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ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
UNEP, Still Pictures
Água doce
Panorama mundial
Recursos
O volume total de água na Terra é de aproximadamente 1,4 bilhão de km3, dos quais apenas 2,5%, ou
cerca de 35 milhões de km3, correspondem a água
doce (ver tabela na página ao lado). A maior parte da
água doce se apresenta em forma de gelo ou neve
permanente, armazenada na Antártida e na Groenlândia, ou em aqüíferos de águas subterrâneas
profundas. As principais fontes de água para uso
humano são lagos, rios, a umidade do solo e bacias
de águas subterrâneas relativamente pouco profundas. A parte aproveitável dessas fontes é de apenas
cerca de 200 mil km3 de água – menos de 1% de toda
a água doce e somente 0,01% de toda a água da
Terra. Grande parte dessa água disponível está localizada longe de populações humanas, dificultando ainda mais sua utilização.
A reposição de água doce depende da evaporação da superfície dos oceanos. Aproximadamente 505 mil km3, ou uma camada de 1,4 metro de espessura, evaporam dos oceanos a cada ano. Outros 72
mil km3 evaporam da terra. Cerca de 80% do total de
precipitações, o equivalente a 458 mil km3/ano, cai
sobre os oceanos, e os 119 mil km3/ano restantes,
sobre a terra. A diferença entre a precipitação sobre
as superfícies de terra e a evaporação dessas superfícies (119 mil km3 menos 72 mil km3 por ano)
corresponde a escoamentos e reposição de águas
subterrâneas – aproximadamente 47 mil km3 por ano
(Gleick, 1993). O gráfico na página 164 apresenta um
cálculo aproximado do equilíbrio hídrico anual médio das principais áreas continentais, incluindo pre-
ÁGUA DOCE
cipitação, evaporação e escoamento. Mais da metade de todo o escoamento ocorre na Ásia e na América do Sul, e uma grande parte ocorre em um único
rio, o Amazonas, que leva mais de 6 mil km3 de água
por ano (Shiklomanov, 1999).
Escassez de água
Aproximadamente um terço da população mundial
vive em países que sofrem de estresse hídrico entre
moderado e alto – onde o consumo de água é superior a 10% dos recursos renováveis de água doce.
Cerca de 80 países, que abrigam 40% da população
mundial, sofriam de grave escassez de água em meados da década de 1990 (CSD, 1997a), e estima-se
que, em menos de vinte e cinco anos, dois terços da
população global estarão vivendo em países com
estresse hídrico (CSD, 1997b). Para 2020, prevê-se
que o uso da água aumentará em 40% e que será necessário um adicional de 17% de água para a produção de alimentos, a fim de satisfazer as necessidades da população em crescimento (World Water
Council, 2000a).
No século passado, os três principais fatores que causaram aumento na demanda de água foram o crescimento demográfico, o desenvolvimento
industrial e a expansão da agricultura irrigada. A agricultura foi responsável pela maior parte da extração
de água doce nas economias em desenvolvimento
nas duas últimas décadas. Os planejadores sempre
acreditaram que uma demanda crescente viria a ser
satisfeita por um maior domínio do ciclo hidrológico
mediante a construção de mais infra-estrutura. A
construção de represas nos rios tem sido tradicionalmente uma das principais formas de garantir recursos hídricos adequados para irrigação, geração
de energia hidrelétrica e uso doméstico. Cerca de
60% dos 227 maiores rios do mundo foram muito ou
moderadamente fragmentados por represas, desvios ou canais, causando efeitos sobre os ecossistemas de água doce (WCD, 2000). Tal infra-estrutura proporcionou benefícios importantes, como o incremento da produção de alimentos e de energia elétrica. Os custos, porém, também têm sido importantes. Nos últimos cinqüenta anos, as represas transformaram os rios do mundo, deslocando de 40 milhões a 80 milhões de pessoas em diferentes partes
do planeta (WCD, 2000) e causando mudanças
irreversíveis em muitos dos ecossistemas estreitamente relacionados a esses rios.
A ênfase dada ao abastecimento de água, associada à aplicação ineficiente da legislação, limitou
a eficácia da gestão dos recursos hídricos, principalmente nas regiões em desenvolvimento. Os responsáveis pela elaboração de políticas, em lugar das
soluções totalmente centradas no abastecimento,
passaram a adotar a gestão da demanda, salientando a importância de utilizar uma combinação de medidas para garantir fornecimentos suficientes de água
para diferentes setores. Entre as medidas, vale citar
o melhoramento da eficiência no uso da água, políticas de preços e privatização. Também existe uma
nova ênfase sobre a gestão integrada dos recursos
hídricos, que considera todas as diferentes partes
interessadas no planejamento, no desenvolvimento
e na gestão de recursos hídricos (CSD, 1997b).
163
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
164
Precipitação, evaporação e escoamento
por região (km3/ano)
35.000
evaporação
32.200
escoamento
30.000
28.400
14.100
25.000
22.300
4.600
20.000
12.200
18.300
15.000
8.180
18.100
10.000 8.290
16.200
7.080
17.700
10.100
2.970
2.510
2.310
4.570
5.000
5.320
0
Europa
Ásia
África
América
do Norte
América
do Sul
Austrália/
Oceania
Antártica
As barras verticais indicam o total relacionado à precipitação; as áreas sombreadas representam
a evaporação, enquanto as áreas mais claras destacam o escoamento observado. A precipitação
anual total sobre o solo é da ordem de 119 mil km3, dos quais 72 mil km3 se evaporam, restando
cerca de 47 mil km3 de escoamento.
Notas: as regiões não correspondem exatamente àquelas descritas pelo GEO; os escoamentos incluem fluxos
que correm para as águas subterrâneas, as bacias continentais e os deslocamento de gelo da Antártida.
Fonte: Shiklomanov, 1993
Área global irrigada e extração da água
300
área irrigada (milhão de ha)
extração hídrica (km³/ano)
250
3.940
200
3.760
3.580
150
3.200
2.574
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
0
Desde 1970 as extrações hídricas no globo refletem o aumento das áreas irrigadas. Cerca de 79%
das extrações se destinam à agricultura, principalmente para a irrigação, que produz 40% dos
alimentos do mundo.
Fonte: FAO, 2001; Shiklomanov, 1999
Agricultura irrigada
A agricultura é responsável por mais de 70% da água
doce retirada de lagos, rios e fontes subterrâneas. A
maior parte é utilizada para irrigação, que fornece cerca de 40% da produção alimentar mundial (CSD,
1997a). Nos últimos trinta anos, a superfície de terras
irrigadas aumentou de 200 milhões ha para mais de
270 milhões ha (FAO, 2001). Durante o mesmo período, as extrações globais de água aumentaram de cerca de 2.500 km3 para um volume superior a 3.500 km3
(Shiklomanov, 1999). A gestão inadequada resultou
na salinização de cerca de 20% das terras irrigadas do
planeta, com mais 1,5 milhão de hectares afetados
anualmente (CSD, 1997a), reduzindo de forma significativa a produção de cultivos (WCD, 2000). Os países mais gravemente afetados encontram-se principalmente em regiões áridas e semi-áridas.
Algumas das medidas de intervenção foram
os programas de ação nacional, análise e reforma das
políticas relativas à água, a promoção de maior eficiência no uso da água e a transferência de tecnologia
de irrigação. Em âmbito internacional, a FAO deu início a um sistema global de informações em 1993, o
AQUASTAT, que fornece dados sobre o uso da água
na agricultura (FAO, 2001).
Água e saneamento
Para muitas das populações mais carentes do mundo,
uma das maiores ameaças ambientais à saúde permanece sendo o uso contínuo de água não tratada. Embora o percentual da população com acesso a água
tratada tenha aumentado de 79% (4,1 bilhões) em 1990
para 82% (4,9 bilhões) em 2000, 1,1 bilhão de pessoas
ainda não têm acesso a água potável e 2,4 bilhões
carecem de melhor saneamento (WHO e UNICEF,
2000). A maior parte dessas pessoas vive na África e
na Ásia. A falta de acesso a água potável e a serviços
de saneamento causa centenas de milhões de casos
de doenças associadas à água e mais de 5 milhões de
mortes a cada ano (ver box na página ao lado). Há
ainda impactos negativos de grandes proporções,
porém mal quantificados, sobre a produtividade econômica em muitos países em desenvolvimento.
A importância de satisfazer as necessidades
humanas básicas de água sempre desempenhou um
papel imprescindível nas políticas hídricas. Uma das
primeiras conferências abrangentes sobre a água foi
realizada em 1977 em Mar del Plata, na Argentina. O
foco nas as necessidades humanas levou à Década
Internacional de Água Potável e Saneamento (198190) e aos esforços das Nações Unidas e de outras
organizações internacionais para o fornecimento de
serviços básicos de abastecimento de água (UN,
2000). O conceito de atender as necessidades básicas relativas à água foi reafirmado na Conferência
das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992, e esse concei-
ÁGUA DOCE
165
Disponibilidade hídrica por sub-região no ano 2000 (1.000 m3 per capita/ano)
<1,0
extremamente baixa
1,0 a 2,0
muito baixa
>2,0 a 5,0
baixa
>5,0 a 10
média
> 10 a 20
alta
> 20
muito alta
to se expandiu, abrangendo as necessidades ecológicas relativas à água. Um relatório recente das Nações Unidas (UN, 1999) reconheceu que todas as
pessoas precisam ter acesso a quantidades adequadas de água segura, para fins de consumo, saneamento e higiene. Mais recentemente, o Segundo
Fórum Mundial da Água e a Conferência Ministerial
realizada em Haia, no ano 2000 (ver box na página
166), produziu uma firme declaração por parte de mais
de cem ministros em apoio a se conferir maior ênfase
às necessidades humanas básicas como prioridade
para nações, organizações internacionais e doadores.
O fornecimento de serviços de água potável e
saneamento aos habitantes urbanos permanece sendo um desafio em particular. Nos países em desenvolvimento, durante a primeira metade da década de 1990,
cerca de 170 milhões de habitantes urbanos tinham
acesso a água potável e 70 milhões a saneamento
adequado; no entanto, isso teve um impacto limitado
porque, no fim de 1994, aproximadamente 300 milhões
adicionais de residentes urbanos ainda não tinham
acesso a água potável, enquanto cerca de 600 milhões careciam de saneamento adequado (CSD,
1997b). Contudo, uma das principais áreas bem-sucedidas de muitos países em desenvolvimento está relacionada a investimentos no tratamento de águas
residuais nos últimos trinta anos, o que “conteve o
declínio da qualidade das águas superficiais, ou de
fato a melhorou” (World Water Council, 2000b).
Qualidade da água
Freqüentemente, os problemas da qualidade da água
podem ser tão graves quanto os relativos à disponibilidade de água, mas tem-se conferido menos atenção àqueles, principalmente em regiões em desenvolvimento. Entre as fontes de poluição estão o esgoto
não-tratado, descargas químicas, vazamentos e derramamentos de petróleo, descarregamento de lixo em
O mapa demonstra a
disponibilidade
hídrica mensurada
em termos de
1.000m3 per capita/
ano.
Fonte: dados
compilados do UNDP,
UNEP, World Bank e
WRI, 2000 e da Divisão
da População das
Nações Unidas, 2001
Os custos das doenças associadas à água
no que diz respeito apenas à malária, 2 bilhões de pessoas estão
emcorrem o risco de contraí-la, com 100 milhões de pessoasque
podem ser afetadas a qualquer momento e de 1 aentre 1 milhão e
2 milhões de mortes a cada ano
anualmente ocorrem cerca de 4 bilhões de casos de diarréia e 2,2
milhões de mortes anualmente, o equivalente a 20 desastres de
avião Jumbo por dia
os vermes intestinais infectam cerca de 10 por cento 10% da
população do mundo em desenvolvimento
aproximadamente 6 milhões de pessoas ficam cegas como
sequelaseqüela do tracoma
200 milhões de pessoas são afetadas com esquistossomose
Fontes: CSD, 1997a; WHO e UNICEF, 2000
166
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
Visão 21: metas mundiais para o abastecimento
de água e saneamento
Para abordar os problemas relativos ao abastecimento de água e
saneamento para o mundo em desenvolvimento, o Conselho para
Abastecimento de Água e Saneamento (WSSCC) apresentou as
seguintes metas mundiais, em um documento denominado Visão 21,
no Segundo Fórum Mundial da Água realizado em Haia em março de
2000:
até 2015, reduzir à metade a proporção das pessoas que não têm
acesso a instalações higiênicas de saneamento;
até 2015, reduzir à metade a proporção das pessoas sem acesso
sustentável a quantidades adequadas de água segura e
financeiramente acessível;
até 2025, fornecer água, saneamento e higiene a todos.
Fonte: WSSCC, 2000
minas e poços abandonados, assim como agrotóxicos provenientes de campos de fazendas, que escorrem ou se infiltram na terra. Mais da metade dos principais rios do mundo “está gravemente exaurida e
poluída, degradando e envenenando os ecossistemas
ao redor e ameaçando a saúde e os meios de subsistência das pessoas que dependem deles” (World
Commission on Water, 1999).
Na década de 1990, foram realizados muitos
novos esforços para monitorar a qualidade da água e
instituir políticas e programas melhores (Meybeck,
Chapman e Helmer, 1990). Por exemplo, foram estabelecidos programas de monitoramento da qualidade
da água em muitas bacias fluviais internacionais, incluindo as dos rios Danúbio, Reno, Mekong, da Prata
e Nilo. O Programa de Qualidade da Água do Sistema
Mundial de Monitoramento do Meio Ambiente –
GEMS, do PNUMA, também fornece dados e informações sobre a qualidade da água para fins de avaliação e gestão.
Águas subterrâneas
Cerca de 2 bilhões de pessoas, aproximadamente um
terço da população mundial, dependem do armazenamento de águas subterrâneas e extraem em torno
de 20% da água do planeta (600-700 km3) anualmente,
em grande parte de aquíferos superficiais (UNDP e
outros, 2000). Muitos habitantes de áreas rurais dependem totalmente de águas subterrâneas.
Até pouco tempo, as questões referentes ao
uso e à qualidade das águas subterrâneas ganhavam
menos atenção do que aquelas relativas às águas superficiais, particularmente em algumas regiões em desenvolvimento, e os dados sobre as reservas e a circulação de águas subterrâneas são ainda menos confiáveis. Na Europa, no entanto, tem-se dado muita
atenção à qualidade de águas subterrâneas, porque
muitos assentamentos dependem de tais recursos para
seu abastecimento de água. Em geral, os recursos de
águas subterrâneas são vulneráveis a diversas ameaças, entre elas o uso exagerado e a contaminação (ver
tabela abaixo).
