Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável1 Profª DrªMaria Amelia Sabbag Zainko “ Se nós lhe dermos a solidão, o indivíduo descobrirá a sociedade. Se lhe concedermos o lazer, ele realiza o trabalho que muda a qualidade de vida. Se dermos a autonomia, ele reinventa o mundo “ Durmeval Trigueiro As universidades vivenciam atualmente situações complexas que registram, por um lado, exigências cada vez maiores por parte da sociedade e, por outro, uma política de ensino superior calcada em visões imediatistas, quantitativistas e utilitaristas, que buscam sufocá-las, restringindo o financiamento das suas atividades por parte do Estado. Desafiadas, as universidades não parecem preparadas para enfrentar esta nova realidade, já que esta exige transformações profundas, além dos estreitos limites das simples reformas. Neste sentido, mais que uma análise conjuntural das suas condições atuais, é preciso imergir na sua realidade estrutural, promovendo mudanças fundamentais que superem a rigidez funcional e organizacional, a relativa impermeabilidade às pressões externas e a aversão à mudança. Em tempos de formulação de políticas públicas, convém enfatizar que uma política pública de educação superior não pode deixar de estender as características acadêmicas, o rigor científico, a liberdade de pensamento e de expressão e a condição de geradora da cultura local, estadual e nacional, a todos os cidadãos. Para tanto se faz necessária uma “intervenção” no processo de formulação e de execução de políticas públicas, para que estas sejam destinadas a garantir um desenvolvimento humano sustentável, no qual o crescimento econômico esteja a serviço do desenvolvimento social e da sustentabilidade em suas dimensões ambiental, econômica,social, cultural e política. ______ 1 Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável 1. O desenvolvimento humano sustentável e as possibilidades de uma globalização alternativa O desenvolvimento humano sustentável tem se constituído em bandeira da UNESCO que desde 1995, em seu documento sobre Políticas para el cambio y el desarrollo de la Educación Superior vem afirmando a gigantesca expansão quantitativa e as transformações qualitativas da educação superior em todo o mundo. Neste sentido o documento enfatiza que: “esta evolución se deberia considerar como uma confirmación de que esatamos viviendo en una época en la que sin una formación e investigación satisfactórias de nivel superior ningún país puede asegurar un grado de progreso compatible con las necesidades y las expectativas de una sociedad en la que el desarrollo económico se produzca con la debida consideración al medio ambiente y vaya acompañado de la edificación de una “cultura de paz” basada en la democracia, la tolerancia y el respeto mutuo, en resumidas cuentas, un desarrollo humano sostenible”(UNESCO, 1995). Como Milton Santos, que com seu amplo conhecimento do espaço geográfico, das carências e necessidades da população, principalmente em sua defesa de uma outra globalização, é possível afirmar que: “diante de um processo de globalização que se mostra insustentável é natural que se pense em formas alternativas que possam reduzir a exclusão e a marginalização sociais, que têm se caracterizado como as mais perversas doenças sociais do nosso tempo” ZAINKO (2001). É preciso caminhar na busca por uma outra globalização, uma globalização alternativa que supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem. “Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro sustentado por uma informação M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 2 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável ideológica, com a qual se encontra em simbiose. Daí a brutal distorção do sentido da vida em todas as suas dimensões, incluindo o trabalho e o lazer, e alcançando a valoração íntima de cada pessoa e a própria constituição do espaço geográfico. Com a prevalência do dinheiro em estado puro como motor primeiro e último das ações, o homem acaba por ser considerado um elemento residual. Dessa forma, o território, o Estado-nação e a solidariedade social também se tornam residuais.” (SANTOS ,2000) Trazer a centralidade para o homem em suas condições de vida implica, também, em adotar um conceito e uma visão ampliados de sustentabilidade, abrangendo as seguintes dimensões: ambiental que valorize a biodiversidade e o entendimento de que as gerações futuras devem ser parte de um meio ambiente, igual, ou melhor, do que aquele no qual vivemos; a sustentabilidade econômica fundamentada no compromisso de construção de uma economia capaz de assegurar oportunidades de geração de renda para os que nela estão inseridos e para aqueles que se preparam para nela ingressar; a sustentabilidade social que tenha como princípio e compromisso a elevação das oportunidades necessárias ao desenvolvimento pessoal e social das pessoas, e aumento do capital social acumulado; a sustentabilidade cultural que preserve o legado cultural das gerações anteriores e o transmita ampliado, com a contribuição da presente geração, às gerações vindouras; e a sustentabilidade política caracterizada fundamentalmente pelo apoio às iniciativas que envolvam não