A PARTICIPAÇÃO DAS PESSOAS CASADAS NO PROCESSO CIVIL
Mariana Swerts Cunha1
RESUMO
O casamento é uma das mais importantes instituições sociais e seus efeitos
repercutem em várias esferas do direito. O objetivo do presente artigo é abordar a
participação das pessoas casadas no processo civil. A questão debatida envolve o
casamento e os efeitos por ele provocados na esfera processual, com destaque para
as hipóteses em que o legislador exige o consentimento do cônjuge para ajuizar
determinadas ações, bem como a hipótese de formação de litisconsórcio passivo
necessário entre os consortes para responder a demanda proposta. São abordados
aspectos relevantes das pessoas casadas em juízo, como a legitimação ad causam
e apontado quem poderá alegar a ilegitimidade destas pessoas em juízo.
Palavras-chave: Legitimidade. Pessoas casadas. Processo.
1. INTRODUÇÃO
O casamento2 é sem dúvida uma das grandes instituições do direito,
porquanto constitui uma das formas mais utilizadas para constituição de família3.
Constitui, segundo o Código Civil, a união entre o homem e a mulher que se
unem em matrimônio com direitos e deveres recíprocos, pois estabelece plena
comunhão de vida, nos ditames do art. 1511.
Desta comunhão plena de vida, irradiam vários efeitos pessoais, sociais e
jurídicos, conforme enuncia a civilista Maria Helena Diniz:
O casamento produz várias conseqüências que se projetam no ambiente
social, nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges e nas relações
1
Advogada, Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas Prof. Alberto Deodato, nas disciplinas
Direito Civil, Teoria Geral do Processo e Procedimentos Especiais. Especialista em Direito Processual
Civil.
2
Casamento é contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da
mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole
comum e se prestarem mútua assistência. (Venosa, 2012, p. 25)
3
É o casamento a mais importante e poderosa de todas as instituições de direito privado, por ser uma
das bases da família, que é a pedra angular da sociedade. Logo, o matrimonio é a peça-chave de
todo o sistema social, constituindo o pilar do esquema moral, social e cultural do pais.( Diniz, 2012,
p.51)
pessoais e patrimoniais entre pais e filhos, dando origem a direitos e
deveres que são disciplinados por normas jurídicas. Esses direitos e
deveres constituem os efeitos do matrimonio por vincularem os esposos na
suas mutuas relações, demonstrando que o casamento não significa
simples convivência conjugal, mas uma plena comunhão de vida ou uma
união de índole física e espiritual. ( DINIZ, 2012, p. 142)
Os efeitos jurídicos do matrimônio como ressaltado são diversos e abarcam
também a esfera processual, pois a partir da ocorrência do matrimônio, quando as
pessoas passam a ostentar o estado civil de casadas, o tratamento dos cônjuges em
juízo, em algumas hipóteses, é diferenciado.
A regra é que os cônjuges, individualmente, poderão promover qualquer
demanda sem autorização do outro.
No entanto, o legislador, no art. 10, do Código de Processo Civil -CPC,
prevê, excepcionalmente, que o consorte necessitará de consentimento do outro
quando a ação versar sobre direitos reais imobiliários, o que será tratado de forma
pormenorizada em tópico próprio.
Também quanto ao polo passivo, as pessoas casadas, ambas, deverão ser
citadas para as ações que versarem sobre direitos reais imobiliários; resultantes de
fatos que digam respeito a ambos os cônjuges o de atos praticados por eles;
fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução
tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou seus bens reservados; que
tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou extinção de ônus sobre
imóveis de um ou de ambos os cônjuges.
Desta forma, o matrimônio influencia sobremaneira na demarcação da
legitimidade processual, seja ativa ou passiva, conforme será abordado neste
trabalho.
2. CAPACIDADE E LEGITIMIDADE PROCESSUAL
Importante adentrar a questão atinente à capacidade e legitimidade
processual para melhor compreensão do tema em análise.
Segundo as disposições do art. 7°, do CPC, toda pessoa que se acha no
exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo.
A capacidade das pessoas no ordenamento jurídico pátrio está regulada no
art. 1° do Código Civil que enuncia que toda pessoa é capaz de direitos e deveres
na ordem civil.
