O ENSINO DA FLAUTA DOCE NA ESCOLA REGULAR: QUESTÕES EMERGENTES
EM PUBLICAÇÕES DA ÁREA DE MÚSICA
Paula Andrade Callegari
[email protected]
Universidade Federal de Uberlândia
Comunicação – Relato de pesquisa
Resumo: Este texto apresenta parte dos resultados encontrados em pesquisa concluída que
criou um banco de dados com material publicado no Brasil, a partir do ano 2000, cujo objeto
de estudo é a flauta doce. A pesquisa utilizou os procedimentos da investigação bibliográfica
e pautou-se nos estudos do Estado da Arte para nortear a organização dos dados. Este recorte,
inserido na categoria analítica Educação Musical, discute como o ensino de flauta doce nas
escolas regulares foi abordado pelos autores da área de música.
Palavras-chave: Flauta doce. Escola regular. Banco de dados.
1. A criação do Banco de dados
A flauta doce tem ganhado espaço de forma bastante variada no cenário musical
brasileiro nas últimas décadas. Sua presença pode ser constatada em diversas situações de
ensino e aprendizagem, que incluem desde ações destinadas ao público infantil até a terceira
idade, em contextos tão diversos como as escolas específicas de música, as escolas de ensino
regular, os projetos sociais e festivais de música do país. Também é fácil notar a presença de
flautistas desenvolvendo pesquisas acadêmicas em uma ampla diversidade de temáticas e se
apresentando artisticamente em conjuntos com as mais variadas formações instrumentais.
Seguindo essa tendência de expansão, hoje o ensino da flauta doce nos cursos superiores de
música do Brasil é uma realidade em todas as regiões do país.
A consciência deste cenário associada à necessidade de encontrar bibliografias de
embasamento para as diversas disciplinas vinculadas à flauta doce que compõem a grade
curricular do Curso de Música (Licenciatura e Bacharelado) da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), bem como para fundamentar os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs)
dos discentes levou à proposta desta pesquisa. Ela foi realizada entre os anos de 2010 e 2013,
vinculada ao Curso de Música da UFU, com os objetivos de: 1) criar um banco de dados com
material publicado no Brasil, a partir do ano 2000, em formato impresso ou digital, cujo
objeto de estudo seja a flauta doce; e 2) facilitar o acesso dos leitores ao material publicado no
Brasil sobre a flauta doce.
Essa busca por bibliografias permitiu constatar que as informações acerca da
flauta doce, em língua portuguesa, estão localizadas em diversos e importantes trabalhos
produzidos no Brasil, em uma produção que é recente e está esparsa. O material que se
conhece consiste de trabalhos apresentados em eventos científicos, artigos publicados em
periódicos da área de música e pesquisas disponíveis em bibliotecas digitais de Instituições de
Ensino Superior brasileiras. Assim, este cenário nos impôs a necessidade de agrupar,
conhecer, analisar e compreender essa produção.
2. Metodologia
A definição dos objetivos da pesquisa conduziu à abordagem qualitativa, com os
procedimentos da investigação bibliográfica, isto é, “desenvolvida a partir de material já
elaborado” (GIL, 1996, p. 48). Nas palavras de Severino (2007, p. 122), “a pesquisa
bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas
anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc.” (itálico no original).
Assim, nesta pesquisa, a investigação bibliográfica consistiu de leituras das publicações
brasileiras acerca da flauta doce, com vistas à análise e organização do material no banco de
dados.
Considerando o caráter bibliográfico da pesquisa, utilizou-se dos estudos do
Estado da Arte, pois este é um tipo de pesquisa bibliográfica que mapeia e discute
determinada produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento (FERNANDES et
all, 2007). Além disso, “busca a compreensão do conhecimento sobre determinado tema, em
um período de tempo específico, e, consequentemente, sua sistematização e análise”
(TEIXEIRA, 2006, p. 60). Para tanto, e seguindo as orientações destes autores, o banco de
dados considera a produção acadêmica brasileira que inclui teses de doutoramento,
dissertações de mestrado, monografias de especialização e graduação, bem como publicações
em periódicos e trabalhos em anais de congressos.