apenas o poder público, mas as diversas forças vivas da sociedade e que transcendam no tempo os mandatos de quatro ou de oito anos dos dirigentes políticos suscitando o crescimento da participação política CERNEA, (1996 ) nos assegura que a energia social que é liberada em um processo de aprendizagem coletiva, resulta mas duradouro e capaz de transcender o âmbito estritamente pontual que o engendrou, contribuindo de maneira significativa para a construção de um valioso capital social. O capital social, segundo RIVERA, 2000, é fundamental para um desenvolvimento humano e sustentável, na medida em que por meio dele se acentuam as relações entre as pessoas, possibilitando a melhoria da capacidade de tomar decisões coletivas. M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 3 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável “La confianza, la autoestima, el respeto por los demás, la reciprocidad, la solidariedad, el cuidado y la capacidad de construcción de consensos que se dan en un proceso de participación y se constituyen en capital social, trascienden la gestación de capacidades humanas individuales y alimentan la ampliación de las opciones y capacidades de todos a través de la acción colectiva y sinérgica. Ese es justamente el objetivo central del desarrollo humano sostenible”. (RIVERA, 2000). 2. Participação política e cidadania A idéia das decisões de caráter coletivo resultantes de um envolvimento maior da comunidade com as questões, não só das políticas públicas, mas de suas necessidades do cotidiano, remete quase que forçosamente a uma indagação : o que significa participar? Várias podem ser as maneiras de se responder a essa questão, inclusive porque aí estão embutidas todas as formas de participação, mas preferimos trazer a luz a interpretação dada por Márcia Rivera em seu livro Tejiendo Futuro: los caminos posibles del desarrollo social. Segundo ela participar é uma prática aprendida, que se dá na interação de um ser humano com o outro. A sociabilidade dos indivíduos pode ser inata, mas sua conduta observada na interrelação das pessoas nos âmbitos da família, da escola, da comunidade, contribui para o estabelecimento de padrões e normas que em boa medida definirão a dinâmica social de um conjunto humano. Assim, também no campo da participação é necessária a criação de uma cultura. A cultura da participação. Não só a participação individual, mas a participação coletiva direcionada a lograr determinados objetivos de interesse de uma coletividade, que geralmente se realiza no plano da política. A participação política, que se coloca como desafio para a construção da cultura de participação, no plano da conquista envolve uma idéia que nos é cara, a cidadania. Segundo Carlos Nelson COUTINHO (2000) a cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou ( no caso de uma democracia efetiva ) por todos os M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 4 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável indivíduos , de se apropriarem dos bens socialmente criados,de atualizarem todas as potencialidades de realização humanas abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado. “Os gregos conheceram na prática, as primeiras formas de democracia, nas quais um número relativamente amplo de pessoas interferia ativamente na esfera pública, contribuindo para a formação do governo. E foi precisamente com base nisso que Aristóteles definiu o cidadão : para ele, “cidadão”era todo aquele que tinha o direito (e, conseqüentemente, também o dever) de contribuir para a formação do governo, participando ativamente das assembléias onde se tomavam as decisões que envolviam a coletividade e exercendo os cargos que executavam essas decisões”. ( COUTINHO, 2000 ) Muito embora a origem da discussão tenha surgido na Grécia antiga, os gregos possuíam como direitos de cidadania, apenas os direitos políticos. A idéia de direito social que amplia o conceito de cidadania, presente na sociedade contemporânea, nos convida a uma inserção e a uma reflexão sobre o significado de democracia e sua aplicação no ensino superior. 3. Projeto democrático versus projeto educativo no ensino superior Tendo por base os reflexos das transformações ocorridas na economia mundial e os conseqüentes desafios que são colocados para as universidades, é preciso mais do que nunca alicerçar as propostas entendendo que o ensino superior faz parte de um processo de formação que tem início na educação infantil, que se estenderá vida afora e que é na formação das pessoas que se sustenta o projeto de democracia do País. O projeto democrático foi e é um projeto educativo e para tanto é necessário rever a democracia existente no interior das instituições de ensino superior, tomando-a no seu M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 5 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável sentido maior de valor universal e analisar as implicações desse entendimento para a expansão do acesso, com garantia de permanência, de qualidade e de pertinência social. E é nessa compreensão de projeto democrático, como projeto educativo que cabe explicitar a qual democracia nos referimos . Marilena Chaui (2001) analisando a universidade