Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável1
Profª DrªMaria Amelia Sabbag Zainko
“ Se nós lhe dermos a solidão, o indivíduo
descobrirá a sociedade.
Se lhe concedermos o lazer, ele realiza o trabalho que
muda a qualidade de vida.
Se dermos a autonomia, ele reinventa o mundo “
Durmeval Trigueiro
As universidades vivenciam atualmente situações complexas que registram, por um
lado, exigências cada vez maiores por parte da sociedade e, por outro, uma política de
ensino superior calcada em visões imediatistas, quantitativistas e utilitaristas, que buscam
sufocá-las, restringindo o financiamento das suas atividades por parte do Estado.
Desafiadas, as universidades não parecem preparadas para enfrentar esta nova
realidade, já que esta exige transformações profundas, além dos estreitos limites das
simples reformas. Neste sentido, mais que uma análise conjuntural das suas condições
atuais, é preciso imergir na sua realidade estrutural, promovendo mudanças fundamentais
que superem a rigidez funcional e organizacional, a relativa impermeabilidade às pressões
externas e a aversão à mudança.
Em tempos de formulação de políticas públicas, convém enfatizar que uma política
pública de educação superior não pode deixar de estender as características acadêmicas, o
rigor científico, a liberdade de pensamento e de expressão e a condição de geradora da
cultura local, estadual e nacional, a todos os cidadãos.
Para tanto se faz necessária uma “intervenção” no processo de formulação e de
execução de políticas públicas, para que estas sejam destinadas a garantir um
desenvolvimento humano sustentável, no qual o crescimento econômico esteja a serviço do
desenvolvimento
social
e
da
sustentabilidade
em
suas
dimensões
ambiental,
econômica,social, cultural e política.
______
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Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação Superior, Curitiba, junho
de 2002
Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável
1.
O desenvolvimento humano sustentável e as possibilidades de uma
globalização alternativa
O desenvolvimento humano sustentável tem se constituído em bandeira da
UNESCO que desde 1995, em seu documento sobre Políticas para el cambio y el
desarrollo de la Educación Superior vem afirmando a gigantesca expansão quantitativa e
as transformações qualitativas da educação superior em todo o mundo.
Neste sentido o documento enfatiza que:
“esta evolución se deberia considerar como uma confirmación de que
esatamos viviendo en una época en la que sin una formación e investigación
satisfactórias de nivel superior ningún país puede asegurar un grado de
progreso compatible con las necesidades y las expectativas de una sociedad
en la que el desarrollo económico se produzca con la debida consideración
al medio ambiente y vaya acompañado de la edificación de una “cultura de
paz” basada en la democracia, la tolerancia y el respeto mutuo, en
resumidas cuentas, un desarrollo humano sostenible”(UNESCO, 1995).
Como Milton Santos, que com seu amplo conhecimento do espaço geográfico, das
carências e necessidades da população, principalmente em sua defesa de uma outra
globalização, é possível afirmar que: “diante de um processo de globalização que se mostra
insustentável é natural que se pense em formas alternativas que possam reduzir a exclusão e
a marginalização sociais, que têm se caracterizado como as mais perversas doenças sociais
do nosso tempo” ZAINKO (2001).
É preciso caminhar na busca por uma outra globalização, uma globalização
alternativa que supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a
centralidade de todas as ações seja localizada no homem.
“Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo dinheiro, em suas
formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro sustentado por uma informação
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Superior, Curitiba, junho de 2002
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ideológica, com a qual se encontra em simbiose. Daí a brutal distorção do sentido da vida em
todas as suas dimensões, incluindo o trabalho e o lazer, e alcançando a valoração íntima de
cada pessoa e a própria constituição do espaço geográfico. Com a prevalência do dinheiro
em estado puro como motor primeiro e último das ações, o homem acaba por ser
considerado um elemento residual. Dessa forma, o território, o Estado-nação e a
solidariedade social também se tornam residuais.” (SANTOS ,2000)
Trazer a centralidade para o homem em suas condições de vida implica, também,
em adotar um conceito e uma visão ampliados de sustentabilidade, abrangendo as seguintes
dimensões: ambiental que valorize a biodiversidade e o entendimento de que as gerações
futuras devem ser parte de um meio ambiente, igual, ou melhor, do que aquele no qual
vivemos; a sustentabilidade econômica fundamentada no compromisso de construção de
uma economia capaz de assegurar oportunidades de geração de renda para os que nela estão
inseridos e para aqueles que se preparam para nela ingressar; a sustentabilidade social que
tenha como princípio e compromisso a elevação das oportunidades necessárias ao
desenvolvimento pessoal e social das pessoas, e aumento do capital social acumulado; a
sustentabilidade cultural que preserve o legado cultural das gerações anteriores e o
transmita ampliado, com a contribuição da presente geração, às gerações vindouras; e a
sustentabilidade política caracterizada fundamentalmente pelo apoio às iniciativas que
envolvam não apenas o poder público, mas as diversas forças vivas da sociedade e que
transcendam no tempo os mandatos de quatro ou de oito anos dos dirigentes políticos
suscitando o crescimento da participação política
CERNEA, (1996 ) nos assegura que a energia social que é liberada em um processo
de aprendizagem coletiva, resulta mas duradouro e capaz de transcender o âmbito
estritamente pontual que o engendrou, contribuindo de maneira significativa para a
construção de um valioso capital social.
O capital social, segundo RIVERA, 2000, é fundamental para um desenvolvimento
humano e sustentável, na medida em que por meio dele se acentuam as relações entre as
pessoas, possibilitando a melhoria da capacidade de tomar decisões coletivas.
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“La confianza, la autoestima, el respeto por los demás, la reciprocidad, la solidariedad, el
cuidado y la capacidad de construcción de consensos que se dan en un proceso de
participación y se constituyen en capital social, trascienden la gestación de capacidades
humanas individuales y alimentan la ampliación de las opciones y capacidades de todos a
través de la acción
colectiva y sinérgica. Ese es justamente el objetivo central del
desarrollo humano sostenible”. (RIVERA, 2000).
2. Participação política e cidadania
A idéia das decisões de caráter coletivo resultantes de um envolvimento maior da
comunidade com as questões, não só das políticas públicas, mas de suas necessidades do
cotidiano, remete quase que forçosamente a uma indagação : o que significa participar?
Várias podem ser as maneiras de se responder a essa questão, inclusive porque aí
estão embutidas todas as formas de participação, mas preferimos trazer a luz a interpretação
dada por Márcia Rivera em seu livro Tejiendo Futuro: los caminos posibles del desarrollo
social.
Segundo ela participar é uma prática aprendida, que se dá na interação de um ser
humano com o outro. A sociabilidade dos indivíduos pode ser inata, mas sua conduta
observada na interrelação das pessoas nos âmbitos da família, da escola, da comunidade,
contribui para o estabelecimento de padrões e normas que em boa medida definirão a
dinâmica social de um conjunto humano. Assim, também no campo da participação é
necessária a criação de uma cultura. A cultura da participação. Não só a participação
individual, mas a participação coletiva direcionada a lograr determinados objetivos de
interesse de uma coletividade, que geralmente se realiza no plano da política.
A participação política, que se coloca como desafio para a construção da cultura de
participação, no plano da conquista envolve uma idéia que nos é cara, a cidadania.
Segundo Carlos Nelson COUTINHO (2000) a cidadania é a capacidade
conquistada por alguns indivíduos, ou ( no caso de uma democracia efetiva ) por todos os
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indivíduos , de se apropriarem dos bens socialmente criados,de atualizarem todas as
potencialidades de realização humanas abertas pela
vida social em cada contexto
historicamente determinado.