Acerca do assunto, preleciona Silvio Venosa:
A capacidade jurídica, aquela delineada no art. 1° do vigente diploma, todos
a possuem. Trata-se da denominada capacidade de direito. Todo ser
humano é sujeito de direitos, portanto, podendo agir pessoalmente ou por
meio de outra pessoa que o represente. Nem todos os homens são
detentores da capacidade de fato. Essa assim chamada capacidade de fato
ou de exercício é a aptidão para pessoalmente o individuo adquirir direitos e
contrair obrigações.( VENOSA, 2010, p. 135)
Assim, infere-se que a capacidade consiste na aptidão genérica para se
praticar os atos da vida civil.
Esta aptidão também deverá ser verificada na relação processual, donde
surge a capacidade processual, ou seja, aptidão de participar da relação processual,
em nome próprio ou alheio.
A capacidade constitui um dos pressupostos processuais para formação e
desenvolvimento válido do processo, como enuncia Elpídio Donizetti:
Ora, sendo o processo formado por uma série de atos jurídicos (atos
processuais), nada mais evidente que sua instauração ou desenvolvimento
válido seja condicionado a certos requisitos, que, em última análise, são os
mesmos requisitos de validade do ato jurídico, isto é, agente capaz, objeto
licito, possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não
defesa em lei (CC, art. 104). No direito processual, tais requisitos dá-se o
nome de pressupostos processuais, elementos necessários para a
constituição e o desenvolvimento regular do processo. Com relação à
capacidade do agente, é de se lembrar que o processo constitui uma
relação trilateral, que se desenvolve autor, juiz e réu, que são sujeitos da
relação processual. Assim a capacidade deve ser verificada com relação a
todos eles. No que respeita às partes, devem ter capacidade processual
(art. 7°) ou estarem representadas ou assistidas por seus representantes
legais. (DONIZETTI, 2008, p. 39)
Por outro lado, a legitimidade é a aptidão específica para a prática de
determinados atos, inclusive os processuais, donde decorre a legitimidade para agir
em juízo.
Fredie Didier Junior (2009) sustenta:
A todos é garantido o direito constitucional de provocar a atividade
jurisdicional. Mas ninguém está autorizado a levar a juízo, de modo eficaz,
toda e qualquer pretensão, relacionada a qualquer objeto litigioso. Impõe-se
a existência de um vinculo entre os sujeitos da demanda e a situação
jurídica afirmada, que lhes autorize a gerir o processo em que esta será
discutida. Surge, então, a noção de legitimidade ad causam.
A legitimidade para agir é condição da ação que se precisa investigar no
elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham
os pressupostos processuais subjetivos para que a parte possa atuar
regularmente em juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda
estejam em determinada relação jurídica de direito material deduzida em
juízo. É a pertinência subjetiva da ação. (DIDIER Jr., 2009, p. 185)
Portanto, capacidade e legitimidade são institutos distintos e com
regramento próprio. Pode ocorrer que uma pessoa detenha legitimidade, mas não
disponha de capacidade para estar em juízo. Isto pode ser verificado, como
exemplo, no caso de um menor, que tem legitimidade para pedir alimentos contra
seu genitor, mas não dispõe de capacidade para estar em juízo sozinho.
No que tange às pessoas casadas, estas são civilmente capazes. São,
portanto, também, processualmente capazes. Essa é a regra. A lei, no entanto, pelo
estado de casadas retira a aptidão para a prática de determinados atos processuais
isoladamente. Nesses casos, embora capazes, sustenta Didier4 (2009) , faltar-lhesia, legitimidade processual (ad processum).
3. DA NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO PARA PROPOSITURA DE AÇÕES
REAIS IMOBILIÁRIAS
O art. 1647 do Código Civil dispõe que ressalvado o disposto no art. 1648,
nenhum dos cônjuges pode, sem o consentimento do outro, exceto no regime da
separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - [...]
IV - [...]
A par do dispositivo citado, o que interessa ao presente estudo é o inciso II,
que preceitua que nenhum dos cônjuges, salvo se casado no regime de separação
de bens,5 poderá pleitear como autor ou réu acerca dos bens ou direitos citados no
inciso I.
Acerca do assunto, Fredie Didier Junior enuncia:
4
A participação das pessoas casadas em juízo.