Quando o uso excede o abastecimento natural por um longo período de tempo, os níveis de
águas subterrâneas caem. Em partes da Índia, da
China, da Ásia Ocidental, da antiga União Soviéti-
Problemas relacionados à qualidade das reservas hídricas
Problema
Causa
Conseqüência
Poluição Antropogênica
Proteção inadequada de aqüíferos
vulneráveis contra dejetos produzidos pelo
homem e a lixiviação originada:
pelas atividades urbanas e industriais;
pela intensificação do cultivo agricola.
Patogênicos, nitratos, sais de amônia,
clorina, sulfatos, boro, metais pesados, DOC,
aromáticos e hidrocarbonetos halogenados.
Contaminação que ocorre
naturalmente
Relacionada a evolução do ph-Eh referente
aos lençóis freáticos e à dissolução de
minerais (agravado pela poluição
antropogênica e/ou exploração sem controle)
Principalmente ferro, fluorina e às vezes
arsênico, iodina, manganês, alumínio,
magnésio, sulfatos, selênio e nitratos
(provenientes da paleo-recarga).
Contaminação dos mananciais
Concepção e construção inadequada de
poços, o que permite o acesso direto de água
poluída oriunda da superfície e de lençóis
freáticos não profundos
Principalmente patôgenicos
Fonte; Foster, Lawrence e Morris, 1998
ÁGUA DOCE
Números relacionados às bacias que
possuem rios internacionais
71
Europa
53
Asia
América
do Sul
América
do Norte
38
39
Africa
60
No total de 261 bacias fluviais são compartilhadas por dois ou mais países.
Notas: as regiões não correspondem exatamente àquelas apresentadas pelo GEO;
o Rio Jurado, compartilhado pela Colômbia e Panamá, está incluído na América do
Sul.
Fonte: Wolf e outros, 1999
ca, do oeste dos Estados Unidos e da Península
Arábica, os lençóis freáticos estão diminuindo, limitando a quantidade que pode ser usada e aumentando os custos de bombeamento para os agricultores (Postel, 1997; UNEP, 1999). O bombeamento excessivo de águas subterrâneas pode causar a intrusão de água salgada em áreas costeiras. Em Madras,
na Índia, por exemplo, a intrusão de água salgada
chegou a 10 quilômetros terra adentro e contaminou
os poços (UNEP, 1996).
A preocupação com os crescentes problemas
relativos aos recursos de água subterrânea impulsionou a comunidade internacional, os governos e
outros grupos de interesse a começar a abordá-los.
Por exemplo, o Segundo Fórum Mundial da Água,
realizado em março de 2000, organizou um workshop
especial sobre águas subterrâneas. Algumas das recomendações surgidas desse workshop incluíram a
necessidade de conscientizar a população e melhorar a disponibilidade, qualidade e acessibilidade de
informações aos grupos de interesse, especialistas
técnicos e formuladores de políticas (World Water
Forum, 2000).
Gestão de águas transfronteiriças
A água é amplamente compartilhada entre nações,
regiões, grupos étnicos e comunidades. Duzentos e
sessenta e um rios (ver gráfico à esquerda), correspondentes a 45,3% da superfície total de terra (exceto
a Antártida), são compartilhados por dois ou mais
países (Wolf e outros, 1999), fazendo da gestão de
águas transfronteiriças uma das questões hídricas de
maior importância atualmente.
As disputas pelos recursos hídricos compartilhados são de longa data. A água tem sido usada
como instrumento e arma de conflito, o acesso à
água tem sido motivo de disputas e contendas, e
projetos importantes de desenvolvimento hídrico
(por exemplo, a construção de represas) levaram à
violência e conflitos civis (Gleick, 1998). No entanto, as águas compartilhadas também podem ser uma
fonte de cooperação. Essa possibilidade se evidencia atualmente com o aumento do número de iniciativas relacionadas a regimes de gestão de bacias
fluviais e de instituições comprometidas com a gestão bilateral e/ou multilateral dos recursos hídricos
transfronteiriços. Esse fato remonta à Declaração de
Helsinque de 1966, que estabeleceu a base para os
princípios internacionais para cursos d’água compartilhados e influenciou muitos tratados específicos sobre rios. Após a Declaração, houve diversos
esforços internacionais, entre eles principalmente o
trabalho da Comissão de Direito Internacional da
ONU, que levou em 1997 à Convenção das Nações
Unidas sobre a Lei de Usos Não-Navegacionais de
Águas Internacionais. Já se sente o impacto dessa
nova convenção na adaptação que a Comunidade
para o Desenvolvimento da África Austral (SADC),
composta por 14 membros, fez de grande parte de
seus princípios em seu protocolo revisado sobre águas compartilhadas.
O reconhecimento da organização de bacias
fluviais nos últimos trinta anos também resultou no
estabelecimento da Rede Internacional de Organismos de Bacias (RIOB) em 1996 (ver box na página seguinte), enquanto outras iniciativas incluem a Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento
Sustentável de 1998, a qual declarou que “a visão
compartilhada entre países vizinhos é importante para
o efetivo desenvolvimento, gestão e proteção dos
recursos hídricos transfronteiriços”. O programa de
ações prioritárias da conferência (Bernard, 1999)
enfatizou a necessidade de:
•
•
•
facilitar o intercâmbio de informações precisas e
harmonizadas entre países ribeirinhos;
promover o processo de consulta em todos os
níveis, principalmente no âmbito de instituições
e mecanismos internacionais pertinentes; e
definir programas de ações prioritárias a médio
prazo que sejam de interesse comum, de modo a
melhorar a gestão dos recursos hídricos e diminuir a poluição.
167
168
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
A água e os ecossistemas
Os projetos de desenvolvimento hídrico durante o
século XX causaram impactos significativos sobre
os ecossistemas de água doce ao eliminar pântanos
e áreas úmidas, extrair a água para outros usos, alterar os fluxos d’água e contaminar a água com resíduos industriais e humanos. Em muitos rios e lagos,
as funções do ecossistema se perderam ou foram
prejudicadas. Em algumas áreas, a crescente demanda por água provocou reduções no volume de rios
de grande porte, afetando zonas ribeirinhas e costeiras adjacentes (CSD, 1997a). Foram relatados problemas na reprodução e mortes de diversas espécies silvestres, particularmente nos mais elevados níveis da cadeia alimentar, como conseqüência de altas extrações de água (CSD, 1997a).
As áreas úmidas são um importante ecossistema de água doce, que influencia não apenas a distribuição de espécies e a biodiversidade em geral,
mas também os assentamentos e as atividades humanas. Elas proporcionam um controle natural de
inundações, o armazenamento de carbono, a purificação natural da água e bens, como peixes, mariscos, madeira e fibra (UNDP, UNEP, World Bank e
WRI, 2000). Embora as informações sobre a verdadeira extensão das áreas úmidas no mundo ainda
não sejam confiáveis, estimativas recentes revelam
que talvez essas áreas cubram ao menos 12,8 milhões de quilômetros quadrados (Finlayson e outros, 1999). As atividades humanas, incluindo a agricultura e os assentamentos, causaram danos sérios
A Rede Internacional de Organismos de Bacias
A Rede Internacional de Organismos de Bacia tinha um total de 125
organismos membros em 49 países em 1998. Seus objetivos são os
seguintes:
estabelecer uma rede de organismos interessados na gestão
mundial de bacias fluviais e facilitar o intercâmbio de experiências
e conhecimento entre eles;
promover os princípios e meios para uma gestão sólida da água
em programas de cooperação para o desenvolvimento
sustentável;
facilitar a implementação de instrumentos para a gestão
institucional e financeira, a programação e a organização de
bancos de dados;
promover programas de informação e treinamento para os
diferentes atores envolvidos na gestão da água, incluindo
funcionários eleitos localmente, representantes dos usuários e os
executivos e funcionários dos organismos membros;
incentivar a educação da população, particularmente dos mais
jovens; e
avaliar as ações em andamento e divulgar seus resultados.
Fonte: INBO, 2001
aos ecossistemas de água doce e contribuíram para
a perda de aproximadamente metade das áreas úmidas do planeta no século XX (Finlayson e outros,
1999). Tal dano aos ecossistemas reduz a qualidade e
a quantidade de água, o que provoca uma diminuição
da real disponibilidade de água para uso humano.
É difícil avaliar a superfície total de áreas úmidas perdidas nos últimos trinta anos, devido à
escassez de dados e à falta de informações precisas
em âmbito mundial sobre a extensão original das áreas úmidas (UNDP e outros, 2000). No entanto, uma
revisão, realizada em 1992, dos sítios Ramsar (áreas úmidas consideradas “importantes” de acordo
com a Convenção Sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional Especialmente como Habitat
de Aves Aquáticas) revelou que 84% estavam ameaçados ou sofrendo mudanças ecológicas (Dugan e
Jones, 1993).
Recentemente, tem havido uma mudança notável na política relativa à água, à medida que os formuladores de políticas reconhecem que os ecossistemas necessitam de um armazenamento adequado
de água para sustentar as funções normais e a conservação da biodiversidade. Desde 1992, foram elaboradas novas políticas relativas à água que mencionam a meta de preservar e distribuir a água para o
meio ambiente – uma mudança desde a Conferência
de Estocolmo de 1972, que enfocava principalmente
a proteção da qualidade do ar e da água, e não dava
atenção à água para os ecossistemas. Embora grandes projetos de represas estejam se tornando menos freqüentes, devido a sítios restritos, custos crescentes e uma oposição geral, 349 represas com mais
de 60 metros de altura estavam em construção em
1998 (UNDP e outros, 2000; WCD, 2000). Atualmente, os grandes rios de curso livre restantes são encontrados apenas nas regiões de tundra da América
do Norte e da Federação Russa e em bacias menores
na África e na América Latina. Há agora uma ênfase
crescente em aumentar a eficiência do uso da água e
obter maior produtividade com os recursos limitados disponíveis (Postel, 1997; Postel, 1999; Gleick,
1998). Em todo o mundo, existem grandes oportunidades de satisfazer as necessidades humanas com
menos água, mediante:
•
•
•
o uso de tecnologia existente (como irrigação por
gotejamento, bacias sanitárias de baixo consumo
e melhores processos industriais);
uma mudança na tecnologia de irrigação;
a descoberta e a contenção de vazamentos;
ÁGUA DOCE
•
•
•
a mudança de práticas de desperdício (como irrigar durante o dia, usar água potável para irrigação de jardins);
a cobrança de preços adequados pela água; e
a mudança das atividades humanas (optando por
cultivos que aproveitem melhor a água e por processos industriais que não impliquem uma produção que requeira muita água).
Políticas e instituições para a gestão de
recursos hídricos
A Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS)
relatou que muitos países carecem de legislação e
políticas adequadas para a distribuição e utilização eficientes e eqüitativas dos recursos hídricos.
Há progresso, no entanto, quanto à revisão de legislações nacionais e à promulgação de novas leis
e regulamentos.
Também tem-se demonstrado uma preocupação acerca da crescente incapacidade dos serviços e das agências de águas, principalmente em países em desenvolvimento, para avaliar seus próprios recursos hídricos. Muitas agências sofreram reduções nas redes de observação e no quadro de pessoal, apesar dos aumentos na demanda de água.
Várias medidas de intervenção foram postas em prática, entre elas o Sistema Mundial de Observação
do Ciclo Hidrológico (WHYCOS), que foi implementado em diversas regiões. Seu objetivo principal é contribuir para a melhoria das capacidades nacionais e regionais de avaliação dos recursos hídricos (CSD, 1997b).
Muitos tipos diferentes de organizações,
desde governos nacionais até grupos comunitários
locais, desempenham uma função nas decisões sobre políticas relativas à água. Nas últimas décadas,
no entanto, tem havido uma ênfase crescente em
aumentar a participação e a responsabilidade de
pequenos grupos locais e o reconhecimento de que
as comunidades têm um papel importante na formulação de políticas relativas à água.
A Declaração Ministerial de março de 2000
em Haia (ver box) exigiu “que se administre a água
com sensatez para garantir uma boa administração,
de modo que o envolvimento do público em geral e
os interesses de todas as partes estejam incluídos
na gestão dos recursos hídricos” (World Water
Forum, 2000).
O setor privado começou recentemente a expandir sua função na gestão dos recursos hídricos.
A década de 1990 assistiu ao rápido aumento no rit-
169
mo e no grau de privatização de sistemas hídricos
anteriormente administrados pelo Estado. As empresas privadas prestadoras de serviços de distribuição de água estão cada vez mais suprindo as cidades em crescimento, mediante a assinatura de contratos com agências públicas para construir, possuir e operar alguma parte ou até mesmo a totalidade
de um sistema municipal. Ao mesmo tempo, há crescentes preocupações acerca de como garantir, da
melhor maneira possível, o acesso eqüitativo à água
aos segmentos carentes da população, financiar projetos e dividir riscos.
Declaração Ministerial sobre Segurança da Água
no Século XXI
Cerca de 120 ministros para assuntos hídricos que compareceram ao
Segundo Fórum Mundial da Água realizado em Haia em março de 2000
adotaram uma declaração com o objetivo de alcançar a segurança da
água no mundo. A declaração indicou os seguintes itens como os
principais desafios deste novo século:
atender às necessidades básicas: reconhecer que o acesso a
água e saneamento seguros e suficientes faz parte das necessidades humanas básicas, essencial à saúde e ao bem-estar, e
facultar às pessoas, principalmente às mulheres, o processo
participativo na gestão da água;
assegurar o abastecimento de alimentos: melhorar a
segurança alimentar, particularmente das camadas mais carentes
e vulneráveis, por meio de mobilização e uso mais eficientes, bem
como a distribuição mais eqüitativa de água para a produção de
alimentos;
proteger os ecossistemas: assegurar a integridade dos ecossistemas por meio da gestão sustentável de recursos hídricos;
compartilhar os recursos hídricos: promover a cooperação
pacífica e desenvolver sinergias entre diferentes usos da água em
todos os níveis, sempre que possível, nos países e, em casos de
recursos hídricos fronteiriços e transfronteiriços, entre os países
em questão, por meio da gestão sustentável de bacias fluviais ou
outras abordagens apropriadas;
administrar os riscos: providenciar segurança contra inundações, secas, poluição e outros perigos associados à água;
valorizar a água: administrar a água de forma que reflita seus
valores econômico, social, ambiental e cultural para todas as suas
utilizações e recorrer a serviços de definição do preço da água para
refletir o custo de seu fornecimento. Essa abordagem deverá considerar a necessidade de igualdade e as necessidades básicas das
populações carentes e vulneráveis;e
administrar a água com sensatez: garantir uma boa
administração, de modo que o envolvimento do público em geral e
os interesses de todas as partes estejam incluídos na gestão dos
recursos hídricos.