“Os gregos conheceram na prática, as primeiras formas de democracia, nas quais
um número relativamente amplo de pessoas interferia ativamente na esfera pública,
contribuindo para a formação do governo. E foi precisamente com base nisso que
Aristóteles definiu o cidadão : para ele, “cidadão”era todo aquele que tinha o
direito (e, conseqüentemente, também o dever) de contribuir para a formação do
governo, participando ativamente das assembléias onde se tomavam as decisões
que envolviam a coletividade e exercendo os cargos que executavam essas
decisões”. ( COUTINHO, 2000 )
Muito embora a origem da discussão tenha surgido na Grécia antiga, os gregos
possuíam como direitos de cidadania, apenas os direitos políticos. A idéia de direito social
que amplia o conceito de cidadania, presente na sociedade contemporânea, nos convida a
uma inserção e a uma reflexão sobre o significado de democracia e sua aplicação no ensino
superior.
3.
Projeto democrático versus projeto educativo no ensino superior
Tendo por base os reflexos das transformações ocorridas na economia mundial e os
conseqüentes desafios que são colocados para as universidades, é preciso mais do que
nunca alicerçar as propostas entendendo que o ensino superior faz parte de um processo de
formação que tem início na educação infantil, que se estenderá vida afora e que é na
formação das pessoas que se sustenta o projeto de democracia do País.
O projeto democrático foi e é um projeto educativo e para tanto é necessário rever a
democracia existente no interior das instituições de ensino superior, tomando-a no seu
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sentido maior de valor universal e analisar as implicações desse entendimento para a
expansão do acesso, com garantia de permanência, de qualidade e de pertinência social.
E é nessa compreensão de projeto democrático, como projeto educativo que cabe
explicitar a qual democracia nos referimos .
Marilena Chaui (2001) analisando a universidade na sociedade afirma que “o
pensamento filosófico contemporâneo ampliou o conceito de democracia resgatando o que
Moses Finley designou como a“invenção da política” ...isto é, a passagem do poder
despótico privado (fundado na vontade pessoal do governante...) ao poder propriamente
político como discussão, deliberação e decisão coletivas realizadas em público, sob o
direito e as leis”.
Para ela a democracia pode ser caracterizada como:
Uma forma geral da existência social em que uma sociedade,
estabelece as relações sociais, os valores, os símbolos e o poder
político;
Uma forma sociopolítica definida pelo princípio da isonomia
(igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direitos de todos
para expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou
recusadas em público);
Uma forma política na qual, o conflito é considerado legítimo e
necessário, buscando mediações institucionais para que possa
exprimir-se;
Uma forma sociopolítica que busca enfrentar as dificuldades
conciliando os princípios da igualdade e da liberdade, da
legitimidade do conflito
introduzindo a idéia dos direitos (
econômicos, sociais, políticos e culturais)....
como o único regime político realmente aberto às mudanças
temporais uma vez que faz surgir o novo como parte de sua
existência;.
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forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é
garantida não só pela presença das leis e pela divisão de várias
esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições.
Como um conceito aberto e dinâmico, a democracia permite enormes diferenças de
interpretação, pois são os que a constroem na prática que definem e delimitam
a
abrangência e a sua realidade espaço-temporal.
Para tanto é necessário que tenhamos a clareza do enorme desafio que representa
para os países da América Latina, garantir uma política democrática capaz de reinventar-se
permanentemente, possibilitando às comunidades dos diferentes países uma democracia
verdadeira centrada na inclusão e não na marginalização e exclusão sociais.
A abundante literatura produzida por cientistas sociais e políticos da região, reflete
com base nos intensos debates sobre o que significa realmente a democracia real, um certo
pessimismo calcado na premissa de que é extremamente difícil conceber-se uma
democracia com um contingente tão grande de excluídos.
Em uma época de desigualdades sociais crescentes, será a democracia eleitoral
suficiente para garantir um projeto democrático de nação?
Carlos Nelson Coutinho, também um estudioso da questão, nos fornece elementos
para a reflexão, a partir de uma concepção que supera o conceito de democracia liberal e
de democracia minimalista como a promovida pelo neoliberalismo.