na sociedade afirma que “o pensamento filosófico contemporâneo ampliou o conceito de democracia resgatando o que Moses Finley designou como a“invenção da política” ...isto é, a passagem do poder despótico privado (fundado na vontade pessoal do governante...) ao poder propriamente político como discussão, deliberação e decisão coletivas realizadas em público, sob o direito e as leis”. Para ela a democracia pode ser caracterizada como: Uma forma geral da existência social em que uma sociedade, estabelece as relações sociais, os valores, os símbolos e o poder político; Uma forma sociopolítica definida pelo princípio da isonomia (igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direitos de todos para expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público); Uma forma política na qual, o conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se; Uma forma sociopolítica que busca enfrentar as dificuldades conciliando os princípios da igualdade e da liberdade, da legitimidade do conflito introduzindo a idéia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais).... como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência;. M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 6 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida não só pela presença das leis e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições. Como um conceito aberto e dinâmico, a democracia permite enormes diferenças de interpretação, pois são os que a constroem na prática que definem e delimitam a abrangência e a sua realidade espaço-temporal. Para tanto é necessário que tenhamos a clareza do enorme desafio que representa para os países da América Latina, garantir uma política democrática capaz de reinventar-se permanentemente, possibilitando às comunidades dos diferentes países uma democracia verdadeira centrada na inclusão e não na marginalização e exclusão sociais. A abundante literatura produzida por cientistas sociais e políticos da região, reflete com base nos intensos debates sobre o que significa realmente a democracia real, um certo pessimismo calcado na premissa de que é extremamente difícil conceber-se uma democracia com um contingente tão grande de excluídos. Em uma época de desigualdades sociais crescentes, será a democracia eleitoral suficiente para garantir um projeto democrático de nação? Carlos Nelson Coutinho, também um estudioso da questão, nos fornece elementos para a reflexão, a partir de uma concepção que supera o conceito de democracia liberal e de democracia minimalista como a promovida pelo neoliberalismo. Para ele “democracia é soberania popular, é construção de uma comunidade participativa, é igualdade” Neste conceito COUTINHO ( 2000), incorpora “determinadas conquistas liberais, considerando-as imprescindíveis à democracia (penso nos direitos civis, no direito de expressão, no direito ao livre pensamento,etc) ,mas que incorpora também outros direitos democráticos, como, sobretudo, o direito à participação”.(sic) Referindo-se exclusivamente sobre a questão em um dos países da América Latina, o nosso, ele assim se expressa: “a democracia só realizará seu valor universal no Brasil se essas grandes massas de excluídos forem incorporadas ao processo social como M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 7 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável autênticos protagonistas. Só pode haver democracia para as grandes massas da população se elas forem capazes de se organizar, de expressar seus anseios e de obter efetivamente conquistas sociais, culturais e políticas no quadro de uma institucionalidade em permanente expansão. Assim, a democratização é um valor universal sobretudo porque é um permanente desafio. Nunca poderemos chegar a um ponto que nos permita dizer que a democracia está acabada. A democracia é um processo que devemos conceber como em permanente construção”. E como projeto em construção a democracia que buscamos deve sustentar uma sociedade democrática na qual todos os seus integrantes possam ter as suas necessidades fundamentais atendidas , permitindo-lhes uma forma digna de viver. Como garantir as reformas profundas que possam conduzir a uma proposta alternativa de desenvolvimento? Como resgatar os valores da existência humana? Estas e outras tantas questões conduzem necessariamente o pensamento para a formação dos recursos humanos capazes de a partir da reforma do pensamento, como quer Morin, empreenderem as reformas inadiáveis nos sistemas de ensino. Neste plano, os desafios maiores se apresentam para o ensino superior que forma profissionais e cidadãos tanto na graduação, como na pós-graduação. Liderar as reformas de ensino apresenta-se hoje como o maior compromisso da universidade, que sendo resultante de um esforço de criação e sustentação por parte da sociedade, deve repartir com segmentos, cada vez mais amplos, as suas conquistas e descobertas no campo do ensino e os resultados da produção do saber que gera no campo da pesquisa e da extensão, reduzindo as desigualdades, combatendo a exclusão, melhorando a formação profissional e aumentando a participação cidadã. M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 8 