), por força do art. 61, § 1o, II, d, da Constituição Federal. Assim, a iniciativa da lei complementar de organização do Ministério Público é concorrente entre o Chefe do Executivo (Presidente da República ou Governador do Estado, conforme o caso) e o respectivo Procurador-Geral (Procurador-Geral da República ou Procurador-Geral de Justiça, conforme o caso). 1.4. PROMOTOR NATURAL A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já deixou assente que o princípio do promotor natural tem sede constitucional (STF, HC no 67.759/RJ). O princípio do promotor natural proíbe designações casuísticas efetuadas pela chefia do Ministério Público, que estabeleceriam entre nós a figura do “promotor de exceção”. Segundo esse postulado, somente o promotor natural é competente para atuar no processo, como meio de garantia da imparcialidade de sua atuação, bem assim como garantia da própria sociedade, que terá seus interesses defendidos privativamente pelo órgão constitucional, técnica e juridicamente competente. O princípio do promotor natural impõe que o critério para a designação de um membro do Ministério Público para atuar numa determinada causa seja abstrato e pré-determinado, não podendo a chefia do Ministério Público realizar designações casuísticas, arbitrárias, bem assim a substituição de um promotor por outro, fora das hipóteses expressamente previstas em lei. 1.6. NOMEAÇÃO DOS PROCURADORES-GERAIS A nomeação do Chefe do Ministério Público – seja do Ministério Público da União (Procurador-Geral da República), seja dos Ministérios Públicos dos Estados (Procuradores-Gerais de Justiça) – consubstancia mais uma garantia da instituição, pois as regras, constitucionalmente estabelecidas, garantem a eles a necessária imparcialidade para o exercício de sua missão institucional. O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República entre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após aprovação do seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal. A nomeação é para o exercício do mandato de dois anos, permitidas sucessivas reconduções. Porém, em cada recondução, haverá necessidade de nova aprovação do Senado Federal, sempre por maioria absoluta (não há limite para o número de reconduções). A destituição do Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da República, deverá ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal. Conforme vimos, o Ministério Público da União (MPU) compreende quatro diferentes ramos: Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Vimos também, acima, que o Procurador-Geral da República é o Chefe do Ministério Público da União (MPU). Entretanto, o Procurador-Geral da República não chefia todos os ramos do Ministério Público da União (MPU). Três desses ramos possuem chefia própria, conforme explicitado a seguir. O Ministério Público Federal (MPF) também é chefiado pelo Procurador-Geral da República. O Ministério Público do Trabalho (MPT) é chefiado pelo Procurador-Geral do Trabalho, nomeado pelo Procurador-Geral da República, dentre integrantes da instituição, com mais de trinta e cinco anos de idade e de cinco anos na carreira, integrante de lista tríplice escolhida mediante voto plurinominal, facultativo e secreto, pelo Colégio de Procuradores para um mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo processo. O Ministério Público Militar (MPM) é chefiado pelo ProcuradorGeral de Justiça Militar, nomeado pelo Procurador-Geral da República, dentre integrantes da Instituição, com mais de trinta e cinco anos de idade e de cinco anos na carreira, escolhidos em lista tríplice mediante voto plurinominal, facultativo e secreto, pelo Colégio de Procuradores, para um mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo processo. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é chefiado pelo Procurador-Geral de Justiça, nomeado pelo Presidente da República, a partir de lista tríplice elaborada pelo respectivo Ministério Público, dentre integrantes da carreira, para mandato de dois anos, permitida uma recondução. Observe que o Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios não é nomeado pelo Governador do Distrito Federal, e sim pelo Presidente da República, tendo em vista que, no Distrito Federal, compete à União organizar e manter o Ministério Público (CF, art. 21, XIII). Da mesma forma, sua destituição, se for o caso, não será por iniciativa do Governador do Distrito Federal, após autorização da maioria absoluta da Câmara Legislativa do Distrito Federal – mas sim por iniciativa do Presidente da República, após autorização de maioria absoluta do Senado Federal. A nomeação do Procurador-Geral de Justiça nos Estados também obedece à regra constitucionalmente prevista, segundo a qual os Ministérios Públicos dos Estados formarão lista tríplice entre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo (Governador do Estado), para mandato de dois anos, permitida uma recondução (CF, art. 128, § 3º). Anote-se que, na nomeação do Procurador-Geral de Justiça, há duas dessemelhanças em relação à nomeação do Procurador- Geral da República: (i) a não-participação do Poder Legislativo Estadual na escolha e nomeação do Procurador-Geral de Justiça (na nomeação do Procurador-Geral da República, há participação obrigatória do Senado Federal) e (ii) a permissão para só uma recondução do Procurador-Geral de Justiça (o Procurador-Geral da República pode ser reconduzido no cargo indeterminadamente, desde que haja aprovação do Senado Federal). Segundo a jurisprudência do STF, é inconstitucional regra da Constituição Estadual que condicione a nomeação do ProcuradorGeral de Justiça à prévia aprovação do Poder Legislativo local (Assembléia Legislativa), “por consagrar critério discrepante do estabelecido no art. 128, § 3o, da Carta Federal e do princípio da independência e harmonia dos Poderes” (STF, Pleno, ADIn no 1.506/SE). Os Procuradores-Gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios poderão ser destituídos por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei complementar respectiva (CF, art. 128, § 4o). Observa-se, assim, que, apesar de não ser constitucionalmente permitida a participação do Poder Legislativo Estadual na nomeação dos Procuradores-Gerais de Justiça, na sua destituição por iniciativa do Chefe do Executivo, é obrigatória a participação do Poder Legislativo respectivo. Ressaltamos que no âmbito do Distrito Federal, considerando que a competência para organizar e manter o Ministério Público local pertence à União (CF, art. 21, XIII), bem assim que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é um dos ramos do Ministério Público da União (CF, art. 128, I, d), o Procurador-Geral de Justiça é nomeado pelo Presidente da República (e não pelo Governador do Distrito Federal), e a sua destituição, se for o caso, será decidida por maioria absoluta do Senado Federal (e não pela Câmara Legislativa). 1.7. GARANTIAS DOS MEMBROS O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindose do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação (CF, art. 129, § 3º). São garantias constitucionais dos membros do Ministério Público: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio (CF, art. 128, § 5o). Os membros do Ministério Público adquirem vitaliciedade após dois anos de efetivo exercício da carreira, mediante aprovação em concurso de provas e títulos, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado. Uma vez no cargo, os membros do Ministério Público somente podem ser removidos por iniciativa própria, nunca de ofício, por iniciativa de qualquer autoridade, salvo em uma única exceção: por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa. O subsídio dos membros do Ministério Público é irredutível (irredutibilidade nominal, e não real). 1.8. VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS É vedado ao membro do Ministério Público: a) receber, a qualquer título e sob qualquer honorários, percentagens ou custas processuais; pretexto, b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) exercer atividade político-partidária; f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. O texto originário da Constituição Federal vedava expressamente ao membro do Ministério Público o exercício de atividade políticopartidária, salvo exceções previstas em lei. A vedação, portanto, não era absoluta. Ao amparo desse pretérito texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal havia firmado entendimetno de que era possível a filiação partidária de membro do Ministério Público desde que houvesse, nos prazos previstos em lei, a devida desincompatibilização. A Emenda Constitucional nº 45/2004 suprimiu a referida ressalva, tornando absoluta a vedação ao exercício de atividade político-partidária por membro do Ministério Público (CF, art. 128, § 5º, II, e). Aos membros do Ministério Público é vedado exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração (CF, art. 128, § 6º). 