Para ele “democracia é soberania popular, é construção de uma comunidade
participativa, é igualdade”
Neste conceito COUTINHO ( 2000), incorpora “determinadas conquistas liberais,
considerando-as imprescindíveis à democracia (penso nos direitos civis, no direito de
expressão, no direito ao livre pensamento,etc) ,mas que incorpora também outros direitos
democráticos, como, sobretudo, o direito à participação”.(sic)
Referindo-se exclusivamente sobre a questão em um dos países da América Latina,
o nosso, ele assim se expressa:
“a democracia só realizará seu valor universal no Brasil se essas
grandes massas de excluídos forem incorporadas ao processo social como
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autênticos protagonistas. Só pode haver democracia para as grandes
massas da população se elas forem capazes de se organizar, de expressar
seus anseios e de obter efetivamente conquistas sociais, culturais e políticas
no quadro de uma institucionalidade em permanente expansão. Assim, a
democratização é um valor universal sobretudo porque é um permanente
desafio. Nunca poderemos chegar a um ponto que nos permita dizer que a
democracia está acabada. A democracia é um processo que devemos
conceber como em permanente construção”.
E como projeto em construção a democracia que buscamos deve sustentar uma
sociedade democrática na qual todos os seus integrantes possam ter as suas necessidades
fundamentais atendidas , permitindo-lhes uma forma digna de viver.
Como garantir as reformas profundas que possam conduzir a uma proposta
alternativa de desenvolvimento? Como resgatar os valores da existência humana?
Estas e outras tantas questões conduzem necessariamente o pensamento para a
formação dos recursos humanos capazes de a partir da reforma do pensamento, como quer
Morin, empreenderem as reformas inadiáveis nos sistemas de ensino.
Neste plano, os desafios maiores se apresentam para o ensino superior que forma
profissionais e cidadãos tanto na graduação, como na pós-graduação.
Liderar as reformas de ensino apresenta-se hoje como o maior compromisso da
universidade, que sendo resultante de um esforço de criação e sustentação por parte da
sociedade, deve repartir com segmentos, cada vez mais amplos, as suas conquistas e
descobertas no campo do ensino e os resultados da produção do saber que gera no campo
da pesquisa e da extensão, reduzindo as desigualdades, combatendo a exclusão,
melhorando a formação profissional e aumentando a participação cidadã.
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4.
A participação cidadã e as políticas públicas para o ensino superior
Os processos participativos configuram-se sempre como oportunidades únicas de
aprendizagem do e sobre o social e como campo aberto às inovações, favorecendo as
mudanças sociais, constituindo-se em embriões de uma cultura de participação e
melhorando as perspectivas de sustentabilidade das ações.
Uma retomada da literatura existente sobre a questão da participação vai nos
apontar que a sua redução tem se dado , principalmente entre os jovens, nas estruturas
político-partidárias, pelo próprio comportamento tradicional dos partidos políticos e, dentre
os mais velhos por um forte sentimento de indiferença e até mesmo de ceticismo quanto às
possibilidades de mudanças sustentadas por uma democracia eleitoral.
Torna-se necessário, no entanto ampliar o debate e colocar a participação como
elemento chave para a construção de um projeto de nação, efetivamente democrático. Um
projeto que possa dar respostas às demandas da sociedade abrindo caminhos para outro tipo
de desenvolvimento, contando com uma participação vigorosa da sociedade civil, dos
cidadãos.
Como diz Nogueira (1999) trata-se de reinventar a política como prática e como
projeto, de retomar
a dimensão política de modo que se possa ir além da política
tradicional, geralmente conduzida pelos políticos e seus partidos, alcançando a vida mesma
das pessoas.
Para Maria da Glória GOHN (2001), que tem se destacado nos estudos de
estratégias para aumentar a participação popular, na formulação e na implementação das
políticas públicas,
“o conceito de participação cidadã está lastreado na universalização
dos direitos sociais, na ampliação do conceito de cidadania e em uma nova
compreensão sobre o papel e o caráter do Estado, remetendo à definição das
prioridades nas políticas públicas a partir de um debate público. A participação
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passa a ser concebida como intervenção social periódica e planejada, ao longo
de todo o circuito de formulação e implementação de uma política pública,
porque toda a ênfase passa a ser dada nas políticas públicas”.
A partir deste conceito não é somente a sociedade civil a responsável pela
dinamização dos canais de participação, mas também as políticas públicas.