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável 4. A participação cidadã e as políticas públicas para o ensino superior Os processos participativos configuram-se sempre como oportunidades únicas de aprendizagem do e sobre o social e como campo aberto às inovações, favorecendo as mudanças sociais, constituindo-se em embriões de uma cultura de participação e melhorando as perspectivas de sustentabilidade das ações. Uma retomada da literatura existente sobre a questão da participação vai nos apontar que a sua redução tem se dado , principalmente entre os jovens, nas estruturas político-partidárias, pelo próprio comportamento tradicional dos partidos políticos e, dentre os mais velhos por um forte sentimento de indiferença e até mesmo de ceticismo quanto às possibilidades de mudanças sustentadas por uma democracia eleitoral. Torna-se necessário, no entanto ampliar o debate e colocar a participação como elemento chave para a construção de um projeto de nação, efetivamente democrático. Um projeto que possa dar respostas às demandas da sociedade abrindo caminhos para outro tipo de desenvolvimento, contando com uma participação vigorosa da sociedade civil, dos cidadãos. Como diz Nogueira (1999) trata-se de reinventar a política como prática e como projeto, de retomar a dimensão política de modo que se possa ir além da política tradicional, geralmente conduzida pelos políticos e seus partidos, alcançando a vida mesma das pessoas. Para Maria da Glória GOHN (2001), que tem se destacado nos estudos de estratégias para aumentar a participação popular, na formulação e na implementação das políticas públicas, “o conceito de participação cidadã está lastreado na universalização dos direitos sociais, na ampliação do conceito de cidadania e em uma nova compreensão sobre o papel e o caráter do Estado, remetendo à definição das prioridades nas políticas públicas a partir de um debate público. A participação M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 9 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável passa a ser concebida como intervenção social periódica e planejada, ao longo de todo o circuito de formulação e implementação de uma política pública, porque toda a ênfase passa a ser dada nas políticas públicas”. A partir deste conceito não é somente a sociedade civil a responsável pela dinamização dos canais de participação, mas também as políticas públicas. A participação cidadã amplia os direitos de cidadania e remete a formulação das políticas públicas a um debate público. Formulá-las, pois, no âmbito do ensino superior implica em manter em estado de debate, de mobilização permanente e participação ativa professores, técnico-administrativos e alunos, e que, como resultado desse movimento, continuem engajados na construção de um modelo de estrutura organizacional flexível, leve e ágil que favoreça as demandas da produção e sistematização do conhecimento inter e multidisciplinar, exigência dos tempos atuais. Uma das principais implicações da revisão do conceito de democracia no ensino superior certamente situa-se na conquista da autonomia como condição de ser da Universidade. Uma autonomia sustentada por uma liberdade acadêmica responsável e que permita rever o papel da universidade no processo de formação de cidadãos e profissionais, a partir dos desafios de superar a crise das especialidades tradicionais e por outro lado atender a rápida expansão da demanda por profissionais cultos, dotados de conhecimentos gerais e, por isso mesmo, flexíveis, com capacidade de assumir diferentes funções e, sobretudo, de enfrentar soluções e problemas inéditos. Esses dois desafios são suficientes para causar uma verdadeira revolução no entendimento do que é qualidade acadêmica, com as necessidades imediatas de construção de um projeto político-pedagógico centrado na formação para a convivência democrática, na consolidação de um projeto de democracia, que implica em proporcionar o encontro de diferentes pontos de vista sobre o mundo, a vida e a sociedade com a necessária revisão do currículo, do processo de ensino-aprendizagem e da avaliação intra e extra sala de aula. M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 10 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável Implica também, segundo RIVERA (2000), uma nova liderança universitária, que frente ao ambicioso projeto de impulsionar a articulação entre as políticas de educação superior, com as da ciência e tecnologia, coloque a universidade pública como centro do processo de coordenação de tais políticas. Uma liderança que, compreendendo tais desafios, possa fazer frente aos tradicionais corporativismos instalados nas universidades. A partir desta compreensão está a universidade brasileira e por extensão a latino americana,estruturalmente organizada para mudar? A crise do Estado, as freqüentes ameaças à universidade pública e gratuita, os “riscos” da autonomia plena, têm levado a debates efetivos e à conscientização da comunidade universitária, no que tange à idéia de uma universidade que possa fazer frente a questões como essas e de outras mais, como por exemplo, a da criação de uma cultura científica na sociedade, erradicando o analfabetismo científico que hoje