1.9. JULGAMENTO DOS SEUS MEMBROS Os membros dos Ministérios Públicos são julgados obedecendose às seguintes regras: a) Procurador-Geral da República: é julgado perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, e perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade; b) Membros do Ministério Público da União que atuam perante os Tribunais do Poder Judiciário: são julgados perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ); c) Membros do Ministério Público da União que atuam perante a primeira instância: são julgados perante o respectivo Tribunal Regional Federal (TRF); d) Membros do Ministério Público Estadual que atuam perante o Tribunal de Justiça Federal: serão julgados perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ); e) Membros do Ministério Público Estadual que atuam perante a primeira instância da Justiça Estadual: serão julgados perante o respectivo Tribunal de Justiça (TJ); f) Membros do Conselho Nacional do Ministério Público: são julgados perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, II). XV) No Capítulo XXXI (renumerado): 4. EFEITOS DA DECISÃO Os efeitos da decisão proferida no controle difuso devem ser analisados separadamente, em dois momentos distintos: (a) num primeiro momento, quando a decisão é proferida pelo Poder Judiciário, num determinado processo judicial; (b) num segundo momento, quando o Senado Federal suspende a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. No controle difuso, a decisão proferida pelo Poder Judiciário: a) só alcança as partes do processo (eficácia inter partes); b) em regra, tem força retroativa (efeitos ex tunc). Significa dizer que a pronúncia de inconstitucionalidade não fulmina a lei do ordenamento jurídico. A decisão só terá efeito para as partes integrantes do processo judicial em que proferida, vale dizer, só afastará a validade da lei no processo em que for proclamada a inconstitucionalidade. Em relação a terceiros, nãointegrantes da lide, a lei continuará a viger, incólume. Assim, a pronúncia de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário na via incidental, proferida em qualquer nível, limita-se ao caso em litígio, no qual foi colocado o incidente de constitucionalidade, fazendo coisa julgada apenas entre as partes do processo. Quer provenha a decisão dos juízes de primeira instância, quer provenha do STF, sua eficácia será apenas inter partes. Essa eficácia, em regra, é dotada de força retroativa (efeitos ex tunc), isto é, opera retroativamente em relação ao caso que lhe deu motivo (e, repita-se, só em relação a este), fulminando a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento. Embora no controle concreto a regra seja a força retroativa da decisão que reconhece a inconstitucionalidade (efeitos ex tunc), o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de se outorgar eficácia pró-ativa à sua decisão, desde que razões de segurança jurídica justifiquem essa medida. Passou o Tribunal, então, a reconhecer a possibilidade da declaração da inconstitucionalidade pro futuro também no âmbito do controle concreto, exercido no modo difuso (no controle em abstrato, conforme veremos adiante, existe autorização expressa, em texto de lei, nesse sentido). Com efeito, em março de 2003, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, em sede de recurso extraordinário, de que os Municípios não são livres para fixar o número de vereadores das Câmaras Municipais, devendo ser observada pelas Municipalidades uma proporcionalidade aritmética em razão da respectiva população, de forma que os Municípios terão direito a um vereador para cada 47.619 habitantes, observados os limites mínimo e máximo estabelecidos pelo art. 29, II, da Constituição Federal (RE no 197.917, Rel. Min. Maurício Correa, 25/03/2004). Por força desse novo critério de determinação do número máximo de cadeiras nas Câmaras Municipais, fixado pelo STF em março de 2004, haverá uma significativa redução da composição de diversas Câmaras Municipais daqui por diante, resultando numa diminuição, em âmbito nacional, de milhares de vereadores. Diante dessa situação - e considerando que uma eventual declaração de inconstitucionalidade com efeitos retroativos ocasionaria repercussões em todo o sistema vigente, atingindo a atual composição das Câmaras Municipais - decidiu o STF outorgar efeitos pro futuro à sua decisão, declarando a inconstitucionalidade do número excessivo de Vereadores somente para as próximas eleições (a partir das eleições de 3 de outubro de 2004). Portanto, nessa situação tivemos o seguinte: o Supremo Tribunal Federal proclamou a inconstitucionalidade do número excessivo de Vereadores em março de 2004, mas determinou que essa declaração de inconstitucionalidade só produziria efeitos a partir de outubro de 2004. Podemos concluir, então, que no âmbito do Supremo Tribunal Federal a decisão proferida em sede de controle concreto não terá, necessariamente, efeitos retroativos (ex tunc). Essa continua sendo a regra, mas o Tribunal poderá, em situações excepcionais, outorgar efeitos prospectivos (ex nunc, pro futuro) à sua decisão. 6. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Estabelece a Constituição Federal que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. No âmbito do controle difuso, o recurso extraordinário é o meio típico para a parte interessada levar ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal controvérsia constitucional concreta, suscitada nos juízos inferiores. A Emenda Constitucional nº 45/2004 trouxe duas importantes inovações em relação ao cabimento do recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal. Primeiro, ampliou as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, passando a dispor que o recurso será cabível, também, quando a decisão recorrida julgar válida lei local contestada em face de lei federal (CF, art. 102, III, d). Até a promulgação da referida Emenda Constitucional nº 45/2004 a competência para apreciar essa controvérsia pertencia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo, passou a exigir que o recorrente demonstre a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Supremo Tribunal Federal examine, caso a caso, a admissão do recurso extraordinário (CF, art. 102, § 3º). Assim, a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso passou a ser pressuposto constitucional de admissibilidade do recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal. Em caso negativo – não demonstração da repercussão geral do caso pelo recorrente – o Supremo Tribunal Federal poderá recusar o recurso extraordinário, desde que pela manifestação de dois terços de seus membros. Esse expediente – possibilidade de recusa do recurso extraordinário pelo STF em razão da ausência de repercussão geral do caso – foi o meio encontrado pelo legislador constituinte derivado para evitar que controvérsias concretas insignificantes, de absoluta irrelevância sejam submetidas à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Algumas considerações a respeito dos efeitos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário. Em regra, o recurso extraordinário é utilizado no âmbito do controle difuso, diante de questões constitucionais suscitadas em casos concretos submetidos à apreciação do Poder Judiciário. Portanto, via de regra, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário são dotadas de eficácia inter partes, isto é, tais decisões somente alcançam as partes integrantes dos processos em que proferidas. Ademais, essas decisões também não vinculam os juízes de primeiro grau, que poderão continuar a decidir, legitimamente, em outros casos concretos, contrariamente ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Há, porém, a possibilidade de que essas decisões do Supremo Tribunal Federal venham a alcançar terceiros, desde que o Senado Federal resolva, nos termos do art. 52, X, da Lei Maior, suspender a execução da lei declarada definitivamente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. No caso de decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal sobre uma mesma questão constitucional, poderá o Tribunal, desde que atendidos os demais pressupostos constitucionais, decidir pela aprovação de uma súmula vinculante sobre a matéria decidida em sede de recurso extraordinário, na forma e com os efeitos previstos no art. 103-A da Constituição Federal. Há, ainda, uma situação em que a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário produz, por si só, eficácia geral (erga omnes). Trata-se do caso de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário interposto contra decisão do Tribunal de Justiça (TJ) no âmbito do controle em abstrato, quando o dispositivo da Constituição Estadual eleito como parâmetro para a declaração da inconstitucionalidade da norma – estadual ou municipal – constitui reprodução de texto da Constituição Federal. Nessa última hipótese – recurso extraordinário contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça no controle em abstrato, no caso de reprodução de norma da Constituição Federal pela Constituição do Estado -, caso o Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade da norma, não há que se falar em comunicação desta decisão ao Senado Federal, para os fins do art. 52, X, da Constituição Federal. Afinal, se a própria decisão do Supremo Tribunal Federal já alcança a todos (eficácia erga omnes), não há razões para se falar em suspensão da execução da mesma norma pela Casa Legislativa. 