A participação cidadã amplia os direitos de cidadania e remete a formulação das
políticas públicas a um debate público. Formulá-las, pois, no âmbito do ensino superior
implica em manter em estado de debate, de mobilização permanente e participação ativa
professores, técnico-administrativos e alunos, e que, como resultado desse movimento,
continuem engajados na construção de um modelo de estrutura organizacional flexível, leve
e ágil que favoreça as demandas da produção e sistematização do conhecimento inter e
multidisciplinar, exigência dos tempos atuais.
Uma das principais implicações da revisão do conceito de democracia no ensino
superior certamente situa-se na conquista da autonomia como condição de ser da
Universidade.
Uma autonomia sustentada por uma liberdade acadêmica responsável e que permita
rever o papel da universidade no processo de formação de cidadãos e profissionais, a partir
dos desafios de superar a crise das especialidades tradicionais e por outro lado atender a
rápida expansão da demanda por profissionais cultos, dotados de conhecimentos gerais e,
por isso mesmo, flexíveis, com capacidade de assumir diferentes funções e, sobretudo, de
enfrentar soluções e problemas inéditos.
Esses dois desafios são suficientes para causar uma verdadeira revolução no
entendimento do que é qualidade acadêmica, com as necessidades imediatas de construção
de um projeto político-pedagógico centrado na formação para a convivência democrática,
na consolidação de um projeto de democracia, que implica em proporcionar o encontro de
diferentes pontos de vista sobre o mundo, a vida e a sociedade com a necessária revisão do
currículo, do processo de ensino-aprendizagem e da avaliação intra e extra sala de aula.
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Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável
Implica também, segundo RIVERA (2000), uma nova liderança universitária, que
frente ao ambicioso projeto de impulsionar a articulação entre as políticas de educação
superior, com as da ciência e tecnologia, coloque a universidade pública como centro do
processo de coordenação de tais políticas. Uma liderança que, compreendendo tais desafios,
possa fazer frente aos tradicionais corporativismos instalados nas universidades.
A partir desta compreensão está a universidade brasileira e por extensão a latino
americana,estruturalmente organizada para mudar?
A crise do Estado, as freqüentes ameaças à universidade pública e gratuita, os
“riscos” da autonomia plena, têm levado a debates efetivos e à conscientização da
comunidade universitária, no que tange à idéia de uma universidade que possa fazer frente
a questões como essas e de outras mais, como por exemplo, a da criação de uma cultura
científica na sociedade, erradicando o analfabetismo científico que hoje prevalece?
Trazer este debate para o interior das universidades é fundamental para que elas
possam autonomamente buscar seu novo papel na nova economia e na sociedade do
conhecimento, em gestação. Neste papel deve caber além da formação, a produção do
conhecimento novo e a sua disseminação por meio de serviços para a comunidade local e
regional, para os governos e para a sociedade em geral e a discussão dos rumos alternativos
que se abrem à evolução social e econômica.
A globalização excludente, a reforma do Estado e a crise universitária exigem
respostas criativas que possam inclusive estabelecer as bases para uma globalização
alternativa, que supõe uma mudança nas condições atuais, de modo que a centralidade de
todas as ações seja localizada no homem, conforme já enfatizamos no início deste texto.
Aliada a esses desafios de pensar o novo encontra-se a questão da democratização
do ensino superior como condição para que o cidadão possa não só mas, dele sair com a
competência demandada pela sociedade.
Democratizar o ensino implica em pensar novas formas de acesso, garantindo
àqueles que chegam a universidade uma permanência com qualidade acadêmica e
pertinência social. Para tanto, se faz necessário pensar em formação continuada de
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professores, em articulação da graduação com a pós-graduação, em pesquisa institucional,
em produção e disseminação do conhecimento.
O esforço de articulação entre a graduação e a pós-graduação deve ser realizado a
partir de diretrizes e linhas de pesquisas comprometidas com a busca da qualidade e da
excelência acadêmicas, objetivos maiores de uma universidade na contemporaneidade.