Fonte: World Water Forum, 2000
170
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
Conclusão
O desenvolvimento da infra-estrutura de fornecimento de água dominou as opções das políticas na maior
parte das duas décadas após 1972, mas muitas abordagens inovadoras quanto à gestão dos recursos
hídricos foram introduzidas na década de 1990.
Entre as principais tendências das políticas
nesse período, vale citar:
•
•
•
•
o reconhecimento do valor social e econômico
da água;
ênfase na distribuição eficiente de água;
o reconhecimento de que a gestão de bacias
hidrográficas é fundamental para a gestão eficaz
dos recursos hídricos;
maior cooperação por parte dos países com bacias fluviais para garantir a distribuição eqüitativa
dos recursos;
•
•
•
•
melhor coleta de dados;
o reconhecimento do papel de todas as partes
interessadas na gestão da água;
a adoção de uma gestão integrada dos recursos
hídricos como iniciativa estratégica referente às
políticas; e
o reconhecimento da crescente escassez de
água devido a vários fatores, entre eles o crescimento demográfico e industrial e o aumento da
poluição.
Embora os países desenvolvidos tenham feito grandes progressos ao abordar questões relativas à qualidade da água, na verdade a situação piorou nos países em desenvolvimento, muitos dos
quais sofrem níveis mais altos de poluição e demanda por água. Um número maior de países está enfrentando problemas de estresse hídrico ou escassez de água.
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ÁGUA DOCE
Água doce: África
Os recursos hídricos renováveis da África alcançam
a média de 4.050 km3/ano. No ano 2000, forneceram
uma média de aproximadamente 5.000 m3 per capita/
ano – significativamente menos do que a média mundial de 7.000 m3 per capita/ano e menos de 25% da
média sul-americana, equivalente a 23.000 m3 per
capita/ano (Shiklomanov, 1999; United Nations
Population Division, 2001).
No entanto, a distribuição tanto de águas superficiais quanto de águas subterrâneas é desigual.
Por exemplo, a República Democrática do Congo é o
país mais úmido, com média anual de recursos
hídricos renováveis internos de 935 km3, em comparação com o país mais seco da região, a Mauritânia,
onde a média anual é de 0,4 km3 (UNDP, UNEP, World
Bank e WRI, 2000). A distribuição geográfica dos
recursos hídricos na região não coincide com as
densidades demográficas mais elevadas, o que provoca estresse hídrico ou dependência de fontes externas de água em muitas áreas (principalmente nos
centros urbanos).
Ao menos treze países sofreram estresse
hídrico ou escassez de água (níveis inferiores a 1.700
m3 per capita/ano e inferiores a 1.000 m3 per capita/
ano, respectivamente) em 1990, e calcula-se que esse
número dobre até 2025 (PAI, 1995). Esses dados representam um grande desafio para os responsáveis
pelo planejamento hídrico em termos de fornecimento e distribuição.
As águas subterrâneas são a principal fonte
de água na região, contribuindo com 15% dos recursos africanos (Lake e Souré, 1997). Os principais
aqüíferos encontram-se nas bacias do norte do
Saara, Núbia, Sahel e Chad, assim como em Kgalagadi
(Kalahari). As águas subterrâneas são usadas para
fins domésticos e agrícolas em diversas áreas, particularmente nas sub-regiões mais áridas, em que os
recursos de águas superficiais são limitados. No entanto, as áreas com forte dependência de reservas
de águas subterrâneas também correm o risco de
enfrentar escassez de água, considerando que sua
extração ocorre a um ritmo muito mais rápido do que
o de sua reposição.
Variabilidade dos recursos hídricos
Na África ocorrem grandes variações geográficas
quanto às precipitações, com 95% do total caindo na
zona equatorial úmida central e do sudoeste (Lake e
171
Souré, 1997). Foram registradas secas graves no Sahel
e nas sub-regiões do norte, leste e sul nos últimos
trinta anos.
Conseqüentemente, diversos sistemas de
transferência de água entre bacias foram criados. Por
exemplo, na África do Sul, onde 60% do escoamento
se origina de um quinto do território, grandes volumes de água são transportados por sistemas de transferência entre bacias para centros industriais importantes, como Johanesburgo (Goldblatt e outros, 2000).
Entretanto, tais sistemas podem exercer uma pressão
significativa sobre o meio ambiente, uma vez que um
menor fluxo natural causa impacto sobre os ecossistemas a jusante.
As medidas de intervenção quanto à escassez de água nas ilhas Seicheles e Maurício incluem a
dessalinização, o racionamento de água por parte das
indústrias hoteleira e manufatureira e a reciclagem da
água residual doméstica. Espera-se que tais medidas
produzam uma economia de aproximadamente 240 milhões m3/ano a longo prazo (Government of Mauritius
e ERM, 1998). No Egito, a grave escassez de água também levou à implementação de sistemas de reciclagem
da água de drenagem agrícola para satisfazer a crescente demanda do setor.
Como ocorre em outras regiões, os principais
fatores que influenciam a disponibilidade de água na
África incluem o crescente consumo doméstico de água potável e saneamento, a agricultura irrigada e a
industrialização (que também constitui uma fonte de
poluição e afeta a qualidade da água). As perdas provenientes dos sistemas domésticos de distribuição
de água correspondem a um desperdício considerá-
Variabilidade pluviométrica na bacia do Lago Chad
1973
1997
Nos últimos trinta anos, a superfície
do Lago Chad variou consideravelmente de 25 mil para 2 mil
quilômetros quadrados devido à
variabilidade pluviométrica no
Lago Chad em 1973
mesmo período. O Lago sustenta
e em 1997; a cor
avermelhada indica a
espécies silvestres de importância
vegetação no leito do lago
mundial, principalmente pássaros
migratórios. As atividades ecoFonte: NASA, 2001
nômicas de aproximadamente 20
milhões de pessoas se baseiam nos
recursos do Lago. Um novo projeto
financiado pelo GEF na Bacia do Lago Chad tem o objetivo de diminuir
a degradação ambiental, melhorando a cooperação entre as partes
interessadas e as afetadas, além de fazer com que as comunidades
locais aproveitem os benefícios obtidos com as atividades relativas ao
projeto.
Fonte: Coe e Foley, 2001
172
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
vel. Da mesma forma, muitos sistemas de irrigação
estão obsoletos. Na África do Sul, até 50% da água
usada para irrigação é desperdiçada devido a vazamentos (Global Water Partnership, 2000). Em alguns
países, no entanto, há esforços no sentido de melhorar a eficiência do uso da água.
Acesso a água potável e saneamento
No ano 2000, 62% da população africana tinha acesso a um melhor abastecimento de água. Ainda assim, os habitantes das áreas rurais dedicam muito
tempo à busca de água, e 28% da população mundial sem acesso a um melhor abastecimento de água
vivem na África. As mulheres são particularmente
afetadas, já que, freqüentemente, são responsáveis
por suprir as necessidades hídricas da família. As
áreas urbanas estão mais bem abastecidas: 85% da
população tem acesso a um melhor abastecimento
de água. Nas áreas rurais, a media é de 47%, mas
99% da população rural em Eritréia não possui qualquer cobertura de serviços de saneamento. No ano
2000, o total da população africana com acesso a um
melhor saneamento era de 60%. Nesse caso as populações urbanas também têm mais vantagem, pois
uma média de 84% conta com um melhor saneamento, em comparação a 45% em média nas áreas rurais
(WHO e UNICEF, 2000).
O abastecimento deficiente de água e saneamento provoca taxas elevadas de doenças associadas à água, tais como ascaríase, cólera, diarréia, dracunculose, disenteria, infecções oculares, verminoses
por ancilóstomos duodenais, escabiose (sarna), esquistossomose e tracoma. Aproximadamente 3 milhões
de pessoas na África morrem anualmente em conseqüência de doenças associadas à água (Lake e Souré,
1997). Em 1998, 72% de todos os casos de cólera registrados no mundo ocorreram na África.
O abastecimento deficiente de água e saneamento causa a contaminação de águas superficiais e
subterrâneas, com efeitos subseqüentes em comunidades vegetais, animais e humanas. Os custos econômicos podem ser altos. Em Malawi, por exemplo, o
custo total associado à degradação da água foi estimado em US$ 2,1 milhões em 1994 (DREA Malawi,
1994). Tais custos incluíam a necessidade de tratamento da água, o desenvolvimento de recursos humanos e a redução da produtividade da mão-de-obra.
Satisfazer as necessidades básicas de água e saneamento também é dispendioso. Na Nigéria, um estudo
recente calcula que o custo futuro do fornecimento
de água e saneamento ambiental será de US$ 9,12 bi-
lhões durante o período de 2001 a 2010 (Adedipe,
Braid e Iliyas, 2000).
Os governos estão tentando melhorar a situação atual com políticas de gestão ambiental que incluam o manejo de resíduos e o planejamento urbano, e estão também tornando obrigatórias as avaliações de impacto ambiental para projetos de grande
porte. Uma das principais iniciativas de política regional foi o Plano de Ação de Lagos, implementado
em 1980, que instava os Estados membros a formular planos diretores nos setores de fornecimento de
água e agricultura (OAU, 1980). O Plano foi influenciado pelo Plano de Ação de Mar del Plata da Conferência das Nações Unidas sobre a Água em 1977 e
pela reunião regional africana sobre questões relativas à água em 1978. Apesar dessas iniciativas, a falta de recursos humanos e financeiros, bem como de
equipamentos para implementação e aplicação, ainda limita o progresso.
A deterioração da qualidade da água
A poluição da água doce e de águas subterrâneas
é uma preocupação crescente em diversas áreas, limitando ainda mais o acesso a água potável. A má
qualidade da água não apenas leva a doenças assoEliminação de lodo no Cairo
Um estudo lançado no Cairo em 1995 revelou que o
tratamento de águas residuais pode não somente
combater os problemas relativos à poluição da
água da cidade, mas também abrir novas
oportunidades para o comércio e a agricultura. O
Projeto de Águas Residuais da Grande Cairo
produzirá cerca de 0,4 milhão de toneladas de lodo
ou biossólido anualmente com o tratamento de
águas residuais.
O estudo teve início em virtude do
Programa de Assistência Técnica para o Meio
Ambiente do Mediterrâneo, financiado pelo Banco
Europeu de Investimento e promovido pela Organização de Águas Residuais do Cairo. Os resultados
iniciais revelam que o lodo pode ser eficaz no
cultivo de trigo, trevo de Alexandria, milho e videiras. O lodo processado é muito útil para os agricultores porque serve como um substituto importante dos fertilizantes nitrogenados; não foram
detectados efeitos nocivos dos biossólidos nos
cultivos durante as provas de campo; e espera-se
que os benefícios de espalhar biossólidos em solos
recém recuperados aumentem com o acúmulo de
aplicações. Os agricultores egípcios estão
preparados para enfrentar o gasto com biossólidos
devido à escassez de adubo natural e aos custos
elevados dos fertilizantes inorgânicos.
Fonte: UNCSD, 1999
ÁGUA DOCE
ciadas à água, mas também reduz a produção agrícola, o que significa que mais produtos alimentícios e agrícolas devem ser importados. A má qualidade da água também limita as opções de desenvolvimento econômico, como indústrias que exigem um
intenso uso da água e o turismo, uma situação potencialmente desastrosa para os países africanos
em desenvolvimento.
Para combater esse problema, muitos países
estabeleceram ou aplicaram padrões relativos a
efluentes e reabilitaram instalações de tratamento de
água. Outras medidas dizem respeito aos regimes da
África Central de purificação e descontaminação de
sistemas de água doce, bem como às campanhas de
conscientização pública. Embora tenham sido implementadas apenas recentemente, tais medidas têm apresentado êxito em âmbito local, ao melhorar o acesso à
água potável e ao conscientizar a população.
Na África Oriental e Meridional, a invasão generalizada de aguapés (Eichornia crassipes) é mais
um caso de deterioração da qualidade da água. Os
aguapés formam tapetes densos que bloqueiam os
canais hídricos, interrompendo os padrões de fluxo.
Esses tapetes em decomposição geram mau cheiro e
levam à eutrofização da massa de água. As áreas afetadas por aguapés incluem os lagos Victoria e Kariba
e alguns rios. Os países afetados iniciaram programas de controles biológico e químico, além de limpeza mecânica, com um certo êxito. (Global Water
Partnership, 2000). Os cursos d’água na África Ocidental estão ameaçados de forma similar por espécies
de Salvinia molesta e Typha.
Áreas úmidas
Os habitats de áreas úmidas na África cobrem cerca
de 1,2 milhão de quilômetros quadrados (Finlayson
e outros, 1999). Contudo, as áreas úmidas estão ameaçadas tanto pela poluição como pela adequação
de terras.
Acredita-se que a perda de áreas úmidas na
África Meridional tenha contribuído para a gravidade das inundações ocorridas no período de 19992000, que afetaram 30 mil famílias e 34 mil hectares
de fazendas (Mpofu, 2000). Para evitar uma maior
degradação das áreas úmidas, 27 países africanos
assinaram e ratificaram a Convenção de Ramsar de
1987 a partir de dezembro de 1998, e colocaram 75
173
Reservas hídricas e cobertura sanitária: África
Abastecimento de água
Saneamento
0%-25%
26%-50%
51%-75%
76%-90%
91%-100%
ausência de dados
sítios em proteção, uma área equivalente a 14 milhões de hectares (Frazier, 1999).
Gestão integrada dos recursos hídricos
A mudança em direção à gestão integrada dos recursos hídricos constitui uma das novas iniciativas de
políticas adotadas na África para tratar as questões
mencionadas anteriormente. A gestão integrada dos
recursos hídricos não está limitada ao âmbito nacional, mas também inclui bacias compartilhadas por dois
ou mais estados. A Iniciativa da Bacia do Nilo, lançada
em 1999, é um programa de ação conjunto entre dez
países do Nilo que tem por objetivo garantir o desenvolvimento sustentável dos recursos, segurança,
cooperação e integração econômica. Na África Meridional, os oito estados da bacia do Zambezi têm cooperado com o Plano de Ação do Sistema Fluvial do
Zambezi, mas os esforços para estabelecer uma Comissão da Bacia do Zambezi não foram longe. Outro
exemplo de cooperação regional se encontra na área
do Lago Victoria, onde se estabeleceu, em 1995, um
projeto financiado pelo GEF para enfocar principalmente a gestão da atividade pesqueira, o controle da
poluição, o controle de ervas daninhas invasoras e a
gestão do uso da terra das bacias hidrográficas.
No ano 2000, 62%
dos africanos
tinham acesso a um
melhor abastecimento de água e
60% ao saneamento básico. Entretanto, tal cobertura era
inadequada em
grandes áreas do
continente.