7. SÚMULA VINCULANTE As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle concreto não são dotadas de força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, tampouco frente à Administração Pública. Significa dizer que mesmo quando o Supremo Tribunal Federal declara, em reiterados casos concretos submetidos à sua apreciação, a inconstitucionalidade de uma lei, os juízes de primeiro grau e a Administração Pública poderão continuar a aplicar tal lei em outras situações concretas, se entenderem, diversamente do que decidiu o STF, que referida norma é constitucional. Poderão, legitimamente, contrariar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, porque não estão a ele vinculados. Em situações como essa – decisão do STF reconhecendo a inconstitucionalidade da lei e juízos inferiores ou a Administração Pública decidindo em sentido contrário -, o interessado, para fazer valer a decisão do Supremo Tribunal Federal, deverá percorrer a via recursal própria, a fim de levar o seu processo ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, para que este reafirme o seu entendimento sobre a inconstitucionalidade da lei, cassando a decisão do juízo inferior, ou anulando o ato da Administração Pública, conforme o caso. Essa realidade – ausência de força vinculante das decisões proferidas pelo STF no âmbito do controle concreto – faz com que milhares de ações judiciais com o mesmo objeto cheguem ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, para que este reafirme, em novos casos concretos, o seu entendimento sobre a validade de determinada lei, em razão de decisões divergentes de juízos inferiores. Não é difícil perceber que essa morosa sistemática processual para a resolução de conflitos concretos, criada pela multiplicação de processos de conteúdos idênticos, favorece a lentidão, a morosidade na prestação jurisdicional. No intuito de conferir celeridade à prestação jurisdicional, a Emenda Constitucional nº 45/2004 criou a figura da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos seguintes (art. 103-A): "Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso." Algumas considerações a respeito. O Supremo Tribunal Federal poderá aprovar, rever ou cancelar a súmula vinculante por iniciativa sua, ou a partir da provocação de terceiros. Enquanto não estabelecidos em lei outros legitimados, poderão provocar o Supremo Tribunal Federal aqueles que podem propor ação direta de inconstitucionalidade, enumerados no art. 103, I ao IX, da Constituição Federal. A aprovação da súmula vinculante exige decisão de dois terços dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (oito Ministros), bem assim que a matéria tenha sido objeto de reiteradas decisões do Tribunal. A súmula deverá versar sobre controvérsia constitucional atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Uma vez publicada, a súmula terá força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Significa dizer que nenhum juízo ou tribunal inferior, bem assim nenhum órgão ou entidade da Administração Pública direta e indireta poderá contrariar o conteúdo da súmula. Se houver a prática de ato ou a prolação de decisão contrariando os termos da súmula, poderá a parte prejudicada intentar reclamação perante o Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida em consonância com o conteúdo da súmula. As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial. Importantíssimo destacar que não se pode afirmar que, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, todas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle concreto, passaram a ter força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. A eficácia das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no controle concreto permanece inalterada (eficácia inter partes, sem força vinculante em relação a quaisquer terceiros que não participam da lide). O entendimento do Supremo Tribunal Federal só passará a ter força vinculante caso, após reiteradas decisões sobre o mesmo tema, o Tribunal, de ofício ou mediante provocação, aprovar, por dois terços de seus membros, a súmula vinculante, nos termos e na forma acima estudados. XVI) No Capítulo XXXII: (...) O art. 103, § 3o, da Constituição, determina a citação do Advogado-Geral da União no processo de controle abstrato de normas para que defenda a constitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado. O STF firmou entendimento segundo o qual o Advogado-Geral da União, nesse processo, não atua na sua função ordinária, prevista no art. 131 da CF, como representante judicial da União. O § 3o do art. 103 lhe dá uma competência especial em face dessa geral: a da defesa da constitucionalidade da norma que, em tese, é inquinada de inconstitucional, o que implica dizer que lhe atribui o papel, nesse processo objetivo, de verdadeiro curador da lei atacada. Assim, a função do Advogado-Geral da União no controle abstrato é a defesa da presunção de constitucionalidade da norma, independentemente de sua origem, se federal ou estadual. Diferentemente do Procurador-Geral da República, que exerce o papel de advogado da Constituição, imparcialmente, interessado exclusivamente na defesa da ordem constitucional, seu papel é, sempre, o de defesa das normas, federais ou estaduais, cuja inconstitucionalidade é argüida. Segundo o entendimento do STF, a garantia do contraditório no processo de controle abstrato de constitucionalidade vê-se atendida com a intervenção do Advogado-Geral da União, que, em atuação processual plenamente vinculada, deve assumir, na condição de curador da presunção de constitucionalidade, a defesa irrestrita da validade da norma impugnada, independentemente de sua natureza federal ou estadual. Não lhe é dado, portanto, o direito de se manifestar pela inconstitucionalidade da norma. Assim, entende o tribunal que, atuando como verdadeiro curador (defensor legis) das normas infraconstitucionais, a velar pela preservação de sua presunção de constitucionalidade, não cabe ao Advogado-Geral da União, em sede de controle normativo abstrato, ostentar posição contrária ao ato estatal impugnado, sob pena de frontal descumprimento da função indisponível que lhe foi imposta pela Constituição. Incumbe-lhe, sim, promoverlhe a irrestrita defesa, veiculando os argumentos disponíveis. Essa posição do STF, reiteradamente criticada pela doutrina, termina por obrigar o Advogado-Geral da União a defender a norma legal ou ato normativo impugnado, federal ou estadual, a todo preço, em qualquer caso e circunstância, mesmo que a inconstitucionalidade salte aos olhos com toda a evidência. Ademais, apesar de representar judicial ou extrajudicialmente a União, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo (CF, art. 131), deverá defender a norma impugnada, mesmo quando o autor da ação direta for o Presidente da República. Porém, o Advogado-Geral da União não está obrigado a defender a constitucionalidade da norma se sobre ela o Supremo Tribunal Federal já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade (STF, ADin 1.616-4/PE, rel. Min. Maurício Corrêa). Por fim, entende o STF que a audiência do Advogado-Geral da União, prevista no citado art. 103, § 3o, da CF, não se aplica aos processos de ADIn por omissão e ação declaratória de constitucionalidade (ADECON). Com efeito, considerando que a missão constitucional do Advogado-Geral da União no controle em abstrato é a defesa da norma impugnada, não há razões para