Como uma bem sucedida proposta de formação continuada de seus professores, a
área de Educação da PUCPR dá exemplo mantendo articulados em torno de núcleos
temáticos inter e multidisciplinares, professores do Programa de pós-graduação, de
graduação, alunos de pós e de graduação, que se reúnem e dedicam seis horas semanais do
seu tempo na universidade á pesquisa .
Assim é por meio da pesquisa científica que os professores distribuídos por catorze
grupos, ampliam seus conhecimentos e modificam as suas práticas docentes, tornando
evidente que o ensino de qualidade que se almeja é resultante da associação entre ensino e
pesquisa.
A formação continuada dos professores por meio da pesquisa científica tem
possibilitado a publicação dos artigos elaborados pelos professores da graduação nos seus
grupos de pesquisa, o que, mais que socializar e disseminar conhecimentos, vem de forma
incontestável, reafirmar que a universidade avança em qualidade porque associa ensino,
pesquisa e extensão.
A não associação das três funções tem segundo Marilena Chauí conseqüências
nefastas sobre a qualidade acadêmica.
Segundo ela CHAUÍ (2001), “o que não parece interessante-e, sob certos aspectos,
parece tacanho, estreito e autoritário – é distinguir ensino e pesquisa como atividades
realizadas por professores diferentes, ensejando a pobreza da docência, o conformismo
dos estudantes e a discriminação entre professor e pesquisador, discriminação
que,...incidirá sobre o sistema de poder da universidade.”
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Uma docência que acompanhe as demandas do tempo presente é condição para a
democratização da educação superior.
Sendo assim não basta a expansão quantitativa do número de vagas, pois esta
freqüentemente promove uma democratização as avessas, sem garantia de permanência do
aluno e de pertinência social do processo de formação.
As políticas públicas para o ensino superior devem traduzir compromissos de
mudanças necessárias aos tempos atuais. Mudanças alicerçadas na democracia e na
autonomia plena, aquela que contempla não a autonomia financeira, como desobrigação do
Estado de manutenção das universidades públicas, mas a autonomia de gestão financeira
que pressupõe o exercício de alocação dos recursos em função das suas necessidade e
prioridades.
Assim as políticas para o ensino superior deverão contemplar formas de garantir:
•
A expansão do acesso com permanência, qualidade e ampliação dos direitos de
cidadania.
•
Uma formação resultante de aprendizagem efetiva, relevante e pertinente.
•
A reestruturação do fazer acadêmico articulando descentralização administrativa e
integração institucional.
•
A interação efetiva com os diversos segmentos da sociedade.
•
A construção de pontes para o futuro revendo os paradigmas que norteiam as
atividades acadêmicas, tanto no processo de formação envolvendo currículo,
ensino-aprendizagem, avaliação, como na articulação da graduação com a pósgraduação, na produção e disseminação do conhecimento e na gestão.
•
A qualidade das condições de trabalho para docentes/pesquisadores e técnicoadministrativos, pela valorização e qualificação profissional, traduzida por melhores
salários.
•
A autonomia universitária como condição do “Ser Universidade”.
É neste quadro referencial que se deve pensar o debate público para a formulação das
políticas públicas para o ensino superior, fazendo convergir os esforços da universidade
brasileira e latino americana para a “aventura de criar novos pensamentos” e usá-los na
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Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável
busca de um mundo novo, uma universidade nova, capaz de planejar a sua própria utopia
de modernidade, com democracia interna, participação, representatividade e legitimidade.
Como parte do que convencionamos chamar de sistema de universidades latino –
americanas a universidade brasileira necessita
estar atenta para a análise tão bem
formulada por Luis Yarzabal em seu texto Educación Superior Contemporânea na América
Latina.