Fonte: WHO e UNICEF,
2000
174
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
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ÁGUA DOCE
Água doce: Ásia e Pacífico
A região da Ásia e Pacífico é responsável por cerca
de 36% do escoamento mundial. Mesmo assim, a
escassez de água e a poluição são questões importantes, e a região possui a menor disponibilidade de
água doce per capita: em meados de 1999, os recursos hídricos renováveis corresponderam a aproximadamente 3.690 m3 per capita/ano para os trinta
maiores países da região para os quais existem dados disponíveis (UNDP, UNEP, World Bank e WRI,
2000; e United Nations Population Division, 2001).
Em termos absolutos, a China, a Índia e a Indonésia
possuem os maiores recursos hídricos, mais da metade do total da região. Diversos países, entre eles
Bangladesh, Índia, Paquistão e República da Coréia,
já sofrem de escassez de água ou estresse hídrico.
E, à medida que as populações crescerem e o consumo aumentar, mais países sofrerão. A agricultura é a
atividade que mais consome (86%), e quantidades
menores destinam-se ao uso industrial (8%) e doméstico (6%) (dados compilados das seguintes fontes: UNDP, UNEP, World Bank e WRI, 2000).
175
instituições. Os elementos comuns nas políticas e
estratégias nacionais adotadas atualmente incluem
a integração do desenvolvimento e da gestão de
recursos hídricos em um desenvolvimento socioeconômico; avaliação e monitoramento dos recursos hídricos; proteção da água e dos recursos associados; fornecimento de água potável e saneamento; conservação e uso sustentável da água para a
produção de alimentos e outras atividades econômicas; desenvolvimento institucional e legislativo;
e a participação do público em geral.
Na Índia, uma nova política de manejo de
irrigações tem o objetivo de melhorar a eficiência
da utilização da água por meio do uso de tecnologias modernas, tais como a irrigação por gotejamento/aspersão e melhores medidas de irrigação
na agricultura. Na República da Coréia, em que a
agricultura utiliza mais da metade dos recursos
hídricos, o plano governamental de desenvolvimento de recursos hídricos para o século XXI enfatiza
medidas que sejam relativas a uma maior produção
de alimentos com um uso eficiente da água (Kwun,
1999). A gestão descentralizada da água também
está sendo promovida em países como a China, onde
as autoridades provincianas ou municipais estão
autorizadas a administrar os recursos hídricos. Na
Escassez de água
Muitos países não têm água suficiente para atender
à demanda e, conseqüentemente, é comum o esgotamento dos aqüíferos devido à extração excessiva.
Além disso, a escassez de água é acompanhada por
uma deterioração da qualidade da água disponível
devido à poluição e à degradação ambiental. As represas e os reservatórios, associados ao desmatamento em algumas bacias hidrográficas, reduziram
os níveis dos cursos d’água, diminuíram os lençóis
freáticos, degradaram áreas úmidas ribeirinhas e reduziram a diversidade aquática em água doce. A demanda excessiva por águas subterrâneas em cidades costeiras como Bangcoc, Daca, Jacarta, Karachi
e Manila causou intrusão de água salgada e rebaixamento do nível do solo.
Tradicionalmente, as preocupações das políticas e estratégias governamentais concentravamse na ampliação do fornecimento. Recentemente, no
entanto, as políticas vêm se tornando cada vez mais
centradas em uma abordagem integrada para a gestão de recursos hídricos, mediante a ênfase em medidas de gestão da demanda, como o uso eficiente
da água, conservação e proteção, disposições institucionais, instrumentos legais, reguladores e econômicos, informações ao público e cooperação entre
Intercâmbio de experiências entre lagos irmãos:
os lagosLagos Toba e Champlain
A cooperação norte-sul entre organizações da Indonésia e dos Estados
Unidos tem contribuído para melhorar a gestão de bacias hidrográficas
na bacia do Lago Toba o maior lago do mundo em uma cratera
vulcânica, com superfície de aproximadamente 4.0004 mil km2. O lago
indonésio, que sofre de qualidade degradada da água, perda de
biodiversidade e invasões de plantas e animais exóticos problemáticos,
tem colhido os benefícios da cooperação institucional entre a Fundação
do Patrimônio do Lago Toba e o Programa da Bacia do Lago Champlain
em Vermont, Estados Unidos. A Fundação utilizou parte de um subsídio
concedido pela Agência Americana para o Desenvolvimento
Internacional (USAID) para estabelecer uma relação de lagos irmãos
com o Programa da Bacia do Lago Champlain. O programa de
intercâmbio ajudou a tratar as questões de gestão da água doce na
bacia hidrográfica do Lago Toba, utilizando as experiências de outra
bacia hidrográfica em uma região diferente.
O programa apresenta as seguintes lições:
os lagos de água doce do mundo compartilham desafios de gestão
similares;
alguns dos maiores desafios são associados à gestão de um
recurso compartilhado por diversas jurisdições em uma ampla
área geográfica;
muitas das soluções de gestão exigem a participação satisfatória
dos cidadãos e grupos de interesse; e
a experiência de gestão pode ser transferida diretamente a outros
países.
Fonte: UNCSD, 1999
176
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
Suprimento de água tratada e cobertura sanitária:
Ásia e Pacífico
melhor abastecimento de água
saneamento melhorado
0 - 25%
>25% - 50%
>50% - 75%
>75% - 90%
>90%
ausência de
dados
No ano 2000, 81%
dos asiáticos tinham
acesso ao suprimento de água tratada;
entretanto, apenas
48% destes – o
percentual mais
baixo de toda região
– gozavam dos
benefícios do saneamento básico.
Fonte: WHO e UNICEF,
2000
Índia, unidades multidisciplinares responsáveis por
planos abrangentes relativos à água foram estabelecidas em alguns estados. A participação dos grupos de interesse reduziu os custos operacionais em
países como o Paquistão, ao envolver as comunidades no desenvolvimento do abastecimento de água,
do saneamento e de instalações de prevenção à poluição da água e sua manutenção.
Também tem havido progressos na adoção
de uma abordagem que abranja toda a bacia. O acordo de compartilhamento da água da Bacia Indus,
entre a Índia e o Paquistão, o aclamado Tratado de
Uso Compartilhado da Água, entre a Índia e Bangladesh, a cooperação entre a Índia e o Butão sobre
o desenvolvimento de energia hidrelétrica e a cooperação entre a Índia e o Nepal para o aproveitamento de rios transfronteiriços são exemplos da cooperação transfronteiriça relativa à gestão de recursos hídricos na Ásia Meridional.
Um grande desafio consiste em mudar as abordagens fragmentadas por subsetores, ainda existentes na gestão de recursos hídricos, as quais
causaram conflito e competição no passado, bem
como planejar e implementar mecanismos integrados, particularmente para projetos que transcendam os subsetores.
Poluição da água
Com o passar dos anos, a poluição da água surgiu
como um problema de grande importância. Entre os
poluentes, vale citar patógenos, matéria orgânica,
nutrientes, metais pesados e produtos químicos tóxicos, sedimentos e sólidos em suspensão, limo e sais.
O Sul da Ásia – particularmente a Índia – e o
Sudeste Asiático estão enfrentando graves problemas relativos à poluição. Rios como o Amarelo (China), Ganges (Índia) e Amu e Syr Darya (Ásia Central) são os rios mais poluídos do mundo (World
Commission on Water, 1999). Nas cidades dos países em desenvolvimento da região, a maior parte
dos corpos d’água está atualmente muito poluída
com esgoto doméstico, efluentes industriais, produtos químicos e resíduos sólidos. A maioria dos
rios nas áreas urbanas do Nepal foi poluída, e agora
suas águas não são apropriadas para uso humano,
enquanto a água potável em Katmandu está contaminada com bactérias coliformes, ferro, amônia e
outros agentes contaminantes (UNEP, 2001).
A poluição da água tem afetado a saúde humana. Nas Ilhas do Pacífico, principalmente em algumas comunidades que vivem em atóis, o uso de
águas subterrâneas poluídas para beber e cozinhar
causou problemas de saúde, como diarréia, hepatite e epidemias ocasionais de febre tifóide e cólera.
As águas subterrâneas em distritos de Bengala Ocidental, na Índia, e em algumas vilas em Bangladesh,
por exemplo, estão contaminadas com arsênico em
níveis 70 vezes mais altos do que o padrão nacional para a água potável (0,05 mg/litro). Embora a
poluição seja um fator, a contaminação por arsênico
Poluição da água na Austrália
Na Austrália, a qualidade da água em muitas vias
navegáveis do interior decaiu devido a atividades
humanas em bacias hidrográficas (Ball e outros,
2001). Sedimentos, nutrientes e materiais tóxicos,
bem como o crescimento excessivo de ervas
daninhas aquáticas afetaram os ecossistemas
aquáticos. Entre as medidas de intervenção
tomadas, vale citar a Iniciativa Urbana de Águas
Pluviais, o Programa de Parceria com a Indústria e
o Waterwatch Australia, que juntos têm o objetivo
de monitorar e melhorar a saúde das vias
navegáveis urbanas. Diversos programas
e s t a d u a i s e t e r r i t o r i a i s t a m b é m f o ra m
implementados, juntamente com programas
comunitários, como o Streamwatch e o
Waterwatch. Além disso, as autoridades locais
estão desenvolvendo planos de gestão de águas
pluviais para bacias hidrográficas urbanas com
apoio financeiro de órgãos estaduais e territoriais.
As águas pluviais são cada vez mais consideradas
um recurso a ser coletado e utilizado, em vez de
um resíduo para ser eliminado.
Fonte: Australia State of the Environment
Committee, 2001
ÁGUA DOCE
deve-se também a fenômenos naturais. Devido ao
fato de que “a maior parte das 68 mil vilas de
Bangladesh corre um risco potencial, cientistas da
ONU calculam que, em breve, o arsênico poderá matar 20 mil habitantes ao ano”, segundo um relatório
(Pierce, 2001).
O abastecimento inadequado de água e o
saneamento ineficiente provocam mais de 500 mil
mortes de bebês a cada ano, assim como altíssimos
níveis de doenças e incapacidade na região (UNEP,
1999). Entre 8% e 9% do total de Anos de Vida
Ajustados por Incapacidade (Disability Adjusted
Life Years – DALYs) ocorre devido a doenças relativas ao abastecimento inadequado de água e saneamento ineficiente na Índia e em outros países
(World Bank, 2000). A cólera é uma doença de ocorrência comum em muitos países, principalmente
naqueles em que as instalações de saneamento são
precárias, como no Afeganistão, na China e na Índia (WHO, 2000).
De toda a população mundial sem acesso a
melhor saneamento ou abastecimento de água, a maior parte vive na Ásia (WHO e UNICEF, 2000, ver
mapa ao lado). Na sub-região do sudoeste do Pacífico, o abastecimento de água e o saneamento parecem relativamente bons, pois 93% da população têm
acesso a melhor saneamento e 88% a um melhor abastecimento de água (WHO e UNICEF, 2000). No entanto, esses números são fortemente influenciados
pelo fato de que a população da Austrália é muito
numerosa e conta com uma boa prestação de serviços de abastecimento de água e saneamento. Calcula-se que apenas 48% da população asiática tenha
cobertura de serviços de saneamento (WHO e
UNICEF, 2000) – menos do que em qualquer outra
região do mundo. A situação é pior nas áreas rurais,
em que apenas 31% da população conta com um
melhor saneamento, em comparação com uma cobertura de 78% nas áreas urbanas.
Durante a última década, diversos países começaram a tratar o problema da qualidade da água
implementando programas e planos de ação em lar-
ga escala para recuperar cursos d’água degradados e aqüíferos esgotados. Em geral, tais programas recebem autoridade legislativa ou estatutária,
como a concedida pela Lei Nacional Tailandesa
sobre a Qualidade da Água, o Código Filipino sobre a Qualidade da Água, a Lei Indiana de Proteção
ao Meio Ambiente, a Lei de Águas da China e a Lei
de Preservação da Qualidade da Água da República da Coréia (UNESCAP, 1999). Casos de êxito em
relação à recuperação e à proteção da qualidade de
águas fluviais ocorreram nos países em que as políticas relativas à água promovem uma abordagem
multissetorial e multidisciplinar à gestão dos recursos hídricos.
As campanhas de limpeza de rios, canais,
lagos e outros corpos d’água se expandiram. Os
programas quase sempre tiveram êxito na melhoria
da qualidade da água e, ocasionalmente, levaram à
adoção de novos padrões de qualidade da água e
regulamentos sobre seu uso. Também aumentaram
a conscientização sobre a necessidade de reduzir
as cargas de poluentes por meio do tratamento de
águas residuais, reutilização e reciclagem de esgoto e águas residuais industriais, introdução de
tecnologias de baixo custo e um rígido controle da
emissão de efluentes industriais e municipais. Têmse verificado vários casos de sucesso na reutilização e reciclagem da água nos países industrializados na região.
Houve melhoria da qualidade da água na China, no Japão, na República da Coréia e em Cingapura, como conseqüência de iniciativas para tratar
o problema da poluição da água. No Japão, o governo estabeleceu padrões de qualidade ambiental
e realizou melhorias notáveis: em 1991, 99,8% das
amostras de água satisfizeram os padrões para metais pesados e toxinas no país (RRI, 2000). No ano
2000, o índice de tratamento de águas residuais industriais em toda a China foi de 94,7% (SEPA, 2001).
As medidas aplicadas em Cingapura permitiram que
seus habitantes desfrutem agora de água corrente
potável diretamente da torneira.
177
178
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
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ÁGUA DOCE
Água doce: Europa
Os recursos hídricos são distribuídos de forma desigual na Europa. A média anual dos escoamentos
varia de 3.000 mm no oeste da Noruega a 100-400
mm em grande parte da Europa Central e menos de
25 mm nas áreas central e sul da Espanha (ETC/
WTR, 2001). Tradicionalmente, a maior parte dos
países europeus depende mais de águas superficiais do que de águas subterrâneas, que são freqüentemente usadas apenas para o abastecimento
de água à população (EEA, 1999a; Eurostat, 1997).
Os dados para a avaliação das tendências de quantidade de água são bastante deficientes, mas os associados à qualidade da água são relativamente
bons. A poluição da água é um problema grave em
toda a Europa. Embora tenha sido alcançado um certo
progresso quanto à redução da poluição na Europa
Ocidental, a situação é menos promissora na Europa Central e no Leste Europeu.