sua atuação no processo de ADin por omissão e ADECON, pois nessas ações não há contraditório a ser estabelecido, em virtude da ausência de norma impugnada. A ADin por omissão é proposta em face da falta de norma regulamentadora; na ADECON, o autor requer o reconhecimento da constitucionalidade da norma - e não a sua inconstitucionalidade. XVII) No Capítulo XXXIII: 2. LEGITIMAÇÃO Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, I ao IX): a) o Presidente da República; b) a Mesa do Senado Federal; c) a Mesa da Câmara dos Deputados; d) a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; f) o Procurador-Geral da República; g) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; h) partido político com representação no Congresso Nacional; e i) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. O partido político com representação no Congresso Nacional dispõe de legitimidade ativa para a instauração do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, qualquer que seja o número de representantes da agremiação partidária nas Casas do Poder Legislativo da União (para fazer jus à legitimação, basta que o partido político possua um representante em uma das Casas do Congresso Nacional). O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a perda superveniente de representação no Congresso Nacional não prejudica a apreciação da ação direta, ajuizada em momento em que a agremiação partidária possuía a representação requerida pela Constituição Federal (ADIn no 2159 AgR/DF, Rel. originário Min. Carlos Velloso, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 12/08/2004). Nessa ação, o Supremo Tribunal Federal deixou assente que: a aferição da legitimidade deve ser feita no momento da propositura da ação e que a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional não o desqualifica como legitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade. Portando, de acordo com esse entendimento do Pretório Excelso, a perda da representação no Congresso Nacional não prejudica a apreciação da ação, isto é, mesmo com a perda superveniente de representação parlamentar no Congresso Nacional, a ação direta será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. O constituinte de 1988 substituiu o sistema anterior, que confiava o direito de propositura de ação direta apenas ao Procurador-Geral da República, por um sistema de amplíssima legitimação, outorgando o direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, enumerados no art. 103 da Carta Política. Essa nova realidade propiciou um aumento significativo do número de ações diretas propostas perante o STF, o que vem dificultando o trabalho dessa Corte Constitucional que, já sabemos, além de atuar no controle abstrato de normas, funciona como instância de revisão no âmbito do controle difuso, no qual decide, definitivamente, sobre os diversos casos concretos submetidos à sua consideração, por meio da interposição do chamado recurso extraordinário. A par dessa nova ampla legitimação ativa, a jurisprudência do STF passou, em relação a certos legitimados, a estabelecer algumas restrições ao direito de propositura, por meio da exigência da demonstração de interesse de agir, isto é, da demonstração da denominada pertinência temática. Assim, embora a Constituição não tenha estabelecido nenhuma distinção no chamado “interesse de agir” entre os legitimados ativos da ADIn (art. 103, I a IX), a jurisprudência do STF terminou por estabelecer essa distinção, erigindo dois grupos distintos de legitimados: a) legitimados universais: que podem impugnar em ADIn qualquer matéria, sem necessidade de demonstrar nenhum interesse específico. São legitimados universais: o Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no Congresso Nacional; b) legitimados especiais: que somente poderão impugnar em ADIn matérias em relação as quais seja comprovado o interesse de agir, isto é, a relação de pertinência entre o ato impugnado e as funções exercitadas pelo órgão ou entidade. São legitimados especiais: as confederações sindicais, as entidades de classe de âmbito nacional, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e o Governador de Estado e do Distrito Federal. Portanto, à luz da jurisprudência do STF, o Presidente da República, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representação no Congresso Nacional possuem legitimidade ativa universal, podendo ajuizar ADIn em face de qualquer ato normativo do Poder Público, independentemente do requisito da pertinência em relação ao seu conteúdo (legitimados universais). Por outro lado, nas hipóteses de ação direta ajuizada por confederações sindicais, por entidades de classe de âmbito nacional, por Mesas das Assembléias Legislativas Estaduais ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e, finalmente, por Governadores dos Estados-membros e do Distrito Federal há que se observar o requisito pertinência temática (legitimados especiais). Assim, o Presidente da República pode impugnar em ADIn uma lei estadual oriunda de qualquer ente federado, sem a necessidade de comprovar qualquer interesse sobre a matéria tratada pela referida lei. Entretanto, para que um Governador de Estado impugne em ADIn lei oriunda de outro Estado da Federação, deve o Governador comprovar que a lei diz respeito à sua respectiva unidade federada, sob pena de não ser conhecida pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn no 902-8/SP). Enfim, em se tratando de ADIn proposta por Governador de Estado (legitimado especial), exige o STF que a lei, de algum modo, tenha repercussão no outro Estado, daí nascendo o interesse para o Governador ou a Mesa da Assembléia Legislativa. É comum a ocorrência dessa situação em matéria de ICMS, quando um Estado aprova lei que, indiretamente, prejudica os interesses de outras unidades federativas. A mesma restrição é feita nas hipóteses de ADIn ajuizada pelas Mesas das Assembléias Legislativas Estaduais ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, exigindo o Tribunal a presença de vínculo objetivo de pertinência entre o conteúdo da norma impugnada e os interesses daquelas Casas Legislativas. No tocante às confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional, da mesma forma, exige-se a comprovação de pertinência temática para a propositura de ADIn, isto é, só poderão elas propor ADIn impugnando matéria que tenha relação com os interesses dos sindicalizados ou associados. Em relação à legitimação das confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que as associações que congregam exclusivamente pessoas jurídicas, as denominadas “associações de associações”, têm legitimidade ativa para propor ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3153 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, 5.5.2004). 6. MEDIDA CAUTELAR EM ADIN Medida cautelar, ou medida liminar, como se sabe, é uma antecipação provisória da tutela jurisdicional. O pedido é apreciado pelo Poder Judiciário diante da alegação, pelo autor da ação, da presença dos pressupostos fumus boni juris (fumaça do bom direito) e periculum in mora (perigo na demora). O fumus boni juris diz respeito ao fundamento do pedido, à demonstração de sua plausibilidade jurídica, à sua razoabilidade. Também deve ser evidenciado no pedido formulado que, não sendo concedida a liminar, com a demora do processamento e do julgamento definitivo da ação, há a possibilidade de ocorrer graves e irremediáveis transtornos, danos e prejuízos de difícil reparação (periculum in mora). No âmbito do controle abstrato, dispõe o art. 102, inciso I, alínea p, da Constituição Federal que compete ao STF processar e julgar, originariamente, o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade. Estabeleceu o constituinte, portanto, a possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado em ADIn, mediante pedido de cautelar, que será apreciado pelo próprio STF. Concedida a medida cautelar, assegura-se, em caráter temporário, até o julgamento final da ADIn, a suspensão dos efeitos da norma impugnada. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias (Lei nº 9.868/99, art. 10). Se julgar indispensável, o relator poderá ouvir, também, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias. Mas, em caso de excepcional urgência, o STF poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado (Lei nº 9.868/99, art. 10, § 3º). Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação (Lei nº 9.868/99, art. 12). Em regra, a medida cautelar é concedida com efeitos ex nunc, gerando efeitos somente a partir do momento em que o STF a defere. Excepcionalmente, porém, a medida cautelar poderá ser concedida com efeitos ex tunc, repercutindo sobre situações pretéritas, desde que o STF expressamente lhe outorgue esse alcance. Assim, a ausência de determinação expressa importa em outorga de eficácia ex nunc à suspensão cautelar de aplicabilidade da norma impugnada. A decisão que concede a medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade é dotada de efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Significa dizer que, uma vez concedida a medida cautelar pelo STF, ficam esses órgãos impedidos de aplicar a norma cuja eficácia está suspensa, até que o Tribunal venha a apreciar o mérito da ação. A concessão da medida cautelar em ADIn torna aplicável (provisoriamente) a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação do STF em sentido contrário (Lei no 9.868/99, art. 11, § 2o). A cautelar implica, assim, a restauração provisória da vigência de eventual norma revogada pela lei impugnada. Exemplificando: se a lei “A” foi revogada pela lei “B”, e esta foi objeto de ADIn, com concessão de medida cautelar, teremos o seguinte: a) suspensão da eficácia da lei “B” até o julgamento do mérito da ADIn; b) restauração automática da vigência da lei “A” até o julgamento do mérito, salvo manifestação expressa do STF em sentido contrário (o STF poderá impedir a repristinação da lei “A”, desde que o faça expressamente na sua decisão). Além de suspender a eficácia da norma impugnada até o julgamento do mérito, a cautelar implica, pois, a repristinação provisória (e automática) da vigência de eventual norma revogada pela lei impugnada, salvo manifestação do STF em sentido contrário. Porém, segundo o STF, a suspensão liminar da eficácia da lei não impede que se edite nova lei, na conformidade das regras constitucionais inerentes ao processo legislativo. 7. EFEITOS DA DECISÃO DEFINITIVA Estabelece a Constituição Federal que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 102, § 2º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Portanto, em regra, a decisão do STF em ação direta de inconstitucionalidade tem eficácia contra todos (erga omnes), efeitos retroativos (ex tunc) e força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Vejamos, portanto, o efetivo alcance da decisão proferida em ADIn: a) eficácia erga omnes: afirmar que uma decisão judicial possui eficácia erga omnes significa dizer que ela tem força geral, contra todos, que ela alcança todos os indivíduos sujeitos à aplicação da norma impugnada, mesmo aqueles que não foram parte na ação. As decisões proferidas pelo STF em todas as ações do controle em abstrato são dotadas de eficácia erga omnes. O oposto de eficácia erga omnes é a chamada eficácia inter partes, isto é, aquela eficácia que só alcança, que só produz efeitos, para as partes do processo, não alcançando terceiros que não integram a lide processual. As decisões judiciais proferidas no controle concreto são dotadas de eficácia inter partes, visto que somente produzem efeitos para as partes do processo. b) efeito vinculante: afirmar que uma decisão do STF é dotada de efeito vinculante significa dizer que ela não poderá ser desrespeitada pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas três esferas de governo, ficam vinculados à decisão proferida pelo STF, não podendo desrespeitá-la. Se houver desrespeito, o prejudicado poderá se valer da ação de reclamação perante o STF, para que este assegure a autoridade de sua decisão. As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas diferentes ações do controle em abstrato - ADIn, ADECON e ADPF – são dotadas de efeito vinculante. A força vinculante, porém, não alcança o próprio Supremo Tribunal Federal, limitando-se aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (ADin 2.675/PE, rel. Min. Carlos Velloso, 26/11/2003). c) efeitos ex nunc ou ex tunc: essas expressões dizem respeito ao momento em que a decisão começa a produzir efeitos. Se a decisão só produz efeitos daí por diante, somente para o futuro, os efeitos são ex nunc; se, ao invés, a decisão tem efeitos retroativos, alcançando momentos pretéritos, os efeitos são ex tunc. Em regra, a decisão do STF em ação direta é dotada de efeitos retroativos (ex tunc), retirando a lei do ordenamento jurídico desde o seu nascimento. Além desses efeitos – ex tunc, erga omnes e vinculante -, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma acarreta a repristinação automática de eventual norma anterior que por ela havia sido revogada (STF, Adin 2.215/PE). Exemplificando: suponha que a Lei “A” tenha sido revogada pela Lei “B”; num momento posterior, é declarada definitivamente a inconstitucionalidade da Lei “B” em ação direta; com a retirada da Lei “B” do ordenamento jurídico, a Lei “A” é tacitamente repristinada, isto é, volta automaticamente a viger. 7.1. DECLARAÇÃO FUTURO (EX NUNC) DE INCONSTITUCIONALIDADE PRO A Lei no 9.868/1999 passou a permitir que o STF, em situações excepcionais e mediante maioria qualificada de dois terços, manipule os efeitos de sua sentença proferida em ADIn e ADECON, nos seguintes termos: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. A Lei no 9.882/1999, que regula o processo de julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), trouxe essa mesma regra para as decisões proferidas nessa nova ação do controle em abstrato perante o STF. Atualmente, portanto, temos o seguinte: a) caso o STF proclame, em sede de ADIn, ADPF ou ADECON, a inconstitucionalidade de uma lei e não se pronuncie expressamente a respeito dos efeitos de sua decisão, tais efeitos serão retroativos, ex tunc (pois essa continua sendo a regra da pronúncia de inconstitucionalidade no Direito Brasileiro); b) caso o STF proclame, em sede de ADIn, ADPF ou ADECON, a inconstitucionalidade de uma lei e entenda que o reconhecimento de eficácia retroativa (ex tunc) à sua decisão possa comprometer a segurança jurídica ou o interesse social, poderá, desde que o faça expressamente, e por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento que fixar. Cabe anotar que, embora expressamente prevista somente para as decisões do Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle em abstrato (ADIn, ADECON e ADPF), o Tribunal tem asseverado que o sistema difuso ou incidental de controle de constitucionalidade também admite a mitigação dos efeitos da decisão, com a declaração de inconstitucionalidade, em casos determinados, com efeitos ex nunc, ou exclusivamente pro futuro (Ação Cautelar no 189, Rel. Min. Gilmar Mendes). 7.2. CAUSA DE PEDIR No controle em abstrato, o STF não está condicionado, no desempenho de sua atividade jurisdicional, pelas razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta (ADI 2213 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, 04/04/2002). Significa dizer que o Tribunal fica condicionado ao pedido do autor, mas não à causa de pedir, isto é, deverá analisar a constitucionalidade dos dispositivos indicados pelo autor, mas poderá declará-los inconstitucionais por fundamentação jurídica diferenciada, não apresentada pelo autor da ação. Exemplificando: um dos legitimados (CF, art. 103) propõe uma ação direta impugnando o art. 2º de uma determinada lei tributária por ofensa ao art. 150, I, da Constituição Federal (princípio da legalidade); o STF, ao apreciar a ação, poderá declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da mesma lei por ofensa ao art. 150, IV, da Constituição Federal (princípio do nãoconfisco). No entanto, deixou assente o STF que “tal circunstância não suprime, à parte, o dever processual de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio ao princípio da especificação das normas, os dispositivos alegadamente violados pelo ato normativo que pretende impugnar. Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de não conhecimento (total ou parcial) da ação direta, indicar as normas de referência - que, inscritas na Constituição da República, revestem-se, por isso mesmo, de parametricidade -, em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais” (ADI 2213 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, 04/04/2002). 13. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS: AMICUS CURIAE Não se admite a intervenção de terceiros não-legitimados no processo de ADIn, exceto na condição de amicus curiae (“amigo da corte”, ou “amigo da causa”). O instituto do amicus curiae está estabelecido no art. 7o, § 2o, da Lei no 9.868/99, que disciplina o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, ao prescrever que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades. Em consonância com esse dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal tem admitido participação de amicus curiae no processo de fiscalização abstrata, inclusive mediante a realização de sustentação oral (ADIn no 2.777, 26/11/2003). O amicus curiae significa a intervenção de terceiros no processo, na qualidade de informantes, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à solução da controvérsia, além de ser um fator de legitimação social das decisões da Corte constitucional (ADIn no 2.130). A participação de terceiros na qualidade de amicus curiae podese dar mediante a apresentação de memoriais e pareceres, bem assim mediante sustentação oral, a critério do ministro relator. Conforme leciona o Ministro Celso de Mello, a admissão da participação de terceiros na qualidade de amicus curiae, inclusive para o efeito de sustentar oralmente perante o STF, tem por fim privilegiar determinados “determinados valores básicos, como o princípio democrático, de um lado, e, de outro, esta perspectiva pluralística, que objetiva conferir legitimidade às decisões do Supremo Tribunal Federal, notadamente em sede de fiscalização abstrata”. Um exemplo de participação de amicus curiae no processo de ação direta de inconstitucionalidade foi, por exemplo, a intervenção de entidades de classe (sindicatos e federações) interessadas no julgamento das ações diretas em que se discutiu a constitucionalidade de dispositivos da Reforma da Previdência, aprovada pela Emenda Constitucional no 41, de 2003 (ADIn no 3.105 e no 3.128). No julgamento dessas ações diretas, a Ministra Relatora, Ellen Gracie, admitiu a sustentação oral, na condição de amicus curiae, de dois advogados, representando a Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Fenafisp); o Sindicato dos Policiais Civis de Londrina e Região (Sindipol); a Associação Nacional dos Advogados da União e dos Advogados das Entidades Federais (Anajur); o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes); a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Anfip); a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União (Fenajufe); o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical) e o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal (Sindijus/DF). Relevante destacar que as entidades interessadas não têm direito subjetivo à intervenção no processo de controle em abstrato, na condição de amicus curiae. Embora admissível essa intervenção no âmbito das diferentes ações do controle em abstrato perante o Supremo Tribunal Federal (ADIn, ADECON e ADPF), a decisão sobre a admissão, ou não, de terceiros na condição de amicus curiae é do ministro relator, decisão essa irrecorrível. Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio indeferiu o pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de ser incluída como parte interessada (amicus curiae) em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF no 54) ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), em que se discutia o direito de antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico (sem cérebro). A CNBB requeria sua inclusão no processo na condição de amicus curiae, para poder se manifestar sobre a matéria, com base no § 1o do art. 6o da Lei no 9.882/1999. Ressalva a intervenção na qualidade de amicus curiae, o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção de terceiros não-legitimados no controle em abstrato, tampouco a formação de litisconcorte ativo. XVIII) No Capítulo XXXIV: 2. OBJETO A ADIn por omissão tem como objeto a chamada omissão inconstitucional, que ocorre quando uma norma constitucional deixa de ser efetivamente aplicada pela falta de atuação dos órgãos dos poderes constituídos. Vale dizer, quando a Lei Maior deixa de ser observada, tornando-se letra morta, pela omissão ou não atuação do poder constituído competente. Observa-se, assim, que as hipóteses de ajuizamento da presente ação não decorrem de toda e qualquer espécie de omissão do Poder Público, mas sim daquelas omissões relacionadas com as normas constitucionais de eficácia limitada, em que a sua efetiva aplicabilidade está condicionada à ulterior edição dos atos requeridos pela Constituição. A inconstitucionalidade por omissão refere-se ao ato em tese, sem necessidade de estar relacionada com um caso concreto; o que se visa é ao restabelecimento da harmonia do sistema, com respeito à Constituição, que está sendo violada pela não-atuação dos poderes constituídos competentes. Assim como na ação direta de inconstitucionalidade genérica só podem ser apreciadas normas federais e estaduais (CF, art. 102, I, a), na ação direta de inconstitucionalidade por omissão também poderão ser impugnadas as omissões dos legisladores federal e estadual. XIX) No Capítulo XXXV: 3. LEGITIMAÇÃO Podem propor a ação declaratória de constitucionalidade os mesmos legitimados em ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, I ao IX). A Emenda Constitucional nº 45/2004 igualou a legitimação ativa em ação declaratória de constitucionalidade à legitimação em ação direta de inconstitucionalidade, alargando significativamente o número de órgãos e entes que poderão requerer a constitucionalidade de leis e atos normativos federais perante o Supremo Tribunal Federal (até então somente o Procurador-Geral da República, o Presidente da República e as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal podiam propor ação declaratória de constitucionalidade). 4. RELEVANTE CONTROVÉRSIA JUDICIAL Constitui pressuposto para o ajuizamento de ADECON a existência de relevante controvérsia judicial que ponha em risco a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo. A controvérsia deverá ser demonstrada na petição inicial, pela indicação da existência de ações em andamento em juízos ou tribunais inferiores em que a constitucionalidade da lei esteja sendo impugnada, e deverão ser levados ao conhecimento do STF os argumentos pró e contra a constitucionalidade da norma, possibilitando que esse Tribunal uniformize o entendimento sobre a sua legitimidade. Assim, para o ajuizamento da ADECON, é imprescindível a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição, objeto da ação declaratória. O autor da ação deve comprovar a existência dessa relevante controvérsia judicial sobre a lei que ele pretende que seja declarada constitucional pelo STF por meio da juntada à petição inicial de decisões judiciais nas quais, no âmbito do controle incidental, se discute se a lei é constitucional ou inconstitucional. Sem a observância desse pressuposto de admissibilidade, tornase inviável a instauração do processo de fiscalização normativa in abstracto, pois a inexistência de pronunciamentos judiciais antagônicos culminaria por converter a ADECON em um inadmissível instrumento de consulta sobre a validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal, descaracterizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a atividade desenvolvida pelo STF. Em verdade, o julgamento de uma ADECON é feito em duas fases: a) numa fase preliminar, o STF aprecia se é caso para propositura da ADECON, isto é, se restou comprovada pelo autor a existência de relevante controvérsia judicial sobre a constitucionalidade da lei objeto da ação; b) se comprovada a existência da relevante controvérsia, o STF conhece da ADECON e passa, então, à análise do mérito; caso o autor não comprove a existência de relevante controvérsia judicial sobre a validade da lei, a ação não será conhecida. Importantíssimo destacar que, segundo a jurisprudência do STF, a comprovação da controvérsia exige divergência judicial, e não somente de entendimentos doutrinários diversos. Enfim, a controvérsia comprovada deverá ser judicial, pela existência de inúmeras ações em andamento perante juízes e tribunais do Poder Judiciário; a mera divergência doutrinária não legitima a propositura de ação declaratória de constitucionalidade. 5. EFEITOS DA DECISÃO As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 102, § 2º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004). As decisões em ação declaratória de constitucionalidade, tanto no sentido da procedência como da improcedência da ação, terão, além da eficácia erga omnes, força vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. A previsão de efeito vinculante à decisão proferida na ADECON implica dizer que todos os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, ficam a ela vinculados, obrigados a respeitar o que foi decidido pelo STF, sob pena de afronta à autoridade do julgado dessa Corte. Em face dessa força vinculante, todos aqueles que forem atingidos por decisões contrárias ao entendimento firmado pelo STF no julgamento de mérito proferido em ADECON são considerados como parte legítima para a propositura de reclamação perante o Tribunal, para que este garanta a autoridade de sua decisão (CF, art. 102, I, f). Significa dizer que caso algum juiz ou tribunal do Poder Judiciário ou algum órgão da Administração Pública direta e indireta desrespeite a decisão firmada pelo STF em ADECON, a parte prejudicada poderá recorrer diretamente ao STF, por meio de reclamação, para que este garanta a autoridade de sua decisão, cassando a decisão do órgão inferior do Poder Judiciário, ou anulando a decisão da Administração Pública. 