A partir destes preceitos metodológicos, a pesquisa foi desenvolvida em três
etapas. A primeira delas caracterizou-se pelo levantamento de bibliografias pertinentes aos
objetivos da pesquisa, realizado em sítios eletrônicos de bibliotecas digitais de teses e
dissertações de universidades brasileiras, em periódicos da área de música e nos anais de
congressos, com destaque para os da Associação Brasileira de Educação Musical (Abem) e da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM). Com a
apresentação do projeto e de seus resultados parciais em eventos da área, o levantamento
passou a incluir também os trabalhos que nos foram indicados e/ou enviados por flautistas e
pesquisadores. A segunda etapa foi caracterizada pela seleção do material que tinha a flauta
doce como foco do trabalho de investigação ou relato de experiência para a inclusão no banco
de dados. A partir disso, ocorreu a classificação dos trabalhos, na terceira etapa, de acordo
com quatro categorias: Educação Musical, Musicologia, Práticas Interpretativas e Sonologia.
3. Mapeamento da produção
O mapeamento da produção foi realizado entre 2010 e 2013 e ocasionalmente
esteve vinculado às disciplinas Metodologia do Ensino e Aprendizagem do Instrumento 1 e 2
e Literatura do Instrumento 1, da habilitação em flauta doce. Paralelamente a este
levantamento tivemos acesso a pesquisas acadêmicas, a partir do contato direto com autores e
flautistas. As fontes consultadas incluem: 1) anais de congressos (Abem, ANPPOM,
Seminário Brasileiro de Educação Musical Infantil e Encontro Internacional de Educação
Musical e Simpósio de Cognição e Artes Musicais); 2) periódicos (Art-Music Review,
Revista da Abem, Revista do Conservatório de Música UFPel, Revista Ictus, Revista Música
Hodie, Revista Opus, Revista OuvirOUver e Revista Per Musi); e 3) sites de bibliotecas
digitais de teses e dissertações (USP, UFRGS e Unicamp).
No total, foram levantados 87 trabalhos, divididos em quatro categorias, definidas
de acordo com as subáreas de Educação Musical, Musicologia, Práticas Interpretativas e
Sonologia. A categoria Educação Musical é a mais numerosa, com 73 trabalhos, seguida pela
Musicologia, que possui 07 textos, depois pela categoria Práticas Interpretativas, com 06
trabalhos, e por fim, pela Sonologia, que possui 01 publicação.
4. Flauta doce e Educação Musical
A superioridade numérica da categoria Educação Musical deve-se, em parte, ao
fato de ter havido um levantamento massivo nas publicações da Abem para a realização de
duas pesquisas de conclusão de curso e de disciplinas vinculadas a esta subárea. Esse
levantamento foi facilitado pela disponibilidade gratuita de todos os textos publicados nas
revistas e anais dos congressos na página eletrônica da Associação. Se por um lado
encontramos apenas dois artigos publicados ao longo de toda a existência da Revista da
Abem, dedicados à flauta doce, por outro, observa-se um grande número de trabalhos que são
apresentados nos encontros nacionais da Associação. A maior parte deste material foi
discutida em publicações da área (CALLEGARI, 2011a; 2012) e nota-se, além do grande
volume de trabalhos, uma ênfase em questões teóricas e práticas do ensino do instrumento,
em uma ampla diversidade de ações e contextos. Os 73 textos desta categoria incluem 01 tese,
06 dissertações, 05 monografias, 05 artigos publicados em periódicos (01 na Revista Opus, 02
na Revista da Abem e 02 na Revista Ictus) e 56 trabalhos publicados em anais de congressos
da área de música (51 nos encontros nacionais da Abem, 04 nos congressos da ANPPOM e 01
no Seminário Brasileiro de Educação Musical).