prevalece? Trazer este debate para o interior das universidades é fundamental para que elas possam autonomamente buscar seu novo papel na nova economia e na sociedade do conhecimento, em gestação. Neste papel deve caber além da formação, a produção do conhecimento novo e a sua disseminação por meio de serviços para a comunidade local e regional, para os governos e para a sociedade em geral e a discussão dos rumos alternativos que se abrem à evolução social e econômica. A globalização excludente, a reforma do Estado e a crise universitária exigem respostas criativas que possam inclusive estabelecer as bases para uma globalização alternativa, que supõe uma mudança nas condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem, conforme já enfatizamos no início deste texto. Aliada a esses desafios de pensar o novo encontra-se a questão da democratização do ensino superior como condição para que o cidadão possa não só mas, dele sair com a competência demandada pela sociedade. Democratizar o ensino implica em pensar novas formas de acesso, garantindo àqueles que chegam a universidade uma permanência com qualidade acadêmica e pertinência social. Para tanto, se faz necessário pensar em formação continuada de M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 11 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável professores, em articulação da graduação com a pós-graduação, em pesquisa institucional, em produção e disseminação do conhecimento. O esforço de articulação entre a graduação e a pós-graduação deve ser realizado a partir de diretrizes e linhas de pesquisas comprometidas com a busca da qualidade e da excelência acadêmicas, objetivos maiores de uma universidade na contemporaneidade. Como uma bem sucedida proposta de formação continuada de seus professores, a área de Educação da PUCPR dá exemplo mantendo articulados em torno de núcleos temáticos inter e multidisciplinares, professores do Programa de pós-graduação, de graduação, alunos de pós e de graduação, que se reúnem e dedicam seis horas semanais do seu tempo na universidade á pesquisa . Assim é por meio da pesquisa científica que os professores distribuídos por catorze grupos, ampliam seus conhecimentos e modificam as suas práticas docentes, tornando evidente que o ensino de qualidade que se almeja é resultante da associação entre ensino e pesquisa. A formação continuada dos professores por meio da pesquisa científica tem possibilitado a publicação dos artigos elaborados pelos professores da graduação nos seus grupos de pesquisa, o que, mais que socializar e disseminar conhecimentos, vem de forma incontestável, reafirmar que a universidade avança em qualidade porque associa ensino, pesquisa e extensão. A não associação das três funções tem segundo Marilena Chauí conseqüências nefastas sobre a qualidade acadêmica. Segundo ela CHAUÍ (2001), “o que não parece interessante-e, sob certos aspectos, parece tacanho, estreito e autoritário – é distinguir ensino e pesquisa como atividades realizadas por professores diferentes, ensejando a pobreza da docência, o conformismo dos estudantes e a discriminação entre professor e pesquisador, discriminação que,...incidirá sobre o sistema de poder da universidade.” M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 12 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável Uma docência que acompanhe as demandas do tempo presente é condição para a democratização da educação superior. Sendo assim não basta a expansão quantitativa do número de vagas, pois esta freqüentemente promove uma democratização as avessas, sem garantia de permanência do aluno e de pertinência social do processo de formação. As políticas públicas para o ensino superior devem traduzir compromissos de mudanças necessárias aos tempos atuais. Mudanças alicerçadas na democracia e na autonomia plena, aquela que contempla não a autonomia financeira, como desobrigação do Estado de manutenção das universidades públicas, mas a autonomia de gestão financeira que pressupõe o exercício de alocação dos recursos em função das suas necessidade e prioridades. Assim as políticas para o ensino superior deverão contemplar formas de garantir: • A expansão do acesso com permanência, qualidade e ampliação dos direitos de cidadania. • Uma formação resultante de aprendizagem efetiva, relevante e pertinente. • A reestruturação do fazer acadêmico articulando descentralização administrativa e integração institucional. • A interação efetiva com os diversos segmentos da sociedade. • A construção de pontes para o futuro revendo os paradigmas que norteiam as atividades acadêmicas, tanto no processo de formação envolvendo currículo, ensino-aprendizagem, avaliação, como na articulação da graduação com a pósgraduação, na produção e disseminação do conhecimento e na gestão. • A qualidade das condições de trabalho para docentes/pesquisadores e técnicoadministrativos, pela valorização e qualificação profissional, traduzida por melhores salários. • A autonomia universitária como condição do “Ser Universidade”. É neste quadro referencial que se deve pensar o debate público para a formulação das políticas públicas para o ensino superior, fazendo convergir os esforços da universidade