O cenário sob o qual desenvolve-se o ensino superior:
“ requiere con urgencia la puesta en marcha de una transformación
radical de la educación superior latinoamericana con el fin de detener su
instrumentalización por parte del modelo neoliberal y colocarla en condiciones de
contribuir a la formulación e implementación de una estrategia alternativa de
desarrollo humano. En tal estrategia debieran ser incluidos:
el estudio y la
promoción de políticas de Estado para integrar a América Latina a la sociedad del
conocimiento; mecanismos adecuados para organizar los subsistemas de
educación superior; estrategias que permitan acelerar y profundizar la
transformación de las universidades públicas; mecanismos aptos para asegurar la
evaluación y acreditación de programas e instituciones públicos y privados;
acciones que incrementen la capacidad de investigación científica e innovación de
los sistemas de educación superior; y medidas que permitan elaborar opciones de
organización social alternativas a la democracia oligárquica impuesta por la
ideología neoliberal.”
Só assim será possível pensar em participação cidadã, em políticas públicas
formuladas pela e para a comunidade, em planejamento compartilhado e no
desenvolvimento humano sustentável, como possibilidade de construção de uma
globalização alternativa.
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Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável
5.
Estudos avançados em educação superior, democracia e desenvolvimento
humano sustentável
O
desenvolvimento
de
estudos
em
torno
da
temática
Democracia
e
Desenvolvimento Humano Sustentável, tem por objetivos voltar os olhares da
universidades e das instituições de ensino superior para as necessidades sociais dos
cidadãos auxiliando na construção da cidadania e sustentando o projeto democrático da
nação. Eles têm sido desenvolvidos sob a forma de pesquisas que investigam : as políticas
de acesso e permanência no ensino superior; a pertinência social dos processos de
formação; a internacionalização dos conhecimentos e a sustentabilidade política,
educacional, cultural, econômica e ambiental, como diretriz do processo de formação do
cidadão.
Esta linha de investigação tem por fundamento analisar o desempenho da educação,
em especial da educação superior, como ação política que se desenvolve em uma
multiplicidade de esferas sociais. Articulando atividades de ensino, estudos, pesquisas e
interação com a comunidade, busca preparar o professor para o exercício da liderança
intelectual que lhe cabe como participante do sistema educacional.
Para tanto, a partir de princípios como a autonomia, a participação, a democracia e
a integração os professores e mestrandos estudam as relações entre Estado e Sociedade
buscando conhecer, analisar e avaliar as políticas universitárias frente aos desafios da
construção de um desenvolvimento social mais harmônico e do estabelecimento de
diretrizes políticas de um processo de formação que possibilite o desenvolvimento do
pensamento crítico, a formação integral e a formação de valores no mundo acadêmico, no
mundo da vida e do trabalho.
O desafio da construção de uma educação superior que tenha na qualidade seu
pressuposto fundamental de ressignificar o sentido da vida, resgatando no homem a sua
verdadeira
humanidade, tem se constituído em busca permanente dos sistemas
educacionais que se dedicam à formação principalmente pela certeza de que
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Educação Superior, democracia e desenvolvimento humano sustentável
“A universidade não vive isolada. Faz parte de um conjunto, que sem as reformas efetivas
do sistema produtivo, e sem medidas que provoquem uma redistribuição da riqueza do País
leva a uma democracia falsa”(Dias, 1995).
Referências Consultadas
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Le Monde, 1998
CERNEA, Michael. “ The building blocks of participation: testing botoom-up planning”
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CHAUÍ, M.S. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Editora UNESP, 2001
COUTINHO, C.N. Contra a corrente: ensaio sobre democracia e socialismo. São Paulo:
Cortez, 2000.
GOHN, Maria da Glória, Conselhos Gestores e participação sociopolítica. São Paulo:
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DIAS, M.A . Novo modelo. In : Jornal da UNB, ano II nº 15 jul. 1995.
NOGUEIRA, Marco. Um Estado para la sociedad civil. Revista Reforma y Democracia.
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RIVERA, M. Tejiendo Futuro:Los caminos posibles del desarrollo social . San Juan:
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SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001
YARZABAL, L.Consenso para mudança na Educação Superior. Curitiba: Champagnat,
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________,Educação superior, democracia e desenvolvimento humano sustentávelCuritiba, 2002,(mimeo)
M. A. Sabbag Zainko- Texto apresentado no Seminario Internacional de Políticas e Gestão da Educação
Superior, Curitiba, junho de 2002
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