Há uma ampla variedade de temáticas entre os textos mapeados nesta categoria e
que puderam ser agrupados para análise, como os trabalhos em projetos de inclusão social, em
escolas regulares, trabalhos que relatam projetos de extensão universitária, que refletem sobre
o processo de construção da docência ou de aprendizagem para a docência, outros que
discutem os métodos para o ensino de flauta doce e os que abordam questões relativas ao
repertório (com destaque para a música brasileira e a contemporânea). Nesta categoria, foram
encontrados, ainda, alguns trabalhos particulares, cuja temática é abordada por um único
autor. É o caso, por exemplo, do ensino da flauta doce em projetos voltados para a terceira
idade, da construção de um software educativo musical e dos problemas da EAD, do relato de
realização dos encontros de flauta doce em uma escola específica de música e da discussão da
dupla função da flauta doce, como instrumento apto à educação musical e como instrumento
solista.
Os trabalhos encontrados nos anais dos encontros nacionais da Abem incluem
resultados parciais ou recortes de pesquisas acadêmicas, mas principalmente, relatos de
experiências no ensino e aprendizagem musical que focalizam a flauta doce. Neste material
também encontramos dois trabalhos que dizem respeito a projetos artístico-culturais que
visam à divulgação de repertório brasileiro para a flauta doce. Além disso, o mapeamento dos
trabalhos permitiu encontrar uma enorme quantidade de textos que citam a flauta doce como
um instrumento utilizado nas ações educativas, mas ela não se configura como o foco
principal do trabalho. Desse modo, eles não foram considerados para o banco de dados.
5. A flauta doce na escola regular
Uma das temáticas mais numerosas da categoria Educação Musical diz respeito ao
desenvolvimento de ações com a flauta doce no âmbito das escolas regulares. Nesta temática,
prevalecem os trabalhos coletivos e a maior parte dos textos apresenta relatos de experiências
dos autores. A tônica dos trabalhos desta temática é a relação entre o desenvolvimento de
atividades de musicalização e o processo de ensino-aprendizagem de um instrumento musical.
Muitas das ações desenvolvidas nas escolas foram possíveis por meio de parcerias com as
universidades, na realização de estágios ou práticas de ensino (KALFF; BEINEKE, 2004;
MACHADO; DUTRA; ROCHA, 2005; BONA; MACHADO, 2006), e em projetos de
extensão (FIALHO; ARALDI; HIROSE, 2008; DIAS; SOUZA, 2009).
Para o trabalho nas escolas, houve a preocupação com o material didático. Alguns
autores discutiram a criação de material didático, para apoiar o professor das séries iniciais do
ensino fundamental, com propostas que integram atividades de execução instrumental,
composição e apreciação musical. Neste processo, esses autores criaram arranjos que incluem
flauta doce, voz e percussão, num contexto coletivo de aprendizagem, visando turmas com
mais de 15 alunos (BEINEKE et al., 2003; BEINEKE, 2003; PEREIRA, 2009).
Outra questão que emerge nos textos que discutem a utilização da flauta doce na
escola é a construção e escolha do repertório. Penteado (2007), por exemplo, propôs a criação
de um repertório didático para favorecer o aprendizado de forma variada e progressiva, com a
inclusão da palavra cantada, do ritmo e da exploração de ostinatos no próprio corpo. Uma
preocupação encontrada em muitos textos agrupados nesta temática foi a busca por práticas
que equilibrem atividades de composição, execução e apreciação musical (BEINEKE et al.,
2003; BEINEKE, 2003; VEBER, 2003; KALFF; BEINEKE, 2004).
Considerando-se que o ensino de música em escolas regulares é essencialmente
coletivo, todas as ações discutidas nesta temática visaram à prática musical em conjunto. No
entanto, há que se destacar o trabalho de Puerari (2008), que resultou no Projeto de Extensão
Orquestra de Flautas Doces do Colégio de Aplicação da UFRGS, em Porto Alegre.