7. MEDIDA CAUTELAR O STF, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ADECON. A medida cautelar na ADECON consistirá na determinação de que os juízes e os tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até o julgamento definitivo da ADECON pelo STF (Lei no 9.868/99, art. 21). Concedida a medida cautelar, o STF fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia. Observa-se que, na ADECON, a eficácia da medida cautelar não implica suspensão da norma objeto da ação, já que, nesta ação, o pedido é justamente o reconhecimento da constitucionalidade da norma. A medida cautelar consistirá numa determinação para que os demais órgãos do Poder Judiciário suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo até a apreciação do mérito da ADECON pelo STF. O STF firmou entendimento de que a medida cautelar em ADECON possui efeito vinculante, obrigando os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Assim, o provimento cautelar deferido pelo STF em sede de ADECON, além de produzir eficácia erga omnes, reveste-se de efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. A eficácia vinculante que qualifica tal decisão legitima o uso da reclamação, se a integridade e a autoridade do julgamento do STF forem desrespeitadas. A Lei no 9.868/99 estabelece um prazo limite de cento e oitenta dias para a eficácia da medida cautelar concedida em ADECON, regrando que, vencido esse prazo sem a manifestação de mérito do STF, haverá perda de eficácia da medida concedida. Essa regra, que estabelece o prazo limite de eficácia da cautelar concedida em ADECON, não foi estendida à cautelar concedida em ADIn, que continua tendo eficácia por prazo indeterminado, até a apreciação de mérito pelo STF. 8. AÇÃO RESCISÓRIA A ação rescisória é a ação idônea para o desfazimento de coisa julgada, assim entendida aquela decisão judicial insuscetível de recurso – desde que, evidentemente, sejam observados os devidos pressupostos processuais. Não cabe ação rescisória contra decisão proferida pelo STF em ação declaratória de constitucionalidade, isto é, não é viável juridicamente se intentar o desfazimento de uma decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal proferida em ação declaratória de constitucionalidade. 9. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS Não cabe intervenção de terceiros não-legitimados no processo de ADECON, exceto na condição de amicus curiae, na forma e nas condições comentadas quando do estudo da ação direta de inconstitucionalidade. 11. CARÁTER DÚPLICE OU AMBIVALENTE A ação declaratória de constitucionalidade é dotada de caráter dúplice ou ambivalente, isto é, constitui ação de pronúncia tanto da constitucionalidade quanto da inconstitucionalidade do ato impugnado. Como o pedido na ADECON é pela constitucionalidade da norma, temos: se a ação for julgada procedente, o STF proclamará a constitucionalidade da norma; ao invés, se a ação for julgada improcedente, o STF estará reconhecendo a inconstitucionalidade da norma. Num ou noutro sentido, a decisão tem a mesma força estabelecida no art. 102, § 2º, da Constituição Federal - eficácia erga omnes e efeito vinculante. XX) No Capítulo XXXVI: 4. COMPETÊNCIA A competência para o processo e julgamento da ADPF é do Supremo Tribunal Federal. Embora não haja autorização expressa no texto da Constituição Federal, entendemos que os Estados-membros também poderão instituir argüição de descumprimento de preceito fundamental, desde que para assegurar a observância de preceitos indicados na Constituição do Estado. 5. OBJETO A ADPF terá por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. Observa-se que a ADPF será cabível diante de duas hipóteses distintas: a) diante de ato (ou ameaça da prática de ato) do Poder Público que lesione preceito fundamental, visando a evitar ou reparar tal lesão; b) diante da existência de relevante controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. Observa-se que a primeira hipótese cuida de ação em face de ato in genere praticado pelo Poder Público (ou na iminência de sua prática, hipótese em que teremos a ADPF preventiva). Na segunda hipótese, permite-se atacar, in abstracto, lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, anteriores ou posteriores à Constituição, cuja controvérsia tenha fundamento relevante. Importantíssimo esclarecer que até a criação da argüição de descumprimento de preceito fundamental, o controle da constitucionalidade das normas municipais perante o Supremo Tribunal Federal, em confronto com a Constituição Federal, somente era efetivado na via difusa. Não havia hipótese de se discutir, diretamente perante o Supremo Tribunal Federal, a validade do Direito Municipal. Portanto, não havia fiscalização abstrata do direito municipal perante o Supremo Tribunal Federal. Isso porque a ação direta de inconstitucionalidade só admite como seu objeto normas federais e estaduais, e a ação declaratória de constitucionalidade só se presta para a aferição da constitucionalidade de normas federais. A Lei no 9.882/99 mudou essa situação, ao permitir que se leve diretamente ao conhecimento do STF, em sede de ADPF, relevante controvérsia sobre lei ou ato normativo municipal, em confronto com dispositivo da Constituição Federal. Houve também alteração no que se refere à aferição da legitimidade das normas anteriores à vigente Constituição, do chamado direito pré-constitucional, agora passível de controle abstrato perante o STF, desde que na via da ADPF. Por fim, o legislador estabeleceu a possibilidade de ADPF preventiva, ao dispor que será cabível a ação para “evitar” lesão a preceito fundamental. 6. LEGITIMAÇÃO Podem propor argüição de descumprimento de prefeito fundamental os mesmos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, I ao IX). Em verdade, a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, os legitimados pelo art. 103, I ao IX, da Constituição Federal poderão propor todas as ações do controle em abstrato perante o Supremo Tribunal Federal. XXI) No Capítulo XXXVIII: 4. PARÂMETRO DE CONTROLE Importante ressaltar a inequívoca diferenciação entre os parâmetros do controle abstrato exercido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Justiça (TJ). O STF aprecia em ação direta de inconstitucionalidade leis e atos normativos federais ou estaduais em face da Constituição Federal; o TJ aprecia em ação direta de inconstitucionalidade leis ou atos normativos estaduais ou municipais em confronto com a Constituição Estadual. Assim, temos: a) o STF realiza controle abstrato em face da Constituição Federal, enquanto o TJ realiza controle abstrato em confronto com a Constituição Estadual; b) uma lei federal poderá ser objeto de ADIn perante o STF, mas não poderá ser impugnada em ação direta perante o TJ; c) uma lei municipal poderá ser objeto de ADIn perante o TJ, mas não poderá ser impugnada em ADIn perante o STF; d) as leis estaduais estão sujeitas a uma dupla fiscalização via ação direta: poderão ser impugnadas em ADIn perante o TJ, em confronto com a Constituição do Estado, bem assim ser objeto de ADIn perante o STF, em face da Constituição Federal. Se houver simultaneidade de ações diretas de inconstitucionalidade contra a mesma lei estadual (propositura simultânea de duas ações diretas, uma perante o STF, outra perante o TJ), será suspenso o julgamento perante o Tribunal de Justiça, até que o Supremo Tribunal Federal aprecie a validade da lei. Apreciada a ação direta pelo Supremo Tribunal Federal, teremos o seguinte: a) caso o Supremo Tribunal Federal declare a lei estadual inconstitucional em confronto com a Constituição Federal, o Tribunal de Justiça não mais apreciará a ação direta que havia impugnado a mesma lei em confronto com a Constituição do Estado (afinal, se a lei estadual contraria a Constituição Federal, não poderá ela permanecer no ordenamento jurídico); b) caso o Supremo Tribunal Federal declare a lei estadual constitucional em confronto com a Constituição Federal, o Tribunal de Justiça prosseguirá no julgamento