Quantidade de água
A Europa extrai uma porção relativamente pequena
do total de seus recursos hídricos renováveis. A Europa Ocidental extrai, em média, cerca de 20% (EEA,
1999b), embora esse valor varie de menos de 5%
nos países ao norte para mais de 40% na Bélgica, na
Alemanha e na Holanda. A Federação Russa, com
9% dos recursos hídricos do mundo, extrai menos
de 2% ao ano (RFEP, 2000). Contudo, realmente há
problemas de quantidade de água em áreas com baixo índice pluviométrico e elevada densidade
demográfica, assim como em amplas áreas com cultivos irrigados, principalmente em países do Mediterrâneo, na Europa Central e no Leste Europeu.
Na região central da Europa Ocidental, a maior parte do abastecimento de água é utilizado como
refrigerante na produção de energia. Essa água
retorna para sua fonte praticamente nas mesmas
condições e pode ser reutilizada. Em países do sul
da Europa Ocidental, em que os recursos hídricos
são menos abundantes, a agricultura consome muito mais do que os outros setores – aproximadamente 80%, em comparação com os 20% utilizados para
uso urbano e industrial (ETC/WTR, 2001). Cerca de
80% da água utilizada para irrigação evapora.
A quantidade de água extraída para o abastecimento público na Europa Ocidental caiu de 8% a
10% entre 1985 e 1995, como conseqüência de um
uso mais eficiente da água em indústrias e residên-
179
cias (ETC/WTR, 2001). Entretanto, um aumento significativo quanto ao uso da água para a agricultura
ocorreu no sul da Europa, devido ao fato de que as
áreas agrícolas irrigadas sofreram um acréscimo de
quase 20% desde meados da década de 1980. Na
Europa Central e no Leste Europeu, verifica-se um
declínio notável no consumo de água para fins industriais, em função de uma reestruturação econômica, mas a demanda proveniente das áreas urbanas
e para a agricultura irrigada está em constante crescimento (EEA, 1998).
Há poucas leis que controlam o uso da água
na Europa. Os problemas relativos à quantidade foram tradicionalmente tratados com o aumento das
capacidades de armazenamento por meio de reservatórios e sistemas de transferência de água. No entanto, foram implementadas medidas para a redução
da demanda em vários países da Europa Ocidental.
Tais medidas, juntamente com a maior conscientização sobre o uso da água em geral, reduziram
o consumo público. Os setores doméstico e industrial tornaram-se cada vez mais eficientes em relação
Estresse hídrico na Europa (extração em escala
percentual dos recursos renováveis)
< 10%
10%-20%
>40%
20%-40%
ausência de dados
O estresse hídrico ocorre em todas as regiões da Europa, de modo especial nas áreas irrigadas
da Europa Central e Leste Europeu e nos países mais industrializados da Europa Ocidental.
Fonte: dados compilados de UNDP, UNEP, World Bank e WRI, 2000
ao uso da água. Entre os exemplos de medidas de
conservação da água, vale citar a medição do consumo, maiores tarifas e impostos, restrições quanto
à irrigação de jardins, redução de vazamentos, educação ao usuário e o uso extenso de dispositivos
mais eficientes, tais como descargas sanitárias de
baixo consumo e lavadoras de roupa que consomem
menos água.
180
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
Os mecanismos para estabelecer tarifas e
preços pela extração são de grande valor para melhorar a sustentabilidade do uso da água na agricultura e merecem mais atenção, pois os preços
cobrados pela água para uso agrícola são normalmente mais baixos do que para outros usos. Por
exemplo, um estudo recente (Planistat, 1998) descobriu que, na bacia francesa de Adour-Garonne, o
abastecimento de água potável se financia quase
que por completo (aproximadamente 98%), mas a
tarifa de irrigação cobre apenas de 30% a 40% do
custo total dos serviços. Outras reformas agrícolas incluem o plantio de cultivos com menores demandas por água e a adoção de sistemas de irrigação mais eficientes. Na Europa Central e no Leste
Europeu, todas essas medidas menos convencionais estão sendo aplicadas, mas um grande desafio será reduzir os vazamentos – as perdas às vezes
excedem 50% (EEA, 1998).
Qualidade da água
A sobrecarga de matéria orgânica, nitrogênio e fósforo nas décadas de 1970 e 1980 resultou na eutrofização de mares, lagos, rios e águas subterrâneas em toda a Europa. Os fertilizantes presentes nos
escoamentos de terras agrícolas são as principais
fontes de nitrogênio. A maior parte do fósforo se
origina das águas residuais domésticas e industriais, embora em áreas com intensa atividade agrícola
na Europa Ocidental o fósforo oriundo da agricultura se aproxime de 50% da carga total (EEA, 2001). Na
Europa Ocidental, o consumo de fertilizantes caiu
desde meados da década de 1980, mas a eutrofização
continuou devido a um maior escoamento de nutrientes da produção pecuária intensiva. Na Europa
Central e no Leste Europeu, o uso de agrotóxicos
diminuiu consideravelmente desde o início da década de 1990, resultando em uma redução de cerca de
50% no uso de fertilizantes com nitrogênio e fósforo
(Czech Republic, 1999; Republic of Hungary, 1999).
A poluição de águas subterrâneas é outro
problema grave, principalmente associado a nitratos e pesticidas usados na agricultura (EEA, 1998).
Somente na Federação Russa, mais de 2.700 fontes
de águas subterrâneas foram consideradas poluídas em 1999 (RFEP, 2000).
As descargas de fósforo das usinas de tratamento de águas residuais urbanas na Europa Ocidental diminuíram significativamente (50-80%) desde o início da década de 1980, em grande parte devido ao substancial aumento no tratamento de águas
Como os Rios Volga e Ural não
foram limpos
No início da década de 1970, fundos da ordem de
1,2 bilhão de rublos foram destinados a um projeto
de limpeza dos Rios Volga e Ural (Bush, 1972) um
dos primeiros projetos anunciados publicamente
para limpar rios industriais e salvaguardar o
abastecimento de água. Muitos ministérios foram
tachados de negligentes ou lentos quanto à
implementação de medidas para corrigir o
problema e acusados de falhar em fazer pleno uso
do capital alocado para as medidas de proteção da
água. As autoridades tiveram um prazo de até
1980 para implementar as medidas necessárias
para garantir um fim à descarga de águas residuais
não tratadas nas bacias dos Rios Volga e Ural. No
entanto, até o final de 1980, o nível de poluição do
Volga e seus afluentes ainda era avaliado como
“extremamente elevado” e continuou aumentando
na década de 1990.
Fonte: Interstate Statistical Committee, 1999
residuais (ETC/WTR, 2001) e à introdução em larga
escala de detergentes sem fósforo. No fim da década de 1990, 90% dos europeus ocidentais estavam
conectados a redes de esgoto e 70% a usinas de
tratamento de águas residuais (ETC/WTR, 2001). Na
Europa Central e no Leste Europeu, no entanto, 30%
a 40% das casas ainda não estavam ligadas a redes
de esgoto em 1990, e o tratamento era inadequado
(EEA, 1999c). Desde 1990, a maioria dos países candidatos à inclusão na União Européia começou a
aplicar investimentos pesados na coleta e no tratamento de esgoto, mas o seu custo elevado é um
dos maiores problemas financeiros no processo de
inclusão (Republic of Slovenia, 1999). Nos países
da antiga União Soviética, no Leste Europeu, pouco tem sido feito para melhorar o tratamento de
águas residuais.
Muitos lagos que apresentavam concentrações elevadas de fósforo no início da década de
1980 possuem níveis mais baixos atualmente. Contudo, apenas leves mudanças nas concentrações de
fósforo foram observadas em lagos inicialmente
menos afetados (EEA, 2000), o que se deve principalmente à acumulação e à liberação (atrasada) de
fósforo dos leitos dos lagos ou à contaminação contínua originada em habitações pequenas e esparsas
e em fontes agrícolas. Em geral, a qualidade da água
em muitos lagos europeus ainda é precária (ETC/
WTR, 2001). A grande poluição em rios da Europa
Ocidental, como o Reno, diminuiu consideravelmente
desde 1980 (ETC/WTR, 2001), mas as melhorias têm
ÁGUA DOCE
sido menos significativas no sul da Europa e na
Europa Central. No Leste Europeu, a situação é diferente. Na Federação Russa e na Ucrânia, os dois
países mais industrializados da antiga União Soviética, a descarga de água poluída nos rios aumentou
na segunda metade da década de 1980 e nos anos
1990, apesar de uma suposta campanha de limpeza dos Rios Volga e Ural já em 1972 (ver box na página ao lado).
A qualidade precária da água causa impactos
sobre a saúde humana. Na Europa, porém, as epidemias de doenças transmitidas pela água que afetam
menos de 20% da população abastecida raramente
são detectadas. Mesmo assim, epidemias ocasionais
de doenças transmitidas pela água, como infecções
gastrointestinais, que afetam grande parte da população, são registradas em toda a Europa, mesmo em
países com padrões elevados de abastecimento
(WHO, 1999). O chumbo de antigas tubulações de
distribuição e, no Leste Europeu, poços contaminados podem afetar o desenvolvimento neurocomportamental das crianças (EEA/WHO, 1999).
Em âmbito sub-regional, várias diretrizes da
União Européia combatem os problemas relativos à
qualidade da água. A implementação das Diretrizes
sobre Água Potável e Nitrato foi insatisfatória na
maioria dos Estados membros, embora a Diretriz sobre Tratamento de Águas Residuais Urbanas tenha
levado a uma diminuição das descargas de matéria
orgânica de dois terços e de nutrientes pela metade
(ETC/WTR, 2001). É provável que haja mais melhorias à medida que mais países investirem em uma
nova infra-estrutura para cumprir os objetivos da
Diretriz. O mesmo vale para os países do Leste Europeu candidatos à inclusão na União Européia.
O êxito desigual obtido com essas medidas
pode ser associado à ausência de políticas integradas para a gestão da água. A elaboração de
políticas atualmente aborda a gestão sustentável
das bacias hidrográficas e a proteção de recursos
de água doce por meio da integração dos aspectos relativos a quantidade e qualidade. Pode-se
melhorar a integração por meio da Diretriz Quadro
da Água (Water Framework Directive), que tem
como objetivo alcançar um bom estado das águas
superficiais em todos os corpos d’água europeus
até 2015 e que trata o problema da gestão integra-
da dos recursos hídricos no âmbito das bacias hidrográficas (EEA, 1999a).
Estrutura legislativa e de políticas
Existem muitos acordos multilaterais e bilaterais
para a gestão de águas transfronteiriças. Em âmbito pan-europeu, a Convenção de 1992 para a Proteção e Uso de Cursos de Água Transfronteiriços e
Lagos Internacionais da UNECE fortalece as medidas nacionais, obrigando as partes a prevenir,
controlar e reduzir a poluição da água de fontes focalizadas e difusas. Também inclui cláusulas para
monitoramento, pesquisa e desenvolvimento, consultas, sistemas de alerta e alarme, assistência mútua, acordos institucionais e intercâmbio e proteção de informações, assim como acesso público a
elas. Aguarda-se a vigência de um Protocolo sobre Água e Saúde.
No âmbito das bacias hidrográficas, as iniciativas transfronteiriças incluem a Convenção sobre
Cooperação para a Proteção e o Uso Sustentável do
Rio Danúbio e a nova Convenção para a Proteção
do Reno. A Convenção do Danúbio compromete os
signatários a trabalhar em conjunto para conservar,
melhorar e usar de forma racional as águas superficiais e subterrâneas da bacia hidrográfica do Danúbio; controlar riscos causados por acidentes na
área do rio; e contribuir para a redução das cargas
de poluição do Mar Negro originadas em fontes da
área da bacia. A nova Convenção do Reno, adotada
na Conferência dos Ministros do Reno realizada
em janeiro de 2001, será a base para a cooperação
internacional dos países ribeirinhos e da UE, substituindo o Acordo sobre a Comissão Internacional
para a Proteção do Reno contra a Poluição (Bern,
1963) e a Convenção de 1976 para a Proteção do Reno
contra a Poluição Química. A nova convenção estabelece metas em relação à cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável do Reno,
mais melhorias em seu estado ecológico, proteção
e defesa holísticas contra inundações. Além dos
aspectos de qualidade e de quantidade da água,
como questões relativas a inundações, os problemas de águas subterrâneas em relação ao Reno
serão incluídos futuramente nas cláusulas da convenção (ICPR, 2001).
181
182
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
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ÁGUA DOCE
Água doce: América Latina e Caribe
A Região da América Latina e Caribe é rica em recursos hídricos renováveis, com mais de 30% do total
mundial. Entretanto, três regiões hidrográficas – a
Bacia do Golfo do México, a Bacia do Atlântico Sul e
a Bacia do Prata –, que abrangem 25% do território da
região, abrigam 40% da população e contêm apenas
10% dos recursos hídricos da região (WWC, 2000).
A maior parte dos problemas associados à água
transcende as fronteiras nacionais, embora haja diferenças marcantes entre sub-regiões e países. Os principais desafios são: a diminuição da disponibilidade
per capita de água devido ao crescimento demográfico, à expansão urbana, ao desmatamento e à mudança climática; a deterioração da qualidade da água
causada por águas residuais não tratadas, pelo uso
excessivo de fertilizantes e pesticidas e pela poluição
industrial – particularmente das indústrias do setor
de mineração e energia; e estruturas legais e institucionais desatualizadas.
183
Central. Há uma falta generalizada de eficiência na
tecnologia e na prática de irrigação (World Bank,
1999). Algumas reformas institucionais recentes tentaram resolver o problema. No México, por exemplo,
a propriedade dos sistemas públicos de irrigação foi
transferida para 386 Associações de Usuários de
Água, resultando em uma melhoria significativa da
recuperação costeira, da manutenção dos sistemas,
do rendimento e da eficiência do uso da água (Saleth
and Dinar, 1999).
A indústria também utiliza grandes quantidades de água. Na América do Sul, estima-se que as
extrações anuais de água com fins industriais alcanDisponibilidade hídrica em 2000
(1.000 m3 per capita/ano)
Disponibilidade e uso
A disponibilidade de água varia intensamente, e a
América do Sul é a sub-região mais rica. Alguns países sofrem de escassez de água e de perda de
biodiversidade e habitats aquáticos; algumas ilhas
caribenhas estão se aproximando ou estão abaixo dos
níveis de escassez de água (WWC, 2000). Também
existem grandes diferenças dentro dos países.
Na maior parte dos pequenos estados insulares do Caribe, as precipitações são a única fonte
de água doce (Antígua e Barbuda, as Bahamas e
Barbados usam água dessalinizada). Na América do
Sul, as reservas de águas subterrâneas são de grande
importância, e calcula-se que cheguem a 3 milhões de
km3 (GWP, 2000). O México depende principalmente
de águas subterrâneas, o que equivale a um terço de
toda a extração registrada de água doce e a dois terços da água potável em áreas urbanas (CATHALAC,
1999; WWC, 1999).