Poucos relatos incluídos nesta categoria deixaram clara a utilização de um
referencial teórico para nortear as discussões. Quando esse referencial é indicado, nota-se que
a maior parte dos trabalhos busca fundamentação em conceitos e autores estrangeiros da
Educação e da Educação Musical. O referencial que mais aparece nos trabalhos é o Modelo
(T)EC(L)A ou C(L)A(S)P de K. Swanwick (WEILAND, 2006; PEREIRA, 2009; DINIZ;
MORATO, 2005; WEILAND; VALENTE, 2007a; WEILAND; WEICHSELBAUM, 2008;
WEILAND; VALENTE, 2007b). Por fim, observa-se um pequeno número de trabalhos que
citam autores brasileiros (PEREIRA, 2009; TORRES, 2008; WEICHSELBAUM;
WEILAND, 2009; SOUZA; BELLOCHIO, 2010).
6. Considerações finais
A criação do Banco de Dados, desde o seu início, apresentou resultados positivos,
uma vez que contribuiu para o subsídio de diversas disciplinas, pesquisas acadêmicas e
projetos de extensão do Curso de Música da UFU. Essas disciplinas, obrigatórias tanto para a
Licenciatura como para o Bacharelado em Flauta Doce, somadas aos TCCs (NÓBREGA,
2012; CASTILHO, 2011), impulsionaram a realização do levantamento e manipulação do
material, ao mesmo tempo em que retroalimentaram a pesquisa. É importante destacar que
diversas ações do Grupo de Flauta Doce da UFU se beneficiaram da pesquisa, em especial os
projetos Recordari (2012 e 2013) e Brasileirinho (2013-2014).
Embora as fontes a serem pesquisadas ainda sejam numerosas, é possível discutir
o conhecimento produzido em pesquisas e experiências relativas à flauta doce. A categoria
Educação Musical, por ser muito numerosa, permitiu o agrupamento dos textos em diversas
temáticas para análise. No âmbito da escola regular, foi possível observar os assuntos mais
abordados pelos autores, tais como a criação de material didático, a preocupação com o
repertório, o equilíbrio entre as atividades de execução instrumental, criação e apreciação
musical e diversos aspectos do ensino coletivo do instrumento. Por outro lado, foi possível
identificar alguns focos que carecem de produções e que poderão gerar futuras pesquisas: o
perfil e formação do profissional que ensina flauta doce; as habilidades técnico-instrumentais
e conhecimentos específicos do instrumento que são trabalhados nessas experiências; a
discussão de métodos de aperfeiçoamento técnico-musical no instrumento; a relação entre o
repertório das canções infantis, da cultura popular e músicas do cotidiano e o repertório
originalmente composto para o instrumento em diferentes épocas; dentre outros.
Considera-se que a pesquisa alcançou plenamente os seus objetivos, com a criação
do banco de dados, que oferece facilidade ao acesso dos pesquisadores e demais interessados
ao material publicado no Brasil sobre a flauta doce. O banco de dados está disponível na
página
eletrônica
do
Curso
de
Música
da
UFU,
no
seguinte
endereço:
http://www.nuppim.iarte.ufu.br/banco_dados_fdoce.
Acredita-se que o Banco de Dados pode contribuir para uma compreensão mais
ampla sobre a produção brasileira relativa à flauta doce e que ele é uma importante ferramenta
para profissionais, pesquisadores e demais interessados, dando sustentabilidade para o
desenvolvimento de trabalhos artísticos e de ensino da flauta doce em diversos níveis, bem
como para subsidiar o desenvolvimento de projetos de extensão e futuras pesquisas
científicas. Finalmente, o Banco de Dados cumpre o seu objetivo de contribuir para a
divulgação e democratização da produção intelectual brasileira referente à flauta doce e para o
amadurecimento da produção científica brasileira sobre este instrumento.
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