O regime de separação de bens (CC, art. 1687) vem a ser aquele que cada consorte conserva, com
exclusividade, o domínio, posse, e administração de seus bens presentes e futuros e a
responsabilidade pelos débitos anteriores e posteriores ao matrimônio. Portanto, existem dois
patrimônios perfeitamente separados e distintos: o do marido e o da mulher. (DINIZ, 2012, p. 208)
5
O artigo 1647 do CC-2002 cuida dessas hipóteses de ilegitimidade: não tem
o cônjuge legitimidade para, sem autorização do outro, praticar os atos ali
arrolados. Interessa, neste momento, o inciso II desse artigo, que restringe
a capacidade processual das pessoas casadas nas demandas reais
imobiliárias: a participação de ambos os cônjuges, nessas hipóteses, é
exigida. Essa restrição da capacidade visa proteger o patrimônio imobiliário
familiar. (DIDIER Jr., 2008, p. 54)
Somando-se as disposições da legislação material, o Código de Processo
Civil, na mesma direção, determina no art. 10, que o cônjuge necessitará do
consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais
imobiliários.
Importante delimitar em que consistem as ações que versem sobre
direitos reais imobiliários, a partir da doutrina balizada de Maria Helena Diniz, in
verbis:
A ação real tem como objeto do pedido feito pelo autor a tutela de direito
real. A expressão “direito real” tem origem no latim jus in re cujo significado
é direito sobre a coisa. Assim, aquele que possui direito sobre uma coisa,
móvel ou imóvel, é o legitimado para a propositura da ação real. Compete
sua promoção àquele que é o titular do direito real contra quem não o quer
reconhecer, detendo injustamente a coisa sobre a qual recai aquele direito.
(DINIZ, 2009, p. 56)
Portanto, as pessoas casadas caso pretendam ajuizar ação real imobiliária,
para tutelar pretensão relativa aos direitos reais, previstos no art. 1225 do CC, quais
sejam: propriedade, superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, direito do
promitente comprador, penhor, hipoteca, anticrese necessitará do consentimento de
seu consorte, quando o regime patrimonial adotado for diverso da separação de
bens.
O consentimento exigido pelo legislador no art. 10 do CPC, para a
propositura da ação real imobiliária deve ser compreendido não como uma hipótese
em que o legislador obriga marido e mulher a ocuparem juntos o polo ativo da
demanda. Isso porque, na visão atual de ação, não se concebe que alguém seja
obrigado a litigar.
Caso houvesse a obrigação de demandar em juízo, surgiria o fenômeno do
litisconsórcio6 ativo necessário, figura que, para parte da doutrina7 sustenta não ser
admitida. Isso porque, como regra, o direito é avesso a constranger alguém a
demandar como autor, já que o direito de ação é faculdade e não obrigação.
Fredie Didier Junior é enfático:
Não há hipótese de litisconsórcio necessário ativo. Nem poderia haver. O
fundamento dessa conclusão é apenas um: o direito fundamental de acesso
à justiça (inciso XXXV do art. 5° da CF/88). O direito de ir a juízo não pode
depender da vontade de outrem. Se houvesse litisconsórcio ativo
necessário, seria possível imaginar a situação de um dos possíveis
litisconsortes negar-se a demandar, impedindo o exercício do direito de
ação do outro. (DIDIER Jr., 2009, p.317)
Assim, o que se exige por meio do consentimento é uma autorização
somente, e não há forma definida para que seja praticado este ato, portanto, a forma
é livre, como se extrai da doutrina:
Nada impede, por exemplo, que a autorização para a propositura de ação
real imobiliária (art. 1647, II) seja dada na própria petição inicial, eis que, em
relação à prova do consentimento, se aplica a regra do art. 220 do CC2002, segundo a qual, “a anuência ou autorização de outrem, necessária a
validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará,
sempre que se possa, do próprio instrumento”. Há, porém,outros meios de
prova, por exemplo: a) assinatura da procuração para o advogado que
atuará na causa; b) documento criado com essa exclusiva finalidade, que
será anexado à petição inicial. (DIDIER Jr., 2009, p. 233)
Desta forma, caso a pessoa casada pretenda ajuizar uma ação real
imobiliária deverá obter a autorização de seu par para tanto, a fim de preencher o
requisito da legitimidade processual ativa, que é uma das condições da ação8.