A agricultura e a indústria são os maiores consumidores de água na região, seguidos pelo consumo doméstico. A agricultura irrigada é um dos usos
de água doce de expansão mais rápida. A quantidade
de terra utilizada para agricultura irrigada aumentou
de 10 milhões de hectares em 1970 para mais de 18
milhões de hectares em 1998 (FAOSTAT, 2001). As
extrações de água para irrigação variam de 56% do
total de extrações no Caribe para 78% na América
1,0 a 2,0
muito baixa
>2,0 a 5,0
baixa
>5,0 a 10,0
média
>10,0 a 20,0
alta
>20,00
muito alta
ausência de dados
cem 15 km3, e 80% dessa demanda se origina somente na Argentina e no Brasil (ACAA, 2001). No Brasil,
praticamente toda a eletricidade do país é produzida
em hidrelétricas. O setor de mineração, principalmente no Chile e no Peru, requer cada vez mais água.
Para algumas regiões, como os Andes, essa demanda pode levar à necessidade de importar água em
um futuro próximo. Na Venezuela e em Trinidad e
Tobago, o setor petroleiro é um consumidor de grande importância.
A demanda por água para uso doméstico também é crescente. Contudo, a desigualdade entre os
usuários, mesmo nos países ricos em recursos
hídricos, é enorme. Grande parte da população ca-
O mapa mostra a
disponibilidade
hídrica mensurada
em termos de 1.000
m3 per capita/ano.
Fonte: dados
compilados de UNDP,
UNEP, World Bank e
WRI, 2000; United
Nations Population
Division, 2001
184
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
“Em 1998, o Furacão Mitch causou US$ 58 milhões em danos somente
em Honduras. A devastação incluiu a destruição de 85 mil latrinas e 1.683
adutoras rurais de água. Conseqüentemente, 75% da população,
aproximadamente 4,5 milhões de pessoas, perdeu o acesso a água potável.
Os efeitos de devastações como a causada pelo Furacão Mitch podem
perdurar por meses ou até mesmo anos.” — WHO e UNICEF, 2000
rente, tanto em áreas rurais como em comunidades urbanas, não tem acesso a água limpa nem a
serviços de saneamento (WWC, 2000). Em 1995,
27% da população não estava conectada à rede
doméstica de abastecimento de água ou não tinha
acesso fácil a ela. No mesmo ano, 41% da água
não era tratada, e 31% da população não contava
com serviços de esgoto (PAHO, 1998). Em 2000,
85% da população contava com um melhor abastecimento de água e 78% tinha uma melhor cobertura de serviços de saneamento, mas esses números ainda significavam que 78 milhões de pessoas
não tinham acesso a um melhor abastecimento de
água e 117 milhões não tinham acesso a melhores
serviços de saneamento (WHO e UNICEF, 2000).
Também há grandes disparidades entre as áreas
rural e urbana. Os desastres naturais agregam um
O Modelo de Tegucigalpa: abastecimento de
água para assentamentos de periferias urbanas
Fatores como a participação da comunidade, um sistema de divisão e
recuperação de custos e educação e treinamento sobre higiene
contribuíram para melhorar o abastecimento de água e os serviços de
saneamento em muitas comunidades da periferia da capital
hondurenha Tegucigalpa. A rápida urbanização nos últimos vinte anos
aumentou a população da cidade para 850 mil habitantes, dos quais
mais da metade vivem em 225 comunidades da periferia. Quase não
existem águas superficiais, e as águas subterrâneas freqüentemente
são muito profundas e poluídas. A prestação de serviços básicos, como
sistemas de distribuição de água e de coleta de esgoto, é difícil e
dispendiosa.
O programa sobre abastecimento de água para
assentamentos da periferia urbana, uma parceria envolvendo o
UNICEF, o Serviço Autônomo Nacional de Aquedutos e Esgotos
(SANAA), a Unidade Executiva para o Desenvolvimento de Bairros
(UEDB) e as comunidades, providenciou o abastecimento de água para
150 mil pessoas em 80 comunidades e serviços de saneamento para
cerca de 5 mil pessoas em quatro comunidades, entre 1987 e 1996. Um
dos pontos fortes do programa é a participação e o investimento por
parte da comunidade, que deve oferecer mão-de-obra e materiais de
construção, fazer contribuições financeiras por meio de tarifas pela
água e recuperar todo o custo do investimento. A comunidade deve
estabelecer uma Diretoria para Assuntos Hídricos para coletar tarifas,
administrar o sistema de distribuição de água e controlar a operação e
atividades simples de manutenção. Existe um sistema de divisão e
recuperação de custos que abrange o uso de um fundo rotativo: a
contribuição da comunidade é de aproximadamente 40% do custo do
sistema de distribuição de água, enquanto a SANAA e a UNICEF
contribuem com 25% e 35%, respectivamente.
Fonte: UNCSD, 1999
fator imprevisto que pode prejudicar seriamente os
esforços para melhorar os serviços de saneamento
e abastecimento de água.
Tem havido tentativas de melhorar o abastecimento de água e os serviços de saneamento em
diversas áreas urbanas, bem como de estabelecer
tarifas que reflitam o verdadeiro valor da água. Embora a eficiência da privatização e o uso de instrumentos econômicos, como o estabelecimento de preço para a água, permaneçam muito polêmicos (WWC,
2000), alguns países, como a Jamaica, começaram a
usar tais mecanismos (UNECLAC, 2000).
A limitação de informações sobre a infra-estrutura e a operação dos serviços de distribuição
pública de água é uma grande restrição aos esforços do governo para melhorar os regulamentos relativos ao setor hídrico em áreas urbanas. Embora a
função dos governos tenha mudado de prestador
de serviços hídricos para regulador em representação da população, muitos governos ainda não dispõem de informações suficientes sobre a operação
dos serviços de distribuição pública de água, o que
limita suas funções reguladoras. Embora o ritmo de
mudança tecnológica no setor hídrico seja em geral
mais lento do que em outros setores, a necessidade
de transferência tecnológica é crucial para os esforços de economizar água e implementar melhores estratégias de controle.
A fim de aumentar a eficiência do setor de
saneamento, assim como para atrair capital, têm surgido propostas de iniciativas nacionais e internacionais, entre elas a criação de mercados locais ou
regionais, tais como o projeto Aqüífero Guarani (ver
box na página ao lado). No Brasil, houve notáveis
avanços na legislação, principalmente com a lei federal de 1997, que implementa uma política nacional
de recursos hídricos e estabelece um sistema nacional de gestão de recursos hídricos.
Qualidade da água
Os problemas relativos à poluição da água na América Latina e no Caribe tornaram-se graves a partir da
década de 1970. Nos últimos trinta anos, tem havido
um declínio significativo na qualidade de águas superficiais e subterrâneas. A agricultura e a liberação
de águas residuais urbanas e industriais não tratadas
tornaram-se as principais fontes de poluição.
O uso excessivo de fertilizantes na agricultura aumentou o crescimento de algas e a eutrofização em lagos, represas e lagoas costeiras. Têm
sido observados crescentes níveis de nitratos nos
ÁGUA DOCE
rios, incluindo o Amazonas e o Orinoco, assim como
em fontes subterrâneas da região. Na Costa Rica,
tanto em fontes urbanas como em rurais, foram encontrados níveis de nitratos próximos ou superiores às diretrizes internacionais (Observatorio del
Desarrollo, 2001).
As águas residuais não tratadas originadas
nos centros urbanos permanecem como uma das
principais causas de poluição. Na região como um
todo, apenas cerca de 13% das águas residuais
coletadas recebem algum tipo de tratamento (PAHO,
1998). A crescente poluição, originada dos escoamentos urbanos e da liberação de águas residuais
não tratadas nos corpos d’água que abastecem áreas urbanas, agravou as dificuldades de satisfazer a
demanda crescente por água nas cidades, principalmente nas localizadas em áreas como Lima e Cidade
do México, em que a água é escassa (WWC, 2000).
As atividades industriais e a poluição que
produzem têm contribuído consideravelmente para
agravar os problemas relativos à qualidade da água.
Os dejetos de animais provenientes de curtumes,
abatedouros e fábricas de empacotamento de carnes, por exemplo, poluem os aqüíferos com bactérias coliformes (WWC, 2000).
Outro problema crescente relativo à qualidade da água, principalmente no Caribe, é a salinização da água em áreas costeiras devido à extração
excessiva. Essa questão é particularmente grave
dada a crescente demanda por água no Caribe, principalmente para abastecer a indústria do turismo
(UNEP, 1999).
O Sistema Aqüífero Guarani
O Sistema Aqüífero Guarani é um dos maiores aqüíferos do mundo,
cobrindo cerca de 1,2 milhão de km2 no sudoeste da América do Sul. As
reservas permanentes do sistema no Brasil alcançam, segundo
cálculos conservadores, cerca de 48 mil km3, com uma reposição anual
de 160 km3. A extração de águas subterrâneas de aproximadamente
20% dos atuais índices anuais de reposição seria suficiente para
fornecer 300 litros por dia per capita a 360 milhões de habitantes.
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai estão trabalhando
juntos para desenvolver um plano integrado para a proteção e a gestão
sustentável do sistema, em virtude de um projeto financiado pelo
Fundo para o Meio Ambiente e o Banco Mundial o Projeto para a
Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema
Aqüífero Guarani. A Organização dos Estados Americanos, outros
doadores e agências internacionais também participam. O sucesso do
projeto será um grande passo para garantir a disponibilidade a longo
prazo dos recursos de água doce e do aqüífero para as populações
desses países.
Estruturas institucionais e legais
Na maior parte dos países, os recursos hídricos continuam a ser administrados de forma setorial, havendo pouca integração entre setores ou com outros procedimentos de gestão ambiental. Tal abordagem ignora as interações vitais com ecossistemas muito mais
amplos e com outras funções, bem como os serviços
ecológicos relativos à água. Na última década, observa-se a tendência tanto de transferir os serviços
hídricos do setor público para o privado como de
descentralizar as responsabilidades legais e administrativas. Como conseqüência, freqüentemente existe
uma ineficiência ou uma completa falta de cumprimento de leis e regulamentos que objetivam proteger
os recursos de água doce (WWC, 2000).
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186
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
Água doce: América do Norte
A América do Norte possui cerca de 13% dos recursos renováveis de água doce do mundo (exceto geleiras e calotas glaciais). Ao fim da década de 1990, os
norte-americanos utilizavam 1.693 m3 de água por pessoa a cada ano (Gleick, 1998), mais do que em qualquer outra região. Nos Estados Unidos, as recentes
medidas de conservação resultaram em declínio do
consumo: durante o período de 1980 a 1995, os índices de extração de água caíram em quase 10%, enquanto a população aumentou em 16% (Solley, Pierce
e Perlman, 1998). No Canadá, por outro lado, a extração de água aumentou em 80% no período de 1972 a
1991, enquanto o crescimento populacional foi de
3% (EC, 2001a).
Embora a poluição da água de fontes focalizadas tenha sido reduzida nos Estados Unidos desde a
década de 1970, as fontes difusas, como o escoamento agrícola e a drenagem urbana de águas fluviais,
aumentaram, causando graves problemas relativos à
poluição. Os problemas de aumento de nutrientes são
de interesse especial.
A maior parte dos recursos de água doce (não
congelada) do continente está em águas subterrâneas. Atualmente, a contaminação de águas subterrâneas e os níveis decrescentes dos aqüíferos são questões prioritárias (Rogers, 1996; EC, 1999a).
Há trinta anos, uma das questões mais sérias
que a América do Norte enfrentava em relação aos
recursos de água doce era o estado precário da Bacia
dos Grandes Lagos. As atividades de limpeza são um
exemplo notável da cooperação entre as nações e os
usuários locais.
Riscos à saúde causados pela poluição de
águas subterrâneas
Diversos relatórios recentes sobre contaminação localizada de poços
alertaram a população quanto aos riscos à saúde associados a águas
subterrâneas contaminadas (EC, 1999a). Em maio de 2000, por
exemplo, sete canadenses morreram e mais de 2.0002 mil adoeceram
em Walkerton, Ontário, em consequênciaconseqüência da
contaminação por E. coli no sistema de abastecimento de água da
cidade. O esterco foi um dos fatores envolvidos no acidente, agravado
por outros, como falhas na infra-estrutura, localização de alto risco dos
poços, erro humano e chuvas abundantes (ECO, 2000).
A tragédia alertou as províncias canadenses para a necessidade de
sanar os graves problemas com a água potável, relacionados a
contaminantes provenientes de dejetos animais que penetram as
reservas de águas subterrâneas e, em alguns casos, às repercussões
de cortes orçamentários anteriores, reduções de pessoal e uma maior
dependência dos municípios quanto à regulamentação dos serviços
ambientais (Gallon, 2000).
Águas subterrâneas
Em meados da década de 1990, as águas subterrâneas abasteciam até 50% da população da América do
Norte e mais de 90% dos habitantes das áreas rurais
(EPA, 1998; Statistics Canada, 2000).
Atualmente, os numerosos compostos perigosos utilizados na indústria e na agricultura estão
ameaçando a qualidade das águas subterrâneas. Os
poluentes de fontes difusas estão presentes em muitos poços superficiais em toda a extensão de amplas
regiões da América do Norte (Moody, 1996). A agricultura é o pior agente poluidor, o uso de fertilizantes
artificiais na região aumentou de 15 milhões para 22,25
milhões de toneladas por ano nas três últimas décadas (IIFA, 2001).
Embora a contaminação por nitrogênio raramente exceda os níveis de risco potencial à saúde,
constitui um problema crônico para a população das
províncias das Pradarias, que dependem de poços
para obter água, assim como afeta as águas subterrâneas até certo ponto em 49 estados dos Estados Unidos (OECD, 1996; Statistics Canada, 2000). Consumidos em concentrações elevadas, os nitratos podem
causar metemoglobinemia infantil, também conhecida como síndrome do bebê azul (Sampat, 2000).
No período de 1993-1995, também foram detectadas baixas concentrações de pesticidas em águas
subterrâneas pouco profundas em 54,4% dos sítios
testados nos Estados Unidos. Embora as concentrações de pesticidas raramente excedam os padrões
estabelecidos para a água potável, alguns cientistas
sugerem que seus efeitos combinados sobre a saúde
e o meio ambiente não são abordados de forma satisfatória (Kolpin, Barbash e Gilliom, 1998).
Os tanques subterrâneos de armazenamento
que contêm, por exemplo, produtos derivados do petróleo, ácidos, substâncias químicas e solventes industriais, são importantes fontes de contaminação
de águas subterrâneas (Sampat, 2000). Os tanques
são de modo geral impróprios para armazenar tais
substâncias ou foram instalados de forma inadequada. Em 1998, descobriu-se que mais de 100 mil tanques de petróleo nos Estados Unidos estavam com
vazamentos. Os fundos estaduais destinados a medidas corretivas para os tanques subterrâneos ajudaram a limpar muitos dos sítios nos Estados Unidos
(US EPA, 1998).