brasileira e latino americana para a “aventura de criar novos pensamentos” e usá-los na M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 13 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável busca de um mundo novo, uma universidade nova, capaz de planejar a sua própria utopia de modernidade, com democracia interna, participação, representatividade e legitimidade. Como parte do que convencionamos chamar de sistema de universidades latino – americanas a universidade brasileira necessita estar atenta para a análise tão bem formulada por Luis Yarzabal em seu texto Educación Superior Contemporânea na América Latina. O cenário sob o qual desenvolve-se o ensino superior: “ requiere con urgencia la puesta en marcha de una transformación radical de la educación superior latinoamericana con el fin de detener su instrumentalización por parte del modelo neoliberal y colocarla en condiciones de contribuir a la formulación e implementación de una estrategia alternativa de desarrollo humano. En tal estrategia debieran ser incluidos: el estudio y la promoción de políticas de Estado para integrar a América Latina a la sociedad del conocimiento; mecanismos adecuados para organizar los subsistemas de educación superior; estrategias que permitan acelerar y profundizar la transformación de las universidades públicas; mecanismos aptos para asegurar la evaluación y acreditación de programas e instituciones públicos y privados; acciones que incrementen la capacidad de investigación científica e innovación de los sistemas de educación superior; y medidas que permitan elaborar opciones de organización social alternativas a la democracia oligárquica impuesta por la ideología neoliberal.” Só assim será possível pensar em participação cidadã, em políticas públicas formuladas pela e para a comunidade, em planejamento compartilhado e no desenvolvimento humano sustentável, como possibilidade de construção de uma globalização alternativa. M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 14 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável 5. Estudos avançados em educação superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável O desenvolvimento de estudos em torno da temática Democracia e Desenvolvimento Humano Sustentável, tem por objetivos voltar os olhares da universidades e das instituições de ensino superior para as necessidades sociais dos cidadãos auxiliando na construção da cidadania e sustentando o projeto democrático da nação. Eles têm sido desenvolvidos sob a forma de pesquisas que investigam : as políticas de acesso e permanência no ensino superior; a pertinência social dos processos de formação; a internacionalização dos conhecimentos e a sustentabilidade política, educacional, cultural, econômica e ambiental, como diretriz do processo de formação do cidadão. Esta linha de investigação tem por fundamento analisar o desempenho da educação, em especial da educação superior, como ação política que se desenvolve em uma multiplicidade de esferas sociais. Articulando atividades de ensino, estudos, pesquisas e interação com a comunidade, busca preparar o professor para o exercício da liderança intelectual que lhe cabe como participante do sistema educacional. Para tanto, a partir de princípios como a autonomia, a participação, a democracia e a integração os professores e mestrandos estudam as relações entre Estado e Sociedade buscando conhecer, analisar e avaliar as políticas universitárias frente aos desafios da construção de um desenvolvimento social mais harmônico e do estabelecimento de diretrizes políticas de um processo de formação que possibilite o desenvolvimento do pensamento crítico, a formação integral e a formação de valores no mundo acadêmico, no mundo da vida e do trabalho. O desafio da construção de uma educação superior que tenha na qualidade seu pressuposto fundamental de ressignificar o sentido da vida, resgatando no homem a sua verdadeira humanidade, tem se constituído em busca permanente dos sistemas educacionais que se dedicam à formação principalmente pela certeza de que M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 15 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável “A universidade não vive isolada. Faz parte de um conjunto, que sem as reformas efetivas do sistema produtivo, e sem medidas que provoquem uma redistribuição da riqueza do País leva a uma democracia falsa”(Dias, 1995). Referências Consultadas ATTALI, Jacques et al. Pour un modèle européen d´enseignement superieur. Paris: Ed. 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Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 16 Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável ZAINKO,M.A.S,et all . A avaliação institucional na UFPR: a trajetória de uma década 1987-1997. Curitiba, UFPR, 1998 ________, Planejamento, Universidade e Modernidade . Curitiba, All Graf/ AUGM Editora, 1998 ________, Dos saberes às competências: o desafio da construção da proposta pedagógica da escola. Revista Avaliação; vol.6 – nº 4 (22) dez.2001 ________,Educação superior, democracia e desenvolvimento humano sustentávelCuritiba, 2002,(mimeo) M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho de 2002 17