6
Litisconsórcio, etimologicamente, significa consórcio (pluralidade de partes) na instauração da lide; a
mesma sorte na lide. Tecnicamente, dá se o nome de litisconsórcio quando duas ou mais pessoas
litigam, no mesmo processo, em conjunto, ativa e passivamente. (DONIZZETTI, 2008, p. 66)
7
Há duas correntes a respeito da citação dos litisconsortes necessários: uma que só admite perante
litisconsortes passivos e outra que defende sua possibilidade tanto com relação a sujeitos ativos
como passivos da relação processual. (THEODORO Jr. 2003, p. 101)
8
Para aqueles que, segundo as mais modernas concepções processuais, entendem que a ação não
é o direito concreto à sentença favorável, mas o poder jurídico de obter uma sentença de mérito, isto
é, sentença que componha definitivamente o conflito de interesses de pretensão resistida (lide), as
condições da ação são três: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade da parte.
(THEODOR Jr., 2003, p. 50)
4.SUPRIMENTO JUDICIAL DO CONSENTIMENTO
O legislador pátrio, prevendo que um dos cônjuges poderia se negar a
conferir autorização ao consorte, sem justo motivo, para ajuizamento de ação real
imobiliária, autorizou que o juiz supra tal consentimento, conforme artigo 16489 do
CC e art. 11, do CPC.
A principio, não há como definir o que seria o justo motivo para que o
cônjuge negue o seu consentimento para o ato. Isso somente pode ser verificado à
luz do caso concreto, cabendo ao magistrado avaliar quais são as razões invocadas,
aplicando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Sobre a impossibilidade do cônjuge em dar o consentimento, a doutrina
aponta:
A impossibilidade de concessão de consentimento, no entanto, é situação
objetiva: toda vez que um cônjuge não puder dar o consentimento, em
razão de impossibilidade física, permanente ou temporária, poderá o
magistrado suprir a outorga. É o que pode ocorrer quando um dos cônjuges
estiver gravemente enfermo ou desaparecido, ou quando um deles estiver
servindo o pais em uma guerra. (DIDIER Jr. 2009, p. 236)
Em ambos os casos, seja porque houve recusa ou há impossibilidade de
consentimento, o cônjuge que se vê impedido de exercer o seu direito de ação não
poderia ficar refém da situação, tendo em vista que o acesso à justiça é uma
garantia constitucional10.
Neste particular é legitima a intervenção estatal na relação conjugal, não se
configurando a vedação prevista no art. 1512 do CC, segundo o qual é defeso a
qualquer pessoa, de direito publico ou privado, interferir na comunhão de vida
instituída pela família.
Desta forma, caberá ao cônjuge prejudicado apresentar o seu pedido de
suprimento judicial da outorga que será processado de acordo com as regras de
jurisdição voluntária11, cujo procedimento está regulamentado nos arts. 1.103 a
9
Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a
denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.
10
A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
A jurisdição civil, aquela que é regulada pelo direito processual civil, compreende, segundo o art.
1° de nosso Código, a jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária. Jurisdição contenciosa é a
11
1.111 do Código de Processo Civil. Este pedido de suprimento judicial de outorga
será analisado por um magistrado competente para as causas de família.
Por outro lado, caso o juiz competente para a causa principal também o for
para o suprimento da outorga, nada impede que já na petição inicial se peça o
suprimento, não sendo, portanto, necessária a instauração de um procedimento
especifico para tanto.
5. DO LISTISCONSORCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE OS CÔNJUGES
O legislador brasileiro prevê que os cônjuges deverão ser necessariamente
citados para as ações que versem sobre direitos reais imobiliários; resultantes de
fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles;
fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem de família e que tenham por
objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um
ou de ambos os cônjuges, nos termos do §1°, do art. 10, do Código de Processo
Civil.
A partir deste dispositivo que ordena a citação de ambos os cônjuges, há a
formação do litisconsórcio passivo necessário, ou seja, por determinação legal
ambos os cônjuges deverão figurar no polo passivo da demanda.