Os sistemas de fossas sépticas, a maior fonte
de descarga de dejetos na terra, contêm muitos contaminantes orgânicos, e suspeita-se que sejam uma
das principais fontes de contaminação de poços na
ÁGUA DOCE
área rural. Entre um terço e metade dos sistemas sépticos dos Estados Unidos podem estar funcionando
de forma deficiente (Moody, 1996).
A disponibilidade a longo prazo de águas subterrâneas em regiões agrícolas áridas é uma questão
prioritária. Em geral, os níveis de águas subterrâneas
pararam de cair durante a década de 1980, mas o esgotamento das reservas de águas subterrâneas ainda
correspondia a 10% de todas as extrações de água
doce nos Estados Unidos em meados da década de
1990 (OECD, 1996). Em 1990, 62% das terras agrícolas
irrigadas dependiam dos recursos de águas subterrâneas (OECD, 1996; Sampat, 2000).
Durante o período, entre o fim da década de
1980 e início da de 1990, todos os estados dos Estados Unidos promulgaram leis relativas a águas subterrâneas (TFGRR, 1993; Gobert, 1997). O governo
federal do Canadá aprovou novas leis nacionais sobre questões sobre meio ambiente, comércio e águas
subterrâneas (EC, 1999a). Embora tradicionalmente a
gestão de águas subterrâneas tenha abordado de forma separada as águas superficiais e as subterrâneas,
as interações entre elas têm efeitos diretos sobre a
qualidade e a disponibilidade da água, bem como sobre a saúde das áreas úmidas, a ecologia ribeirinha e
os ecossistemas aquáticos em geral (Cosgrove e
Rijsberman, 2000).
187
e sujeito aos efeitos da bioacumulação, estavam cerca de 30% mais finas do que o normal (EC, 1999b).
Algumas espécies de pássaros sucumbiram.
A Comissão Internacional dos Grandes Lagos
(IJC) publicou um relatório sobre o problema da poluição nos Grandes Lagos inferiores em 1970. A IJC,
uma organização independente formada por representantes do Canadá e dos Estados Unidos, tem-se encarregado de avaliar a quantidade e a qualidade da água ao longo da fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos desde 1909 (IJC, 2000a). O relatório resultou na assinatura do Acordo sobre a Qualidade da
Água dos Grandes Lagos (GLWQA), em 1972, e no
início de esforços combinados para recuperar a qualidade da água. Em 1978, o acordo foi renovado para
introduzir a abordagem de ecossistema e tratar o problema das descargas de produtos químicos persistentes (IJC, 1989).
Áreas de risco nos Grandes Lagos
Qualidade da água dos Grandes Lagos
A bacia dos Grandes Lagos é um dos maiores sistemas de água doce do planeta, contendo 18% da água
doce superficial do mundo (EC, 2001a). Menos de 1%
da água é renovada anualmente por precipitação, escoamento de águas superficiais e influxo de águas
subterrâneas.
Com o passar dos anos, os lagos têm estado
expostos a uma mistura poluidora de efluentes devido ao tratamento inadequado de esgoto, efluentes de
fertilizantes e águas residuais. No início da década de
1970, as praias estavam cobertas de algas, e a água
não era apropriada para beber, a menos que passasse
por um extenso processo de purificação. No Lago
Erie havia grandes quantidades de fósforo, florações
de algas e graves declínios da população de peixes.
As comunidades indígenas foram as mais afetadas.
As manchetes dos jornais em 1970 declaravam que
“O Lago Erie está morto” (EC, 1999b; EC, 2001c).
Outros indícios apontavam problemas mais
traiçoeiros. No início da década de 1970, as cascas
dos ovos do corvo-marinho-de-dupla-crista, que está
em um patamar elevado da cadeia alimentar aquática
Em 1987, foram estabelecidas metas ou estratégias para reduzir cargas de fósforo, poluentes atmosféricos, poluição gerada por atividades realizadas na terra e problemas relativos a sedimentos e
águas subterrâneas contaminadas. Foram desenvolvidos Planos de Ação Corretiva para limpar 43 áreas
que eram objetos de preocupação (ver mapa).
As cargas municipais de fósforo nos lagos
Erie e Ontário foram reduzidas em quase 80% desde o
início da década de 1970, diminuindo o ritmo de crescimento das algas e reduzindo o nível de esgotamento de oxigênio nas águas do fundo. O Lago Erie, que
outrora fora considerado “morto”, é agora o maior
local de pesca de peixes perciformes do mundo (EC,
1999b; EC, 2001c).
Em 1987, foram
desenvolvidos Planos
de Ação de
Tratamento a fim de
despoluir 43 áreas de
risco na Bacia dos
Grandes Lagos, tanto
no Canadá quanto nos
Estados Unidos
Fonte: EC, 2000
188
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
A descarga de diversos produtos químicos
tóxicos persistentes também foi reduzida. Desde o
fim da década de 1980, os regulamentos governamentais alcançaram uma redução de 82% nas substâncias
cloradas tóxicas liberadas por fábricas de celulose e
papel. Desde 1972, tem havido uma redução geral de
71% no uso, na geração e na liberação de sete produtos químicos tóxicos prioritários e uma redução significativa nos derramamentos de produtos químicos
(EC, 1999b; EC, 2000; EC, 2001c).
Os resíduos de DDE e PCB, que já tiveram
níveis excepcionalmente altos em ovos de corvos
marinhos na bacia dos Grandes Lagos, caíram em 91%
e 78%, respectivamente, entre o início da década de
1970 e 1998 (EC, 2001b). As populações de corvos
marinhos estão se reproduzindo de forma satisfatória
novamente, e outras populações de pássaros estão
aumentando (EC, 1998; EC, 1999b).
O acelerado desenvolvimento urbano e industrial, no entanto, continuou causando danos ambientais à bacia hidrográfica durante a década de 1990. A
contaminação por sedimentos em portos e desembocaduras de rios ameaçava contaminar os peixes e representava problemas relativos a dragagem e eliminação de sedimentos (IJC, 1997). As evidências revelam que os poluentes levados pelo ar se depositam
nos lagos, contribuindo de forma significativa para a
poluição da água (US EPA, 1997). Até 96% das PCBs
nos Grandes Lagos vêm da atmosfera (Bandemehr e
Hoff, 1998). A Estratégia Binacional sobre Tóxicos
nos Grandes Lagos foi lançada em 1997, com o objetivo de eliminar esses contaminantes químicos (BNS,
1999; EC, 2000b).
Embora a exposição a contaminantes tóxicos
persistentes tenha diminuído, alguns estudos demonstram que filhos de mães que ingeriam grandes
quantidades de peixes dos Grandes Lagos apresentaram problemas de desenvolvimento (Health Canada,
1997). Relatórios recentes da IJC alertam para o lento
progresso na solução de alguns problemas, tais como
a limpeza dos sedimentos que contêm produtos químicos tóxicos persistentes e espécies exóticas invasoras (IJC, 2000b).
Os Grandes Lagos enfrentarão outros desafios ambientais no futuro. O aquecimento global poderá diminuir os níveis dos lagos em um metro ou
mais até meados deste século, causando graves
impactos econômicos, ambientais e sociais. É possível também que a escassez de água em toda a
América do Norte aumente a pressão para desviar ou retirar água dos lagos em grandes quantidades, ameaçando o uso sustentável dos recursos
de águas superficiais e subterrâneas (IJC, 2000c;
IPCC, 2001).
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ÁGUA DOCE
Água doce: Ásia Ocidental
A Península Arábica caracteriza-se por um clima árido com níveis de precipitação anual inferiores a 100
mm. Não há um abastecimento confiável de águas
superficiais. Essa sub-região depende inteiramente
de águas subterrâneas e usinas de dessalinização
para atender às suas necessidades hídricas. Grandes aumentos na demanda exercem uma crescente
pressão sobre os exíguos recursos disponíveis. A
sub-região de Mashreq é, em sua maior parte, árida
e semi-árida. Cerca de 70% da sub-região recebe
menos de 250 mm de chuvas por ano. A região compartilha dois rios que nascem fora da área, o Eufrates
e o Tigre, além de muitos outros rios menores. Acordos ou entendimentos sobre como compartilhar esses recursos hídricos foram estabelecidos entre os
países árabes, mas os acordos em relação ao Eufrates
ainda não foram concretizados entre o Iraque e a
Síria, de um lado, e a Turquia, do outro.
Demanda crescente por água
A principal causa da crescente demanda por água é
o crescimento populacional acelerado. A população
da região aumentou de 37,3 milhões em 1972 para
97,7 milhões em 2000 (United Nations Population
Division, 2001). Um alto índice anual de crescimento
demográfico de mais de 3% na sub-região de
Mashreq provocou a queda do volume anual per
capita dos recursos hídricos disponíveis de 6.057
m3 em 1950 (Khouri, 2000) para 1.574 m3 em 2000 (ver
tabela acima).
A demanda por água para uso doméstico também tem aumentado devido a um incremento no consumo per capita. Em muitos países, o racionamento
de água é usado para limitar a demanda. Por exemplo, a Jordânia restringe o abastecimento de água
em Amã para apenas três dias por semana. Em Damasco, a água pode ser usada por menos de doze
horas por dia.
A agricultura é o principal destino da água
na Ásia Ocidental, correspondendo a aproximadamente 82% do total da água consumida, em comparação a 10% e 8% para os setores doméstico e industrial, respectivamente. Na Península Arábica, a
agricultura utiliza cerca de 86% dos recursos hídricos
disponíveis, e cerca de 80% são utilizados na região
de Mashreq (Khouri, 2000). Para satisfazer a demanda por água, principalmente para irrigação, a extração de águas subterrâneas aumentou drasticamente
nas três últimas décadas.
189
Índice de estresse hídrico: Ásia Ocidental
Masheq
Penísula
Arábica
Região da
Ásia Ocidental
população
(milhões, 2000)
50,7
47,0
97,7
água disponível
(km3/ano)
79,9
15,3
95,2
água
utilizada(km3/ano)
66,5
29,6
96,1
índice de estresse
hídrico (%)
83,3
disponibilidade per
capita (m3/ano)
>100
>100
326
974
1.574
Fonte: ACSAD, 2000; United Nations Population Division, 2001
Nos países integrantes do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), o abastecimento total de
água por ano aumentou de 6 km3 em 1980 para 26
km3 em 1995, dos quais 85% eram utilizados para fins
agrícolas (Zubari, 1997). Em 1995, os países do CCG
tinham recursos hídricos equivalentes a 466 m3/ano
per capita e um índice de uso per capita de água de
1.020 m3/ano, o que produziu um déficit médio anual
de água de aproximadamente 554 m3 per capita, obtido principalmente por meio da exploração de reservas de águas subterrâneas (Zubari, 1997).
Usos da água na Ásia Ocidental
Mashreq
5
15
Península
Arábica
85
95
agricola
86
80
municipal
8
12
convencional
industrial
11
3
não convencional
Origens e usos dos recursos hídricos nas regiões da Ásia Ocidental: a Península Arábica depende
principalmente das águas subterrâneas, já os países localizados no Mashreq necessitam das
águas superficiais. Entretanto, ambas as regiões utilizam a maior parte de suas reservas na
agricultura.
Fonte: Khouri, 2000
190
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
Recursos hídricos disponíveis na Ásia Ocidental
(milhão m3/ano)
águas superficiais
águas subterrâneas
dessalinização
reutilização por meio
de drenagem agrícola
total
Masheq
Penísula
Arábica
Região da
Ásia Ocidental
68.131
6.835
74.966
8.135
6.240
14.375
58
1.850
1.908
3.550
392
3.942
79.873
15.318
95.191
Fonte: Khouri, 2000
O índice de estresse hídrico na Ásia Ocidental (expresso como um percentual da água usada
sobre os recursos hídricos disponíveis) é superior a
100% em cinco dos sete países da Península Arábica e é grave nos dois restantes. Esses países já esgotaram seus recursos hídricos renováveis e estão
agora explorando reservas não-renováveis. Na região
de Mashreq, exceto na Jordânia, o índice de estresse
hídrico é menor (ver tabela na página anterior). Embora os recursos hídricos per capita em nove dos
doze países da Ásia Ocidental sejam inferiores a 1.000
m3/ano, também estão abaixo de 500 m3/ano em sete
países. O valor geral do índice de estresse hídrico
para a Ásia Ocidental é superior a 100% (ver tabela
na página anterior).
Nos últimos trinta anos, a adoção de políticas de auto-suficiência alimentar promoveu a expansão agrícola. Os governos ofereceram subsídios e incentivos que resultaram em uma expansão
em larga escala da atividade agrícola, aumentando
a demanda por água, que era satisfeita principalA água usada para irrigação na Ásia Ocidental
Os subsídios e incentivos levaram a uma ampla expansão do setor
agrícola privado na Ásia Ocidental, bem como à extensão da irrigação
complementar em algumas áreas agrícolas sem irrigação artificial. Por
exemplo, a área total irrigada na Síria quase dobrou nas três últimas
décadas, aumentando de 625.000 hectares (10,9% da terra arável)
em 1972 para 1.186.000 hectares (25,2% da terra arável) em 1999
(FAOSTAT, 2001). No Iraque, o percentual de terra irrigada aumentou
de 30,3% em 1972 para 67,8% em 1999 (FAOSTAT, 2001). A eficiência
da irrigação como o percentual de água que realmente atinge o cultivo
não excede a 50% na região, e às vezes cai para somente 30%,
levando a grandes perdas de água (ACSAD, 1997).
A quantidade de água usada para o cultivo de trigo na Arábia
Saudita durante o período de 1980 a 1995 foi de aproximadamente 254
km3 (Al-Qunaibet, 1997), o equivalente a 13% das reservas totais de
águas fósseis subterrâneas do país 1.919 km3 (Al Alawi e Razzak,
1994).
mente por meio da exploração de aqüíferos profundos. Além disso, o bombeamento não regulado, a
ausência de tarifas ou quantias mínimas cobradas
pela água de irrigação, a inexistência de medidas de
aplicação legal contra perfurações ilícitas, práticas
deficientes de irrigação e falta de conscientização
por parte dos agricultores resultaram em uso excessivo da água.
A intensa atividade agrícola e a grande utilização de agrotóxicos também contribuíram para a contaminação dos recursos hídricos. Por exemplo, a concentração de nitratos na água corrente de Gaza excede as diretrizes da OMS (10 mg/litro), e as concentrações de nitratos estão aumentando a uma taxa de 0,21,0 mg/litro por ano nos poços costeiros do país. A
adesão aos padrões da OMS faria com que metade
desses poços costeiros fosse considerada inadequada como fontes de água potável (PNA, 2000).