da ação direta que impugna a lei em face da Constituição do Estado (afinal, é possível que a lei estadual não contrarie a Constituição Federal, mas seja incompatível com a Constituição do Estado). Anote-se, ainda, que é possível que uma lei estadual seja declarada constitucional pelo Tribunal de Justiça em ação direta e, no amanhã, venha a ser declarada inconstitucional em outra ação direta, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal. Nessa hipótese, prevalecerá a decisão firmada pelo Supremo Tribunal Federal, que retirará a lei do ordenamento jurídico. Isso porque o Tribunal de Justiça, em ação direta, avalia a validade da lei em confronto com a Constituição do Estado, ao passo que o Supremo Tribunal Federal avalia tal validade em face da Constituição Federal. Finalmente, um aspecto importantíssimo: as regras aqui estudadas, a respeito do controle em abstrato perante o Tribunal de Justiça, não podem ser confundidas com o controle difuso, também realizado por esse Tribunal Estadual. Com efeito, vimos que no controle em abstrato o Tribunal de Justiça não aprecia a validade de normas federais, mas, apenas, de normas estaduais e municipais (CF, art. 125, § 2º). Essa restrição, no entanto, não se aplica ao controle difuso, realizado pelo Tribunal de Justiça diante das controvérsias concretas a ele submetidas. No controle difuso não há nenhuma vedação a que o Tribunal de Justiça aprecie a validade de normas federais. Assim, o Tribunal de Justiça, como qualquer outro tribunal ou juiz do País, pode declarar a inconstitucionalidade de normas federais, desde que no âmbito do controle difuso, diante de casos concretos. Vimos, também, que o Tribunal de Justiça só realiza controle em abstrato em face da Constituição Estadual, jamais em confronto com a Constituição Federal (CF, art. 125, § 2º). A competência para realizar controle em abstrato em confronto com a Constituição Federal é exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Da mesma forma, essa restrição não se aplica à atuação do Tribunal de Justiça no controle difuso. Em verdade, o Tribunal de Justiça realiza sim controle de constitucionalidade em confronto com a Constituição Federal, desde que na via difusa, diante de casos concretos a ele submetidos. 5. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Vimos que o Tribunal de Justiça só realiza controle em abstrato de normas estaduais e municipais em confronto com a Constituição do Estado (CF, art. 125, § 2º). Vale dizer, um dos legitimados pela Constituição Estadual poderá impugnar em ação direta perante o Tribunal de Justiça leis ou atos normativos estaduais e municipais, e o Tribunal de Justiça apreciará a validade dessas normas em confronto com a Constituição do Estado. Sabendo-se que o controle em abstrato no Estado-membro é realizado em confronto com a Constituição Estadual, e que o Tribunal de Justiça é o órgão máximo da Justiça do Estado, podemos concluir que, em regra, a decisão do Tribunal de Justiça no controle em abstrato é irrecorrível frente a outros Tribunais. Quando o Tribunal de Justiça decide em ação direta de inconstitucionalidade, sua decisão, em regra, é irrecorrível frente a outros tribunais. Afinal, repita-se, esse controle abstrato é realizado em face da Constituição Estadual, e ele, Tribunal de Justiça, é o órgão máximo da Justiça do Estado. Porém, há uma situação em que contra a decisão do Tribunal de Justiça, proferida no controle em abstrato, será cabível recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, conforme examinado a seguir. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na hipótese de ajuizamento de ação direta perante o Tribunal de Justiça com a alegação de ofensa à norma constitucional estadual que reproduz dispositivo da Constituição Federal de observância obrigatória pelos Estados, contra a decisão daquele Tribunal há a possibilidade de interposição de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (ADIn no 1.2682/MG). Exemplificando: suponha que uma lei – estadual ou municipal seja impugnada em ação direta perante o Tribunal de Justiça, em face do art. 40 da Constituição do Estado, artigo esse que é mera reprodução de dispositivo da Constituição Federal; nessa hipótese, o Tribunal de Justiça apreciará a ADIn, firmando sua posição sobre a validade da lei; porém, será cabível recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Ademais, nessa hipótese, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a decisão do Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário interposto contra a decisão de Tribunal de Justiça em ADIn terá eficácia geral (erga omnes), por se tratar de controle abstrato, ainda que a via do recurso extraordinário seja própria do controle difuso, eficácia essa que se estende a todo o território nacional (RE no 187.142/RJ). Em decorrência dessa eficácia erga omnes, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nesse recurso extraordinário, caso seja declarada a inconstitucionalidade da norma, não será comunicada ao Senado Federal, para os efeitos do art. 52, X, da Constituição Federal. Afinal, se a própria decisão do Supremo Tribunal Federal já é dotada de eficácia erga omnes, retirando a norma do ordenamento jurídico, não há que se falar em suspensão da execução dessa norma pelo Senado Federal. Ademais, deixou assente o Supremo Tribunal Federal a desnecessidade de alcançar-se a maioria absoluta no julgamento de recurso extraordinário interposto contra representação de inconstitucionalidade ajuizada perante Tribunal de Justiça (PET (AgR) no 2.788-RJ, Rel. Min. Carlos Velloso). 6. DISTRITO FEDERAL A União possui competência para a instituição do controle em abstrato de leis ou atos normativos do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica, cujo julgamento compete ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). A competência da União para dispor sobre a organização judiciária do Distrito Federal tem assento constitucional, conforme preceituam os arts. 22, XVII, e 48, IX, da Carta. Portanto, vale frisar, as leis e atos normativos distritais podem ter sua legitimidade aferida em face da Lei Orgânica do Distrito Federal, em sede de ação direta, a ser proposta perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). A distinção em relação aos Estados-membros está na instituição do controle em abstrato: no âmbito dos Estados-membros, caberá à Constituição do Estado instituir o controle em abstrato perante o respectivo Tribunal de Justiça; no Distrito Federal, o controle em abstrato exercido perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) não será instituído pela Lei Orgânica do Distrito Federal, mas sim por Lei Federal editada pela União, por força do art. 22, XVII, da Constituição Federal. No Distrito Federal, portanto, o controle em abstrato não será instituído pela Lei Orgânica do Distrito Federal, mas sim por lei federal, editada pelo Congresso Nacional, por força do art. 22, XVII, da CF. 7. ADIN INTERVENTIVA No plano federal, a figura da representação para fins de intervenção está prevista no art. 36, III, da Constituição Federal, que exige a representação interventiva do Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal nos casos de recusa à execução de lei federal (CF, art. 34, VI) e ofensa aos princípios sensíveis (CF, art. 34, VII). A Constituição Federal prevê, também, a instituição da representação interventiva pelos Estados-membros, destinada à fiscalização da constitucionalidade da intervenção do Estadomembro nos seus Municípios. Com efeito, reza a Constituição Federal que os Estadosmembros poderão intervir nos seus Municípios caso o Tribunal de Justiça dê provimento à representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial (CF, art. 34, IV). Esse o dispositivo constitucional que prevê a representação interventiva no âmbito dos Estados (CF, art. 34, IV). O direito de propositura dessa representação interventiva estadual pertence ao Procurador-Geral de Justiça (CF, 129, IV), Chefe do Ministério Público Estadual, perante o Tribunal de Justiça (TJ). Segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, a decisão do Tribunal de Justiça na representação interventiva para viabilizar a intervenção estadual no Município reveste-se de caráter político-administrativo, sendo, portanto, definitiva. Assim, contra a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça na representação interventiva não cabe recurso para o Supremo Tribunal Federal. Essa matéria restou consolidada no enunciado da Súmula no 637 do Supremo Tribunal Federal: “Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município”.