Sobre o litisconsórcio passivo necessário, preconiza Elpídio Donizetti:
Ocorre por disposição legal ou pela natureza da relação jurídica. Todas as
hipóteses elencadas nos arts. 10, §1°(ações mencionadas devem ser
proposta contra marido e mulher) são de litisconsórcio necessário ou
obrigatório por disposição de lei. (DONIZZETTI, 2008, p. 68)
Quanto ao inciso I, do mencionado §1°, do art. 10, do CPC, prevê que as
pessoas casadas deverão juntamente responder aos termos das ações reais
imobiliárias, que, conforme já mencionado se referem às ações envolvendo os
direitos reais previstos no art. 1225, do Código Civil.
jurisdição propriamente dita, isto é, aquela função que o Estado desempenha na pacificação ou
composição dos litígios. Pressupõe controvérsia entre as partes(lide), a ser solucionada pelo juiz.
Mas ao Poder Judiciário são, também, atribuídas certas funções em que predomina o caráter
administrativo e que são desempenhadas sem o pressuposto do litígio. Trata-se da chamada
jurisdição voluntária, em que o juiz apenas realiza gestão pública em torno de interesses privados,
como se dá nas nomeações de tutores, nas alienações de bens de incapazes, na extinção do
usufruto ou do fideicomisso etc. (THEODORO Jr. 2003, p. 35)
A exigência da formação do litisconsórcio passivo necessário nas hipóteses
de demandas envolvendo o direito real imobiliário se justifica, pois o desfecho da
demanda poderá atingir não somente um cônjuge de forma isolada, mas a própria
comunidade familiar. Portanto, o legislador busca proteger o patrimônio e segurança
da família.
Quanto aos incisos II e III do mesmo dispositivo prevêem a formação de
litisconsórcio entre os cônjuges quando a ação diga respeito a ambos os cônjuges
ou por ato praticado por eles, trata da hipótese de solidariedade entre os consortes.
No entanto, é importante esclarecer que, neste aspecto, a legislação
processual está em desacordo com as normas de direito material acerca da
solidariedade. Isso porque, é cediço que na solidariedade todos devem o todo, e
todos podem ser demandados pelo todo, cabendo ao credor exercer sua escolha,
consoante as disposições do art. 275 do CC, de que o credor tem direito a exigir e
receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum,
se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados
solidariamente pelo resto.
Como se extrai, a norma processual ao determinar a necessidade que o
autor, então credor, insira necessariamente ambos os cônjuges no polo passivo, lhe
retira o direito de exigir de apenas um dos devedores o valor parcial ou total da
dívida comum.
Acerca do assunto, a doutrina dispõe:
Os incisos II e III do §1° do art. 10 do CPC trazem duas regras que
revelam uma desarmonia entre o direito processual e o direito material:
impõem o litisconsórcio necessário passivo entre os cônjuges, quando
demandados por dívidas solidárias. A solidariedade passiva dos cônjuges,
nos casos previstos naqueles incisos, possui um regramento processual
diverso daquele previsto para a generalidade das obrigações solidárias: o
credor não pode escolher um dos devedores para demandar, sendo eles
casados entre si – retira-se, aqui, o benefício do art. 275 do CC-2002. O
CPC impõe o litisconsórcio necessário sem norma de direito material que
dê qualquer indicação neste sentido. (DIDIER Jr., 2009, p. 236)
O inciso II, do §1°, do art. 10, do CPC impõe a formação do litisconsórcio
quando se tratar de demanda resultante de atos ou fatos praticados por eles. São
hipóteses de causas de responsabilidade civil disciplinada pelo art. 942, do Código
Civil, que prevê a solidariedade de todos os coautores da ofensa12.
No que tange ao inciso III, do §1°, do art. 10, do CPC, que prevê o
litisconsórcio no caso das dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja
execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens
reservados, a sua redação, segundo a doutrina, deve ser revista, conforme se extrai
dos ensinamentos de Fredie Didier:
A redação do inciso III do §1 do art. 10 do CPC precisa ser revista: não se
restringe mais ao marido a possibilidade de contrair dívidas em nome da
família nem pode mais falar de bem reservado da mulher. Viu-se que ambos
são autorizados a contrair as dívidas para a economia doméstica e que
ambos respondem por elas solidariamente. Justificava-se o inciso em razão
da possibilidade de a mulher responder, com seus bens, por dívidas
contraídas em benefício da família (art. 246, par. ún., do CC-1916, e art. 3°
da Lei Federal n. 4.121/62). (DIDIER Jr., 2009, p. 238)
Como se extrai da crítica feita pela doutrina, a redação do inciso III não está
em consonância com a legislação civil em vigor, que dispõe que podem os cônjuges,
independentemente de autorização um do outro, comprar, ainda a crédito, as coisas
necessárias à economia doméstica e obter, por empréstimo, as quantias que a
aquisição dessas coisas possa exigir. E ainda, as dívidas contraídas obrigam
solidariamente ambos os cônjuges, consoante as disposições insertas nos arts.