Exploração excessiva de águas
subterrâneas
O uso excessivo de águas subterrâneas resultou em
quedas súbitas dos níveis de águas subterrâneas e
deterioração de sua qualidade devido à intrusão da
água do mar. Por exemplo, na Arábia Saudita, os níveis de água diminuíram em mais de 70 metros no
aqüífero de Umm Er Radhuma durante o período de
1978 a 1984, e tal declínio foi acompanhado por um
aumento da salinidade de mais de 1.000 mg/litro (AlMahmood, 1987). Nos Emirados Árabes Unidos, o
bombeamento excessivo de águas subterrâneas criou
cones de depressão de 50-100 km de diâmetro em
diversas áreas. Esses cones causaram a queda dos
níveis de águas subterrâneas, o esgotamento de poços pouco profundos e a intrusão de água salgada.
O grau de salinidade das águas subterrâneas na maioria das áreas de estepe da Síria e da Jordânia aumentou para vários milhares de miligramas por litro.
A exploração excessiva dos aqüíferos costeiros na
área da costa do Líbano provocou a intrusão de água
salgada, cujos níveis aumentaram subseqüentemente de 340 para 22.000 mg/litro em alguns poços próximos a Beirute (UNESCWA, 1999).
Qualidade da água
Freqüentemente, a degradação da qualidade da água
é conseqüência da escassez de água e da exploração excessiva. A quantidade e a qualidade da água
são questões de grande relevância nos países da
região de Mashreq. Efluentes, agrotóxicos e descar-
ÁGUA DOCE
gas industriais afetaram seriamente a vida aquática,
causando efeitos nocivos à saúde da população. As
descargas provenientes de curtumes no Rio Barada,
na Síria, multiplicaram por 23 os níveis de demanda
bioquímica de oxigênio (DBO) acima do normal
(World Bank, 1995). Próximo a Homs, na Síria, os
níveis de DBO do Rio Orontes no inverno são 100
vezes maiores do que na área em que o rio entra no
país, vindo do Líbano.
Os impactos sobre a saúde devido à qualidade deficiente da água são motivos de grande preocupação. As doenças transmitidas pela água, principalmente a diarréia, estão em segundo lugar (após
as doenças respiratórias) como causa de mortalidade e morbidade entre as crianças da região (World
Bank, 1995).
Elaboração de políticas
A Ásia Ocidental está elaborando políticas para aumentar tanto o abastecimento de água como sua conservação. Na Jordânia, dá-se prioridade à sustentabilidade dos recursos hídricos sem explorar os
recursos de águas subterrâneas; o país está construindo represas e instalações para armazenar todos os recursos hídricos disponíveis (Al-Weshah,
2000). Muitos países começaram a investir em tecnologia de irrigação mais eficiente. As melhorias
na eficiência da irrigação no Vale da Jordânia aumentaram a produção média de legumes e hortaliças de 8,3 toneladas por hectare, em 1973, para 18,2
toneladas por hectare em 1986 (World Bank, 1995).
A reutilização de águas residuais é outro instrumento importante de conservação para usos nãopotáveis, incluindo a irrigação, bem como para reduzir a degradação ambiental e melhorar a saúde
pública. A reutilização de águas residuais tratadas
aumentou, nos países do Mashreq, de zero, em
1973, para cerca de 51 milhões de m 3/ano em 1991
(Sarraf, 1997). Mas, em muitos países, ainda faltam
políticas integrais relativas à água para a gestão
dos recursos hídricos.
O problema da escassez de água e da deterioração da qualidade da água na região atribui-se
aos seguintes fatores:
•
•
•
•
•
•
•
•
fragmentação e fraqueza por parte das autoridades para assuntos hídricos, o que causa uma
gestão ineficiente da água e conflitos quanto ao
uso entre diferentes setores;
urbanização rápida e não-planejada, incluindo a
migração rural-urbano;
conflitos políticos e militares que afetam de forma negativa o desenvolvimento do setor hídrico;
crescentes demandas setoriais por água;
políticas de auto-suficiência alimentar;
práticas inadequadas de irrigação;
falta de saneamento, que resulta em poluição; e
inexistência de mecanismos para fortalecer a legislação relativa à água e os procedimentos de
aplicação legal.
A falta de dados hidrográficos é um problema sério. A maioria dos estudos tem base em dados
registrados há pouco tempo ou mesmo em conjecturas informadas.
Nas três últimas décadas, as autoridades para
assuntos hídricos na região concentraram seus esforços no aumento do abastecimento e, a um grau
menor, na gestão da demanda e na conservação. Embora sua eficácia ainda não tenha sido provada, foram implementados programas relativos à gestão da
demanda, conservação e proteção em ambas as subregiões. Tais programas incluem a redução dos subsídios agrícolas e para combustíveis, medição do
nível de poços de águas subterrâneas, planos futuros de cobrança de tarifa pela água de irrigação, subsídios para técnicas modernas de irrigação e campanhas de conscientização pública.
Nos países membros do CCG, essas políticas
têm tido um sucesso apenas parcial, ao amenizar a
escassez de água causada pela crescente demanda
e pelas políticas de auto-suficiência. Na verdade, as
políticas de auto-suficiência das três últimas décadas não tiveram êxito. O déficit na produção alimentar está crescendo e é agravado pela escassez de
terras e recursos hídricos que já foram explorados à
exaustão. A segurança hídrica será uma das maiores
limitações para um maior desenvolvimento na região
nos próximos trinta anos, a menos que haja grandes
mudanças nas políticas agrícolas e hídricas.
191
192
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
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ÁGUA DOCE
Água doce: as Regiões Polares
193
Os principais sistemas fluviais do Ártico
Ártico
O Ártico possui grande parte das reservas mundiais
de água doce, e sua paisagem é dominada por sistemas de água doce. Os dois principais campos de
gelo permanentes são a banquisa do Oceano Ártico
(8 milhões de km2) e a calota glacial da Groenlândia
(1,7 milhão de km2), que juntas possuem 10% da água
doce do mundo. A calota glacial da Groenlândia produz cerca de 300 km3 de icebergs por ano. No Ártico,
encontram-se diversos dos maiores rios do mundo,
que vertem 4.200 km3 de água doce no Oceano Ártico a cada ano, juntamente com cerca de 221 milhões
de toneladas de sedimentos (Crane e Galasso, 1999;
AMAP, 1997).
As baixas temperaturas, os baixos nutrientes, a pouca disponibilidade de luz e uma breve estação de crescimento limitam a produtividade primária dos sistemas de água doce do Ártico. Por sua
vez, esse fato restringe a vida animal que pode ser
sustentada. No entanto, os sistemas fluviais são
densamente povoados por várias espécies de peixes, como o Salvelinus alpinus, o salmão do Atlântico e o salmão rosado. Nos últimos anos, a tendência geral de aquecimento, somada à pesca recreativa
e comercial, exerceu pressão sobre essas populações. A introdução acidental de espécies exóticas e
uma maior piscicultura são outros motivos de preocupação (Bernes, 1996). A eutrofização é um problema recente em diversos lagos na Escandinávia, em
que os assentamentos humanos aumentaram os níveis de nutrientes.
Os rios que desembocam no norte são vias
importantes de transporte de poluentes oriundos de
fontes distantes no interior do continente, principalmente na Federação Russa. Na primavera, esses
poluentes são depositados em sistemas de água
doce e finalmente no meio ambiente marinho e podem ser transportados por milhares de quilômetros
a partir de suas fontes, por meio dos padrões de
circulação marinha do Ártico. Entre os poluentes,
encontram-se produtos químicos oriundos da produção agrícola, industrial e petrolífera, radionuclídeos provenientes de testes nucleares e atividades militares, assim como sais solúveis em água
(Crane e Galasso, 1999). Os países do Ártico adotaram um Programa circumpolar de Ação Regional para
a Proteção do Ambiente Marinho do Ártico de Atividades Realizadas em Terra (baseado no Programa
O mapa mostra a bacia hidrográfica do Oceano Ártico, com os principais rios e seus respectivos
volumes de vazão em quilômetros cúbicos.
Fonte: CAFF, 2001
Global de Ação para a Proteção do Ambiente Marinho de Atividades Baseadas em Terra), assim como
Programas de Ação Nacional em alguns países, entre eles a Federação Russa. Esses instrumentos são
muito recentes, o que impossibilita a avaliação de
sua eficácia a longo prazo (PAME, 1998).
Nos países nórdicos, a oposição à construção de represas é muito forte. Durante o período de
1975 a 2001, o povo nativo Cree lutou contra o governo de Quebec devido aos danos ambientais em
suas terras. De forma surpreendente, no entanto,
em outubro de 2001, os Crees mudaram de posicionamento e assinaram um acordo que permitia ao
governo de Quebec, em princípio, construir outro
grande projeto hidrelétrico no sistema fluvial de
Eastmain-Rupert, em troca de pagamento. No ano
2000, um projeto de energia hidrelétrica que teria
inundado uma área úmida importante foi rejeitado
(Arctic Bulletin, 2001). Em 2001, a Agência Nacional
de Planejamento da Islândia rejeitou planos para um
projeto de energia hidrelétrica que teria represado
dois dos três principais rios que fluem da maior geleira da Europa e destruído uma vasta extensão da
vida silvestre.
194
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
Desde a década de 1970, a temperatura do ar
da superfície parece ter aumentado uma média de
1,5ºC por década na Sibéria continental e em áreas
ocidentais da América do Norte, que são consideradas importantes fontes de água doce que alimentam
a bacia do Ártico. A tendência oposta ocorre na Groenlândia e na região ártica oriental do Canadá, em
que há uma tendência negativa de -1ºC por década
(AMAP, 1997). A tendência de aquecimento resultou no descongelamento do pergelissolo contínuo
no Alasca e no norte da Rússia (Morison e outros,
2000; IPCC, 2001).
Os países do Ártico responderam em parte
às ameaças que sofrem seus sistemas de água doce,
estabelecendo áreas protegidas e designando áreas
úmidas importantes de acordo com a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional.
Aproximadamente metade da área protegida do Ártico consiste na calota glacial da Groenlândia e nas
geleiras que armazenam água doce.
Antártida
Embora a calota glacial da Antártida seja o maior
corpo d’água mundial de água doce, há outros riachos e rios sazonais, bem como numerosos lagos e
açudes na região antártica. Outras fontes de água
doce são obtidas nas geleiras que ocorrem em muitas regiões costeiras da Antártida. Todas essas características de água doce sofrem uma ameaça em
potencial por parte da poluição, incluindo os poluentes introduzidos por cientistas e turistas em atividade na Antártida.
Encontram-se lagos de água doce principalmente nas regiões costeiras, em muitas das ilhas
subantárticas e nas raras áreas livres do gelo. Muitos estão expostos à contaminação em potencial originada em atividades humanas. Observações em lagos selecionados, porém, mostram que a contaminação resultante das atividades de pesquisa e operações das estações está em geral próxima ou abaixo
dos níveis de detecção. Nas colinas Larsemann da
Antártida Oriental, os traços de concentrações de
metal parecem ser maiores nos lagos situados próximo às estações do que nos lagos mais distantes. Os
níveis de concentração ainda cumpriam os padrões
de água potável (Gasparon e Burgess, 2000). Espera-se que o Protocolo ao Tratado Antártico sobre a
Proteção do Meio Ambiente minimize os impactos
das atividades humanas sobre esses lagos.
Em 1970, algumas observações revelaram a
existência de lagos amplos sob o manto de gelo nas
regiões centrais do continente. O Lago Vostok, que
tem cerca de 220 km de comprimento e 70 km de largura e contém aproximadamente 2.000 km3 de água, é
o maior dentre os cerca de 70 lagos sub-glaciais conhecidos atualmente (Dowdeswell e Siegert, 1999).
A importância global dos lagos subglaciais é que
não foram expostos à atmosfera nos últimos 500
mil anos e, portanto, mantêm um arquivo único do
meio ambiente do passado. Também há indicações
de que o Lago Vostok poderia conter microorganismos viáveis (Karl e outros, 1999; Priscu e outros,
1999). Diversas tecnologias para entrar no lago sem
contaminá-lo estão sendo consideradas (Russian
Federation, 2001).
O declínio da população de pássaros da
espécie Bucefala islandica
O declínio da população de pássaros da espécie Bucefala islandica
encontrados no Lago Myvatyn, na Islândia, mensurado pelo número de
machos registrados na primavera.
Fonte: CAFF, 2001
ÁGUA DOCE
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195
196
ESTADO DO MEIO AMBIENTE E RETROSPECTIVAS POLÍTICAS: 1972-2002
NOSSO MEIO AMBIENTE EM TRANSFORMAÇÃO: Represa das Três
Gargantas, China
1987
2000
A Represa das Três Gargantas está localizada a noroeste da cidade de Yichang na Província de Hubei, na China. Trata-se de uma
região subtropical que sustenta uma floresta mista de coníferas e decíduas.
Nas imagens, a vegetação aparece em cor verde, os
corpos d’água em azul, a superfície de terra livre de vegetação em cor-de-rosa e as áreas edificadas em violeta azulado.
As imagens mostram as grandes mudanças que ocorreram em áreas agrícolas e na floresta original de arbustos.
Na área em torno da represa de Três Gargantas (centro de
ambas imagens), uma área anteriormente coberta por vegetação foi em grande parte substituída por uma paisagem
artificial. A erosão do solo nessa área foi intensificada, como
pode-se ver na imagem do ano 2000.
Imagens e texto: China National Environmental Monitoring Centre
ÁGUA DOCE
197
NOSSO MEIO AMBIENTE EM TRANSFORMAÇÃO: Província de Jilin,
China
1987
A planície de Nenjiang está localizada
na região nordeste da China, na zona
semi-árida e temperada média, a não
mais do que 100 metros acima do nível
do mar. Grande parte da região consiste em áreas úmidas importantes para a
proteção da biodiversidade e dos recursos de áreas pantanosas. As imagens mostram a vasta área pantanosa a leste da cidade
de Baicheng, na Província de Jilin. Os corpos d’água
aparecem em azul escuro. A ampla área de água na parte
direita inferior da imagem é Yueliangpao. As duas imagens mostram como a área pantanosa foi perdida e substituída por áreas agrícolas, que aparecem em cor vermelha na imagem, indicando também a perda de biodiversidade nessa região. A salinização da terra começa a
ocorrer ao longo das margens do rio (áreas brancas).
Imagens e texto: China National Environmental Monitoring Centre
2000
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água doce rev ines