1.643 e 1.644, do Código Civil.
6. DO CONTROLE DA ILEGITIMIDADE PROCESSUAL DO CÔNJUGE
Conforme abordado, a legislação pátria dispõe que em virtude do
casamento, a legitimidade processual das pessoas casadas, em determinadas
demandas tem regramento específico.
A questão que surge é quanto ao controle da presença ou não de ambos os
cônjuges no polo ativo e passivo das ações, ou seja, quem poderia fazê-lo.
12
Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do
dano causado; e se, a ofensa tiver mais de um autor, todos respondem solidariamente pela
reparação.
Segundo as disposições insertas no art. 1649, do Código Civil brasileiro,
somente o cônjuge preterido tem legitimidade para pleitear a invalidação do ato
praticado sem o seu consentimento.
De outra sorte, deve-se levar em consideração que a falta de consentimento
de um dos cônjuges para que seu par ajuíze uma demanda, ou a ausência de um
dos cônjuges no polo passivo quando exigida geram o fenômeno da ilegitimidade
processual.
Considerando que a legitimidade das partes configura uma das condições da
ação que são pressupostos para um provimento de mérito, deixar o controle
somente ao sabor do cônjuge preterido fere as disposições do art. 267, §3°13, do
Código de Processo Civil.
Desta forma, como existe o confronto entre a legislação material e a
processual, a doutrina sugere:
A solução que mais bem compatibiliza os dispositivos é a seguinte: deve o
magistrado, de oficio ou a requerimento, determinar ao autor que traga a
comprovação do consentimento; se não a trouxer, deve o magistrado,
valendo-se do poder geral de cautela e observando o seu dever de velar
pela igualdade processual (art. 125, I, CPC), determinar a intimação do
cônjuge preterido, que poderá (a) se calar, quando presumirá o
consentimento, (b) expressamente aprovar os atos já praticados, dando o
consentimento para o prosseguimento do processo, (c) negar o
consentimento, quando então poderá o magistrado não admitir o
procedimento, invalidando a demanda por incapacidade processual.(DIDIER
JR., 2009, p. 235)
7. CONCLUSÕES
O casamento como uma das grandes instituições civis repercute em
várias esferas do direito e, como tal, isso ocorre dentro do processo em si. De modo
que, as pessoas casadas possuem regramento próprio para estar em juízo a
depender da demanda.
Assim, verifica-se que a regra de que as pessoas casadas podem
demandar livremente, encontra exceções, mormente quando o regime de bens
escolhido pelo casal não é o regime da separação de bens.
A exigência da participação de ambos os cônjuges no feito pode ser vista
como uma forma do legislador tutelar a própria família, no sentido de lhe conferir
13
O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a
sentença de mérito, da matéria constante nos incisos IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar na
primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.
uma proteção maior. Isso porque, sabido que a família é considerada o ambiente
propício para a pessoa se desenvolver e se realizar pessoalmente, além de ser
considerada como promotora da dignidade da pessoa humana atualmente.
O tratamento diferenciado aos cônjuges tem, portanto, uma razão de ser,
inclusive, a hipótese de suprimento judicial do consentimento negado por um dos
consortes, busca também resguardar o direito constitucional de ação que cada um
possui.
Conforme apontado no presente artigo, a legislação processual quanto à
participação das pessoas casadas no processo, em alguns aspectos, está em
desacordo com o direito material.
Assim, caberá ao magistrado, ao dirigir o processo, ao se deparar com
situações que exigem a participação dos cônjuges em um dos pólos, tentar
compatibilizar a legislação, de modo que a instrumentalidade do processo seja
observada e que o fim maior da atividade jurisdicional seja alcançada: fazer justiça
no caso concreto.
REFERÊNCIAS
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 12. ed. São Paulo: Atlas,
2012.
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